Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0459/19.2BECTB-A
Data do Acordão:12/17/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CRIAÇÃO LÍQUIDA DE POSTOS DE TRABALHO
AUXILIO DO ESTADO
INTERPRETAÇÃO DE CLAUSULA CONTRATUAL
Sumário:I - A obrigação de “criação líquida de postos de trabalho” ou “criação líquida de emprego” é uma expressão oriunda do direito europeu dos auxílios de estado e deve ser interpretada em conformidade com as “Orientações Relativas ao Auxílios ao Emprego” e com o disposto no Regulamento (CE) n.º 2204/2002 da Comissão, de 12 de Dezembro de 2002, relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado CE aos auxílios estatais ao emprego.
II - Nos programas financeiros nacionais de implementação de programas financeiros europeus são definidos os métodos de cálculo e controlo do cumprimento daquela obrigação, podendo a Comissão impor alterações ou recomendações de alteração quando aprova os programas nacionais, considerando-se, quando não o faz, que os métodos adoptados pelo legislador são adequados.
III - No caso do incentivo (ou complemento de incentivo) ao emprego, incluído na medida do instrumento financeiro de desenvolvimento rural do PDR 2007-2013 (PRODER) o controlo do aumento líquido do emprego era assegurado pelo método de controlo das folhas salariais (artigo 11.º, n.º 1, al. l) da Portaria n.º 519/2009) e baseado na contagem das unidades de trabalho anuais (nota 1 do Anexo IV da Portaria n.º 519/2009), aceite pela Comissão ao aprovar o PRODER.
IV - De acordo com a jurisprudência do TJUE [caso Lodato (processo C-415/07)], deve entender-se que nos programas especiais (como também é o caso do PRODER) as “orientações associam os novos postos de trabalho à realização de um investimento inicial” e que, neste caso, a definição do aumento líquido de postos de trabalho é “«considerado em relação à média de um período de referência», devendo, assim, ser deduzidos «do número aparente de postos de trabalho criados durante o período em questão, os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período» (…) «[o] número de postos de trabalho corresponde ao número de unidades de trabalho - ano (UTA), isto é, ao número de trabalhadores a tempo inteiro durante um ano»”.
V - Não é por isso legítimo que o IFAP exigisse como requisito de cumprimento da obrigação contratual de “criação líquida de postos de trabalho”, que os concretos postos de trabalho criados inicialmente se mantivessem como tal (i. e. para a mesma categoria) durante todo o período contratual.
Nº Convencional:JSTA000P26951
Nº do Documento:SA1202012170459/19
Data de Entrada:11/04/2020
Recorrente:A......................, Lda.
Recorrido 1:IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DE AGRICULTURA E PESCAS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1 – Em 14 de Outubro de 2019, a A…………….., Lda, com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (TAF de Castelo Branco), contra o IFAP, Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., igualmente com os sinais dos autos, uma providência cautelar de suspensão de eficácia do acto emitido pelo Presidente do Conselho Directivo do IFAP, de modificação unilateral do contrato de financiamento n.º 02025189/0, celebrado com a Autora, no dia 14 de Janeiro de 2013, pelo qual lhe ordenou a reposição da quantia de € 30.964,78, concedidas a título de subsídio – a fundo perdido – para a implementação do projecto financiado.

2 – Por sentença de 19 de Dezembro de 2019, o TAF de Castelo Branco considerou estarem preenchidos os pressupostos do artigo 121.º do CPTA, relativos à antecipação do juízo sobre a causa principal, e anulou o acto impugnado e suspendendo.

3 – Inconformado, o IFAP recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), que, por acórdão de 30 de Abril de 2020, concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença do TAF de Castelo Branco, por considerar que da factualidade assente resultou provado o incumprimento do contrato.

