Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:032/09.3BEPNF
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUIZES
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00071258
Nº do Documento:SA120211007032/09
Data de Entrada:04/20/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE PAÇOS DE FERREIRA
Recorrido 1:AUTO TRANSPORTADORA A………….., LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Objecto:AC TCA NORTE
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:art. 654.º, n.º 1, do CPC
art. 605.º do CPC/2013
art. 02.º, art. 03.º do DL n.º 81/2018, de 15/10
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

AUTO TRANSPORTADORA A………….., LDA. com sede na Rua ………., ……., Paços de Ferreira melhor identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (TAF) acção administrativa comum contra o MUNICÍPIO DE PAÇOS DE FERREIRA (1º Réu), AGS PAÇOS DE FERREIRA - SOCIEDADE CONCESSIONÁRIA DOS SISTEMAS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUAS E SANEAMENTO DE PAÇOS DE FERREIRA, SA., com sede da Rua Dr. Leão Meireles, 94, Paços de Ferreira (2ª Ré), B………….S.A., com sede no…………., Lodares, Lousada (3ª Ré) e C…………….., S.A., com sede na Rua ……………., …, Lisboa (4ª Ré), peticionando a condenação dos RR. a, solidariamente, pagarem à A. a quantia de 24.280,51€. acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento”.
*
Por decisão do TAF de Penafiel, datada de 28 de Junho de 2019, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, condenado o Réu Município de Paços de Ferreira, e a Ré, B………… S.A., solidariamente, na proporção respectivamente de 75% e 25%, a pagarem à A. a quantia de 19.280,51€ acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, e, absolvida a Ré C……………, do pedido.
*
O MUNICÍPIO DE PAÇOS DE FERREIRA apelou para o TCA Norte e este, por acórdão proferido a 13 de Novembro de 2020, negou provimento ao recurso.
*
Novamente inconformado, o MUNICÍPIO DE PAÇOS DE FERREIRA, interpôs o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso é tempestivo e nada obsta à sua aceitação;
2. O recurso de revista excecional justifica-se por se trata de uma questão com relevância jurídica e com vista à melhoria da aplicação do direito e por estar ainda em contradição com outros acórdãos proferidos por este e outros Tribunais de Recurso, dai que, com todo o respeito, reúne os necessários pressupostos para a sua aceitação;
3. A douta sentença proferida em 1ª instância e o douto acórdão em crise, contendem com a lei substantiva aplicável, nomeadamente, a violação do princípio da plenitude da assistência do juiz, da imediação, oralidade e da concentração;
4. A douta sentença proferida em 1ª instância e o douto acórdão em crise, devem ser declarados nulos ou, no mínimo, anulados, quando aceitam a violação da competência processual ao permitirem que a douta sentença da 1ª instância seja proferida por quem não o poderia fazer uma vez que não presidiu ao julgamento da matéria de facto;
5. A nulidade da sentença foi suscitada de forma tempestiva e de acordo com a lei;
6. O douto acórdão em crise contende com acórdãos proferidos por outros acórdãos de Tribunais Superiores de recurso nomeadamente, do Supremo Tribunal Administrativo, Supremo Tribunal de Justiça, Tribunais Centrais Administrativos e Tribunais da Relação em face do que, se justifica o presente recurso de revista excecional;
7. A douta sentença proferida em 1ª instância e o douto acórdão em crise, evidenciam manifesto erro de julgamento de facto e de direito, o que justifica que sejam revogadas e substituídas por douta decisão que atenda à prova produzida nos autos e se subsuma à legislação aplicável e, tendo-se que os autos reúnem os necessários elementos tem-se que nada obsta que seja proferida por esse Colendo Tribunal Superior;
8. A Meritíssima Juiz de 1ª instância não presidiu ao julgamento da matéria de facto ou à produção da prova - testemunhal - logo, sem excluir as contradições, incongruências e imprecisões é inequívoco que não percecionou, de modo algum, as condições objetivas, subjetivas e psicológicas como foram prestados esses depoimentos;
9. A meritíssima juíza de 1ª instância, porque não percecionou, de facto, a produção da prova testemunhal ou julgamento da matéria de facto não poderia decidir da mesma, e ao fazê-lo a proferida douta sentença enferma de violação dos princípios do juiz natural, da plenitude da assistência do juiz e ainda da imediação, de que são instrumentais os princípios da oralidade e da concentração;
10. Os factos dados como provados nos Pontos 11, 13, 18 e 19 e, os factos dados como não provados nos Pontos 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 10, tendo presente o probatório dos autos, com reapreciação da prova gravada, por falta de fundamentação deverão ser retificados e, pelos motivos justificados supra, deverão ser alterados como factos provados, com a seguinte redação:
Ponto 11. A plataforma da estrada, constituída pela faixa de rodagem, berma ou valeta, no seu limite esquerdo terminava num muro, que era parte integrante da plataforma, e que confrontava com o prédio que se encontra a cota inferior da plataforma da estrada.”
Ponto 13. A hemi-faixa de rodagem da esquerda, atenta a direção de Rua de Modelos e Rua de Santa Marinha e Seroa, estava em parte livre, entre os montes de terra e a berma ou valeta e o muro da plataforma da estrada, mas estava cortada ao trânsito.”
Ponto 18. O trânsito de veículos na Rua do Ribeiro estava cortado e a anteceder o início da rua, junto à rotunda, havia um sinal ST8a, de desvio de itinerário em direção à Rua de Modelos, no sentido do Monte do Pilar para Paços de Ferreira.”
Ponto 19. A hemi-faixa da esquerda, atendo o sentido de marcha do veículo da Autora estava cortado ao trânsito.”
Ponto 2. As terras resultantes dos trabalhos de escavação, para a abertura da vala, ocupavam a hemi-faixa esquerda, da faixa de rodagem da Rua do Ribeiro, impedindo a circulação de trânsito de veículos automóveis.”
Ponto 4. Atenta a circunstância que a abertura da vala provocava um estreitamento da faixa de rodagem da Rua do Ribeiro, antes do início dos trabalhos, junto à rotunda, o empreiteiro diligenciou pela colocação do sinal de trânsito ST8a, de desvio de itinerário, e do sinal C2, de trânsito proibido, a anteceder a entrada naquela rua.”
Ponto 5. Os sinais de trânsito eram visíveis por toda a gente, mormente pelos condutores dos veículos que por ali transitavam, que naturalmente infletiam para o lado direito ou esquerdo, seguindo aquela indicação e a sua escolha, isto é, desviavam a sua trajetória passando a circular pela Rua de Modelos e/ou Rua da Tapadinha.”
Ponto 6. O encarregado das obras, Sr…………………, ao aperceber-se que o pesado da Autora começou a entrar pela Rua do Ribeiro, e por facilmente verificar que o espaço que estava disponível, no lado esquerdo da faixa de rodagem era manifestamente insuficiente para a passagem do veículo/pesado, começou a gesticular e a fazer sinal ao condutor para não circular/avançar com o veículo por aquela rua.”
