Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:017/16
Data do Acordão:05/31/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS
MÉTODOS INDICIÁRIOS
IRC
Sumário:I - O uso da expressão contida no n.º 1 do artigo 47.º do Código do IRC (na redacção da Lei n.º 30-C/92 de 28/12) «nos termos das disposições anteriores» não é sinal excludente do apuramento da matéria colectável por métodos indiciários.
II - O artigo 47.º n.º 2 do Código do IRC não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos.
Nº Convencional:JSTA000P21913
Nº do Documento:SA220170531017
Data de Entrada:01/08/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 26 de Outubro de 2015, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….., S.A., com os sinais dos autos, contra liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2009 no montante de € 46.169,14, apresentando para tal as seguintes conclusões:
a) O objecto da Impugnação é a liquidação de IRC do exercício de 2009 que não considerou os prejuízos fiscais apurados em 2005 com recurso a métodos indirectos;
b) A douta decisão sob recurso entendeu, relativamente à aplicação do n.º 2 do então em vigor artigo 47.º do CIRC, actual art. 52.º , que o legislador não distinguiu o modo de apuramento dos prejuízos, mas apenas que “não tenham sido anteriormente deduzidos”.
c) Considerou ainda a Mmª juiz a quo que a impossibilidade do reporte de tais prejuízos seria incompatível com a regra da solidariedade dos exercícios e com o princípio da capacidade contributiva e de acordo com o rendimento real;
d) Salvo melhor e douta opinião, entende a Fazenda Pública que o art. 47.º do CIRC, à data, exige que os prejuízos fiscais dedutíveis sejam apurados das disposições anteriores, pelo que não podem ser deduzidos prejuízos com recurso a métodos indirectos que vêm previstos no CIRC em momento posterior;
e) Mas não são apenas razões de interpretação sistemática do CIRC que estão na origem da decisão recorrida;
f) A admissibilidade de reporte de prejuízos apurados nos termos dos artigos anteriores ao 47.º (isto é, com base na contabilidade do sujeito passivo) não deduzidos por existir um ou mais exercícios em que a matéria colectável foi apurada com recurso a métodos indirectos, faz concluir a inadmissibilidade do reporte, em qualquer circunstância, dos prejuízos apurados por avaliação indirecta;
g) Aqui se adere à fundamentação apresentada pelo voto de vencido nos doutos Acórdãos desse Supremo Tribunal Administrativo proferidos nos Processos N.º 01026/05 de 25 de Janeiro de 2006 e N.º 1234/05 de 22 de Novembro de 2006;
h) Logo, contrariamente ao decidido na douta sentença, a liquidação impugnada não padece de vício de violação de lei, pelo que ao decidir como decidiu, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, violando o disposto no art. 47.º do CIRC, em vigor à data dos factos;
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.

2 – Contra-alegou a recorrida, nos termos de fls. 123 a 126, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do julgado recorrido.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
«A solução adoptada na sentença recorrida corresponde a jurisprudência que se terá consolidado, ainda que sem unanimidade.
O recurso parece, assim, de improceder.»

4 – Foram colhidos os vistos legais dos adjuntos do primitivo Relator.

5 – Em cumprimento do despacho n.º 3/2017, de 25 de Janeiro, do Exmo Senhor Juiz Conselheiro Presidente foram os autos redistribuídos à actual Relatora.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -
6 – Questão a decidir
É a de saber se artigo 47.º do Código do IRC, na redacção em vigor à data dos factos – 2009 - impedia que ao lucro tributável apurado com base na contabilidade do sujeito passivo fossem deduzidos prejuízos fiscais apurados por métodos indirectos.

7 – Na sentença objecto de recurso foram fixados os seguintes factos:
A) A Impugnante é uma sociedade por quotas e tem como atividade principal, “Outras Atividades Desportivas, N.E.” (CAE 93192) (cfr. fls. 25 e 52 do p.a.);
B) Em 18/06/2004 foi apresentado pela Impugnante, Declaração de rendimentos referente a IRC do exercício de 2003 (cfr. fls. 37 a 39 do p.a.);
C) Em 01/06/2005 foi apresentado pela Impugnante, Declaração de rendimentos referente a IRC do exercício de 2004 (cfr. fls. 41 a 43 do p.a.);
D) Em 28/09/2008 foi apresentado pela Impugnante Declaração de rendimentos referente a IRC do exercício de 2007 (cfr. fls. 44 a 45 do p.a.);
E) Em 27/05/2010 foi apresentada pela Impugnante Declaração de rendimentos referente a IRC do exercício de 2009 (cfr. fls. 47 a 50 do p.a.);
F) Com referência ao ano de 2005 foi apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária um resultado negativo desse exercício no montante de €421.418,21 por métodos indiretos (cfr. fls. 31 do p.a.);
G) No ano de 2007 e 2008 foram apurados resultados negativos no montante de €217.818,55 e €103.359,50, respetivamente (cfr. fls. 77 a 84 do p.a.);
H) Em 08/02/2008 foi emitida a Ordem de Serviço n.º OI 200800109 que originou uma acção externa de inspecção levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária II, da Direcção de Finanças de Faro (cfr. fls. 25 do p.a.);
I) A acção de inspecção foi iniciada em 18/02/2008 e concluída em 19/02/2008 (cfr. fls. 25 do p.a.);
J) Foi elaborado projeto de relatório final de inspeção e notificada a Impugnante que veio apresentar requerimento de resposta (cfr. fls. 35 do p.a.);
K) Em 20/03/2008 foi elaborado o relatório final, o qual se tem por reproduzido para todos os legais efeitos (cfr. fls. 20 a 35 do p.a.);
L) Em 11/04/2008, sobre o relatório da inspecção tributária recaiu o seguinte despacho: “Concordo”, proferido pelo Director de Finanças Adjunto de Faro (cfr. fls. 20 do p.a.);
M) Em 26/05/2009 foram emitidas as liquidações adicionais n.º 09076386 no valor de €5.131,02; (cfr. fls. 18 a 20 dos autos);
N) Em 29/08/2011 foi emitida a liquidação n.º 20112310399723 no valor de €46.169,14 (cfr. fls. 17 dos autos).