4 – Inconformada com o acórdão do TCA Sul, a A. e aqui Recorrente, A……………, Lda, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por acórdão de 15 de Outubro de 2020, com o seguinte fundamento «[P]resente a quaestio juris em discussão nos autos e que se mostra colocada na presente revista, envolvendo a interpretação e definição do conceito de «criação líquida de postos de trabalho» no contexto do quadro normativo em presença [nomeadamente, Portaria n.º 520/2009 e contrato de financiamento celebrado entre as partes] e daquilo que, em decorrência, constituem as obrigações legais e contratuais que impendiam sobre a A., temos que a mesma reveste de importância fundamental pela relevância jurídica e social pelas implicações que assume no quadro da contratação e das operações de controlo deste tipo de financiamentos com recurso a fundos da UE.
Trata-se de questão cuja elucidação envolverá análise de alguma complexidade/dificuldade, mormente concatenando os quadros normativos da União e nacional, que ainda não foi objeto de apreciação por este […]».

5 – A Recorrente, apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

1. Deve ser admitido o recurso de revista excepcional fundamentalmente pela necessidade de uma melhor aplicação do Direito, uniformizando a aplicação da lei, feita contraditoriamente nas instâncias, na ausência de jurisprudência do STA sobre a matéria em causa, o que se pode tornar recorrente no Programa PRODER.

2. A questão jurídica em causa emerge do art.º 11.º, n.º 1, al. l) da Port.ª n.º 520/2009, de 14-05 e do ponto 1 das “Notas” do seu Anexo IV e consiste em saber o que se entende por “criação líquida de postos de trabalho” para a majoração de apoios concedidos, e que se deve criar e manter durante o período de tempo estipulado no contrato.

3. O acórdão recorrido decidiu que os dois postos de trabalho, na categoria profissional de auxiliar/servente de limpeza, criados no início do projecto, se deveriam manter nessa categoria profissional durante o período de tempo de execução da Operação, estabelecido no “Contrato de Financiamento”, não podendo ser substituídos em dois diferentes momentos por outros dois postos de trabalho de diferentes categorias profissionais.

4. Contrariamente ao que havia decidido o Tribunal de 1.ª instância, que a majoração do apoio se deveria manter desde que se mantivessem dois postos de trabalho, comprovados pelos respectivos descontos para a Segurança Social, independentemente da categoria profissional.

5. A obrigação específica da recorrente, emergente do “Contrato de Financiamento”, nos termos do art.º 11.º, nº 1, al. l) e do Anexo IV da Port.ª 520/2009 de 14-05, é a de demonstrar, como beneficiária da majoração do apoio, a criação líquida de dois postos de trabalho, através da apresentação dos mapas de remunerações da segurança social relativas ao mês anterior à data da primeira factura, e à data da prova da sua criação, até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento, o que o acórdão recorrido confirmou.

6. O que foi comprovado, tendo ao longo do período a que se obrigou, sempre dois postos de trabalho, primeiro na categoria de auxiliares/serventes de limpeza, e mais tarde, sem intervalos ou hiatos nas contratações e nos descontos para a Segurança Social, como escriturária e recepcionista.

7. A interpretação do art.º 11.º, n.º 1, al. l) e Anexo IV da Port.ª 520/2009 de 14-05, como obrigando a manter os dois postos de trabalho na mesma categoria profissional de auxiliar/servente de limpeza, mais que contrária à lei, representa criação de direito.

8. A decisão recorrida, criando direito novo, viola o princípio da separação de poderes ínsito na ideia de estado de direito democrático, constante do art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa, e, por erro de julgamento, violou o art.º 11.º, n.º 1, al. l) da Port.ª 520/2009, de 14-05 e as disposições do seu Anexo IV na redação da Portaria nº 905/2009 de 14-08.

9. A disposição legal em causa fala na “criação líquida de postos de trabalho” não em “categoria profissional”, tratando-se, obviamente, de conceitos distintos.

10. Com o provimento do recurso, anulando-se a decisão da entidade recorrida que modificou unilateralmente o “Contrato de Financiamento”, ordenando a reposição da quantia de € 30 964,78, repor-se-á, como é de lei e de justiça, a decisão da 1.ª instância.

[…]».