Ponto 7. O condutor do veículo/pesado não acatou as ordens, ignorou tais alertas dos trabalhadores do empreiteiro e prosseguiu a sua marcha na Rua do Ribeiro, até ficar imobilizado, por impossibilidade de prosseguir, por força da terra colocada na hemi-faixa esquerda, e nas condições que antecederam a queda da viatura.”
Ponto 8. Os rodados do lado esquerdo do veículo/pesado e do reboque, durante esse trajeto, ultrapassavam a hemi-faixa esquerda faixa de rodagem, circulou em cima da berma e, no mínimo, junto ao muro da plataforma da estrada.”
Ponto 10. O veículo pesado e respetivo reboque ficaram impossibilitados de circular na Rua do Ribeiro devido à terra que foi colocada na hemi-faixa esquerda da faixa de rodagem e porque estava de tal modo encostado ao muro da plataforma da estrada que se tornou impossível a continuidade da sua marcha, por aquela rua/artéria, vendo-se o respetivo condutor forçado a imobiliza-lo.”
11. Tendo presente o probatório dos autos, no qual está evidenciada a responsabilidade do condutor do veículo, isto é da RECORRIDA, na produção da ocorrência dos acidente e dos danos sofridos, com todo o respeito, deverá ser aditado como facto provado o seguinte facto que se transcreve:
Ponto 37. Independentemente da sinalização vertical de trânsito, denominada de D3a, de sinal obrigatório, de C2, de trânsito proibido e de ST8a, de desvio alternativo, o que obstava à circulação de trânsito na Rua do Ribeiro, o condutor também tinha perfeito conhecimento visual das obras que estavam a ser executadas na via pública e que obstavam à passagem da viatura que conduzia.”
12. Face à prova produzida, como justificado supra, tem-se que existe manifesto erro de julgamento, daí que dever-se-á proceder à alteração dos factos dados como provados e como não provados, como no interposto recurso da douta sentença de 1ª instância e explicitados nas duas conclusões que antecedem;
13. Em face da legislação em vigor, verifica-se que a douta sentença e o douto acórdão ora em crise, contendem com o disposto no artigo 20º, da CRP, no artigo 605º, da CPC, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA e, nº 2, do artigo 3º, do DL nº 81/2018, de 15.10, e, por falta de fundamento, devem ser declarados nulos ou, no mínimo, anulados;
14. A execução das obras na via pública estavam devidamente sinalizadas, com os sinais de trânsito, a anteceder a rua onde decorriam os trabalhos, denominados de D3a, de sentido obrigatório, de C2, de trânsito proibido e de ST8a, de desvio alternativo dai que, o acidente não se deveu à falta de sinalização;
15. Sem prescindir, acresce que, as obras e condições da via pública eram perfeitamente visíveis para qualquer condutor, no caso dos autos o condutor da RECORRIDA, em face do que, sem descurar que a RECORRENTE cumpriu com as suas obrigações legais, o acidente apenas ocorreu devido a óbvia falta de cuidado ou diligência do condutor da RECORRIDA, e nesta conformidade, com o devido respeito, não estão verificados os pressupostos de ilicitude, culpa e de nexo de causalidade, subjacentes à responsabilidade civil do Estado logo, a RECORRENTE, deverá ser absolvida dos factos que lhe são imputados e do pedido.
Nestes termos, e nos demais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, o presente recurso de revista excecional deve merecer provimento e em consequência se requer:
A) - Em face do exposto/esclarecido supra, por se tratar de uma questão com relevância jurídica e social, visando a melhoria da aplicação do direito e por estas doutas decisões, de 1ª instância e do TCAN, contendem, s.m.o., com as de outros acórdãos dos Tribunais Superiores de Recurso, tem-se que as mesmas devem ser declaradas nulas ou anuladas, revogadas e substituídas por outras decidindo-se em conformidade com as precedentes alegações e conclusões. Cumulativamente,
B) - Em face do exposto/esclarecido supra, tendo presente o probatório dos autos e que os autos contém todos os elementos essenciais à prolação de douta decisão, tendo-se que as obras que decorriam na via pública, que obstavam à circulação de veículos, eram perfeitamente visíveis por qualquer condutor, que este obstáculo não surgiu de forma imprevisível ou inopinada, e que, estas obras estavam de facto sinalizadas, deverá ter-se que o acidente não se deveu a uma eventual insuficiência de sinalização de trânsito mas tão só à manifesta falta de cuidado ou diligência, e culpa, do condutor da RECORRIDA que temerariamente concorreu para a produção do acidente ou seja, por culpa sua, em face do que, a douta sentença de 1ª instância deverá ser anulada ou revogada e substituída por outra que, repondo a merecida justiça, julgue o presente recurso procedente com a total absolvição da RECORRENTE
*
A recorrida, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
«1. A revista excecional não configura uma nova espécie de recurso, continuando a inserir-se no recurso ordinário de revista.
2. Se o recurso de revista, nos termos gerais não é admissível, tendo em conta os critérios gerais de recorribilidade, designadamente quanto ao valor da alçada do tribunal a que se recorre (o valor da acção é de 24.280,51 €), o recurso de revista excecional também não é admissível.
3. As conclusões de recurso balizam o âmbito de conhecimento do recurso que se pretende interpor.
4. Não há contradição entre os acórdãos mencionadas pelo recorrente quanto ao domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e quanto à identidade do núcleo essencial da matéria litigiosa
5. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista salvo havendo "ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova" – o que não é o caso dos autos.
6. Existe dupla conforme entre a decisão da primeira instância e a decisão proferida de que se pretende recorrer.
7. Não verificam, e não foram alegados, os pressupostos elencados no artigo 672 do CPC.»
*
O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 25 de Março de 2021.
*
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, nº 1 do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
“1. Na sequência de concurso público, o Município de Paços de Ferreira adjudicou à B………………. S.A. a execução da empreitada “Infraestruturas Associadas ao Reservatório R5 – Zona 1” – facto assente K) e J), fls. 87 e ss. do suporte físico dos autos.
2. Tendo para o efeito celebrado em 10.8.2005, o contrato de empreitada, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – facto assente L e fls. 87 e ss. do suporte físico dos autos.
3. A referida empreitada abrangia a obra de construção da rede pública de águas e de saneamento na Rua do Ribeiro, concelho de Paços de Ferreira – facto assente J), facto admitido por acordo.
4. A B…………… SA celebrou com a C………………S.A. o contrato de seguro, titulado pela apólice……………, tendo por objeto “a garantia da responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado, através do pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis pelos danos patrimoniais ou não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais por este causadas a terceiros, enquanto na qualidade ou no exercício” da atividade de construção civil / obras públicas, sendo o capital seguro de 748.196,85€ sujeito em todo e qualquer sinistro à dedução da franquia de 10% sobre o valor da indemnização, com o mínimo de 249,40€ e máximo de 1.246,96€ regendo-se pelas condições particulares e especiais e gerais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e das quais consta, além do mais,
Artigo 5.º - Exclusões
1. O presente contrato não cobre a responsabilidade pelos danos:
[…] f) resultantes de acidente de viação […]
o) decorrentes de perdas de exploração, paralisações, perdas financeiras puras (pure finantial losses), perdas de contratos, perdas de mercado ou qualquer perda daí consequente, perdas de imagem e outras perdas de idêntica natureza, designadamente de natureza económica e ainda todo e qualquer dano indireto - factos assentes A) a F), fls. 169 e ss. do suporte físico dos autos.
