Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/17
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
ANULAÇÃO DA VENDA
LEGITIMIDADE
Sumário:I - Só o comprador tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades do mesmo por falta de conformidade com o que foi anunciado (cfr. art. 908.º, n.º 1, do CPC, na redacção em vigor à data).
II - A anulação da venda pode resultar da ocorrência de nulidade processual, pela prática de um acto que a lei não admita ou pela omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei expressamente declare a nulidade ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 201.º, n.º 1, por remissão do art. 909.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPC, na redacção vigente à data).
III - Só os intervenientes no processo de execução têm interesse directo e actual na venda e, por isso, legitimidade (cfr. art. 26.º do CPC, na redacção em vigor à data) para pedir a sua anulação com fundamento em irregularidades que possam nela ter influência.
Nº Convencional:JSTA00070281
Nº do Documento:SA220170712010
Data de Entrada:01/05/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART151 N1 ART257 N1 A.
CPC13 ART30 ART195 N1 N2 ART838 N1 ART839 N1 C.
CPC96 ART26 ART201 ART890 N4 ART908 ART909 N1 C.
L 64-B/11 DE 2011/12/30 ART125.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0253/15 DE 2015/04/15.; AC STA PROC0523/02 DE 2002/07/13.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG179 PAG186.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de anulação de venda com o n.º 902/07.3BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A………… (adiante Requerente ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente o pedido de anulação por ele deduzido relativamente a uma venda em sede de execução fiscal.

1.2 Com o requerimento de interposição de recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I- O ora recorrente sempre teve intenção de visitar o bem, contudo por livre arbítrio, dos fiéis depositários, nunca viu a sua pretensão satisfeita.

II- Sendo que o motivo dado, ao ora recorrente que o bem está arrendado, sendo impeditivo de o visitar.

III- O ora recorrente não se conformando com o sucedido, vem requerer a anulação da venda, com base na falta de inspecção do bem, na irregularidade do processo de venda, desde logo a falta de uma descrição exaustiva do bem, como a falta de indicação do valor exacto da renda, e não menos importante, com fundamento na violação de princípios inerentes à actuação da Administração Pública, como a transparência e a igualdade, cfr. artigos 188.º, 191.º, 195.º, 196.º, 197.º, 202.º, 818.º, 822.º, 838.º, 839.º, todos CPC e artigos 36.º, 248.º, 249.º e 253.º CPPT e artigo 77.º LGT.

IV- Tendo, sem margem para qualquer dúvida, o ora recorrente legitimidade para formular o pedido de anulação de venda, com base na privação de direitos que lhe estão subjacentes na lei, tudo conforme argumentos melhor expendidos supra em Alegações, cfr. artigos 157.º, 195.º, 197.º e 200.º todos CPC.

V- Sendo o elemento de conexão a intenção de compra do bem imóvel.

VI- Aliás a falta de indicação do valor da renda e a impossibilidade de observar o bem penhorado, e a consequente impossibilidade e obstaculização não apresentação [sic] da proposta pelo requerente constituem fundamentos, mais que suficientes, para a anulação da venda, cfr. artigos 195.º, 197.º, 812.º, 817.º, 818.º, 821.º, 822.º e 826.º, todos CPC.

VII- É de senso comum que ninguém compra um bem com um valor consideravelmente alto, quando não tem um conhecimento exaustivo do mesmo, como é o caso, já que o recorrente desconhece, desde logo a sua rentabilidade e a sua estrutura.

VIII- Estando a Administração Fiscal obrigada a efectuar uma descrição exaustiva do bem a vender, não é suficiente nem legal uma descrição sumária do mesmo, cfr. artigos 195.º, 197.º, 812.º, 817.º, 818.º, 821.º, 822.º e 826.º, todos CPC e artigos 248.º, 249.º, 253.º e 257.º todos CPPT.

IX- Mais, avaliação feita pelo promissor comprador presencialmente é fundamental e imprescindível para a decisão de aquisição/proposta.

Nesta senda,
X- Mal andou a douta sentença recorrida, ao reconhecer que o recorrente apenas não viu o imóvel por não ter chegado a acordo com o arrendatário relativamente ao dia e hora para visitar o mesmo.

XI- Na verdade, a referida “visita” foi recusada ao recorrente.

XII- Recusa esta que viola todo o preceituado legal que supra se expôs e identificou.

XIII- Assim também não sendo de proceder que o facto de o depositário não ter procedido à possibilidade de vista do andar em causa, não seja repercutida na esfera jurídica do impugnante.

XIV- Quando na verdade o é,

XV- Pois que este tinha como dever apresentar o bem a todo e qualquer interessado,

XVI- Como o era o aqui recorrente.

XVII- Sendo que a postura adoptada pelo depositário, repercutindo-se directamente na esfera jurídica do impugnante, por violação do preceituado legal supra melhor indicado, determina a nulidade da venda, o que se requer.

XVIII- O que aliás melhor resulta da Verdade Material dos factos quando confrontada com o facto dado por provado na douta sentença em U), i e,

XIX- O recorrente tentou visitar o imóvel,

XX- E tal não lhe foi permitido.

XXI- O que não foi caso único, considerando ademais o facto dado por provado na douta sentença em W).

XXII- Ora na verdade é o próprio decorrer da douta sentença ora em crise que fundamenta e dá fundamento ao presente recurso e, que na verdade, determina também per si, a procedência por provada do presente recurso.

