Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02315/14.1BELRS
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IVA
REGULARIZAÇÃO
PRAZO
Sumário:I – A errada qualificação das operações em causa como sujeitas e não isentas para efeitos de IVA constitui um erro de enquadramento ou erro de direito.
II - A correcção da autoliquidação efectuada com base nesse erro de direito pode ser objecto de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos arts. 98.º, n.º 2, do CIVA e 78.º da LGT, no prazo de quatro anos, não tendo aplicação o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do art. 78.º do CIVA.
Nº Convencional:JSTA000P27497
Nº do Documento:SA22021040702315/14
Data de Entrada:03/18/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2315/14.1BELRS
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrida: “A…………, S.A.”

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa, em representação da AT (adiante Recorrente), recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada (adiante Recorrida), na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, anulou a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de Janeiro de 2007 a Outubro de 2008.

1.2 Com o requerimento de interposição de recurso, a Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1. A Douta Sentença interpreta que à liquidação indevida de IVA é susceptível de ser aplicado o regime de regularizações do imposto previsto no artigo 78.º do CIVA.

2. Segundo aquele regime, o Sujeito Passivo tem um prazo de dois anos para proceder às regularizações de imposto sejam elas resultantes [de] incorrecção na dedução ou da liquidação em excesso de imposto.

3. Segundo a interpretação defendida pela Fazenda Pública, o regime do artigo 78.º do CIVA é aplicável aos casos que estão registados na contabilidade e que, por isso, são passíveis de alteração ou rectificação.

4. Contudo, a posição do Tribunal a quo considera, no caso de imposto entregue, em excesso, que o prazo para proceder a tal rectificação é de 4 (quatro) anos, nos termos do artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.

5. Com o devido respeito, que é muito, entendemos que aquela interpretação não respeita as regras interpretativas constantes do artigo 11.º da LGT e artigo 9.º do Código Civil.

6. O artigo 98.º, n.º 2 do CIVA apenas se circunscreve aos casos cujo direito à dedução do imposto, mencionado em documentos ainda não registados na contabilidade, cuja dedução deva verificar-se nos termos do artigo 22.º do CIVA.

7. Ou, dito de um outro modo, o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA determina um prazo máximo (4 anos) ao exercício do direito à dedução que ainda não se efectivou, acautelando situações excepcionais, que poderiam impedir a dedução do imposto.

8. Com efeito, estando perante uma regularização de imposto, liquidado em excesso, como é o caso, a Fazenda Pública defende que deve estar sujeita à aplicação do regime constante do artigo 78.º do CIVA, com a necessária tramitação documental, e cujo prazo de regularização seria de 2 (dois) anos, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.ºs 2, 3 e 5 do CIVA.

9. Nesta conformidade, deverá a sentença recorrida ser revogada in tottum, e substituída por acórdão que analise cabalmente, de facto e de direito, as questões suscitadas, em cumprimento das normas legais em vigor, e se pronuncie sobre os pedidos formulados pela FP.

Requer-se “doutamente” a este Venerando Tribunal que considere o presente recurso procedente».

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor:

«A) Das conclusões do recurso, que delimitam o seu âmbito e objecto (cf. artigo 635.º, n.º 3 do CPC, subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 2.º, al. e), do CPPT) constata-se que em nenhuma delas se aponta algum vício, em concreto, à douta sentença recorrida, e.g. vício relativo à fundamentação, conformidade com as disposições legais, ou interpretação conforme ao direito;

B) As conclusões iniciais da Recorrente constituem considerações meramente descritivas, introdutórias ou referentes aos argumentos da Recorrente – não da decisão recorrida… pelo que a parte aparentemente significativa das conclusões da Recorrente FP resume-se ao vertido nas conclusões 6. a 8.

C) Porém, na única conclusão em que se refere criticamente à sentença a quo – conclusão 6., a Recorrente limita-se a apontar-lhe violações de lei totalmente desenquadradas com as suas alegações, com o caso dos autos e com a decisão de que supostamente recorre.