5. O contrato de seguro titulado pela apólice ……………. encontrava-se em vigor em 10 de Fevereiro de 2006. – facto assente G) e fls. 169 e ss. do suporte físico dos autos.
6. O Município de Paços de Ferreira celebrou com a D………………, S.A., agora denominada E…………….S.A., o contrato de seguro, titulado pela apólice nº………………., vigente em Fevereiro de 2006, tendo por objeto a garantia das “indemnizações que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou lesões materiais, em consequência do exercício da sua actividade de camara municipal‖, sendo o capital seguro por sinistro de 249.400,00€, sujeito em todo e qualquer sinistro à dedução da franquia de 10% sobre o valor da indemnização, com o mínimo de 249,40€, regendo-se pelas condições particulares e especiais e gerais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e das quais consta, além do mais,
Artigo 2.º - Exclusões
Para além das exclusões constantes das condições gerais da apólice fiscal igualmente excluídos os danos resultantes de: […]
- do fornecimento de água […]
- da exploração de redes de esgotos e saneamento; […]
- do controlo de tráfego […]
Ficam ainda excluídos:
[…]
- Os danos causados pelos subcontratantes e subempreiteiros […] - facto assente H) e fls. 256 e ss. do suporte físico dos autos.
7. Na manhã do dia 10.2.2006, no âmbito da empreitada “Infraestruturas Associadas ao Reservatório R5 – Zona 1”, foram iniciadas obras na Rua do Ribeiro, freguesia de Penamaior, pela empresa B……………., S.A..
8. As referidas obras traduziam-se na abertura de uma vala localizada no lado direito, atento o sentido Santa Marinha/Seroa, daquela artéria, destinada à instalação da rede de distribuição de água.
9. Em 10.2.2006, encontrava-se em curso na Rua do Ribeiro a obra referida no ponto anterior. – facto assente J).
10. A Rua do Ribeiro tem, aproximadamente, 7 metros de largura.
11. A plataforma da estrada no seu limite esquerdo terminava num muro confrontante com o prédio que se encontra a cota inferior da plataforma da estrada.
12. À medida que escavavam a vala na Rua do Ribeiro os trabalhadores da B…………….. S.A. colocavam as terras à esquerda da vala.
13. Deixando a hemi-faixa de rodagem da esquerda, atenta a direção de Santa Marinha/Seroa, livre numa largura de 4 metros entre os montes de terra e o muro confrontante com a plataforma da via.
14. Atento o sentido de marcha Paços de Ferreira – Monte do Pilar, a Rua de Modelos entronca à esquerda com a Rua do Ribeiro.
15. Naquele local, na zona em que a Rua de Modelos entronca com a Rua do Ribeiro existe uma rotunda na qual se encontra aposto o sinal D3a - obrigação de contornar a placa ou obstáculo pelo lado esquerdo, que obriga os respetivos condutores a circularem de modo a dar a sua esquerda à sua parte central.
16. Face à realização, pela B…………….., SA de trabalhos na faixa de rodagem do lado direito da Rua do Ribeiro, no sentido de circulação para Santa Marinha/Seroa, foi colocado um sinal C2 - trânsito proibido na zona em que a Rua da Tapadinha entronca com a Rua do Ribeiro, sensivelmente ao centro da hemi-faixa de rodagem do lado direito da Rua do Ribeiro, entre a rotunda e o café.
17. E, bem assim, foi colocado do lado direito da rotunda um sinal amovível ST8a - desvio de itinerário direcionado para o lado esquerdo, ou seja, na direção da Rua de Modelos atento o sentido de trânsito Monte do Pilar – Paços de Ferreira.
18. O trânsito de veículos na Rua do Ribeiro encontrava-se condicionado e limitado à hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do veículo da A., em virtude dos trabalhos de abertura de vala na hemi-faixa do lado direito.
19. A hemi-faixa da esquerda, atendo o sentido de marcha do veículo da A., encontrava-se aberta à circulação.
20. A A. é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias.
21. A A. é proprietária do veículo de mercadorias/trator com a matrícula ………….. e do reboque com a matrícula …………… – fls. 979 e ss. do suporte físico dos autos.
22. ………………. é motorista de profissão, sendo em 10.2.2006 funcionário da A., encontrando-se nessa data ao seu serviço – facto assente M).
23. Pelas 14.15h, do dia 10.2.2006, ……………. conduzia o veículo de mercadorias com a matrícula …………… que rebocava o atrelado com a matrícula …………….
24. O trator, atrelado e a carga de pó de pedra que transportava pesavam, aproximadamente, 40 toneladas e tinham uma largura de 2,60 metros.
25. Nessa data o veículo da A. circulava pela Rua de Modelos, na freguesia de Penamaior, concelho de Paços de Ferreira no sentido Paços de Ferreira – Monte do Pilar.
26. Ao chegar ao entroncamento que liga a Rua de Modelos à Rua do Ribeiro, o veículo da A. virou à esquerda para a Rua do Ribeiro, (quesito 5º).
27. Entrando na Rua do Ribeiro pela hemi-faixa esquerda, sem contornar a rotunda (quesito 8º).
28. E passando a circular pela hemi-faixa esquerda da Rua do Ribeiro, em direção a Santa Marinha.
29. Atento o estreitamento da via face aos trabalhos que estavam a ser realizados na hemi-faixa do lado direito, o veículo da A. circulava na Rua do Ribeiro com os rodados do lado esquerdo sobre o limite esquerdo da via junto ao muro.
30. Parte da plataforma da via e do muro aluiu, impedindo a marcha do veículo da A.
31. Pouco tempo depois o veículo da A. e o reboque capotaram para o lado esquerdo, sobre o terreno contiguo à estrada e situado em plano inferior a esta.
32. Em consequência do acidente descrito nos pontos anteriores o veículo de mercadorias/trator com a matrícula ………….. e reboque com a matrícula ………….. ficaram com a sua lateral esquerda danificada.
33. A A. despendeu na reparação do trator a quantia de 10.139,85€ acrescida de IVA de 2.129,38€ – docs. fls. 33 e ss.
34. A A. despendeu na reparação do atrelado a quantia de 4.968,00€, acrescida de IVA no valor de1.043,28€ – doc. de fls. 44.
35. Após o acidente e durante a reparação o veículo esteve paralisado.
36. A A. utilizava o veículo de mercadorias/trator com a matrícula ………………. e o reboque com a matrícula ……………… na sua atividade.
