Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0289/20.9BEALM |
Data do Acordão: | 11/04/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | GARANTIA DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA LEI GERAL TRIBUTÁRIA |
Sumário: | I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. art. 342.º do CC, art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT). II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia. III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar ao executado, em ordem a estabelecer o valor desses bens. |
Nº Convencional: | JSTA000P26676 |
Nº do Documento: | SA2202011040289/20 |
Data de Entrada: | 10/23/2020 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A.............., Lda. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 289/20.9BEALM 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, julgando procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) pela sociedade acima identificada (adiante também denominada Executada, Requerente, Reclamante e Recorrida), anulou o acto do Chefe do Serviço de Finanças do Barreiro, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado em processo de execução fiscal. 1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «I. Discorda-se da decisão de anulação do acto reclamado por, segundo o Tribunal, incorrer o mesmo em erro nos pressupostos, impondo-se à Autoridade Tributária uma actuação mais proactiva, “designadamente, na determinação da situação patrimonial concreta do interessado quando são alegados no pedido apresentado junto do órgão de execução fiscal os factos constitutivos do direito à isenção de prestação de garantia, tal como sucedeu in casu”, pois “optando a AT por indeferir logo o pedido (…) não foi dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório, e que, no fundo, constituem pedras angulares do procedimento administrativo”; II. No caso, como reconhece, o Tribunal, a Reclamante não instruiu “o pedido de dispensa de prestação de garantia com meios de prova quanto ao estado dos bens que possui e que integram o seu activo (imobilizado e existências), assim como quanto à inexistência de ónus sobre os mesmos (…)”. Entende-se, no entanto, mais. Entende-se que em nenhuma prova relevante sustentou a então Requerente o seu pedido; III. Suporta-se, a Sentença, em Acórdão do TCA Sul de 24.01.2020, proc.º 460/19.6 BEALM (invocado pela reclamante na sua petição), no entanto, a realidade em análise nos presentes Autos não é bem a mesma subjacente à do Acórdão fundamento – enquanto ali a documentação apresentada e os dados em posse da Autoridade Tributária são em valor manifestamente inferiores ao da dívida exequenda, na presente situação a realidade é precisamente inversa; IV. Pelo n.º 4 do art. 52.º da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e desde que inexistindo fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado. E nos termos do disposto no n.º 3 do art. 170.º do CPPT, “o pedido a dirigir ao órgão de execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”; V. E como bem reconhecido pelo Tribunal “a quo”, é sobre o executado que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa – art. 74.º n.º 1 da LGT e art. 342.º do Código Civil (CC). No caso isto não aconteceu. Não cumprindo a Requerente com o ónus da prova, nem pouco mais ou menos, entende, no entanto, o Tribunal que este passa a caber à Autoridade Tributária, vinculada ao princípio do Inquisitório; VI. Mas não só nenhuma prova fez a então Requerente, quer da invocada insuficiência de bens, quer do prejuízo irreparável como, face ao montante em dívida e aos bens conhecidos – ainda que sempre dependentes de avaliação – não apenas entendeu a Autoridade Tributária não só não estar provada a insuficiência, como pelo contrário informou a executada de qual o procedimento que deveria seguir para oferecer garantia e mais esclareceu quanto ao facto de, “Estando, ainda, perante um estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica, o mesmo também é passível de penhora, nos termos do artigo 782.