D) Deve concluir-se que o tribunal ad quem não está habilitado a conhecer do recurso na falta de objecto, não só face às conclusões de recurso (que nada apontam de concreto ao julgado) – como do próprio articulado das alegações de recurso (totalmente omissas neste ponto) – pelo que neste ponto o tribunal ad quem não pode senão julgar esta matéria excluída do objecto do recurso, pelo que dela não pode conhecer.

E) Ora, cabendo ao tribunal em sede de recurso jurisdicional, sindicar se se verificam ou não eventuais vícios apontados à sentença, perante a ausência da invocação de tais vícios, que habilite o tribunal de recurso a extrair questões a decidir sobre a sentença sindicada, afigura-se desprovido de objecto o presente recurso, impondo a rejeição de todas as conclusões de recurso, por totalmente improcedentes;

F) A fundamentação da sentença recorrida, de facto e de direito – no que constitui a ratio decidendi da procedência da impugnação é irrepreensível à luz das normas e princípios e do imperativo constitucional que impõe a reconstituição da legalidade em situações de cobrança excessiva de tributos.

G) A sentença recorrida identificou com precisão a factualidade relevante, e fundamentou a decisão de forma irrepreensível nas normas legais aplicáveis, e de acordo com a jurisprudência do STA em que se fundamenta, nomeadamente o Acórdão de 2017.06.28 (Proc. n.º 01427/14) determinando a devida reconstituição da situação tributária do contribuinte;

H) Nesse aresto decidiu-se que “O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA”;

I) Pelo que a sentença recorrida, assim tendo decidido, não merece qualquer censura, pelo que deve ser integralmente mantida na ordem jurídica, improcedendo todas as conclusões do recurso;

J) Na eventualidade de as conclusões antecedentes virem a ser julgadas improcedentes, a recorrida sustenta nesta sede a bondade da sentença em tudo quanto constitui a ratio decidendi da procedência da impugnação, sem prejuízo de também sustentar que a idêntico resultado deveriam conduzir os demais vícios que imputou aos actos tributários impugnados;

K) Os actos impugnados e anulados pelo tribunal a quo foram praticados em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito da aplicação das isenções em sede de IVA, conforme já havia sustentado o douto parecer do Digno Representante do Ministério Público junto aos autos.

L) A manutenção na ordem jurídica dos actos tributários em crise, consensualmente errados, até para a Recorrente AT, por desconsiderarem a norma de isenção (artigo 9.º, n.º 27.º alínea g) do Código do IVA), e nessa medida ilegais e por isso bem anulados pelo tribunal a quo, ofenderia gravemente as normas e princípios do direito da União Europeia em que assenta o sistema comum do IVA, pelo que a decisão recorrida, provendo a anulação dos actos de liquidação em crise, não merece qualquer censura;

M) Do mesmo modo, solução contrária à sufragada pela sentença recorrida ofenderia as normas e princípios constitucionais em que assenta o princípio do primado do direito da União, em particular em matéria de IVA, pelo que também por essa razão, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser integralmente confirmada;

N) Na ordem constitucional interna é reconhecido que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático» – cfr. artigo 8.º, n.º 4, da CRP (cit.).

O) Pelo que também os citados normativos não foram respeitados pelos actos de indeferimento e liquidação de IVA em crise na presente impugnação, gerando a interpretação que deles foi feita um vício de inconstitucionalidade material, invocado para todos os efeitos legais.

P) Em caso de dúvida, o que face ao fundado juízo do tribunal a quo se admite por mera cautela e dever de patrocínio, deveriam as pertinentes questões, acima suscitadas, de compatibilidade do direito interno com o direito da União ser submetidas ao TJUE a título prejudicial (cf. supra, capítulo IX das presentes alegações).

Q) Porém, no caso concreto afigura-se que a sentença recorrida a melhor interpretação dos preceitos legais aplicáveis, ao reconhecer que a revisão do acto tributário era devida a fim de repor a legalidade e reconstituir a situação da impugnante, ora recorrida, na medida em que se viu privada de quantias que entregou indevidamente nos cofres do Estado, como a própria Recorrente não deixou de reconhecer.