*
Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou:
Da discussão da causa não resultaram provados os factos que não constam do ponto IV.1., designadamente os seguintes:
1. A vala escavada pela B…………….. S.A. encontrava-se no meio da Rua do Ribeiro.
2. As terras que resultavam dos trabalhos de escavação da vala ocupavam parcialmente a hemi-faixa de rodagem da esquerda da Rua do Ribeiro.
3. Além da sinalética referida nos pontos 15 a 17 dos Factos Provados, a existência de obras na Rua do Ribeiro estava sinalizada com sinais verticais e luminosos, sinais de aproximação de obstáculo, pré-sinalização, sinalização avançada e sinais de limitação de obstáculo.
4. Atenta a circunstância de a abertura da vala provocar uma diminuição ou estreitamento da faixa de rodagem da Rua do Ribeiro, antes do início dos trabalhos o empreiteiro providenciou pela colocação de um sinal de desvio de trânsito para a direita na rotunda que antecede a entrada naquela artéria.
5. Tal sinal era visível por toda a gente, nomeadamente pelos condutores dos veículos que por ali iam passando, que naturalmente infletiam para o lado direito seguindo aquela indicação, isto é, desviavam a sua trajetória para a direita, passando a circular pela Rua da Tapadinha.
6. Ao aperceber-se que o pesado da A. começou a entrar pela Rua do Ribeiro e por facilmente constatar que o espaço disponível do lado esquerdo da faixa de rodagem era manifestamente insuficiente para a passagem do pesado, o encarregado da obra, Sr……………….., começou a gesticular e a fazer sinal ao condutor do pesado para não avançar com o pesado por aquela artéria.
7. O condutor do pesado ignorou tais alertas e prosseguiu a sua marcha pela Rua do Ribeiro.
8. Durante esse trajeto os rodados do lado esquerdo do veículo pesado e do reboque ultrapassavam a berma esquerda.
9. E faziam pressão sobre a parte superior do muro de granito em que assentava a berma.
10. A dada altura, aquele pesado e o respetivo reboque ficaram de tal modo encostados ao muro que se tornou impossível a continuidade da sua marcha por aquela artéria, vendo-se o respetivo condutor forçado a imobiliza-lo.
11. A A. esteve privada da sua viatura durante vários meses por não dispor de meios financeiros para a sua imediata reparação.
12. A reparação do trator e o atrelado durou 60 dias, durante os quais o veículo esteve paralisado.
E no que à motivação da factualidade tida por assente respeita consignou:
Como ponto prévio, considerando a entrada em vigor, já após a elaboração do despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória, mas antes da realização da audiência final, da revisão ao Código de Processo Civil decorrente da Lei 41/2013 que passou a prever no art. 410º do CPC que a instrução tem por objeto os temas de prova, a presente decisão da matéria de facto feita na sentença à luz do art. 607º, nº 4 do CPC, seguindo a linha orientadora do despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória, fá-lo na conjugação do mesmo com o disposto nos arts. 410º e 596º do CPC e arts. 5º, art. 411º, 413º e 415º do CPC. Nessa medida, e também de forma a permitir uma adequada formulação e conjugação da factualidade relevante à decisão da causa, foram introduzidas pontuais modificações na redação da matéria de facto (quando por correspondência ao despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória), sempre devidamente motivadas de acordo com o elemento probatório em que se fundaram e considerando a prova que serviu de base à formação da convicção do Tribunal. Do mesmo modo, foram extraídos da redação os juízos conclusivos e a matéria de direito que, em determinados pontos, se detetaram no despacho que foi elaborado em 7.1.2010 e, bem assim, eliminou-se a factualidade que, em suma, consistia numa repetição de factos já considerados.
(…)
*
2.2. O DIREITO.
A Autora, intentou no TAF de Penafiel, acção administrativa comum, contra o Município de Paços de Ferreira e outros, devidamente identificados nos autos, peticionando a condenação destes a, solidariamente, lhe pagarem a quantia de 24.280,51€, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.
*
O TAF de Penafiel julgou a acção parcialmente procedente, o mesmo sucedendo em sede de recurso para o TCAN.
*
Cumpre decidir:
(I) DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DO JUIZ [conclusões 3 a 9]
No que a este aspecto concerne, invoca o recorrente que a sentença proferida em 1ª instância e o acórdão recorrido violam o princípio do juiz natural, da plenitude da assistência do juiz, da imediação, oralidade e da concentração uma vez que o juiz que fixou a matéria de facto e elaborou a decisão não foi o mesmo que presidiu à audiência de julgamento.
A presente acção deu entrada em juízo em 08/01/2009, data em que estava em vigor o Código de Processo Civil (CPC) na versão anterior à revisão operada pela Lei nº 41/2013, de 26/06, em que a sentença não continha a decisão sobre a matéria de facto.
Na versão do CPC aprovado pelo DL nº 329-A/95, de 12/12, na redacção que vigorava à data da entrada em juízo da presente acção, a audiência de julgamento dividia-se em duas fases distintas (i) a respeitante ao julgamento da matéria de facto e a (ii) referente ao julgamento da matéria de direito.
Ou seja, produzidas as diligências probatórias e encerrada a discussão, o tribunal proferia a decisão sobre a matéria de facto, declarando os factos que julgava provados e não provados, fundamentando esse seu julgamento da matéria de facto.
Realizada esta fase, seguia-se, a fase da reclamação sobre a matéria de facto, se a ela houvesse lugar e, após encerrada a fase da audiência quanto ao julgamento da matéria de facto (art. 651º e 652º, n.ºs 1 a 4 do CPC de 1995), abria-se a fase de julgamento da matéria de direito, em que as partes alegavam por escrito ou oralmente quanto ao aspecto jurídico da causa, sendo que, neste último caso, a discussão oral decorria perante o juiz a quem coubesse lavrar a sentença, que incidia apenas sobre o julgamento da matéria de direito (arts. 653º, nº 3, 657º e 659º do CPC de 1995).
Dito isto, temos que o princípio da plenitude da assistência dos juízes, previsto no então no art. 654º, nº 1 do CPC, e actualmente e desde 01/09/2013 vigente CPC, em resultado da revisão efectuada pela Lei nº 41/2012, de 26/06, tem consagração no seu art. 605º, sendo que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados em audiência final – cfr. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 1987, Lex, pág. 335 – de molde a cumprir-se a plena convicção do juiz.
Temos, assim, que o princípio da plenitude da assistência do juiz constitui um corolário dos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e deste modo, a observância desse princípio coloca-se apenas ao nível do julgamento da matéria de facto.
Por outro lado, esta consagração tem subjacente a consideração de que, ainda que, o registo da prova, supra, em alguma medida, a falta de presença física do juiz no ato da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com a presença física e ativa do juiz.
A violação deste princípio configura uma nulidade processual secundária que pode influir na decisão da causa – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª edª., Almedina, págs. 694 e 695 e Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, 2015, Almedina, pág. 337.