XXIII- Veio o recorrente alegar cfr. melhor se encontra descrito e juridicamente fundamentado com base nos respectivos artigos e base legal, a existência de uma omissão de um acto e formalidade imposta por Lei,

XXIV- Nomeadamente o acesso a visitar o imóvel bem como,

XXV- A descrição pormenorizada de todo o contexto da venda judicial, nomeadamente valor de renda, identificação do arrendatário, entre outros requisitos supra melhor identificados,

XXVI- Assim e concordando com a douta sentença proferida “... a omissão de um acto ou de uma formalidade imposta pela Lei, como, ainda, da circunstância de essa omissão poder ter tido influência no acto de venda realizado” existe, é manifesta e notória, está reconhecida nos autos e importa, ao contrário do que foi entendimento do douto Tribunal a quo, ainda que tenha vindo a reconhecer tais factos como provados, que se declare nula a venda judicial ora em crise.

XXVII- Sendo então de aplicar o quanto melhor dispõem não só os supra mencionados artigos mas ainda e também, os artigos 201.º e 909.º CPC.

XXVIII- No tudo o mais, não se pode comungar com a douta sentença ora em crise, porquanto na verdade, tem o recorrente interesse legítimo na questão jurídica em causa e, por essa mesma razão, dever-lhe-á ser reconhecida tal legitimidade.

XXIX- Pois que qualquer nulidade – in casu por omissão de formalidades essenciais – pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado.

XXX- Mais obviamente, perante a indicada omissão e impossibilidade de realização de visita, se estar perante erro sobre o objecto - art. 257.º CPPT.

XXXI- Sendo na verdade este o elemento de conexão do recorrente, i e, a impossibilidade de exercer o seu livre Direito, atendendo à grosseira omissão que se verifica nos autos e ainda, a impossibilidade de visitar o imóvel.

XXXII- Porquanto a descrição não se refere com exaustão ao bem em si,

XXXIII- Mas a todas as condicionantes, vicissitudes e ónus que sobre o mesmo dizem respeito, sendo estas características essenciais para que seja apresentada e oferecida uma proposta.

XXXIV- Assim, o ora recorrente, não se conforma com a douta sentença, mais devendo, em consonância com os argumentos melhor esgrimidos e base legal indicada, ser declarado procedente o presente Recurso, o que se requer.

Nos termos em que se requer a V. Ex. a anulação da venda nos termos do art. 279.º n.º 1, alínea b) e a marcação de uma data para uma visita ao bem imóvel para que seja possível, o ora recorrente possa apresentar uma proposta, dignificando, assim a tão acostumada JUSTIÇA!».

1.3 O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 Os Recorridos não contra-alegaram.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

Se bem entendemos o conteúdo do que vem alegado, o ora Recorrente concretiza a sua legitimidade no facto de não ter podido inspeccionar o bem vendido, na falta da sua descrição exaustiva, na falta da indicação do valor exacto da renda e “na violação de princípios inerentes à actuação da Administração Pública, como a transparência e a igualdade” (cfr. Conclusão III).
A anulação de venda efectuada em processo de execução fiscal segue, nos seus traços essenciais, o regime previsto no CPC (cfr. o art. 257.º do CPPT e os arts. 908.º e 909.º, ambos do CPC, na redacção que então vigorava).
Manifestamente não pode a legitimidade activa do ora Recorrente assentar, como bem se refere na sentença recorrida, nos fundamentos de anulação da venda que pressupõem a qualidade de adquirente do bem, como é o caso do erro sobre o bem vendido ou sobre as suas qualidades, por desconformidade com o que foi anunciado ou a existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado (art. 257.º, n.º 1. al. a) do CPPT e art. 908.º, n.º 1 do CPC) e também não pode assentar naqueles fundamento que pressupõem a qualidade de executado ou revertido, como é o caso do fundamento a que alude o art. 257.º, n.º 1, al. b) do CPPT.
Contudo, como decorre do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 257.º, n.º 1, al. c) do CPPT e art. 909.º, n.º 1 do CPPT, não se esgotam nesses mencionados fundamentos as hipóteses para requerer a anulação da venda em processo de execução fiscal. Nomeadamente, pode a anulação do acto da venda resultar da ocorrência de nulidade processual, pela prática de um acto que a lei não admita ou pela omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei expressamente declare a nulidade ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 201.º, n.º 1, por remissão do art. 909.º, n.º 1, al. c), ambos do CPC).
Sucede que a legitimidade para requerer a anulação de venda com fundamento na prática de acto que a lei não admita ou na omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva apenas pode radicar, salvo melhor entendimento, naqueles que, sendo intervenientes no processo de execução fiscal, o que não é o caso do ora Recorrente, têm interesse directo na observância da formalidade omitida ou na repetição ou eliminação do acto em causa.
Sempre se dirá, no entanto, que não se manifesta, no caso em apreço, acção ou omissão que lei expressamente comine com a nulidade, nem omissão susceptível de igualmente a gerar, nos termos da parte final do n.º 1 do art. 201.º do CPC.
Com efeito, constituindo a obrigação de mostrar os bens inscrita no art. 891.º do CPC um dever do depositário e não uma formalidade do processo de execução fiscal, a inobservância desse dever apenas poderá dar lugar às acções previstas no art. 233.º do CPPT, nomeadamente à respectiva remoção, cabendo reclamação, nos termos do art. 276.º do CPPT, das decisões do órgão da execução fiscal relativas ao depositário (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, vol. III, 6.ª edição, 2011, p. 645).
Por outro lado, como bem se refere na sentença recorrida, a AF “não está obrigada a efectuar uma descrição exaustiva do bem a vender bastando que faça uma descrição sumária do mesmo” – é o que decorre do disposto no n.º 4 do art. 890.º do CPC (correspondente ao n.º 3 do art. 817.º, na actual redacção). No caso, o anúncio da venda, como resulta dos factos provados, mencionava que o bem imóvel a vender se encontrava arrendado e isso é suficiente, como ainda refere a sentença recorrida, “para que o potencial interessado forma uma exacta e correcta ideia sobre o mesmo bem, e se considerar relevante para a formação da vontade de contratar pode solicitar informações adicionais ao serviço de finanças (...)”.
No que concerne à alegada violação por parte da AT de “princípios inerentes à actuação da Administração Pública, como a transparência e a igualdade”, o que caberá dizer é se trata de questão sobre a qual a sentença recorrida não se debruçou e que, por isso, não pode aqui ser reapreciada, sendo certo que não vem invocada omissão de pronúncia relativamente a essa matéria».

