Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0154/13
Data do Acordão:05/15/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:Porque os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva justifica-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial de impugnação por forma a considerar que o pedido de extinção da execução formulado a final pelo impugnante será mera consequência da anulação total do acto de liquidação que está na origem da dívida exequenda impugnada, que implicitamente se requer, daí que inexista erro na forma do processo.
Nº Convencional:JSTA000P15721
Nº do Documento:SA2201305150154
Data de Entrada:02/04/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………………, com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 30 de Janeiro de 2012, que, na impugnação por si deduzida do indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto liquidação de IRS relativa ao ano de 2009, julgou verificada a excepção de erro na forma de processo, insusceptível de convolação por manifesta improcedência da oposição, absolvendo a Fazenda Pública da instância.
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
Com o devido respeito e toda a consideração não assiste razão à ilustre Juiz do Tribunal recorrido, porquanto se considera que ocorreu incorrecta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar.
O objecto da impugnação é o acto tributário.
O qual aparece viciado de ilegalidade e a necessitar de ser anulado total ou parcialmente.
De tal forma que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, incluindo a errónea quantificação da matéria colectável.
Tal como decorre do disposto no artigo 60º e 99º do CPPT.
A impugnação judicial será sempre o meio processual mais adequado quando em causa esteja a legalidade do ato tributário.
Pelo que não se verifica erro na forma de processo.
O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação os artigos 60º e 99º do CPPT.
A Fazenda Pública não tomou posição definida sobre os factos alegados pelo impugnante na p.i.
10º Pelo que tais factos devem considerar-se admitidos por acordo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 490.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.C., aplicáveis “ex vi” do artigo 2º, al. e) do CPPT.
11º O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 490.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 2º, al. e) do CPPT.
Termos em que se requer a Vossas Excelências que se dignem julgar procedente o recurso ora interposto e, em consequência, seja a decisão recorrida revogada e substituída por outra que acolha o supra alegado e concluído, com o prosseguimento dos autos de acordo com os ulteriores termos legais e processuais aplicáveis, assim se fazendo a mais sã e almejada … JUSTIÇA.


2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Por Acórdão de 8 de Novembro de 2012 o Tribunal Central administrativo Norte julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso, indicando como tribunal competente este STA, a quem os autos foram remetidos precedendo pedido do recorrente (cfr. Acórdão de fls. 201 a 204 dos autos).

4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos (fls. 211, verso, dos autos):
Nada obstando a que se conheça do recurso interposto, parece que o recurso é de proceder, atenta a vontade manifestada nas conclusões apresentadas dever levar a considerar ser esse afinal o sentido da impugnação apresentada – nesse sentido, cfr. anotação 4 ao art. 98.º do CPPT Anotado e Comentado, Vol. II, p. 81, 6.ª ed. 2011, Áreas Ed., de Jorge Lopes de Sousa e jurisprudência aí citada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se, como alegado, a decisão recorrida padece de erro de julgamento quando julgou verificada a excepção de erro na forma de processo.

Sendo o objecto do recurso a decisão recorrida e não contendo esta a fixação do probatório relevante para a decisão de mérito - em razão do julgado erro na forma do processo, obstativo do conhecimento do mérito da impugnação – não há que conhecer da alegação sintetizada nas conclusões 9.º a 11.º supra reproduzidas, sem prejuízo, porém, de se chamar a atenção do recorrente para o teor das normas contidas nos números 6 e 7 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que afastam a aplicabilidade das normas do Código de Processo Civil invocadas pelo recorrente.

6 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
1. No âmbito da execução fiscal 2496201010499062 que correrá termos no SF de Vila Real o Oponente foi citado para pagar a quantia de 8.966,24€ - art. 1.º da PI, não contestado.
2. Dá-se aqui por reproduzida a PI

7 – Apreciando
7.1 Do julgado erro na forma do processo
A decisão recorrida, a fls. 158 a 160 dos autos, julgou procedente a excepção de erro na forma processual na impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente, absolvendo a Fazenda Pública da instância, porquanto entendeu que embora o recorrente pretendesse discutir a legalidade da dívida exequenda e não a sua extinção, o pedido que formula é de extinção da execução, daí que haja erro na forma de processo utilizada porquanto esta se afere pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter com o recurso à acção e que constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que este se move – art.º 483.º, n.º 3 e art. 668º n.º 1 al. e) do CPC.
Discorda do decidido o recorrente, alegando inexistir erro na forma do processo pois que a impugnação judicial será sempre o meio processual mais adequado quando em causa esteja a legalidade do ato tributário.
E tem razão o recorrente.
Embora a petição inicial de impugnação oportunamente apresentada pelo ora recorrente (a fls. 5 a 15 dos autos) seja um bom modelo de uma petição imprecisa e confusa – pois que se claramente aí se diz que “vem deduzir Impugnação judicial” diz-se também que se o faz “ao abrigo do disposto nos artigos 203.º e 204.º do CPPT” e impugna-se a “supra citada execução”, sendo que, adiante, o ora recorrente se refere a si próprio ora como “Impugnante” (artigos 1.º, 6.º, 8.º, 22º, 38.º, 48.º, 58.º e 61.º da petição inicial), ora como “Oponente” (artigos 43.º, 50.º, 55.º, da petição inicial), para além de “executado”, “signatário” e “respondente” –, nenhuma dúvida há que o que pretende sindicar é a legalidade da liquidação da dívida exequenda (IRS de 2009), com fundamento em “errónea determinação da matéria colectável” por parte da Administração fiscal, como resulta claramente do artigo 2.º e 4.º da PI e do teor dos artigos 8.º e seguintes da mesma peça processual (a fls. 6 a 14 dos autos) e foi, aliás, interpretado pelo tribunal “a quo”.
É verdade que termina a sua petição pedindo que a “oposição seja considerada procedente, por provada e, em consequência, ser decretada a extinção da execução com todas as consequências legais e ser o Impugnante ressarcido das verbas cobradas a mais pela Administração fiscal”, mas depois de antes ter dito pouco antes que “(…) liquidação operada esteja errada” (artigo 62.º da PI, a fls. 14).
Ou seja, a menos que o impugnante pretendesse no mesmo acto deduzir simultaneamente impugnação judicial e oposição à execução fiscal - o que seria verdadeiramente sui generis e não parece ter sido sua intenção, ao menos confessa -, o facto de ter expressamente consignado que pretende deduzir impugnação judicial e ser claramente perceptível que o fundamento desta é a alegada “ilegalidade da dívida exequenda”, e não qualquer fundamento dos constantes do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, é suficiente para que, ao contrário do que entendeu o tribunal “a quo”, se julgue inexistir erro na forma de processo, pois que a impugnação é meio adequado para sindicar a legalidade do acto de liquidação que está na origem da dívida exequenda (cfr. o artigo 99.º do CPPT) e a extinção da execução pretendida pelo ora recorrente poderá ser consequência decorrente da anulação do acto sindicado, se esta for total.
Os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, daí que, embora com alguma benevolência na interpretação do articulado, mas sem afronta a qualquer norma ou princípio fundamental, se deva concluir pela inverificação da excepção de erro na forma do processo, pois que a impugnação deduzida é meio adequado para sindicar o acto de liquidação que está na origem da dívida exequenda por alegada ilegalidade, que, a ser demonstrada, importará a sua anulação e que, se esta for total, importará a extinção da execução fiscal, como pretendido.

Pelo exposto, o recurso merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, baixando os autos à primeira instância para que prossigam, se a tal nada nada mais obstar.
Sem custas.

Lisboa, 15 de Maio de 2013. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Lino Ribeiro – Dulce Neto.