R) Uma interpretação contrária, in casu, dos preceitos legais referidos seria inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança o qual garante a certeza de segurança nos direitos e expectativas juridicamente tuteladas, com alicerce no princípio do Estado de Direito democrático ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa que expressamente aqui se invoca para todos os efeitos legais.

S) Finalmente, caso porventura não fosse negado provimento ao presente recurso, o que se admite por dever de patrocínio e sem conceder, então as deveriam os presentes autos baixar à primeira instância para que fossem fixados os restantes factos relevantes e apreciados os demais vícios imputados aos actos impugnados ou pelo menos serem as partes ser notificadas, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 665.º, n.º 3, do CPC, para se pronunciarem sobre tais vícios.

Termos em que se requer a V. Excelências:

i) Se dignem negar provimento ao presente recurso jurisdicional interposto, confirmando integralmente a sentença recorrida; ou em caso de dúvida sobre a bondade da fundamentação para anular do despacho de indeferimento em crise dos actos tributários anulados pelo tribunal a quo à luz da matriz comunitária do imposto, procederem à requerida suspensão da instância e ao requerido reenvio a título prejudicial:

ii) Subsidiariamente, ainda no caso de assim não ser entendido, então deveriam os presentes Autos baixar à primeira instância para que fossem fixados os restantes factos relevantes e apreciados os demais vícios, ou pelo menos deveriam as partes ser notificadas para se pronunciarem sobre tais vícios, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 665.º, n.º 3, do CPC.

Assim decidindo farão V. Exas respeitar o Direito e a Justiça».

1.4 O Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, nos seguintes termos: «[…]

A representante da Fazenda Pública inconformada com a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação, e que foi proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa vem interpor recurso para o S.T.A.
Crê-se não ser de obstar a que se conheça do recurso interposto.
No entanto, o mesmo é de improceder, fundamentalmente, face ao ponto CC da matéria de facto, e a ser de admitir que a regularização se fundou em erro de direito, e ao entendimento tido não se mostrar impedido pela legislação comunitária».

1.5 Cumpre apreciar e decidir se a sentença fez errado julgamento ao aceitar a possibilidade de regularização do IVA.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) A Impugnante é uma instituição financeira que se dedica à gestão de patrimónios (cf. artigo 1.º da pi);

B) Em 2007.07.12, a Impugnante e a empresa B…………, SA, celebraram um acordo reduzido a escrito denominado contrato de gestão discricionária de valores mobiliários, junto com a pi como documento n.º 3 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 58/83 – doc. n.º 005767944/21-10-2014/09:38:45);

C) Nas facturas emitidas pela Impugnante à empresa B…………, SA, nos anos de 2007 e 2008, foi incluída a menção IVA à taxa normal (cf. doc. n.º 4 junto com a pi, fls. 81/83 – doc. n.º 005767944/21-10-2014/09:38:45 – fls. 82 a 148 do suporte físico do processo);

D) Em 2007.03.07, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2007/01, com total de base tributável de € 2 950 731,66, imposto a favor do sujeito passivo de € 67 210,72, total de imposto a favor do Estado de € 437 319,65 e imposto a entregar ao Estado de € 370 108,93 (cf. fls. 14/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 197 a 198 do suporte físico do processo);

E) Em 2007.03.29, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA relativa ao período de 2007/02, com total de base tributável de € 780 730,86, imposto a favor do sujeito passivo de € 52 663,09, total de imposto a favor do Estado de € 109 733,80 e imposto a entregar ao Estado de € 57 070,71 (cf. fls. 16/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 199 a 200 do suporte físico do processo);

F) Em 2007.06.01, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de substituição de IVA, relativa ao período de 2007/02, com total de base tributável de € 1 524 772,67, imposto a favor do sujeito passivo de € 12 324,42, total de imposto a favor do Estado de € 265 905,46 e imposto a entregar ao Estado nulo (cf. fls. 18/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 201 do suporte físico do processo);

G) Em 2007.05.07, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/03, com total de base tributável de € 757 511,48, imposto a favor do sujeito passivo de € 11 587,30, total de imposto a favor do Estado de € 158 077,41, e imposto a entregar ao Estado de € 147 490,11 (cf. fls. 19/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 202 a 203 do suporte físico do processo);