No caso dos autos e atendendo à data da sua entrada em juízo, verifica-se efectivamente uma separação entre o julgamento da matéria de facto e o do direito [sendo que este apenas se limitava a fazer o enquadramento jurídico dos factos julgados provados], pelo que, nada impedia que os juízes que presidiam a estes julgamentos fossem diferentes, respeitando-se ainda assim o princípio da plenitude da assistência dos juízes.
No entanto, em virtude da revisão operada ao CPC, pela Lei nº 41/2013, de 26/06, entrada em vigor em 01.09.2013 (cfr. o seu artº 8º), a sentença passou a conter tanto o julgamento sobre a matéria de facto como o julgamento de direito (art. 607º do actual CPC), deixando assim de existir a cisão supra referida entre julgamento da matéria de facto e de direito, dado que ambos passaram a ser incorporados na sentença.
E, assim, de molde a cumprir o princípio da plenitude da assistência do juiz, o julgador que preside à audiência final assistindo à produção de prova deve ser, em princípio, o que elaborará a sentença.
No entanto, o princípio em causa não assume vestes absolutas, uma vez que o legislador previu excepções, como se verifica no actual artº 605º do CPC, permitindo-se que a sentença seja proferida pelo juiz substituto em caso de aposentação ou quando ocorra o falecimento ou a impossibilidade permanente deste.
Acresce que o referido princípio não constituiu um direito fundamental em si mesmo, mas apenas em sede de tutela do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva por força do disposto no artº 20º da CRP – cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, tomo I, 2ª ed.- pelo que, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação do direito aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, com o objectivo de salvaguardar as diversas dimensões em que se decompõe esse direito fundamental, com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade – cfr. Ac. do TC nº 222/90.
Ou seja, é a própria Constituição que permite a compressão, do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, sempre que se imponha a necessidade de salvaguarda de outros direitos fundamentais constitucionalmente tutelados que com aquele sejam conflituantes, admitindo que, nesses casos, o legislador ordinário proceda à compressão de todos esses direitos fundamentais conflituantes, de modo a garantir a máxima aplicação prática possível de todos eles (princípio da concordância prática), sempre dentro dos limites estabelecidos pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, e sempre com vista a uma decisão célere e em tempo útil.
No sentido que vimos referindo, veja-se o Ac. deste STA [acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/19 publicado no DR nº 199/2019, Série I, de 16/10/2019], em que uniformizou a seguinte jurisprudência: «O princípio da plenitude da assistência dos juízes, corolário dos princípios da oralidade e da imediação na apreciação da prova, não é um princípio absoluto. Com a alteração ao CPC introduzida pela Lei nº 41/13, de 26/06, este princípio passou a aplicar-se também à fase da audiência final, pois que o julgamento da matéria de facto passou a conter-se nesta. Esta alteração, embora aplicável aos processos pendentes, não tem eficácia retroativa, por isso não influencia o julgamento em sede de impugnação judicial se, como no caso dos autos, a inquirição de testemunhas ocorreu antes de 2013 e antes da entrada em vigor daquela alteração ao CPC. Tendo a recolha da prova em sede tributária sido efetuada antes da referida alteração da lei processual civil é admissível, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição de testemunhas, não ocorrendo, como tal, nulidade que possa influir no exame ou na decisão da causa».
E no corpo do Acórdão, consignou-se: «O novo CPC, enquanto compêndio normativo processual que é, sendo aplicável às ações pendentes desde logo por força do art. 5º, nº 1 da Lei nº 41/2013, de 26/06, não possui eficácia retroativa (vide art. 12º, nº 1 do CC). E daí que as alterações introduzidas que determinaram que o princípio da plenitude da assistência aos juízes passou a vigorar/valer também para a fase da sentença apenas são de considerar no processo comum, naquelas situações em que tanto a fixação da matéria de facto resultante da prova oferecida, com a prolação da sentença ocorreram já no âmbito do novo CPC (…) o facto do DL nº 81/2018, publicado em 15/10, referenciar a data de 31 de dezembro de 2012 para autorizar a intervenção dos juízes que integram as equipas criadas pelo diploma, para prolatarem, as sentenças em processos pendentes, entradas até àquela data, independentemente do magistrado que recolheu a prova testemunhal, o que resulta da expressão “ainda que tenham sido realizadas diligências de prova”, só pode ter o significado de que, em processo tributário se pretendeu valorar a celeridade e a certeza da decisão judicial mesmo que com algum sacrifício ou compressão do dito princípio da plenitude, na sua pureza e conceito inicial/geral” (…). “Ocorrem casos excecionais (…) em que se deve ponderar o manifesto prejuízo para a tutela jurisdicional efetiva sempre que se verifiquem situações de manifesta demora na solução judicial do pleito, que a solução propugnada pelos recorrentes agravaria, sem dissonância com a evolução legislativa recente que determinam a criação das supra referidas equipas extraordinárias de recuperação de pendências, demora esta que (…) tem preocupado o próprio Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, com a expressão nas suas deliberações acerca da gestão das pendências processuais, designadamente a mais recente supra referida».
Ora, tendo presente estes princípios, surgiu uma solução legislativa consagrada pelo legislador ordinário, no que respeita aos Tribunais Administrativos e Fiscais, mediante a publicação do DL nº 81/2018, de 15/10, que previu a criação das equipas de juízes que têm por fito proceder à recuperação de pendências nesta jurisdição, e à implementação de outras medidas acessórias de carácter extraordinário.
E, assim, surgiram as denominadas “equipas de recuperação de pendências”, entre as quais a Equipa de Recuperação de Pendências da Zona Norte, com competência para os processos pendentes nos tribunais administrativos e fiscais de Braga, Mirandela, Penafiel e Porto (art. 2º, al. c) do DL 81/2018), atribuindo-se no artº 3º, nº 1, competência a essas equipas para tramitar os processos pendentes de decisão final, ainda que tenham sido realizadas diligências de prova, e que tenham entrado em juízo até 31/12/2012.
Com efeito, resulta, desde logo, do próprio preâmbulo que o objectivo do legislador foi o de por fim à morosidade no funcionamento dos TAF [morosidade esta que por vezes obsta à realização plena da justiça e com consequente impacto na vida de quem recorre ao tribunal para ver satisfeito o seu direito, em prazo razoável, de molde a cumprir o direito de uma tutela jurisdicional efectiva].
E em relação a esta jurisdição administrativa e fiscal, o legislador, relativamente a processos que deram entrada em juízo até 31/12/2012 e em relação aos quais não tivesse sido ainda proferida decisão final, procedeu à compressão do princípio da plenitude da assistência do juiz, atribuindo excepcionalmente a competência jurisdicional para tramitar esses processos aos juízes que integram as equipas especiais de recuperação que criou, ainda que as diligências instrutórias já tivessem sido realizadas no âmbito desses processos por magistrado judicial diferente.