8 – Apreciando.
8.1 Da possibilidade de reporte de prejuízos apurados por métodos indirectos ou indiciários ao lucro tributável apurado por métodos directos
A sentença recorrida, a fls. 94 a 101 dos autos, julgou procedente a impugnação deduzida contra liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2009, originada em correcções efectuadas pela AT àquele exercício e traduzidas na desconsideração do reporte de prejuízos fiscais de exercícios anteriores apurados por métodos indirectos, no entendimento - conforme ao deste Supremo Tribunal, que cita, transcreve e acompanha-, de que, contrariamente ao entendimento da AT que fundamentou as correcções que estão na origem da liquidação impugnada, é possível deduzir aos lucros tributáveis apurados através de avaliação directa os prejuízos de exercícios anteriores ainda não deduzidos, ainda que tais prejuízos tenham sido apurados através de métodos indirectos, razão pela qual entendeu proceder o invocado erro na determinação da matéria colectável do exercício de 2009.
Não se conforma com o decidido a Fazenda Pública, alegando que o art. 47.º do CIRC, à data, exige que os prejuízos fiscais dedutíveis sejam apurados das disposições anteriores, pelo que não podem ser deduzidos prejuízos com recurso a métodos indirectos que vêm previstos no CIRC em momento posterior e que a admissibilidade de reporte de prejuízos apurados nos termos dos artigos anteriores ao 47.º (isto é, com base na contabilidade do sujeito passivo) não deduzidos por existir um ou mais exercícios em que a matéria colectável foi apurada com recurso a métodos indirectos, faz concluir a inadmissibilidade do reporte, em qualquer circunstância, dos prejuízos apurados por avaliação indirecta, aderindo à fundamentação apresentada pelo voto de vencido nos doutos Acórdãos desse Supremo Tribunal Administrativo proferidos nos Processos N.º 01026/05 de 25 de Janeiro de 2006 e N.º 1234/05 de 22 de Novembro de 2006 e imputando à sentença recorrida erro de julgamento de direito por violação do disposto no art. 47.º do CIRC, à vigor à data dos factos.
Vejamos.
A questão colocada a este Tribunal no presente recurso não é nova, nem novos são os argumentos esgrimidos pela Fazenda Pública na sua alegação para procurar obviar à possibilidade de dedução de prejuízos fiscais determinados por métodos indirectos a lucros tributáveis determinados com base na contabilidade.
A tais argumentos tem este STA vindo a dar resposta no sentido acolhido na sentença recorrida, constituindo tal entendimento jurisprudência consolidada da Secção, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer, há mais de uma década, aliás.
E é o entendimento que mais se adequa os princípios fundamentais que regem a tributação das empresas, daí que desde há muito seja também o preconizado pela melhor doutrina - cfr. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária; Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação administrativa, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 173, Lisboa, 1995, nota 452 de pp. 453/454: No regime actualmente definido pelo n.º 2 do art.º 46.º do Código do IRC, – correspondente ao n.º 2 do artigo 47.º do mesmo Código na redacção em vigor à data dos factos (2009) – em exercícios com lucros praticados segundo métodos indiciários os prejuízos não são dedutíveis. Mas podê-lo-ão ser em exercícios posteriores, calculados segundo os métodos normais, se não tiver havido preclusão temporal deste direito. (sublinhados nossos), não havendo razões para deles dissentir.
Consignou-se no Acórdão deste STA de 9 de Novembro de 2005, rec. n.º 0495/05, perante norma semelhante ao artigo 47.º do Código do IRC (em vigor em 2009), em resposta ao argumento sistemático ainda agora invocado pela recorrente Fazenda Pública:
«(…) diz a Administração Fiscal, o número 1 do artigo 46º do CIRC fala de «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores». Ora, como as disposições anteriores não se referem ao apuramento de resultados por métodos indirectos, de que só adiante o Código se ocupa, o legislador só admite a dedutibilidade dos prejuízos apurados a partir da contabilidade, e só deles. E, sendo esta a única norma que se ocupa da dedutibilidade de prejuízos, os apurados por métodos indiciários não são, nunca, dedutíveis.
Há várias razões que impossibilitam esta leitura da norma.
Desde logo, a sua letra:
Não é verdade que as normas anteriores ao artigo 46º se refiram, exclusivamente, ao apuramento da matéria colectável pelo método directo. O artigo 16º enuncia os métodos para a determinação da matéria colectável, referindo, expressamente, a possibilidade de o ser por via indiciária.