H) Em 2007.06.05, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/04, com total de base tributável de € 897 073,80, imposto a favor do sujeito passivo de € 26 001,80, total de imposto a favor do Estado de € 127 644,12 e imposto a entregar ao Estado de € 101 642,32 (cf. fls. 21/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 204 a 205 do suporte físico do processo);

I) Em 2007.07.03, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/05, com total de base tributável de € 2 558 609,60, imposto a favor do sujeito passivo de € 12 530,92, total de imposto a favor do Estado de € 463 601,20 e imposto a entregar ao Estado de € 451 070,28 (cf. fls. 22/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 206 a 207 do suporte físico do processo);

J) Em 2007.07.26, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/06, com total de base tributável de € 1 588 096,56, imposto a favor do sujeito passivo de € 9 325,83, total de imposto a favor do Estado de € 272 574,21 e imposto a entregar ao Estado de € 263 248,38 (cf. fls. 25/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 208 a 209 do suporte físico do processo);

K) Em 2007.09.03, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/07, com total de base tributável de € 1 005 967,33, imposto a favor do sujeito passivo de € 31 399,12, total de imposto a favor do Estado de € 148 428,55 e imposto a entregar ao Estado de € 117 029,43 (cf. fls. 27/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 210 a 211 do suporte físico do processo);

L) Em 2007.10.02, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/08, com total de base tributável de € 3 025 396,03, imposto a favor do sujeito passivo de € 11 700,30, total de imposto a favor do Estado de € 573 401,59 e imposto a entregar ao Estado de € 561 701,29 (cf. fls. 29/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 212 a 213 do suporte físico do processo);

M) Em 2007.11.06, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/09, com total de base tributável de € 861 747,33, imposto a favor do sujeito passivo de € 8 425,18, total de imposto a favor do Estado de € 122 387,19 e imposto a entregar ao Estado de € 113 962,01 (cf. fls. 31/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 214 a 215 do suporte físico do processo);

N) Em 2007.12.03, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/10, com total de base tributável de € 2 911 878,21, imposto a favor do sujeito passivo de € 177 650,82, total de imposto a favor do Estado de € 548 483,71 e imposto a entregar ao Estado de € 370 832,89 (cf. fls. 33/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 216 a 217 do suporte físico do processo);

O) Em 2008.01.09, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/11, com total de base tributável de € 1 007 037,11, imposto a favor do sujeito passivo de € 8 676,66, total de imposto a favor do Estado de € 150 552,98 e imposto a entregar ao Estado de € 141 876,32 (cf. fls. 35/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 218 a 219 do suporte físico do processo);

P) Em 2008.02.07, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2007/12, com total de base tributável de € 2 731 246,48, imposto a favor do sujeito passivo de € 73 007,14, total de imposto a favor do Estado de € 513 343,81 e imposto a entregar ao Estado de € 440 336,67 (cf. fls. 37/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 220 a 221 do suporte físico do processo);

Q) Em 2008.03.09, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/01, com total de base tributável de € 1 249 293,33, imposto a favor do sujeito passivo de € 15 546,67, total de imposto a favor do Estado de € 201 771,97 e imposto a entregar ao Estado de € 186 225,30 (cf. fls. 39/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 222 a 223 do suporte físico do processo);

R) Em 2008.04.08, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/02, com total de base tributável de € 872 980,99, imposto a favor do sujeito passivo de € 12 889,67, total de imposto a favor do Estado de € 127 410,32 e imposto a entregar ao Estado de € 114 520,65 (cf. fls. 41/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 224 a 225 do suporte físico do processo);

S) Em 2008.05.05, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/03 com total de base tributável de € 1 143 308,10, imposto a favor do sujeito passivo de € 17 732,01, total de imposto a favor do Estado de € 180 784,61 e imposto a entregar ao Estado de € 163 052,60 (cf. fls. 43/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 226 a 227 do suporte físico do processo);

T) Em 2008.06.04, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/04, com total de base tributável de € 5 585 177,60, imposto a favor do sujeito passivo de € 19 584,20, total de imposto a favor do Estado de € 1 113 860,92 e imposto a entregar ao Estado de € 1 094 276,72 (cf. fls. 45/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 228 a 229 do suporte físico do processo);