1.6 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.7 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

«A. Corre termos contra a B…………., SA, o processo de execução fiscal n.º 3123200401032593, para cobrança coerciva de dívidas proveniente de CA de 2000 a 2002 e IMI de 2003 a 2006, para a qual foi citada em 17/12/2004 – cf. documento de fls. 1 a 9 do PEF;

B. Em 7/1/2005 foi rectificado o valor da quantia exequenda e remetido ofício à executada para notificação de tal facto – cf. fls. 10 a 11 verso do PEF;

C. A sociedade executada tem sede na Rua ………., n.º ….. em Lisboa, mostrando-se a notificação referida em B., dirigida à sede – cf. fls. 17 do PEF;

D. Em 30/7/2004, foi efectuado o registo predial da aquisição da fracção correspondente ao 2.º andar, sito na Rua …………., n.º ….. em Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia de Santos-o-Velho sob o artigo 884 e descrito na 3.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa na ficha 809 letra “C”, provisório por dúvidas a favor de C………… e D…………… residentes na Rua ……… n.º ….. em Lisboa, também seu domicílio fiscal, por compra à executada – cf. fls. 21;

E. Tal registo de aquisição veio a caducar em 8/3/2005 – cf. anotação oficiosa de fls. 22 do PEF;

F. Em 25/5/2005 foi apresentado, no Serviço de Finanças de Lisboa - 6, um contrato de arrendamento relativo à fracção identificada em D., em que são outorgantes a sociedade executada, na qualidade de locadora e C………… e D…………, na qualidade de locatários, reportando os seus efeitos a 20/11/2002 – cf. fls. 62 do PEF;

G. Realizadas as diligências necessárias, em 16/5/2006, foi emitido mandado de penhora, concretizada em auto de penhora datado de 16/2/2007 que incidiu sobre a fracção identificada em D – cf. fls. 13 a 16 do PEF;

H. Através do ofício n.º 1502 de 22/2/2007 foi dirigida para a sede da executada, notificação da penhora, para no prazo de 30 dias efectuar o pagamento ou deduzir oposição, notificando-a ainda de que findo o aludido prazo seria designada data para venda judicial por proposta em carta fechada, nomeando a sociedade fiel depositária – cf. fls. 17 do PEF;

I. A carta referida na alínea anterior foi devolvida ao seu remetente por não ter sido reclamada com a menção de “avisado” – cf. fls. 17-A do PEF;

J. Através do ofício n.º 5108 de 10/7/2007 foi notificada a administradora da executada, E…………, nessa qualidade, na Rua ………., …., …. …, em Lisboa, para os efeitos mencionados na alínea H., incluindo o da sua nomeação como fiel depositária – cf. fls. 42;

K. Através do ofício n.º 5109 de 10/7/2007, remetido para a Avenida …………, n.º …., …. em Lisboa, foi notificado o administrador da executada, F………….., nessa qualidade, para os efeitos mencionados na alínea H, incluindo os da sua nomeação como fiel depositário – cf. fls. 44 do PEF;

L. Por despacho de 20/8/2007 foi ordenada a venda judicial do bem penhorado, identificado em D., por propostas em carta fechada, e designado o dia 9/11/2007 para a abertura de propostas, a qual foi publicitada nos termos previstos no artigo 250.º e segs. do CPPT – cf. fls. 50;

M. Em 5/9/07 e 6/9/07 foram publicados anúncios no jornal ……… publicitando a referida venda, indicando-se o valor base de venda de € 358.015,00, sem menção de que o bem se encontra arrendado – cf. fls. 73 do PEF;

N. For despacho de 13/9/2007, publicado na mesma data e no mesmo jornal, foi efectuado um aditamento ao anúncio publicitado nele se fazendo menção, quanto à identificação do imóvel, de que «o bem imóvel se encontra arrendado» – cf. fls. 74 a 77 do PEF;

O. Do despacho identificado em L, foram notificados a Executada, cuja notificação foi devolvida ao remetente, e os Administradores da Executada, nas moradas identificadas em J) e K) – cf. fls. 52 a 57 do PEF;

P. C………….. foi notificado, por carta datada de 7/9/2007, registada com aviso de recepção, dirigida para a Rua ………, n.º ….., Lisboa, na qualidade de inquilino, de que a venda se iria realizar no dia 9/11/2007, bem como para exercer o direito de preferência, querendo – cf. fls. 65 e 66 do PEF;