º do CPC, sem que a mesma ponha em causa o seu normal funcionamento ou até ê a sua viabilidade e continuidade”; VII. Ou seja, não apenas se verificou uma total ausência de prova das alegadas insuficiência de bens, bem como de verificação de prejuízo irreparável, como a Administração rebateu tais argumentos, considerando poder a dívida ser garantida e afastando qualquer prejuízo irreparável resultante da penhora do estabelecimento. Ficou, a ali Requerente, devidamente elucidada de quais os formalismos que deveria cumprir, e de que, nos termos do disposto na Lei o estabelecimento poderia continuar a laborar, ainda que penhorado; VIII. Não pode o princípio do inquisitório servir para esvaziar a regra geral do ónus de prova a que a Requerente/Reclamante se encontra obrigada na presente situação. Muito menos para afastar a concretização de tal regra constante do no n.º 3 do art. 170.º do CPPT, pelo qual se exige à Requerente não apenas a fundamentação do pedido de facto e de direito, mas a instrução do mesmo com a prova documental necessária – o que manifestamente não foi feito; IX. A seguir o entendimento que fez vencimento, bastará ao Requerente a mera alegação de inexistência de bens e verificação de prejuízo irreparável, competindo à Administração, ao abrigo do princípio do inquisitório, fazer a prova que, por enquanto, a lei exige ao Requerente; X. O mesmo TCA Sul que emitiu o Acórdão fundamento da Sentença recorrida, em Acórdão de 25.06.2020, emitido no Proc.º 633/19.1BEALM, veio concluir: “III - Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa. IV - Por seu turno, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a actuação dolosa do Requerente”; XI. Podendo ler-se na respectiva fundamentação, “E nem se diga, como parece entender a Recorrente [cfr. conclusões y), z), aa)] que cabia à AT e/ou ao Tribunal substituírem-se à requerente e providenciar pelos elementos em falta, evidenciando inclusivamente a Requerente que “estavam ao seu (leia-se, da AT) alcance todos os elementos necessários à análise da situação da recorrente.” A este propósito, diremos que os poderes da AT e do Juiz não servem para colmatar a inércia ou a absoluta falta de diligência das partes, como aqui patentemente aconteceu, sob pena de se esvaziar, por completo, a obrigação das partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe, no que, aliás, seria uma actuação de carácter absolutamente paternalista que entendemos não ser de acolher. De resto, nem sequer foram indicados os elementos/documentos em poder da AT, nem, patentemente, a AT está em condições de se substituir à parte para demonstrar se ela está impossibilitada de suportar uma garantia bancária ou um seguro-caução, conforme alegado”; XII. Com efeito, no artigo 43.º da petição de Reclamação é referido que estavam ao alcance da Administração “todos os elementos necessários à análise da situação da reclamante, no domínio das informações imanentes de bancos, conservatórias e demais instituições”. O que resulta numa afirmação vazia acaba, a final, por ser precisamente o que o Tribunal “a quo”, ao decidir, como decidiu, vai impor à Autoridade Tributária, assim aparentemente obrigada a procurar informações imanentes; XIII. Ao decidir, como decidiu, fez o Tribunal “a quo” uma errada aplicação do Direito, em violação do disposto nos arts. 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT, art. 342.º do CC, e n.º 3 do art. 170.º do CPPT. Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, declarada nula, ou revogada e substituída por douto Acórdão que julgue o pedido improcedente». 1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.4 A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor: «a) A jurisprudência invocada pela recorrente, vertida no Acórdão do TCA Sul de 25/06/2020, proferido no Recurso n.º 633/19.1BEALM, afigura-se inaplicável “in casu”, porquanto, não só foi proferida em face de factualidade distinta, como conduziria, pelo menos na interpretação extraída pela recorrente, salvo o devido respeito pela opinião contrária, à postergação de princípios informadores e basilares do procedimento tributário. b) Como o são, o princípio do inquisitório, o princípio da descoberta da verdade material, da proporcionalidade e o próprio princípio da colaboração a que a AT está vinculada nas relações com os contribuintes. c) De facto, a decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, no caso, uma decisão desproporcionada (neste sentido, vide o Acórdão desse STA de 15/05/2013, tirado no Recurso n.º 0519/13, relatado pela Ilustre Conselheira Fernanda Maçãs). d) Tanto mais que quanto às exigências do requerimento de dispensa de prestação de garantia o art. 170.