U) Em 2008.07.09, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/05, com total de base tributável de € 1 983 919,02, imposto a favor do sujeito passivo de € 19 549,45, total de imposto a favor do Estado de € 181 791,21 e imposto a entregar ao Estado de € 162 241,76 (cf. fls. 47/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 230 a 231 do suporte físico do processo);

V) Em 2008.07.23, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/06, com total de base tributável de € 1 997 651,50, imposto a favor do sujeito passivo de € 21 077,36, total de imposto a favor do Estado de € 128 791,79 e imposto a entregar ao Estado de € 107 714,43 (cf. fls. 49/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 232 a 233 do suporte físico do processo);

W) Em 2008.09.01, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/07, com total de base tributável de € 6 572 916,96, imposto a favor do sujeito passivo de € 155 636,77, total de imposto a favor do Estado de € 984 275,73 e imposto a entregar ao Estado de € 828 638,96 (cf. fls. 51/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 234 a 235 do suporte físico do processo);

X) Em 2008.10.07, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/08, com total de base tributável de € 993 697,63, imposto a favor do sujeito passivo de € 16 386,42, total de imposto a favor do Estado de € 144 552,16 e imposto a entregar ao Estado de € 128 183,74 (cf. fls. 53/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 236 a 237 do suporte físico do processo);

Y) Em 2008.11.10, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/09 com total de base tributável de € 1 256 322,49, imposto a favor do sujeito passivo de € 25 429,44, total de imposto a favor do Estado de € 197 264,25 e imposto a entregar ao Estado de € 171 834,81 (cf. fls. 55/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 238 a 239 do suporte físico do processo);

Z) Em 2008.12.05, a Impugnante preencheu e entregou a Declaração Periódica de IVA, relativa ao período de 2008/10, com total de base tributável de € 2 191 904,76, imposto a favor do sujeito passivo de € 68 818,10, total de imposto a favor do Estado de € 390 380,45 e imposto a entregar ao Estado de € 321 562,35 (cf. fls. 57/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 240 a 241 do suporte físico do processo);

AA) Nos períodos de 2007/01, 2007/02, 2007/03, 2007/04, 2007/5, 2007/06, 2007/07, 2007/08, 2007/09, 2007/10, 2007/11, 2007/12, 2008/01, 2008/02, 2008/03, 2008/04, 2008/05, 2008/06, 2008/07, 2008/08, 2008/09, 2008/10 e 2008/12, a empresa B…………, SA, entregou as declarações periódicas de IVA constantes de fls. 257 e que aqui se dão como integralmente reproduzidas (cf. doc. n.º 005773055/03-11-2014/10:37:02), das quais se transcreve:
a. (…) Período: 2007/01 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 1 412,52;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
b. (…) Período: 2007/02 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 2 709,04;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
c. (…) Período: 2007/03 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 4 053,01;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
d. (…) Período: 2007/04 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 5 360,93;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
e. (…) Período: 2007/05 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 7 007,67;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
f. (…) Período: 2007/06 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 8 308,22;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
g. (…) Período: 2007/07 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 9 808,86;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
h. (…) Período: 2007/08 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 11 194,26;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
i. (…) Período: 2007/09 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 12 342,59;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
j. (…) Período: 2007/10 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 13 685,60;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
k. (…) Período: 2007/11 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 14 923,06;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
l. (…) Período: 2007/12 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 14 923,06;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 14 923,06;
m. (…) Período: 2008/01 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
n. (…) Período: 2008/02 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 32 429,25;
o. (…) Período: 2008/03 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
p. (…) Período: 2008/04 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 1 753,50;
q. (…) Período: 2008/05 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
r. (…) Período: 2008/06 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
s. (…) Período: 2008/07 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 1 200,00;
t. (…) Período: 2008/08 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
u. (…) Período: 2008/09 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
v. (…) Período: 2008/10 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;
w. (…) Período: 2008/12 (…):
i. Total de imposto a favor do sujeito passivo: € 0,00;
ii. Total de imposto a favor do Estado: € 0,00;