E esta medida excepcional e extraordinária, atentas as premissas em causa não se mostra desnecessária, desadequada ou desproporcional, não padecendo por isso de qualquer inconstitucionalidade material, uma vez que, importava, face ao elevado número de pendências existentes na jurisdição a aguardar decisão final, tomar decisões que impedissem a continuidade desta situação, com todos os reflexos, para os cidadãos, empresas e lesando inclusive o próprio prestígio da jurisdição em causa.
Assim, no que respeita a processos entrados em juízo até 31/12/2012, existe uma compressão legal do princípio da plenitude decorrente do DL nº 81/2018, de 15/10, pelo que a não coincidência entre o juiz que preside à produção da prova e aquele que profere a sentença, não constitui causa invalidante da sentença.
Posto isto, e em concreto, no caso dos presentes autos, temos que os mesmos deram entrada antes de 31.12.2012, data em que vigorava o CPC na redacção de 1995, em que existia a cisão entre a fase do julgamento de facto e do julgamento de direito.
Em 01.09.2013, com a entrada em vigor da Lei nº 4/2013 de 26.06 que procedeu a alterações ao CPC, verifica-se que o legislador pôs fim a essa cisão, passando a sentença a englobar o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito.
No caso, a audiência final iniciou-se em 16.04.2015, portanto, já no âmbito da actual versão do CPC, sendo que, no início da audiência, o Mm juiz ditou para a acta o seguinte despacho:
«Por forma a possibilitar ao tribunal e às partes o permanente e imediato controlo dos actos praticados nesta audiência, ao abrigo do disposto no artº 6º, nº 1 e 547º, ambos do CPC, determino que, simultaneamente com a gravação áudio, se consigne em acta o conteúdo integral dos requerimentos e despachos, sem prejuízo de, pontualmente, se determinar procedimento diverso».
Esta audiência foi encerrada em 21.04.2016 [tendo sido produzidas alegações finais orais, gravadas através do sistema digital existente no TAF de Penafiel] e foi aberta conclusão nos autos para elaboração de sentença em 28.04.2016.
Desde esta data – 28.04.2016 – e a data em que foi proferida a sentença final – 28.06.2019, decorreram mais de 3 anos.
A sentença foi proferida, por juiz que integra as equipas de recuperação de pendências criadas pelo supra identificado DL nº 81/2018, de 15/10.
Daí que, apesar de a sentença recorrida proferida na 1ª instância, não ter sido prolatada pelo juiz que presidiu à produção de prova, a mesma foi prolatada no âmbito do DL nº 81/2018, de 15/10, que procede à compressão excepcional, necessária, adequada e proporcional do princípio da plenitude da assistência do juiz em virtude dos atrasos significativos que que supra se referiram no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal na prolação das decisões finais em tempo útil, atrasos esses que são em si contrários à ideia de um processo equitativa que é imanente ao direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20º da CRP, não resultando por isso, da compressão daquele princípio qualquer irregularidade ou nulidade processual, sendo essa compressão totalmente legal.
Improcede pelo exposto, este segmento recursivo.
*
(2) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO [conclusões 10 a 14]
No que a este respeita, pretende o recorrente que este Supremo Tribunal proceda à alteração dos pontos 11, 13, 18 e 19 [factos provados] e 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 10 [factos não provados], e deste modo sejam objecto de pronúncia por este Tribunal, alegando para o efeito que com a reapreciação da prova gravada e por falta de fundamentação, deverão os mesmos ser rectificados nos moldes que pretende e que resultam da conclusão 10.
E ainda seja aditado o ponto 37 no sentido vertido na conclusão 11.
Ou seja, o recorrente não se mostra satisfeito com a decisão proferida pelo acórdão recorrido, quanto à impugnação da matéria e facto que levou em sede de recurso de apelação e, pretende, por esta via, do recurso de revisão, obter o desiderato que ali não conseguiu.
Contudo, importa desde já esclarecer que este Supremo, em sede de revista, só conhece de direito nos termos do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 150º do CPTA, nº 4 do artº 11º do ETAF, artºs nº 682º, nº 2 e 673º, nº 3 do CPC, a menos que estejamos perante a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (nº 4 do citado artigo].
Ora, da leitura do acórdão recorrido, não resulta qualquer ofensa nos termos previstos no nº 4 do artº 150º do CPTA, pelo que este Supremo Tribunal tem de acatar a matéria de facto fixada pelas instâncias, à qual apenas pode aplicar o regime jurídico que julgar adequado.
E deste modo, este STA não sindica os juízos de facto emitidos pelo TCA, os quais só podem ser alterados quando ofendam qualquer norma legal, padeçam de alguma ilogicidade ou quando partam de factos não provados, o que in casu não se verifica.
Não sendo invocada nenhuma dessas situações, não pode este Supremo Tribunal, no caso em apreço, sindicar a factualidade considerada provada pelo TAF e mantida pelo TCAN.
E nem se diga que existe falta de fundamentação, uma vez que a matéria fixada pelas instâncias, se mostra devidamente fundamentada, como resulta da leitura da mesma, pese embora, a discordância do recorrente.
Improcede, assim, igualmente este segmento de recurso.
*
(3). DO ERRO DE DIREITO (conclusões 14 e 15)
No que a este respeito concerne, alega o recorrente que não resulta da matéria provada a prática de qualquer acto ilícito, nem culposo, que possa ser imputado ao recorrente e muito menos existe o nexo da causalidade entre o facto e o dano, concluindo, em suma, que o acidente resultou apenas da falta de diligência do condutor do veículo que não viu o sinal de trânsito proibido e desvio alternativo.
Acresce que, as obras e obstáculos existentes na via pública eram perfeitamente visíveis, não tendo o condutor da viatura sinistrada tomado as devidas precauções, designadamente, não circular na referida via de trânsito, pelo que os danos verificados apenas a este se podem imputar.
Vejamos:
E, desde já, adiantamos que a pretensão do recorrente só teria [eventualmente] provimento, caso tivesse obtido êxito no que respeita à pretendida alteração da matéria de facto, o que não sucedeu.
Assim, a matéria de facto a que temos de nos ater é apenas a que foi fixada na decisão de 1ª instância, uma vez que o acórdão recorrido julgou improcedente [neste segmento] o recurso interposto pelo recorrente.
Ora, na decisão de 1ª instância, fez-se constar o seguinte enquadramento jurídico (quanto aos requisitos que o recorrente alega não se mostrarem preenchidos) que conduziram à imputação da responsabilidade das RR:
«(…) Como decorre da factualidade apurada encontravam-se a ser realizadas na Rua do (...) as obras de abertura de uma vala localizada no lado direito, atento o sentido Santa Marinha/Seroa, daquela artéria, destinada à instalação da rede de distribuição de água, obras essas abrangidas pelo contrato de empreitada “Infraestruturas Associadas ao Reservatório R5 – Zona” celebrado entra o 1º e 3º Réus. Daí que, em consonância com os normativos acabados de enunciar, designadamente os artºs 77º e ss. do Regulamento de Sinalização de trânsito, exista um dever de sinalizar convenientemente as obras e obstáculos e, bem assim, os condicionamentos de trânsito que estes implicam – tais como a proibição de circular numa das hemi-faixas ou em determinado sentido ou de circulação alternada (nos dois sentidos) pela mesma hemi-faixa - alertando os utentes das vias para a existência desses constrangimentos no trânsito.