4 – O R. e aqui Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
«[…]

A. A Recorrente pretende que no âmbito deste recurso de revista se proceda a uma uniformização de jurisprudência, não sendo, contudo, este o meio processual próprio para esse feito;

B. Não estão preenchidos os requisitos legais contidos no art. 152.º do CPTA para que o STA proceda a qualquer uniformização de jurisprudência;

C. Identicamente não se verifica qualquer das situações especiais que viabilizam o recurso de revista face ao que impõe o art. 150.º do CPTA, que tendo uma natureza excecional, não pode servir como mecanismo e grau de jurisdição ordinária;

D. Objetivamente, o Acórdão do TCA Sul deu eco ao facto da [sic] Recorrente não ter cumprido com as obrigações a que estava adstrita nos termos do contrato de financiamento, em concreto na alínea B e B.1. (“Obrigações Gerais”);

E. Bem como à circunstância da [sic] Recorrente não ter obedecido ao estipulado na alínea B.3 dentro das obrigações do beneficiário;

F. O Acórdão do TCA Sul reconheceu ainda que realmente a Recorrente não cumpriu o previsto em B.4. do contrato de financiamento celebrado com o Recorrente quanto à obrigação de comunicação à Autoridade de Gestão dos factos suscetíveis de interferir na normal execução da operação nos termos aprovados;

G. Nesse alinhamento, o Acórdão do TCA Sul ponderou devidamente que o contrato de financiamento entre Recorrente e Recorrido determina na sua parte E.2. (“Resolução e Modificação do Contrato”), que “O IFAP pode proceder apenas à modificação unilateral do contrato, nomeadamente quanto aos montantes dos apoios, desde que tal se justifique face às condições concretamente verificadas na execução da operação”;

H. Consubstanciando as operações de criação e alteração de postos de trabalho pressupostos da atribuição de parte do financiamento concedido, motivou-se a aplicação das acima transcritas cláusulas previstas no contrato celebrado entre Recorrente e Recorrido;

I. Não há assim qualquer vício de que padeça o Acórdão do TCA Sul passível da sua revogação em sede do presente recurso de revista.

Termos em que deve o presente recurso de revista improceder, mantendo-se o Acórdão do TCA Sul proferido no âmbito dos presentes autos.

[…]».



5 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


6 - Com dispensa de vistos, cumpre decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

2. De direito
2.1. A questão que vem suscitada no presente recurso é a de saber se existe erro de julgamento quando o TCA Sul considera que existe incumprimento contratual por não se haver demonstrado a criação líquida de postos de trabalho durante o período acordado (quer por não terem sido mantidos os postos de trabalho criados para empregados de limpeza, quer por o IFAP não ter sido notificado das modificações ocorridas, designadamente, a substituição destes postos de trabalho por outros), o que justificou a decisão de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença do TAF de Castelo Branco e julgar improcedente o pedido de anulação do acto do Presidente do Conselho Directivo do IFAP que determinou a modificação do contrato de financiamento e a devolução de parte do subsídio.

2.2. Está em causa um contrato de financiamento celebrado entre a A., e aqui Recorrente, e o IFAP, entidade aqui Recorrida, ao abrigo do Regulamento de Aplicação da “Acção 3.1.3. – Dinamização das Zonas Rurais / Criação e Desenvolvimento de Actividades Turísticas e de Lazer”, do PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, que se enquadra no Regulamento (CE) n.º 1698/2005, de 20 de Setembro, regulamentado no direito interno pela Portaria n.º 520/2009, de 14 de Maio, aprovada ao abrigo do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 37-A/2008, de 5 de Março.

O litígio refere-se, especialmente:

i) à existência ou não de violação por parte do beneficiário e aqui Recorrente da obrigação prevista na alínea l) do artigo 11.º, n.º 1 da referida Portaria n.º 520/2009, onde se estipula que é obrigação do beneficiário «[…] demonstrar, no caso de apoios majorados por número de postos de trabalho criados, a criação líquida de postos de trabalho, através da apresentação dos mapas de remuneração da segurança social relativas ao mês anterior à data da primeira factura e à data da prova da sua criação, até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento[…]». Esta obrigação consta do ponto A.5. do contrato, transcrito no ponto 9 da matéria de facto.

e

ii) ao cumprimento ou incumprimento da regra prevista na Nota 1 do anexo IV “Considera -se que um posto de trabalho equivale à utilização de uma unidade de trabalho anual. Uma UTA equivale a 1920 h/ano”.