BB) A empresa B…………, SA, solicitou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira informação vinculativa relativamente ao enquadramento fiscal a conceder, em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), aos serviços de gestão de valores mobiliários subcontratados pelas entidades gestoras de fundos de pensões, no âmbito, no âmbito da gestão dos activos que integram os fundos por si geridos (cf. doc. n.º 8 junto com a pi – fls. 59/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 242 do suporte físico do processo);

CC) Em 2010.10.01, foi emitida a informação vinculativa junta com a pi como doc. n.º 9 e que aqui se dá por integralmente reproduzida sobre a qual o Director-Geral exarou despacho de concordo (cf. fls. 67/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45 – fls. 250 do suporte físico do processo e fls. 406 - doc. n.º 006372632/23-04-2018/13:22:46); desta informação transcreve-se:
a. (…)
b. 7. Em face do exposto e atendendo ao que se encontra expresso na presente informação, somos de parecer que, relativamente, aos serviços prestados pela C…………, SA e a A…………, SA, consubstanciados na gestão de parte ou da totalidade dos activos que constituem os “Fundos de pensões”, geridos pela sociedade gestora de fundos de pensões, B…………, SA, devidamente formalizados através de contratos escritos e respeitando as condições previstas, na subcontratação das funções de gestão, em conformidade com o estabelecido no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, se encontram enquadrados na isenção prevista na alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º - Operações de administração e gestão de fundos de investimento [CIVA];

DD) Em 2011.02.11, na Direcção-Geral dos Impostos, deu entrada o pedido de revisão oficiosa da Impugnante da liquidação e pagamento do IVA efectuado em excesso nas declarações periódicas deste imposto relativas ao período compreendido entre Janeiro de 2007 e Outubro de 2008, no montante global de € 1 199 040,00, constante de fls. 3 a 12 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido;

EE) Por despacho do Subdirector-Geral dos Impostos de 2014.06.19, exarado na informação n.º 1892 de 2014.06.09, da Direcção de Serviços do IVA, Divisão de Administração, constante de fls. 168 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, o pedido de revisão identificado na alínea anterior foi indeferido; deste transcreve-se:
a. Concordo;
b. Indefiro pelas razões e nos termos propostos;
c. (…);

FF) Este despacho de indeferimento foi comunicado à Impugnante por carta registada com aviso de recepção assinado em 2014.07.18 (cf. fls. 179 a 181 do PA);

GG) Em 2014.10.17, a presente impugnação foi enviada a este Tribunal Tributário de Lisboa (cf. fls. 74/74 de doc. n.º 005767971/21-10-2014/09:38:45, e 257 do suporte físico do processo)».

*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 Durante os anos de 2007 e 2008, a sociedade ora recorrida liquidou e entregou ao Estado IVA à taxa normal pelos serviços prestados (de gestão de activos de fundos de pensões) a uma outra sociedade, que não deduziu – nem pode deduzir, em razão da actividade que exerce (A sociedade a quem foram prestados os serviços em causa exerce a actividade de gestão de fundos, (“CAE 66300”), actividade que não confere o direito à dedução do imposto) –, o IVA mencionado nas facturas a que respeitam esses serviços.
Na sequência do pedido de informação vinculativa apresentado pela sociedade a quem foram prestados os referidos serviços, respondido em 2010, e porque a AT considerou não ser devido IVA pelas operações em causa – porque enquadrados na isenção prevista na alínea g) do n.º 27 do art. 9.º do CIVA (operações de administração e gestão de fundos de investimento) – a ora Recorrida apresentou pedido de revisão oficiosa relativamente às autoliquidações dos anos de 2007 e 2008 (Quanto aos anos de 2010 e 2009, a sociedade apresentou declarações de substituição.), fundado no erro praticado nesses actos.
A AT indeferiu esse pedido com o fundamento de que «não se verificou um erro na autoliquidação para efeitos do artigo 78.º da LGT» porque «o erro é prévio e decorre da facturação». Mais considerou que, a verificar-se erro, o mesmo ocorreu no preenchimento das declarações de IVA, o qual seria passível de correcção nos termos do art. 78.º do CIVA, mas que era inviável a aplicação deste último artigo, por estar já ultrapassado o prazo de dois anos para o efeito.
Na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a sociedade deduziu a presente impugnação judicial, na qual, em síntese e no que ora nos interessa: mantém que inexistem dúvida quanto à ilegalidade das autoliquidações de IVA – que a própria AT reconhece – e que tal ilegalidade é susceptível de regularização ao abrigo do art. 78.º da LGT, ex vi do n.º 1 do art. 98.º do CIVA, não o impedindo qualquer das condições de forma e de tempo do art. 78.º do CIVA, pois no caso o IVA não é passível de dedução pelo adquirente dos serviços, inexistindo, pois, quaisquer deduções a regularizar; argumenta que a restituição do IVA pago em excesso é a única solução compatível com o princípio da neutralidade do imposto, tanto mais que inexiste qualquer risco de dedução do imposto pelo adquirente dos serviços; mais argumenta que a aplicação à situação sub judice do prazo de 2 anos previsto no art. 78.º do CIVA se configura como violadora das normas e dos princípios do Direito da União Europeia que consagram o direito à dedução do IVA.