º, n.º 3, do CPPT limita-se a referir de forma vaga que o pedido deve conter a “fundamentação de facto e de direito” e ser “instruído com a prova documental necessária (neste sentido, vide, ainda o Acórdão desse STA de 15/05/2013, tirado no Recurso n.º 0519/13). e) Acresce que, não se vislumbra quais os interesses que possam justificar a inexistência sequer de um convite para o executado juntar meios de prova em dois ou três dias (neste sentido, vide, ainda o Acórdão desse STA de 15/05/2013, tirado no Recurso n.º 0519/13). E, f) Sendo que a justiça material deve prevalecer sobre a justiça formal, caberia à AT convidar a recorrida a suprir a omissão da prova dos factos alegados, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento da recorrida, obrigando-a a recorrer ao Tribunal, o que poderia ser evitado (neste sentido, vide, ainda o Acórdão desse STA de 15/05/2013, tirado no Recurso n.º 0519/13). g) Para além de que, no mesmo sentido milita o dever de colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento, sendo que a desproporção entre a irregularidade cometida pela recorrida (não juntar os documentos sobre os factos alegados) e a consequência que lhe é associada pela AT é manifesta, não se revelando adequada nem proporcional, (neste sentido, vide, ainda, o Acórdão desse STA de 15/05/2013, tirado no Recurso n.º 0519/13). h) Jurisprudência, que cabe referir, amplamente aplicável nos presentes autos, porquanto, não obstante no Acórdão citado estar em causa um caso de renovação de uma dispensa de garantia já concedida, no Acórdão desse STA de 26/09/2012, tirado no Recurso n.º 0708/12, onde foi proferido o voto de vencido para que aquele remete, estava em causa um pedido de dispensa de garantia. i) De facto, o que na verdade se impõe responder é se a falta de instrução do incidente de dispensa da prestação de garantia, para efeitos de suspensão da execução fiscal, tem como efeito imediato o indeferimento do pedido por falta de prova dos pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, j) Sendo que, atenta a redacção do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, de onde não resulta quais as consequências do incumprimento ou cumprimento defeituoso do ónus de instrução desse incidente, tal resposta só pode ser negativa (neste sentido, vide, o voto de vencido do Ilustre Conselheiro Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, proferido no já citado Acórdão desse STA de 26/09/2012, tirado no Recurso n.º 0708/12). k) Antes se impondo ao órgão de execução, diligências no sentido do suprimento da irregularidade, “convidando” o requerente a instruir o pedido ou, caso disponha dos elementos sobre a situação económica do executado, juntá-los ao incidente e decidir em função deles (neste sentido, vide, ainda, o voto de vencido do Ilustre Conselheiro Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, proferido no Acórdão desse STA de 26/09/2012, tirado no Recurso n.º 0708/12). l) A tal obriga a constatação de que, na compatibilidade entre o princípio da auto-responsabilidade das partes, concretizado no ónus de instrução do requerimento, com o princípio da colaboração, tem preponderância este último, dada a dificuldade que o executado pode ter em apresentar prova de factos negativos em tão pouco tempo, (neste sentido, vide, ainda, o voto de vencido do Ilustre Conselheiro Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, proferido no Acórdão desse STA de 26/09/2012, tirado no Recurso n.º 0708/12). m) Mais, aplicando supletivamente as regras do processo civil, chega-se à conclusão que o órgão de execução fiscal não pode ficar indiferente à ausência de instrução do incidente e avançar logo para a aplicação das regras do ónus da prova, impondo-se, antes, uma atitude “pro actione” que possibilite, na medida do possível, a prova dos factos alegados, (neste sentido, vide, ainda, o voto de vencido do Ilustre Conselheiro Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, proferido no Acórdão desse STA de 26/09/2012, tirado no Recurso n.º 0708/12). n) Pelo que, por todo o exposto, antes de indeferir o requerimento com fundamento no ónus da prova, impunha-se que a AT verificasse os elementos que detinha em seu poder e, em caso de dúvida, solicitasse à recorrida que instruísse o respectivo pedido com os documentos em falta (neste sentido, vide, ainda, o voto de vencido do Ilustre Conselheiro Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, proferido no Acórdão desse STA de 26/09/2012, tirado no Recurso n.