Para aferir daquela violação, foi levado ao probatório o período contratualmente fixado para a execução material da operação, que tinha início em 01/01/2007 e fim em 31/12/2013, bem como a data do termo da operação, aquela que contava para efeitos da aferição do cumprimento ou não da obrigação de manutenção dos postos de trabalho e que era 07/09/2017 (pontos 7 e 8 da matéria de facto).

E foram também aí descritos os factos que estão na origem da divergência interpretativa: i) O projecto, consistente em Turismo de Habitação, apresentou-se a concurso com um investimento global elegível de 190.537,37€, a ser totalmente realizado, ao qual correspondeu o limite elegível de 154.843,33€ e ao qual foi concedido um apoio calculado à taxa de 60% no valor de 92.906,00€, por nele se prever a criação de 2 postos de trabalho, pois sem o cumprimento daquele requisito do apoio majorado o apoio a conceder seria de apenas 40%, ou seja, 61.929,59€, sendo essa diferença de 30.964,78€, correspondente à majoração do apoio, que está aqui em litígio; ii) os dois contratos de trabalho foram celebrados em Agosto de 2013 para dois PT de empregados de limpeza; iii) um deles foi rescindido pelo trabalhador em 31 de Janeiro de 2015 e “substituído” por um contrato de trabalho de uma escriturária, com início de 1 de Fevereiro de 2015, que se manteve até à data de 07/09/2017 (pontos 14, 16 e 18 da matéria de facto); iv) o outro contrato de trabalho de empregado de limpeza terminou em 30 de Abril de 2016, por mútuo acordo, e foi “substituído” por um contrato de trabalho de recepcionista, com início no dia 1 de Maio de 2016 e que se manteve até 07/09/2017 (pontos 12, 13, 15 e 17 da matéria de facto).

O litígio surge porque o IFAP afirma que «[…] No domínio deste regime de ajudas considera-se haver criação líquida de postos de trabalho quando há um aumento efectivo do número de trabalhadores vinculados à entidades empregadora, decorrente da execução da operação pela diferença entre o número total de trabalhadores antes do início da execução do projecto e até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento[…]» e ainda que «[…] foi apresentada a indicação da criação de 2 PT em 8/2013 de empregado de limpeza, desocupados desde 01/2015 (…) foram criados outros PT, uma escriturária (familiar da sócia) em 02/2015 e uma recepcionista (familiar da sócia), em 05/2016, que não comprovam a manutenção dos PT criados em 2013 e entretanto desocupados […]».

O Beneficiário do apoio alega, por seu turno, que a obrigação contratual e legal de criação líquida de dois postos de trabalho se tem de considerar cumprida, uma vez que nada na lei nem no clausulado do contrato impede que aquela obrigação possa ser cumprida mediante a “substituição” dos postos de trabalho, em função das necessidades do projecto, sempre e quando não exista interrupção do preenchimento daqueles postos de trabalho ao longo do período pelo qual se verifica a obrigação do respectivo preenchimento.

2.3. O TAF de Castelo Branco entendeu que “[…] da fundamentação aduzida pelo Réu na sua decisão, não resulta que os postos de trabalho haveriam de ocorrer na área de limpeza, o que resulta e se bem vimos da obrigação contratual da Autora é um aumento de pelo menos dois postos de trabalho em relação ao número de detinha antes do início do projeto. E, efetivamente a Autora contratou dois trabalhadores no início do projeto que manteve além dos seis meses posteriores à data do último pedido de pagamento […]” e, com base nessa interpretação, considerou que a modificação unilateral do contrato enfermava de erro nos pressupostos de facto.