O que resulta da matéria fáctica provada é que as obras existentes no local onde ocorreu a queda do veículo da A. e os constrangimentos ao nível da circulação rodoviária naquela via que as mesmas comportavam se encontravam insuficientemente sinalizadas à data em que ocorreu o acidente. E mais que não estava assegurada a capacidade da via para suportar o trânsito que ali passava.
Com efeito, apenas vem provado que no entroncamento da Rua de Modelos com a Rua do Ribeiro foi colocado um sinal C2- trânsito proibido na zona em que a Rua da Tapadinha entronca com a Rua do Ribeiro, sensivelmente ao centro da hemi-faixa de rodagem do lado direito da Rua do Ribeiro, entre a rotunda e o café, e do lado direito da rotunda um sinal amovível ST8a - desvio de itinerário direcionado para o lado esquerdo, ou seja, na direção da Rua de Modelos atento o sentido de trânsito Monte do Pilar – Paços de Ferreira. Além desta sinalização não se deu como provado que existisse, nas circunstâncias de tempo e lugar em causa, outra sinalização que alertasse para as obras e obstáculos, designadamente para a impossibilidade de circulação de pesados na via.
O respeito dos sinais de trânsito pelas entidades responsáveis pelas vias, exigem uma sinalização suficiente e adequada à prevenção das situações de perigo para o trânsito provocadas pelas obras a serem realizadas e pelos obstáculos criados à circulação, ou falta de condições de segurança das mesmas. Compreendem-se, assim, os diferentes tipos de sinalização e as regras na sua colocação.
Em conformidade com os normativos expostos o sinal ST8a de desvio de itinerário integra a pré-sinalização e o sinal C2 de trabalhos na via a sinalização intermédia, devendo estes ser colocados em respeito do art. 96.º do Regulamento de Sinalização de trânsito, isto é, quanto ao sinal ST8a a distância superior à da sinalização avançada (que no caso é de 400 m, ou 30 metros, antes do obstáculo ocasional ou da zona de obras) e o sinal C2 será colocado antes da sinalização de posição (esta é colocada na proximidade imediata da zona de perigo e baliza-la convenientemente).
Não só é manifesto que os sinais não foram colocados no local adequado, como não se assegurou a pré-sinalização - incluindo, já que dada a impossibilidade de inverter a marcha na rotunda a única solução que não implicasse a circulação alternada na hemi-faixa da esquerda da Rua do Ribeiro seria desviar o trânsito da Rua de Moledos para a Rua da Tapadinha, quer o sinal ST7 – pré-sinalização de desvio de itinerário, quer o sinal ST8a com direção para a direita -, nem a sinalização avançada - pois que as obras em causa implicavam o condicionamento de trânsito e tao pouco foi colocado o sinal A23 de trabalhos na via, nem a sinalização de posição.
Acrescente-se que a existência de deficientes condições de circulação rodoviária designadamente para veículos pesados deve determinar a suspensão ou condicionamento do trânsito ou a proibição temporária ou permanente da circulação de certos veículos nos termos do art. 9.º e 10.º do CE e, naturalmente, ser acompanhada da colocação de sinalização C3B- trânsito proibido a automóveis pesados, C3C – trânsito proibido a automóveis de mercadorias, C3D – trânsito proibido a automóveis de mercadorias de peso total superior a (…).
À míngua de sinalização que satisfizesse a necessidade seja de alertar que se avizinhava um condicionamento ao trânsito, seja da proibição de circulação na via, é notório ter sido omitido o dever de fiscalização, vigilância e sinalização adequada do local onde se encontravam a ser realizadas as obras e onde se deu o acidente dos autos.
Acrescente-se que demonstrado o aluimento da plataforma da via, aquando da passagem do veiculo pesado, é notório que a estrada não se encontrava em bom e seguro estado de circulação, ou seja, a plataforma da estrada não suporta a carga a que está sujeita e, nessa medida, não asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança da circulação rodoviária.
(…)
Assim, estando a cargo dos 1º e 3º Réus os deveres de vigilância, fiscalização e sinalização de obstáculos e obras, e do 1º Réu ainda o dever de manutenção e conservação da plataforma da via, verificada que está na factualidade apurada a sua omissão, encontra-se preenchido o primeiro pressuposto.
Face à demonstração do facto nos termos supra enunciados, dúvidas não soçobram quanto à sua ilicitude.
(…)
Ora, a verificação da omissão da sinalização adequada face ao dever imposto pelos normativos supra enunciados e que delimitam os tipos de sinais e as regras da sua colocação, e a omissão dos deveres de manutenção e conservação das estradas municipais é suficiente para a consideração da ilicitude da conduta.
Demonstrado, pela matéria fáctica provada, que apenas existia no local uma proibição de trânsito pela hemi-faixa da direita e um sinal de desvio colocado no lado direito na rotunda e com indicação de sentido para o lado esquerdo – ou seja, permitindo concluir a quem circulava na Rua de Moledos que o desvio seria para entrar para a Rua do Ribeiro pelo lado esquerdo da rotundo (e sem que se demonstrasse a informação dos trabalhadores da R. em sentido contrário) -, é manifesto que não foram respeitadas as regras de sinalização prescritas no Regulamento de Sinalização de trânsito, sendo igualmente violados os deveres de cuidado necessários a evitar o evento.
Ademais, apurado o aluimento da plataforma da estrada à passagem de um veiculo não reunindo esta as condições de segurança necessárias à circulação, é notório que foram omitidos os deveres vigilância, fiscalização, conservação e manutenção das vias públicas por forma a que o piso da via reúna condições de segurança, ou, pelo menos, que não as reunindo o trânsito se mostre condicionado e devidamente sinalizado.
Assim, da factualidade apurada é notório ter a conduta omissiva violado o disposto nos arts. 5º, nº 1 e 2, 9º e 10º do Código da Estrada, 77º, nºs 1 e 2, 78º, nº 1, 82º, 83º, 84º, nºs 1 e 2, 85º, nº 1 e 2, 86º, nº 1 e 2, 87º nº 1 e 2, 90º, nº 3, 96º do Regulamento de Sinalização de trânsito, e bem assim, os deveres objetivos de cuidado, fiscalização e vigilância, manutenção e conservação.
Esta conclusão é suficiente para considerar ilícita a conduta do Réu, Município, face ao disposto no art. 6º do DL 48051.
Quanto ao pressuposto da culpa, esta consiste no nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente, exprimindo uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com esse facto, aferida nos termos do artigo 487º do CC (ex vi artigo 4º, nº 1 do citado DL 48.051).