º 0708/12). o) Tanto mais, que no despacho na génese dos presentes autos, se admite que a AT desconhece, por falta de elementos, se a ora recorrida tem meios para prestar garantia. p) No entanto, não solicitou a AT quaisquer elementos adicionais, que entendesse necessários à decisão, limitando-se a indeferir o pedido. q) O que lhe cabia fazer ao abrigo do princípio do inquisitório, do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, solicitando a este o esclarecimento de dúvidas e os elementos de prova adicionais ou complementares a seu ver necessários para poder formular um juízo fundado sobre a alegada situação de insuficiência, pelo que o não fazendo, optando por indeferir logo o pedido, o acto reclamado incorreu em erro nos pressupostos, vício determinante da sua anulação” (neste sentido, vide, o recente Acórdão do TCA Sul de 24/01/2020, tirado no Recurso n.º 460/19.6BEALM). r) Não se pode ainda deixar de referir, que a busca da verdade material não permite a omissão das restantes partes, intervenientes no processo, não se bastando com o alcançar de uma verdade formal, exigindo antes, que se arrede o primado do princípio do dispositivo, ao menos temperando-o com o inquisitório. s) Ora se o juiz, no percurso para atingir a verdade material pode e deve investigar os fatos, sem subordinação às provas apresentadas ou requeridas pelas partes, é impróprio falar-se de um ónus subjectivo da prova (neste sentido, vide, o Acórdão desse STA, de 7/05/2003, proferido no Recurso n.º 1026/02). t) Ora, no sentido do Acórdão citado no ponto anterior, resulta evidente que cabe também, como forma de responder à questão da falta de provas da falta de capacidade financeira e/ou da existência ou não de bens suficientes, que a AT faça o que lhe compete, ao contrário do peticionado pela recorrente. u) Estavam ao seu alcance todos os elementos necessários à análise da situação da ora recorrida, no domínio das informações imanentes de bancos, conservatórias e demais instituições, mediante os poderes que são conferidos à AT, no acesso a todos os dados. v) Bem como, estavam ao seu dispor os elementos e documentos em poder da recorrida que a AT tivesse por necessários. w) Mais, sendo que os despachos de indeferimento de pedido de isenção de prestação de garantia não são precedidos de audição prévia, o princípio do inquisitório e o dever de colaboração devem assumir uma dimensão com maior significado e alcance, tal como foi decidido na douta Sentença recorrida, que também nesta parte, não merece qualquer censura. x) Ora, a entender que os elementos apresentados não eram suficientes, deveria a AT ter solicitado os elementos adicionais que julgasse necessários à apreciação do pedido, incluindo junto da ora recorrida, contribuindo assim para a descoberta da verdade material. y) Pelo que, optando a AT por indeferir logo o pedido, o despacho que indeferiu a peticionada dispensa de garantia, incorreu em erro nos pressupostos, vício determinante da sua anulação, na senda da jurisprudência que emana dos acima citados Acórdãos, desse STA de 15/05/2013, tirado no Recurso n.º 0519/13 e do TCA Sul de 24/01/2020, tirado no Recurso n.º 460/19.6BEALM. z) Assim, por todo o exposto, a douta Sentença recorrida ao julgar a reclamação procedente, por provada, e, em consequência, ter determinado a anulação do acto reclamado preconizou uma adequada interpretação das normas jurídicas aplicáveis, não merecendo qualquer censura, devendo assim, permanecer na ordem jurídica, Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado improcedente, pelas razões expendidas, e em consequência, mantida a douta Sentença do Tribunal “a quo”, na ordem jurídica, com todas as consequências legais daí advindas». 1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a reclamação apresentada ao abrigo do art. 276.º do CPPT. Isto, após enunciar os termos do recurso e da sentença recorrida, com a seguinte fundamentação: «[…] A questão que se coloca consiste em saber se a sentença padece do erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 52.º, n.º 4, e 74.º, n.º 1, da LGT, 342.