O TCA Sul, por seu turno, baseando-se no entendimento de que “[…] [A] substituição de postos de trabalho para diversas tarefas ou funções durante o prazo concedido para a demonstração da criação líquida de emprego e/ou do da duração da operação, objecto do contrato de financiamento, não evidencia um aumento do número global de trabalhadores afectos ao projecto, nem permite o apuramento de um saldo positivo nesses períodos, entre as contratações elegíveis e a saída de trabalhadores, porquanto o projecto aprovado com majoração visou os postos de trabalho criados em 1.8.2013, para o serviço de limpeza, que não se mantiveram […]”, conclui que há incumprimento contratual e que, nessa medida, assiste razão ao IFAP na decisão de modificação unilateral com fundamento no incumprimento da obrigação que permitia obter o apoio majorado.

2.4. Ambas as instâncias coincidem em que nem a lei, nem o contrato definem expressamente o que deve entender-se por “criação líquida de postos de trabalho” ou, na expressão também utilizada pelo TJUE em matéria de auxílios de estado, o que deve entender-se por “criação líquida de emprego”.

A “criação líquida de emprego” é um conceito do direito europeu dos auxílios de estado, comummente utilizada nos instrumentos financeiros europeus, como é o caso do apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), previsto e disciplinado pelo já referido Regulamento (CE) n.º 1698/2005, em que o incentivo aqui em apreço se inscreve. As regras do incentivo (ou complemento de incentivo) ao emprego, incluído neste instrumento financeiro de desenvolvimento rural do PDR 2007-2013 (PRODER) [v. considerandos 3 e 46 do referido Regulamento (CE) n.º 1698/2005], deve, por isso, interpretar-se em conformidade com o disposto no ponto 17 das “Orientações Relativas aos Auxílios ao Emprego” (95/C 334/04, publicadas no JOCE N.º C334, de 12 de Dezembro de 1995), segundo o qual “O auxílio à criação do emprego, em contrapartida, tem por efeito conseguir um emprego para trabalhadores que o não obtiveram ainda ou que perderam o seu emprego anterior e será concedido em função do número de postos de trabalho criados. De referir que por criação de emprego, se entende criação líquida de emprego, ou seja um posto de trabalho suplementar relativamente aos efectivos (média num determinado período) da empresa em causa. A simples substituição de um trabalhador sem um aumento dos efectivos e, consequentemente, sem criação de novos postos de trabalho, não constitui uma verdadeira criação de emprego”. (sublinhado nosso)

Nestas Orientações Relativas ao Auxílios ao Emprego pode ler-se ainda, no 3.º travessão do ponto 21 o seguinte: “A Comissão procederá à apreciação destes auxílios ao emprego segundo os seguintes critérios: (…) “Por forma a apreciar favoravelmente os auxílios incluídos nas categorias anteriores, a Comissão tomará também em consideração as modalidades do contrato de emprego, tais como, nomeadamente, a obrigação de realizar a contratação no âmbito de um contrato com duração indeterminada ou com uma duração suficientemente longa, e a obrigação de manter o novo posto de trabalho criado durante um lapso de tempo mínimo após a sua criação ; estas condições constituem uma garantia no que se refere a estabilidade do emprego criado. Serão também tomadas em consideração todas as outras garantias quanto à duração do novo posto de trabalho criado, nomeadamente as modalidades de pagamento do auxílio” (destacado nosso).

No Regulamento (CE) n.º 2204/2002 da Comissão, de 12 de Dezembro de 2002, relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado CE aos auxílios estatais ao emprego, resulta, também que: i) “Os auxílios à criação de emprego devem estar sujeitos à condição de o emprego criado ser mantido durante um certo período de tempo mínimo. O período estabelecido no presente regulamento deve prevalecer sobre a regra de cinco anos prevista no ponto 4.14 das orientações relativas aos auxílios nacionais com finalidade regional” (considerando 18); ii) “Para garantir que o auxílio é necessário e que funciona como incentivo ao emprego, o presente regulamento não deve isentar os auxílios à criação de emprego ou para o recrutamento que o beneficiário já realizaria de qualquer forma em condições normais de mercado” (considerando 27).