2.2.1.2 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial.
Após diversos considerandos em torno do IVA, entendeu que nos autos está «em causa o prazo em que pode ser regularizado o direito ao reembolso do IVA cobrado em excesso, ou seja, o prazo para a regularização de erros», «entendendo a Fazenda Pública que o prazo é de apenas dois anos e defendendo a Impugnante que pode beneficiar do prazo de revisão do acto tributário de 4 anos».
Depois, sempre em síntese, considerou que «o IVA em causa é relativo aos meses de Janeiro de 2007 a Outubro de 2008, pelo que, nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, o pedido de revisão poderia ser apresentado no prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, independentemente de se tratar de erro material ou de direito» e, louvando-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Junho de 2017, proferido no processo com o n.º 1427/14 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/70f5c0e6f5db496d80258153003120cb.), que, «no caso de entrega de IVA em excesso, tal não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que não lhe pode ser aplicado o regime previsto no artigo 78/6 CIVA, mas sim que será aplicável ao caso o regime geral contante do artigo 98/2 CIVA, que fixa um limite máximo de quatro anos», pois «as normas do artigo 78.º CIVA apenas prevêem situações de facturas inexactas e de erro material ou de cálculo e não os casos de erro de direito ou de enquadramento, sendo-lhes aplicável, sim, o regime resultante da conjugação dos artigos 98/2 e 22/2, ambos do CIVA, que permitem a rectificação de uma dedução realizada (ou não realizada) por incorrecto enquadramento jurídico das operações».

2.2.1.3 Inconformada com essa sentença, a AT dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo. Lidas as alegações de recurso e respectivas conclusões, verificamos que, apesar da crítica que lhe é feita pela Recorrida [cf. conclusões A) a E) das contra-alegações], se pode concluir que a Recorrente discorda da sentença quanto ao entendimento que esta adoptou relativamente ao prazo para pedir a revisão “oficiosa” das autoliquidações de IVA. Vejamos:
Podemos dar como adquirido que a ora Recorrida, no período de Janeiro de 2007 a Outubro de 2008, liquidou e entregou ao Estado IVA pelas operações em causa nos autos, o que fez indevidamente, uma vez que tai operações estão isentas; podemos também dar como adquirido que o adquirente dos referidos serviços não deduziu, nem pode deduzir, o IVA. Quanto a esses aspectos do caso, que a sentença deu como assentes, a Recorrente e a Recorrida estão de acordo.
Onde a Recorrente diverge da sentença e da Recorrida é quanto ao prazo para esta última pedir a revisão das autoliquidações de IVA, em ordem a obter a devolução do montante de imposto que liquidou indevidamente e entregou ao Estado: enquanto aquela sustenta que esse prazo é de dois anos, por força do disposto no art. 78.º do CIVA, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa e a ora Recorrida entendem que o prazo para o efeito é de quatro anos, nos termos do art. 98.º, n.º 2, do mesmo Código.
Assim, a questão que ora cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que o pedido de revisão oficiosa das autoliquidações, efectuado pela ora Recorrida depois de ter tomado conhecimento do entendimento da AT, de que as operações que lhes deram origem estavam isentas de IVA, podia ser efectuado no prazo de quatro anos, nos termos do art. 98.º n.º 2 do CIVA.