º do Código Civil, e n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, na apreciação que fez da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia. 1.6 Cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a dirimir a de saber se o Tribunal a quo fez correcto julgamento quando considerou que o órgão da execução fiscal não podia indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «A. Em 6.1.2020, foi instaurado em nome da Reclamante pelo Serviço de Finanças do Barreiro o PEF n.º 2160202001000721, para cobrança coerciva de dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA»), no montante de € 36.735,30 – facto não controvertido, que se extrai de fls. 13 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida; B. Em 16.1.2020, o Serviço de Finanças do Barreiro remeteu para a Reclamante «CITAÇÃO PESSOAL» no âmbito do PEF n.º 2160202001000721 – cf. fls. 22 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida; C. Em 31.1.2020, foi instaurado em nome da Reclamante pelo Serviço de Finanças do Barreiro o PEF n.º 2160202001017233, para cobrança coerciva de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas («IRC»), no montante de € 8.854,25 – facto não controvertido, que se extrai de fls. 13 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida; D. Em 22.1.2020, a Reclamante apresentou articulado junto do Serviço de Finanças do Barreiro no qual requereu «a suspensão dos processos de execução fiscal» referidos nos pontos A. e C. supra, solicitando a dispensa de prestação de garantia, tendo junto «Certidão de dívida», «Demonstração de acerto de contas» e «Balancete de Novembro de 2019» - facto não controvertido, que se extrai de fls. 19 a 21 dos autos e da «Informação» a fls. 18 dos presentes autos, que se dão por integralmente reproduzidas; E. Em 10.2.2020, foi elaborada «Informação» por técnico da Direcção de Finanças de Setúbal relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia efectuado no articulado referido no ponto antecedente, na qual, além do mais, consta o seguinte: Nos termos do n.º 1 do art. 70.º do CPPT a reclamação graciosa deve ser “... apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do art. 102.º do CPPT”. B- DA APRESENTAÇÃO DE GARANTIA COM VISTA À SUSPENSÃO DO PROCESSO A suspensão da execução fiscal exige a prestação de garantia ou a realização de penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e do acrescido, nos termos das disposições legais previstas no artigo 52.º n.ºs 1 e 2 da LGT e artigo 199.º n.ºs 1, 2 e 6, ambos do CPPT. III - CONCLUSÃO Pelo exposto e quanto ao pedido de apreciação da dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 2160202001000721 e 2160202001017233, nos termos do n.º 3 do artigo 170 do CPPT, conjugado com o n.º 4 do artigo 52.º da LGT, e salvo melhor opinião, propõe-se o indeferimento do pedido de dispensa de garantia, por não se provarem os pressupostos para a sua autorização. F. Em 26.2.2020, a Directora da Direcção de Finanças de Setúbal exarou o seguinte «Despacho» sobre a «Informação» referida no ponto que antecede: «Concordo. Proceda-se como proposto.» - cf. fls. 12 (verso) dos autos, que se dá por integralmente reproduzida; G. Através do ofício n.º 607, de 17.3.2020, o Serviço de Finanças do Barreiro remeteu para a Reclamante o «Despacho» proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia referido no ponto D. supra, no qual, além do mais, consta o seguinte: H. Em 7.5.2020, a presente reclamação foi autuada junto deste Tribunal – cf. informação de fls. 1 dos autos». 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR 2.2.1.1 A sociedade ora Recorrida, pretendendo a suspensão das execuções fiscais em virtude da dedução de reclamação graciosa contra as liquidações que deram origem às dívidas exequendas, apresentou pedido de dispensa da prestação de garantia em execução fiscal a correr termos pelo Serviço de Finanças do Barreiro com fundamento na «inexistência de bens penhoráveis» ou, pelo menos, a sua manifesta insuficiência para garantia a dívida exequenda e o acrescido e também porque «não foi por culpa sua que as dívidas surgiram, nem por sua culpa que [se] revela manifesta a falta de meios económicos para garantir a dívida em causa e acrescido», concluiu que «[e]stão [… ] reunidas as condições para que a dispensa de prestação de garantia seja concedida» e, «para afastar a concessão da dispensa de prestação de garantia, seria necessária a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado», «[o] que manifestamente não aconteceu». 