Compulsada a jurisprudência do TJUE a respeito da interpretação das Orientações Relativas aos Auxílios ao Emprego quando estes estão ligados a investimentos no âmbito de programas de financiamento específicos [v. acórdão Lodato, processo C-415/07 e República Italiana, processo C-310/99], como é o caso aqui, resulta, com meridiana clareza e com relevância para a decisão do presente litígio, que:

- primeiro, aquele Tribunal considera que as Orientações não consubstanciam regras vinculativas, porém, são aptas a assegurar a uniforme aplicação do direito, “As condições para que um auxílio possa ser compatível com o mercado comum são definidas pelas excepções previstas no artigo 87.°, n.ºs 2 e 3, CE. A este respeito, deve salientar-se que a Comissão pode impor a si mesma orientações para o exercício dos seus poderes de apreciação através de actos como as orientações, na medida em que os referidos actos contenham regras indicativas sobre a orientação a seguir pela mesma instituição e não se afastem das normas do Tratado (v., nomeadamente, acórdão de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Comissão, C-288/96, Colect., p. I-8237, n.° 62; v. também, neste sentido, acórdãos de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125, n.os 34 e 36, e de 22 de Março de 2001, França/Comissão, já referido, n.° 45). Daqui resulta que, embora seja certo que estas regras indicativas, que definem as linhas de conduta que a Comissão entende seguir, contribuem para garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da sua acção, não podem vincular o Tribunal de Justiça. No entanto, podem constituir uma base de referência útil (v., neste sentido, acórdão de 4 de Julho de 2000, Comissão/Grécia, C-387/97, Colect., p. I-5047, n.os 87 e 89) [§§52 do processo C-310/99];

- segundo, que “a Comissão precisou progressivamente o método de cálculo do aumento líquido do número de postos de trabalho ou de trabalhadores [por referência ao Regulamento (CE) n.º 2204/2002][§§ 29 do processo C-415/07], que “este método de cálculo do aumento do número de postos de trabalho ou de trabalhadores baseia-se na comparação de dados homogéneos[§§ 30 do processo C-415/07], e ainda que “Este método de cálculo responde também a uma vontade de favorecer a estabilidade ou a perenidade do emprego, expressa designadamente no ponto 21, terceiro travessão, das orientações relativas aos auxílios ao emprego, que se traduz ainda na obrigação, prevista nas orientações analisadas, de manter os empregos criados durante um período mínimo[§§ 31 do processo C-415/07].

Ainda com interesse para a decisão, avulta das Conclusões do Advogado-Geral no caso Lodato (processo C-415/07), no qual também se discutia o cumprimento da obrigação de “criação líquida de emprego” no âmbito de um programa financeiro europeu, naquele caso, de auxílio com finalidade regional, o seguinte: i) nos programas especiais (como também é o caso do PRODER) as “orientações associam os novos postos de trabalho à realização de um investimento inicial” (ponto 8); neste caso a definição do aumento líquido de postos de trabalho é “«considerado em relação à média de um período de referência», devendo, assim, ser deduzidos «do número aparente de postos de trabalho criados durante o período em questão, os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período» (…) «[o] número de postos de trabalho corresponde ao número de unidades de trabalho ano (UTA), isto é, ao número de trabalhadores a tempo inteiro durante um ano»” (ponto 9).

2.5. Aplicando estes elementos interpretativos ao caso decidendo, afigura-se-nos relevante fundamentar a decisão nos seguintes pressupostos:

- primeiro a Comissão não estabeleceu quaisquer reparos, observações ou excepções ao método a aplicar para o cálculo dos incentivos ao emprego incluídos no programa de desenvolvimento rural de Portugal Continental relativo ao período de programação 2007-2013 [Decisão da Comissão C(2007) 6159)], programa em que esta medida se inscreve, e segundo o qual “a criação líquida de postos de trabalho [seria controlada] através da apresentação dos mapas de remunerações da segurança social relativas ao mês anterior à data da primeira factura e à data da prova da sua criação, até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento”.