Por outro lado, se o legislador quisesse obstar ao reporte dos prejuízos apurados por métodos indirectos diria isso mesmo, de modo afirmativo. Mas não só o não fez, claramente, no nº 1, como no número 2 do artigo 46º, voltando a referir-se aos prejuízos anteriormente apurados, para dizer quando podem e quando não podem ser deduzidos, não distingue o modo do seu apuramento.
Por último, a impossibilidade de reporte de prejuízos apurados por métodos indirectos seria incompatível com a regra da solidariedade dos exercícios e com a da tributação conforme a capacidade contributiva e de acordo com o rendimento real.
A capacidade contributiva de um sujeito passivo de IRC não se revela, só, pelo benefício obtido num determinado período de tempo, artificialmente autonomizado: essa capacidade, assim patenteada, está inflacionada se ele suportou anteriormente perdas, uma vez que o resultado positivo vai ser aplicado na compensação do anterior prejuízo. E as perdas não deixam de o ser só porque não foram apuradas a partir dos seus elementos contabilísticos, mas a partir de índices de que a Administração fez uso. Por detrás do resultado fiscal não deixa nunca de estar o facto tributário, independentemente do método por que se chegou ao seu apuramento e quantificação. [Significativo é que a fundada dúvida de que falava o artigo 121º do Código de Processo Tributário (CPT) e é hoje tratada no artigo 100º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) conduza à anulação do acto de liquidação, quer tenham sido utilizados métodos indirectos, quer o não tenham sido, apenas com a ressalva do nº 2 de ambos os apontados artigos]. É que não há tributação sem facto tributário, seja qual for o modo como este se patenteie – por acção do contribuinte, declarando-o ou evidenciando-o na sua contabilidade, ou por acção da Administração, pelo conhecimento que lhe chegou por qualquer meio, ou extraindo-o de elementos seus conhecidos.
Assim, o facto tributário, e a respectiva quantificação, a que a Administração chega mediante métodos indirectos, não deixa de ser um verdadeiro facto tributário, tão verdadeiro como o que é revelado pelas contas do sujeito passivo. A Administração age utilizando índices, partindo de factos que conhece para aceder a outros, desconhecidos, mediante métodos indiciários, socorrendo-se de regras da experiência, assim desembocando na quantificação do facto tributário. Num caso, os factos são evidenciados pela contabilidade; no outro, são apurados pela Administração Fiscal – mas sempre o apuramento da situação contributiva se funda em factos, e a tributação incide sobre o rendimento real.
É verdade que a matéria colectável apurada por métodos indirectos não goza de um grau de certeza tão elevado quanto a que tem a resultante da contabilidade. Mas a diferença não está na substância, mas só no grau, sendo certo que, como já se notou, mesmo uma contabilidade escorreita pode revelar um resultado do exercício discutível. E se, apurada matéria colectável positiva, ainda que por métodos indiciários, se segue a tributação, do mesmo modo que acontece quando aquela matéria resulta da contabilidade, então, também o apuramento de uma matéria colectável negativa através de métodos indirectos não pode ter consequências diferentes das que tem o apuramento contabilístico de um resultado fiscal negativo: o reporte dos prejuízos.
Em súmula, a expressão do número 1 do artigo 46º do CIRC «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores», não significa que só os prejuízos apurados na base da contabilidade do sujeito passivo são dedutíveis. Deve ser entendida como referência global ao conjunto normativo que o Código dedica à incidência do imposto (artigos 1º a 7º), isenções (artigos 8º a 14º) e determinação da matéria colectável, sendo certo que, antes do artigo 46º citado, o artigo 16º aponta a existência de dois métodos de determinação da matéria colectável: com base na declaração do contribuinte e por obra da Administração. Ou seja, o uso da expressão «nos termos das disposições anteriores» não é sinal excludente do apuramento da matéria colectável por métodos indiciários.»
(fim de citação).

É este entendimento, rearfimado em vários Acórdãos posteriores, designadamente os invocados pela sentença recorrida – e que correspondente a uma orientação jurisprudencial firme e consolidada, embora não unânime da Secção (cfr. as declarações de voto apostas nos Acórdãos de 25 de Janeiro de 2006, rec. n.º 1026/05, de 22 de Novembro de 2006, rec. n.º 1234/05 e de 1 de Janeiro de 2007, rec. n.º 589/06) -, que aqui também se adopta, pois que, além do mais, a entendemos bem fundada.
E deste modo, impõe-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que nenhuma censura merece.

- Decisão -
9 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Maio de 2017. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Dulce Neto.