2.2.1.2 O pedido foi indeferido com a fundamentação que consta da informação transcrita em E. dos factos provados, que foi apropriada pelo Chefe do Serviço de Finanças do Barreiro. Ou seja, foi indeferido com o fundamento de que à Executada, que pretendia ser dispensada da prestação de garantia por manifesta falta de meios económicos, cumpria alegar e provar os factos constitutivos do respectivo direito, como resulta do disposto no art. 342.º do Código Civil (CC), do art. 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 170.º do CPPT, sendo que a mesma não logrou a demonstração da inexistência ou insuficiência de bens, requerida pelo n.º 4 do art. 52.º da LGT, tanto mais que omitiu que tem um veículo automóvel, sobre o qual podem ser constituídas garantias reais, do balancete apresentado resulta a existência de mercadoria no valor de € 105.088,73, susceptível de ser objecto de penhor e o estabelecimento comercial é susceptível de penhora, sem que ponha em causa a actividade da Executada. 2.2.1.3 Inconformada com essa decisão, a Executada dela reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. 2.2.1.4 A sentença julgou a reclamação procedente. 2.2.1.5 A Fazenda Pública discorda da sentença e, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, com a seguinte argumentação: a Executada não alegou nem provou, como lhe competia, matéria de facto suficiente para permitir a conclusão de que deve ser dispensada da prestação de garantia por manifesta falta de meios económicos; não pode pôr-se a cargo da AT o ónus de indagar da existência dessa factualidade, por força do princípio do inquisitório que sobre ela recai, nem de diligenciar em ordem à sua prova; dos autos resulta, não só que a Executada não logrou demonstrar a invocada falta de meios económicos, como resulta também que a AT logrou demonstrar a existência de bens que poderiam servir o desígnio da prestação de garantia, ainda que admita que, para esse efeito, fosse necessário efectuar algumas diligências complementares. 2.2.1.6 Tendo presente este enquadramento, a questão que ora cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada decidiu correctamente quando considerou que o órgão da execução fiscal não podia indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia sem, antes, ter efectuado diligências no sentido de estabelecer e comprovar os factos que pudessem integrar a conclusão de insuficiência de bens penhoráveis para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, quer mediante a solicitação à Executada, quer oficiosamente junto das entidades competentes. 2.2.2 DO PEDIDO DE DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA 2.2.2.1 A execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no art. 148.º do CPPT. É um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do art. 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos arts. 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º do CPPT. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respectivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução, levantamento. É o que se extrai das disposições dos arts. 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10 do CPPT. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal. 2.2.2.2 No caso, a Executada pediu a dispensa da prestação de garantia com fundamento na manifesta falta de meios económicos por não possuir bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido, alegando, em síntese, a inexistência de bens que possa oferecer em garantia. O único documento que apresentou com o pedido foi o balancete do mês de Novembro de 2019. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. art. 342.º do CC, art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT). II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia. III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar ao executado, em ordem a estabelecer o valor desses bens. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação judicial. Custas pela Recorrida, em 1.ª instância e neste Supremo Tribunal [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT]. * Lisboa, 4 de Novembro de 2020. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paulo José Rodrigues Antunes. |