Q. Os fiéis depositários foram notificados, por carta registada com aviso de recepção datada de 14/9/2007, relembrando a obrigação, nessa qualidade de fiéis depositários, de exibição dos bens a quem pretenda examiná-los – cf. fls. 67 a 70 do PEF;

R. Em 19/10/2007, pelas 17H12 e 29/10/2007 pelas 11H11 foi enviado ao serviço de finanças de Lisboa 6, um fax, cujo remetente é ………., contribuinte n.º …….., informando que contactou os fiéis depositários com vista ao exame do bem em venda, identificado em D., e que a senhora designada fiel depositária a informou que nada tinha a ver com a executada proprietária do bem por ter sido destituída pelos órgãos da sociedade e que depois de inúmeras tentativas para contactar o fiel depositário, foi informada de que o número de telefone utilizado pertence a um escritório, onde raramente o visado aparece – cf. fls. 82 a 85 do PEF;

S. Em resposta foi sugerido um contacto por escrito com o visado, solicitando a marcação de data e hora para ver o bem – cf. fls. 87 do PEF;

T. Através do ofício n.º 11551 de 30/10/2007, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 6 foi dado conhecimento ao fiel depositário F………., do conteúdo dos faxes referidos na alínea R., tendo sido reiterada a informação sobre a obrigação prevista no artigo 891.º do CPC, de exibição dos bens a quem pretenda examiná-los – cf. fls. 86 do PEF;

U. Em 6/11/2007 o Requerente apresentou um requerimento dirigido ao chefe do serviço de finanças - 6, invocando que tentou contactar o fiel depositário do bem imóvel penhorado, sem qualquer sucesso, uma vez que os mesmos o informaram que o bem se encontra arrendado, e que não pôde ver o bem, uma vez que o inquilino o informou não ser o fiel depositário do bem, facto que o impossibilitou de apresentar uma proposta, a que acresce o facto de o anúncio não indicar o valor da renda e a data do contrato de arrendamento, para saber que tipo de vínculo legal de arrendamento existe, concluindo que a situação configura uma nulidade absoluta e insanável requerendo que “a venda judicial agendada” seja anulada, e que seja definido “que o arrendatário deve mostrar o locado ao fiel depositário nomeado (Sr. F……….. ou Sra. E………….) para o requerente poder ver o locado” e assim formular a sua proposta – cf. fls. 94 do PEF;

V. Na mesma data G……………, SA, sociedade que integra o grupo da executada, com sede na Av. …………., n.º ….., ….. em Lisboa, representado pelo Dr. …………., com escritório na Rua ………, ….., ….. em Lisboa, apresentou reclamação, nos termos do artigo 276.º e sg. do CPPT, do acto “de venda judicial marcada para o (...) dia 9 de Novembro de 2007” que foi julgada improcedente – cf. fls. 115 e 123 do PEF e sitaf;

W. No dia 9/11/2007, foram abertas as propostas apresentadas, verificando-se o seguinte:
1. A proponente H………….., Lda., com sede, declarada na proposta, na Avenida ………, n.º ….., ……. 1050-….. em Lisboa, NIPC ……….., apresentou uma oferta de € 326.000,00 – cf. fls. 136 do PEF;
2. O proponente I…………., com domicílio declarado na proposta, na Avenida ……….., n.º ….., ….. 1050-….. em Lisboa apresentou uma oferta de € 405.000,00, mencionando que não foi possível verificar o estado do imóvel nem se o mesmo está ocupado – cf. fls. 138 do PEF;
3. A proponente J…………, (Sucursal em Portugal) com sede, declarada na proposta, na Rua ………., n.º ….., ………, 1200-…. em Lisboa, NIPC ……….., e com domicílio fiscal na Avenida …………, n.º ….., ….. 1050-….. em Lisboa, apresentou uma oferta de € 362.000,00 – cf. fls. 141 e 145 do PEF;

X. No acto de abertura das propostas, por se ter apresentado o representante da Executada pretendendo efectuar o pagamento da dívida exequenda, foi decidido pela Chefe do Serviços de Finanças que a venda fosse adiada até às 14 horas, hora indicada pelo representante como suficiente para visar o cheque – cf. auto de abertura de propostas – cf. fls. 146 do PEF;

Y. Pelas 14 horas, do mesmo dia, sem que tenham comparecido os representantes da executada, procedeu-se à abertura das propostas, verificando-se que a primeira proposta apresentada foi excluída por ser de valor inferior ao valor base da venda, concluindo-se por considerar a segunda proposta, a mais vantajosa – cf. fls. 146 do PEF;

Z. Através dos ofícios n.º 11765 e 11766 de 9/11/ 2007, endereçados respectivamente para a Avenida …………, n.º ….., ….. 1050-…… em Lisboa, e Rua ………., n.º …., Quintinhas 2820-….. Charneca da Caparica, foi notificado o proponente I…………, para efectuar o depósito da totalidade do preço, no prazo de 15 dias, sob pena de aplicação das sanções previstas na lei do processo civil – cf. fls. 147 a 150 do PEF;

AA. Em 28/11/2007 o proponente I………….. informou o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 6, de que foi surpreendido e demandado judicialmente em impugnação judicial da venda do imóvel a que se refere a proposta de aquisição, deduzida pelo Sr. A………….., e que atenta a situação de incerteza resultante da impugnação, uma vez que a verba a depositar ficará suspensa até ao trânsito em julgado da decisão, aguardaria até esse momento, mais declarando sem efeito a sua proposta – cf. fls. 152 do PEF;