2.2.2 DO PRAZO PARA PEDIR A REVISÃO DAS AUTOLIQUIDAÇÕES

Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar, repetida e uniformemente, o prazo aplicável para reclamar do IVA entregue em excesso numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no art. 98.º, n.º 2, do CIVA (Vide, entre outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 3 de Junho de 2020, proferido no processo com o n.º 498/15.2BEMDL, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/5f9b13d5ebe8b81f802585810033d07e;
- de 18 de Novembro de 2020, proferido no processo com o n.º 1783/13.3BEBRG, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/49f42f49c06825088025862d003747e3;
- de 2 de Dezembro de 2020, proferido no processo com o n.º 136/14.0BEALM, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/976aa2d6d723de368025863f0047727b.).
Do que acima deixámos dito não restam dúvidas quanto à natureza do erro em que incorreu a ora Recorrida: trata-se de um erro de enquadramento ou erro de direito, ou seja, uma situação em que, por errónea interpretação e aplicação do direito (errada qualificação das operações em causa como sujeitas e não isentas para efeitos de IVA), a mesma liquidou imposto. Essa liquidação, ainda que indevida, constituiu-a na obrigação de entregar o IVA ao Estado, como entregou. No entanto, inexistindo no caso o risco de ser exercido o direito à dedução com base na factura em que esse imposto foi indevidamente mencionado, nada obsta – e, pelo contrário, o princípio da neutralidade impõe – que seja facultada ao sujeito passivo a possibilidade de promover a regularização do imposto (no caso, de reaver o que liquidou indevidamente e entregou ao Estado), nos termos do disposto no art. 98.º do CIVA.
A situação em causa não deriva de uma alteração superveniente da operação celebrada entre o Recorrida e a sociedade sua cliente, não decorre da inexactidão dos documentos de suporte à operação, nem de um erro de cálculo ou de escrita nesses mesmos documentos (Quanto ao conceito de erro material vide o disposto no n.º 2 do art. 95.º-A do CPPT; vide também o Ofício-Circulado n.º 30082, de 17 de Novembro de 2005, da Direcção de Serviços do IVA.), o que afasta a susceptibilidade da regularização do IVA ao abrigo do disposto no art. 78.º do CIVA (Vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Maio de 2011, proferido no processo com o n.º 966/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c262ac6b229c96418025789c002e9fa1.); o erro de direito, como o que ocorreu no caso, «não se enquadra nos “erros” tipificados no art. 78.º do CIVA» (Cf. o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Dezembro de 2017, proferido no processo com o n.º 366/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/54ee9e42db0715fa802582100054abd7.). E face à inaplicabilidade das normas ínsitas no art. 78.º do CIVA, no caso de erro de direito deverá ser aplicado o prazo geral e supletivo de quatro anos previsto no art. 98.º do CIVA e no art. 78.º, n.º 2 da LGT (na redacção em vigor à data dos factos) (Neste sentido, ALEXANDRA MARTINS e PEDRO MOREIRA, Regularizações de IVA, A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, págs. 55 a 73.).
Consideramos, pois, que a sentença, que decidiu de acordo com este entendimento, julgou correctamente, motivo por que não é necessário conhecer das questões suscitadas pela Recorrida.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A errada qualificação das operações em causa como sujeitas e não isentas para efeitos de IVA constitui um erro de enquadramento ou erro de direito.
II - A correcção da autoliquidação efectuada com base nesse erro de direito pode ser objecto de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos arts. 98.º, n.º 2, do CIVA e 78.º da LGT, no prazo de quatro anos, não tendo aplicação o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do art. 78.º do CIVA.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT], com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que o acórdão segue jurisprudência anterior, o que integra a menor complexidade da causa para os efeitos previstos no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais.


*
Lisboa, 7 de Abril de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Gustavo André Simões Lopes Courinha.