- segundo tendo em conta que estes incentivos não podem, por força das regras da concorrência, deixar de cumprir as Orientações Relativas ao Emprego que constam do direito europeu, a interpretação do cumprimento dessas obrigações far-se-á, também, à luz do que tem sido fixado pela jurisprudência do TJUE, que, no caso, como vimos, considera que a definição do cálculo de “unidade de trabalho anual” é adequada quando está em causa a criação de postos de trabalho associada a um investimento inicial.

Partindo destes pressupostos cumpre concluir que o IFAP não tem razão ao alegar que o incumprimento contratual decorre da não manutenção daqueles concretos postos de trabalho durante todo o período previsto no contrato, uma vez que, como se concluiu, o direito europeu, para estes tipos de investimentos, ao adoptar como medida de cálculo a “unidade de trabalho anual”, apenas exige a manutenção de “unidades de trabalho por ano”, ou seja, aquele número acrescido de postos de trabalho durante o período contratado. Por isso, o incumprimento só poderia resultar do facto de os postos de trabalho criados em substituição dos extintos não serem “postos de trabalho acrescidos”, mas antes meras renovações de postos de trabalho já existentes. Na prática, estaríamos a falar de criação de emprego (no caso da celebração dos contratos de escriturária e de recepcionista), mas não líquida, porque à extinção dos postos de trabalho de empregados de limpeza teria sucedido uma renovação de contratos de trabalho para outras funções/actividades e um correspondente decréscimo de “unidades de trabalho” afectas ao projecto, caso estes postos de trabalho já existissem. Porém, este decréscimo do número de unidades de trabalho anual, não vem alegado pelo IFAP e menos ainda provado, cabendo-lhe a ele fazer esse controlo a partir do mapa de remunerações e, caso existisse uma tal situação, reconduzível à violação do contrato, teria ele de fazer prova da mesma em juízo para sustentar o incumprimento contratual. Contudo, ele limita-se a alegar e provar a substituição dos postos de trabalho, mas não a existência de um decréscimo de unidades de trabalho por ano afectas ao projecto, o que, pelas razões antes aduzidas, não pode, à luz do direito europeu, reconduzir-se a uma violação das obrigações decorrentes de um auxílio à criação líquida de emprego.

Por último, acrescente-se que também a violação do dever de comunicação da alteração dos postos de trabalho aquando da sua ocorrência, que o IFAP faz corresponder à violação do disposto no ponto B.4 do contrato, e aqui se afigura como obrigação de comunicação acrescida face à obrigação de comunicação dos mapas de remunerações, a ter existido, o que não consta especificamente do probatório, não pode constituir fundamento de um incumprimento contratual da obrigação principal a respeito da criação dos postos de trabalho, seja porque a entidade tinha acesso a esta informação (a da substituição dos postos de trabalho) através do controlo dos mapas de remunerações, seja porque o incumprimento de uma formalidade ou obrigação acessória, a não ser que tal estivesse expressamente estipulado no contrato, o que também não é o caso, não pode traduzir-se no incumprimento da obrigação contratual principal, como pretende o R. e aqui Recorrido.

Assim, conclui-se que efectivamente existe erro de julgamento do TCA Sul ao concluir que a substituição dos postos de trabalho se teria de considerar incumprimento contratual porque inviabilizava in casu o controlo do aumento líquido do emprego, porquanto esse controlo era aqui assegurado pelo método de controlo das folhas salariais (artigo 11.º, n.º 1, al. l) da Portaria n.º 519/2009) e baseado na contagem das unidades de trabalho anuais (nota 1 do Anexo IV da Portaria n.º 519/2009), aceite pela Comissão ao aprovar o PRODER.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso de revista, revogar o acórdão do TCA Sul e manter a sentença do TAF de Castelo Branco.
Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias.


*

Lisboa, 17 de Dezembro de 2020

A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, tem voto de conformidade com o presente acórdão dos Senhores Juízes Conselheiros José Augusto Araújo Veloso e Maria Cristina Gallego dos Santos.

Suzana Tavares da Silva