BB. O Requerente deduziu a presente acção – cf. fls. 2».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O presente recurso vem interposto da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente o pedido de anulação de venda (À data em que foi deduzido o pedido ainda não tinha entrada em vigor a nova redacção do art. 257.º, introduzida pelo art. 125.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), que veio determinar que «[o] pedido de anulação da venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da administração tributária» (n.º 1), sendo que «[d]a decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do artigo 276.º», motivo por que o pedido de anulação da venda, enquanto incidente do processo de execução, era deduzido directamente perante o tribunal tributário, a quem está cometida a competência para dele conhecer (cfr. art. 151.º, n.º 1, do CPPT).) efectuado pelo ora Recorrente na qualidade de potencial apresentante de proposta para aquisição do bem que foi vendido.
Nessa petição endereçada ao Tribunal Tributário de Lisboa, remetida a juízo por carta registada em 26 de Novembro (cfr. fls. 18), alegou o ora Recorrente para fundamentar o seu pedido de anulação da venda – que deduziu sob a forma processual de impugnação judicial, mas que o Tribunal Tributário de Lisboa, considerando verificado o erro na forma do processo, convolou em incidente de anulação da venda (cfr. despacho de fls. 21) –, em síntese, o seguinte: tentou contactar os fiéis depositários do imóvel penhorado nos autos, «a fim de apresentar a sua proposta de aquisição», mas, apesar das numerosas insistências, nunca conseguiu que lho mostrassem; por outro lado, o anúncio da venda, que indica que o imóvel está arrendado, não indica o valor da renda e a data do contrato, informações que nunca lhe foram prestadas, apesar de diversas vezes solicitadas pelo Requerente ao órgão da execução fiscal; oportunamente – três dias antes da data designada para a venda – informou o órgão da execução fiscal desses factos, que considera constituírem «uma nulidade absoluta e insanável para a realização da venda judicial» e pediu a anulação da data designada para a venda, sendo que esse requerimento continua por responder até hoje; teve agora conhecimento, pela consulta dos autos, de que a venda não foi suspensa, contrariamente ao que foi dito pela Chefe do órgão da execução fiscal na data designada para a mesma; que a prossecução da venda constitui «uma verdadeira burla e fraude», pois «ninguém viu as propostas no dia 09 do corrente mês, tudo foi dito por informação verbal pela Sra. Chefe do SFL 6.º» e estranha que alguém tenha formulado uma proposta sem ver o imóvel, a menos que alguns o tenham visto e outros não, como também estranha que nunca tenha obtido resposta às nulidades suscitadas no seu requerimento de 6 de Novembro de 2007, pelo que afirma «Será que tudo já se encontrava combinado … Com que intuitos e interesses…» e que «São dúvidas e suspeitas muito graves, mas legítimas e que indiciam fortemente um comportamento ilícito por parte da Administração Tributária»; os factos invocados acarretam «uma manifesta nulidade de todo o processado, pelo que se impugna assim a venda judicial». O Requerente invoca ainda a nulidade da venda porque a adjudicação foi efectuada a um proponente «que nem sequer se encontrava presente no dia, local e hora marcados para a venda», pois «não se encontrava presente o proponente Sr. I…………., posteriormente notificado, por carta registada», porque as «alegadas propostas» não foram abertas à hora designada e, se existiam, «não foram abertas em público» e porque «não foi passada guia no acto para o adquirente depositar o preço, ou parte deste», tudo nulidades a determinar a anulação da venda, «se é que se pode considerar a venda já celebrada».
A sentença começou por ponderar a utilidade da lide à luz da ocorrência ou não da venda, decidindo que se mantinha tal utilidade apesar de o proponente cuja proposta foi aceite ter vindo ulteriormente apresentar declaração de desistência, pois esta não significa que a venda tenha ficado sem efeito.
Depois, passou a apreciar a questão da legitimidade do Requerente para pedir a anulação da venda, concluindo que só o adquirente pode invocar como fundamento desse pedido o erro sobre o bem vendido ou sobre as suas qualidades por desconformidade com o que foi anunciado e as reais características do bem vendido.
De seguida, admitindo que outrem, que não o comprador, possa pedir a anulação da venda consequente da declaração de nulidade processual, como resulta da conjugação dos arts. 909.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC) e do art. 201.º deste mesmo Código, na redacção anterior (Ou seja, na redacção anterior à aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.), vigente à data da venda, considerou que sempre terá o requerente que demonstrar o seu interesse, dependente de algum elemento de conexão, o que não sucede no caso, pois «o Requerente não apresentou nenhuma proposta, nem adquiriu o bem, nem é parte na execução de modo a que possa retirar um interesse atendível, que não seja o da legalidade e transparência na actuação da Administração Tributária e a criação das condições ideais de esclarecimento necessário à tomada de decisão de uma proposta de aquisição do bem em causa».
Ou seja, parece que terá reconhecido legitimidade ao Requerente para invocar nulidades que se refiram «à legalidade e transparência na actuação da Administração Tributária» e às condições para apresentação de proposta de aquisição do bem penhorado.
Prosseguindo na apreciação das invocadas nulidades, considerou, em síntese:
- que a invocada falta de indicação do valor da renda no anúncio «não integra o núcleo de causas de anulação que o Requerente possa invocar»;
- que, «na perspectiva do interesse na prossecução da venda de acordo com a legalidade, a Administração Fiscal não está obrigada a efectuar uma descrição exaustiva do bem a vender, bastando que faça uma descrição sumária do mesmo» e que resulta dos elementos divulgados nos anúncios e editais que o imóvel se encontra arrendado, o que é «suficiente para que o potencial interessado forme uma exacta e correcta ideia sobre o mesmo bem» e que, «se considerar relevante para a formação da vontade de contratar, pode solicitar informações adicionais ao serviço de finanças, pelo que, não tendo [o Requerente] diligenciado nesse sentido, só a si é imputável a falta de tal informação»;
- quanto à invocada impossibilidade de contactar o fiel depositário e de ver (leia-se visitar) o bem, que a mesma «não constitui omissão que possa pôr em causa a venda do bem», na medida em que não constitui irregularidade que possa ter influenciado a venda, tanto mais que a venda foi efectuada, mas apenas de determinar a eventual remoção do depositário e que a arguição dessa nulidade cerca de 90 dias após a publicitação da venda e a 3 dias da data designada para a venda, põe em causa o «princípio da celeridade que norteia a execução fiscal», sendo que o «princípio da colaboração impunha uma actuação mais pronta»;
- quanto às suspeitas de comportamento ilícito da AT e dos proponentes, que essa «ilicitude releva no domínio contra-ordenacional e criminal», enquanto nos presentes autos há apenas que cuidar do domínio da legalidade do acto;
- que «[a] omissão na resposta ao requerimento dirigido Requerente ao serviço de finanças requerendo a nulidade da venda 3 dias antes da data designada para a venda também não constitui omissão que determine a anulação da venda».
Por tudo isto, julgou improcedente o pedido.
Inconformado com a sentença, o Requerente dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando o erro de julgamento relativamente às questões de:
i) «saber se o Requerente, não detendo qualidade de comprador, pode ser admitido a formular um pedido de anulação de venda»;
ii) saber se as invocadas impossibilidade de visitar o imóvel penhorado, falta de indicação do valor da renda e início do contrato de arrendamento e «violação dos princípios inerentes à actividade da Administração Pública, como a transparência e a igualdade» podem erigir-se em nulidade do processo de execução fiscal susceptíveis de determinar a consequente anulação da venda.

2.2.2 DA ILEGITIMIDADE DO REQUERENTE PARA PEDIR A ANULAÇÃO DA VENDA COM FUNDAMENTO EM FALTA DE CONFORMIDADE COM O ANUNCIADO

A sentença considerou que o Requerente não tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre a coisa vendida ou qualidades dela, por falta de conformidade com o anunciado, legitimidade que é exclusiva do comprador, como resulta hoje do disposto no art. 838.º, n.º 1 (e, à data, do art. 908.º, n.º 1), do CPC, conjugado com o art. 257.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, mas parece ter admitido que o Requerente tinha legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento e em consequência da procedência de nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.ºs 1 e 2 (à data, no art. 201.º, n.ºs 1 e 2) do CPC, ou seja, se a omissão de acto ou formalidade prescrita na lei for nesta qualificada como nulidade ou se for susceptível de influir no resultado da venda, como resulta do disposto no art. 839.º, n.º 1, alínea c) [à data, do art. 909.º, n.º 1, alínea c)], do CPC, conjugado com a alínea c) do art. 257.º, n.º 1, do CPPT.
O Requerente não se conforma com o decidido quanto àquele primeiro segmento e insiste na tese de que tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento na divergência entre o que foi anunciado e o que foi vendido, mas não tem razão. Vejamos:
É certo que a legitimidade para pedir a anulação da venda depende da causa de pedir invocada, como bem salientou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa.
A nosso ver, é inequívoco que só o comprador (E também o preferente ou o remidor se, depois da venda, foi julgada procedente acção de preferência ou foi deferida a remição de bens, situações em que o preferente ou o remidor se substituirão ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra (art. 839.º, n.º 2, do CPC). Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª edição, IV volume, anotação 13 a) ao art. 257.º, pág. 193.) tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades do mesmo por falta de conformidade com o que foi anunciado. É o que resulta claramente do disposto no n.º 1 do art. 838.º do CPC (à data, do art. 908.º, n.º 1), sendo que o art. 257.º, do CPPT, no seu n.º 1, alínea a), relativamente àquele preceito do CPC nada acrescenta, antes se limitando, a esse propósito, a fixar o prazo para o exercício do direito de requerer a anulação da venda com aquele fundamento. Não é possível, pois, extrair do art. 257.º do CPPT a possibilidade de quem não é comprador pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre a coisa vendida ou suas qualidades, por falta de conformidade com o anunciado.
Acerca deste fundamento da anulação da venda, diz JORGE LOPES DE SOUSA: «O erro sobre o objecto transmitido ocorre quando o comprador formulou a sua proposta reportando-se a um objecto julgando estar a fazê-lo relativamente a outro objecto.
Trata-se de uma situação em que, em alguns casos, se reconduz a um erro sobre as qualidades do objecto e que, de qualquer forma, tem um tratamento idêntico.
O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar em divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios.
[…] para justificar a anulação não será necessário que o erro seja essencial, bastando o mero erro incidental (se não fosse o erro, a compra não seria efectuada pelo preço que foi) e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência do erro, podendo esta, no entanto, relevar a nível da indemnização prevista no art. 908.º [hoje art. 838.º] do CPC» ( Ob. e vol. cit., anotação 3 c) ao art. 257.º, pág. 179.).
Como é manifesto, esse erro verifica-se na esfera da formação da vontade do comprador e, por isso, a legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre a coisa vendida ou suas qualidades por falta de conformidade com o anunciado é exclusivamente do comprador (aí se incluindo o preferente e o remidor, se for caso disso), como resulta do disposto no art. art. 908.º, n.º 1, do CPC (na redacção aplicável), conjugado com o art. 257.º, n.º 1, alínea a), do CPPT. Por isso, não faz sentido conferir legitimidade para pedir a anulação da venda com esse fundamento a outrem que não o comprador (cf. art. 26.º do CPC, na redacção aplicável) (Nesse sentido, com numerosa indicação de doutrina, o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Julho de 2002, proferido no processo n.º 523/02, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bdf6e9961eb4e55680256bf3004ddeb8.).
Isto não significa que só o comprador possa ser prejudicado por eventual discrepância entre as qualidades do bem vendido e o que foi anunciado. Significa, tão-só, que só o comprador pode pedir a anulação da venda com fundamento no erro do comprador sobre o bem transmitido.
A sentença recorrida, na medida em que decidiu nesse sentido, não merece censura e, bem pelo contrário, fez a melhor interpretação da lei e seguiu a jurisprudência uniforme sobre a questão.

2.2.3 DA ILEGITIMIDADE DO RECORRENTE PARA PEDIR A ANULAÇÃO DA VENDA COM FUNDAMENTO EM NULIDADES DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

Como dissemos já, a sentença parece ter admitido que o Requerente tinha legitimidade para pedir a anulação da venda em consequência da procedência de nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.ºs 1 e 2 (à data, no art. 201.º, n.ºs 1 e 2) do CPC, ou seja, se a omissão de acto ou formalidade prescrita na lei for nesta qualificada como nulidade ou se susceptível de influir no resultado da venda, como resulta do disposto no art. 839.º, n.º 1, alínea c) [à data, do art. 909.º, n.º 1, alínea c)], do CPC, conjugado com a alínea c) do art. 257.º, n.º 1, do CPPT.
É certo que a anulação da venda nos termos deste art. 195.º (à data, art. 201.º) do CPC depende, quer da ocorrência, relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes, de qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, quer da circunstância de a irregularidade verificada poder ter influência na venda (cfr. n.ºs 1 e 2 do referido artigo). Ou seja, a regra, relativamente à prática de acto não admitido ou à omissão de acto ou formalidade prescrita, é a de que, se a lei não referir expressamente como consequência a invalidade do acto, o vício do acto processual só deve produzir nulidade quando dele resulte prejuízo para a relação jurídica contenciosa. «Estão nestas condições, por exemplo, as irregularidades relativas à publicidade da venda, designadamente as que respeitam ao tempo e locais de afixação de editais, à publicação de anúncios e seu conteúdo e as relativas às notificações das pessoas que devem ser notificadas para a venda», sendo que «a anulação da venda só deve ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar a venda» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 9 ao art. 257.º, pág. 186.). O que releva é, pois, a susceptibilidade da formalidade omitida poder ter repercussão sobre a venda.
Mas será que o ora Recorrente tem legitimidade para arguir nulidades do processo de execução fiscal e, com fundamento nelas, pedir a anulação da venda?
Temos para nós que não, que aquele que não é interveniente no processo de execução fiscal não tem legitimidade para pedir a anulação da venda, como igualmente não tem legitimidade para arguir nulidades do processo de execução fiscal (Nesse sentido, por mais recente, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 253/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8dd5e4ab646040a880257e37004fbd9e.).
Manifestamente, não pode considerar-se como interveniente um potencial comprador, pois esta qualidade, que assistirá à quase (Dizemos quase porque há pessoas que, apesar de terem capacidade jurídica, estão legalmente impedidas de adquirir.) totalidade das pessoas singulares ou colectivas que não estejam privadas de capacidade jurídica, não traduz nenhuma relação efectiva com o processo. Note-se que, perante o processo de execução fiscal, nada distingue o ora Recorrente de qualquer outra pessoa que pudesse adquirir o imóvel. Nem se argumente, em sentido contrário, com o facto de o ora Recorrente ter apresentado um requerimento na execução fiscal, pois esse requerimento, pelo qual dava conta ao órgão da execução fiscal da impossibilidade de contactar o fiel depositário e de visitar o imóvel penhorado, bem como da ausência de menção no anúncio da venda do valor da renda e da data do contrato de arrendamento, não lhe confere uma posição de interveniente do âmbito da execução. Esse requerimento não lhe confere a titularidade de uma posição jurídica substantiva no processo executivo (v.g., exequente, executado, cônjuge deste, credor com garantia real sobre o bem penhorado, outro titular de direitos sobre esse bem).
Assim, a nosso ver, aquele que se apresenta na execução fiscal como potencial comprador, mas que não apresentou proposta de aquisição, não tem um interesse directo que lhe confira legitimidade para vir arguir nulidades no processo e, muito menos, para pedir a anulação da venda com base nessas nulidades (cfr. art. 30.º do CPC, a que, à data, correspondia o art. 26.º).
Poderá argumentar-se que o interesse do ora Recorrente reside na hipótese de ele poder vir a apresentar uma proposta de aquisição. Este hipotético interesse seria meramente indirecto e eventual e a legitimidade activa depende da existência de interesse directo em demandar, expresso pela utilidade derivada da procedência da acção (cfr., à data, o art. 26.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, hoje com correspondência no art. 30.º). Ora, não bastará um mero interesse indirecto e uma utilidade meramente hipotética e eventual, não actual, para assegurar a legitimidade activa do ora Recorrente.
Argumenta o Recorrente que a sua legitimidade lhe advém do interesse em que a Administração respeite os princípios que devem enformar a sua actividade, designadamente os princípios da transparência e da igualdade e que sempre deveria ser admitido a intervir no processo em defesa dos seus direitos. Mas, salvo o devido respeito, e como deixámos já dito, para que se lhe reconheça legitimidade para arguir nulidades do processo de execução fiscal e a anulação da venda aí efectuada, não basta o interesse em que a actividade administrativa se processe de acordo com a legalidade, antes sendo imprescindível um interesse directo e actual.
Seja como for, i.e., ainda que se lhe reconhecesse legitimidade para arguir nulidades no processo de execução fiscal, nunca aquelas que por ele foram invocadas poderiam ser julgadas procedentes, como decidiu a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa.
À data, o art. 201.º do CPC previa o regime das nulidades processuais não especialmente reguladas, estabelecendo que «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
Donde resulta que a anulação da venda depende, não só de ter ocorrido, relativamente ao acto da venda ou actos anteriores que lhe digam respeito, a omissão de um acto ou de uma formalidade imposta pela lei, como ainda da circunstância de essa omissão poder ter tido influência no concreto acto de venda realizado. Não basta, pois, a omissão de uma formalidade legal para que a venda seja anulada; é ainda necessário, como impõe o art. 201.º do CPC, que ela possa ter tido influência no acto. Assim, a anulação só pode ser decretada se, nas concretas circunstâncias em que ocorreu a irregularidade, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar o acto processual de venda efectuado. Vejamos:
Sustenta o Recorrente que não pôde visitar o imóvel penhorado porque disso foi impedido.
A sentença recorrida deu como provado apenas que o ora Recorrente apresentou junto do órgão da execução fiscal um requerimento «invocando que tentou contactar o fiel depositário do bem imóvel penhorado, sem qualquer sucesso, uma vez que os mesmos o informaram que o bem se encontra arrendado, e que não pôde ver o bem, uma vez que o inquilino o informou não ser o fiel depositário do bem» (cfr. facto provado sob a letra U.). Ou seja, a factualidade dada como provada é manifestamente insuficiente para que se conclua que o ora Recorrente foi impedido de visitar o imóvel penhorado ou até de que não conseguiu estabelecer contacto com o fiel depositário em ordem a agendar essa visita. O que ficou provado foi, tão-só, que invocou que fez diversas tentativas efectuadas para entrar em contacto com o fiel depositário e que essas diligências não obtiveram sucesso.
Assim, não há factualidade provada susceptível de integrar uma recusa ou sequer uma impossibilidade de visita do imóvel penhorado, pelo que nunca poderia ponderar-se a verificação de nulidade processual com esse fundamento fáctico.
Sustenta ainda o Recorrente que o anúncio da venda não fazia referência ao montante da renda e à data de início do contrato de arrendamento, o que obsta a uma correcta ponderação em ordem a formular uma proposta de aquisição.
Sendo certo que tais elementos não constavam do anúncio da venda, é inequívoco que do mesmo constava o facto de o imóvel estar arrendado (cfr. factos dados como provados sob as letras M. e N.). Tanto basta para se considerem cumpridas as exigências formuladas relativamente ao conteúdo do anúncio, previstas à data pelo n.º 4 do art. 890.º do CPC (hoje, com correspondência no n.º 3 do art. 817.º), que referem apenas «a identificação sumária dos bens». Não pode, pois, considerar-se que o anúncio da venda enferme de irregularidade alguma e, muito menos, susceptível de influir na venda.
Se o ora Recorrente pretendia conhecer detalhes do contrato de arrendamento, não tinha mais do que solicitá-los ao órgão da execução fiscal, o que não se comprova que tenha feito.
Seja como for, a invocada falta de referência a esses elementos no anúncio da venda nunca poderia erigir-se em nulidade processual.
Finalmente, sustenta o Recorrente a «violação de princípios inerentes à actuação da Administração Pública, como a transparência e a igualdade».
Esta alegação, pela sua falta de concretização ou substanciação, também nunca poderia integrar a ocorrência de uma nulidade processual.
Ou seja, entendemos que o Recorrente não tem legitimidade para arguir nulidades processuais no processo de execução fiscal nem para pedir a anulação da venda aí efectuada e, ainda que assim não fosse, a factualidade assente não permite que se dê como verificada nenhuma das invocadas nulidades.
Não significa isto que, se eventualmente foi praticada alguma ilegalidade no processamento da execução fiscal que tenha conduzido à efectivação de uma venda em situação em não era permitido concretizá-la e se, em virtude dela, o Recorrente sofreu prejuízo, fique numa situação de indefesa. Se assim for, poderá, eventualmente, o ora Recorrente exigir ao Estado indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual; não pode é conseguir a anulação da venda, motivo por que não há motivo para conceder provimento ao recurso e revogar a sentença, que decidiu nesse sentido.

2.2.4 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I-Só o comprador tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades do mesmo por falta de conformidade com o que foi anunciado (cfr. art. 908.º, n.º 1, do CPC, na redacção em vigor à data).
II-A anulação da venda pode resultar da ocorrência de nulidade processual, pela prática de um acto que a lei não admita ou pela omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei expressamente declare a nulidade ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 201.º, n.º 1, por remissão do art. 909.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPC, na redacção vigente à data)
III-Só os intervenientes no processo de execução têm interesse directo e actual na venda e, por isso, legitimidade para pedir a sua anulação com fundamento em irregularidades que possam nela ter influência.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

*
Lisboa, 12 de Julho de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Casimiro Gonçalves.