(…)
Considerando estarem a cargo dos 1º e 3º Réus os deveres de vigilância, fiscalização e sinalização de obstáculos e obras, e do 1º Réu ainda o dever de manutenção e conservação da plataforma da via, necessário se torna mostrar se a violação dos mesmos, através da conduta omissiva ilícita, lhes são atribuíveis a título de culpa.
Atente-se, no entanto, que valem aqui as denominadas presunções de culpa.
(…)
A aplicabilidade desta presunção legal à responsabilidade civil extracontratual da Administração, concretamente das autarquias locais, por atos ilícitos de gestão pública, constitui hoje orientação pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, sedimentada a partir do Ac. do Pleno de 29.04.98 – Rec. 36.463. Assim, terá a Administração que demonstrar que os seus agentes cumpriram o dever de fiscalizar, de forma sistemática e adequada, a coisa móvel ou imóvel à sua guarda, ou que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior que teria igualmente provocado o dano ainda que não houvesse culpa sua (cfr. Ac. de 12.12.2002 – 930/02).
Ora, como resultou do probatório e das considerações tecidas a respeito dos demais pressupostos da responsabilidade, a conduta dos Réus violou o disposto nos arts. 5º, nº 2 do Código da Estrada, 77º, nºs 1 e 2, 78º, nº 1, 82º, 83º, 84º, nºs 1 e 2, 85.º, nº 1 e 2, 90º, nº 3 e 96º do Regulamento de Sinalização de trânsito, e bem assim, os deveres objectivos de cuidado, fiscalização e vigilância.
Para afastar as presunções de culpa decorrentes da inobservância de leis ou regulamentos e, bem assim, a prevista no art. 493º, nº 1 do CC, os Réus teriam que provar que o facto de as obras, os condicionamentos de trânsito que elas determinavam e, não estarem sinalizados em consonância com as disposições legais e regulamentares e, bem assim, quanto ao 1º Réu a omissão de manter e conservar a estrada dotando a plataforma da via das condições necessárias a suportar toda a circulação rodoviária que ali era admitida, não teria sido determinante para o evento, que cumpriram o dever de sinalizar, fiscalizar, manter e conservar de forma sistemática e adequada, a coisa à sua guarda, ou que o evento danoso se ficou a dever a fatores estranhos à sua vontade ou a caso fortuito ou de força maior que teria igualmente provocado o dano ainda que não houvesse culpa sua.
Ora, a este respeito os Réus nada demonstraram ao nível do cumprimento dos deveres que sobre si recaíam.
Atente-se que não foi demonstrada a colocação de qualquer outra sinalética, vg. sinais verticais e luminosos, sinais de aproximação de obstáculo, pré-sinalização, sinalização avançada e sinais de limitação de obstáculo, e o sinal de desvio de trânsito para a direita na rotunda que antecede a entrada naquela artéria, nem que os trabalhadores da 3.ª Ré tivessem de qualquer forma obstado à circulação do veículo por aquela hemi-faixa.
Não foi alegado, nem demonstrada qualquer fiscalização das obras, nem qualquer tipo de atividade de manutenção e conservação da plataforma da via pelos serviços municipais, nem sequer que a obra tivesse sido sinalizada de acordo com o plano, ordens e instruções.
(…)
Daí que, em consonância com o circunstancialismo factual apurado e quadro legal referido, não se vislumbra que qualquer dos R. tivesse adotado a diligência necessária a evitar o evento danoso e, consequentemente, o seu comportamento é culposo.
No que respeita ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e o dano, a nossa ordem jurídica acolhe a teoria da causalidade adequada, segundo a qual a causa de um dano é a condição que, abstratamente, se mostre apta a produzi-lo. Essa adequação obtém-se a partir de um juízo de prognose a posteriori, baseado no conhecimento médio e na experiência comum, e tomando em conta as circunstâncias do caso.
(…)
Regressando aos autos, decorre do probatório que que o veiculo da A. circulava pela Rua de Modelos, na freguesia de Penamaior, concelho de Paços de Ferreira no sentido Paços de Ferreira – Monte do Pilar e ao chegar ao entroncamento que liga a Rua de Modelos à Rua do Ribeiro virou à esquerda, entrando na Rua do Ribeiro pela hemi-faixa esquerda, sem contornar a rotunda e passando a circular pela hemi-faixa esquerda da Rua do Ribeiro, em direção a Santa Marinha. Atento o estreitamento da via face aos trabalhos que estavam a ser realizados na hemi-faixa do lado direito, o veiculo da A. circulava na Rua do Ribeiro com os rodados do lado esquerdo sobre o limite esquerdo da via junto ao muro verificando-se que parte da plataforma da via e do muro aluiu, impedindo a marcha do veiculo da A. e pouco tempo depois o veiculo da A. e o reboque capotaram para o lado esquerdo, sobre o terreno continuo à estrada e situado em plano inferior a esta.
Como se viu supra, em sede de apreciação do facto omissivo, concluiu-se que a sinalização existente era insuficiente para alertar seja a aproximação das obras existentes na Rua do Ribeiro e a necessidade de desvio de trânsito para quem circulava no sentido do veiculo da A. para a Rua da Tapadinha, seja para dar a conhecer (atempadamente) impossibilidade de circular na hemi-faixa da direita e de circulação alternada (nos dois sentidos) pela hemi-faixa da esquerda, seja para obstar à circulação naquela hemi-faixa de rodagem (num ou nos dois sentidos) ou por veículos pesados. O aluimento parcial da plataforma da via à passagem de um veículo que nela não se encontrava impedido de transitar é também demonstrativo da falta de condições de segurança e da insuficiente manutenção e conservação da via.
Daí que, à luz das regras da experiência, é notório que foi, por um lado, a falta de sinalização e, por outro, a falta de condições de conservação e manutenção da via que conduziu a que o veículo da A. circulasse pela hemi-faixa de rodagem esquerda da Rua do Ribeiro e, face ao aluimento da plataforma, determinasse o capotamento do veículo e os danos que infra se apurarão.
A falta de sinalização dos obstáculos e de fiscalização, manutenção e conservação da via tornando-a segura para a circulação rodoviária é, assim, causa adequada à ocorrência do acidente dos autos.
As circunstâncias em que se deu o embate e que se mostram provadas permitem, com certeza e segurança, concluir que foi, por um lado, a ausência de sinalização e, por outro, a falta de condições de conservação e segurança da via que originou o acidente e os danos à A.. Com efeito, se o local estivesse convenientemente sinalizado, alertando para o estreitamento da via por força das obras ali a serem executadas e para a impossibilidade de face a essas obras não ser possível circular por aquela via e, bem assim, não estando a hemi-faixa restante apta à circulação rodoviária tivesse sido suspenso ou proibido ali o trânsito, ou – sendo permitida essa circulação - estivesse condicionado o trânsito a determinadas viaturas, é possível concluir que os danos não tivessem ocorrido, pois que o veiculo da A., conduzido pelo seu funcionário, naturalmente não teria entrado e circulado pela Rua do Ribeiro nos termos em que o fez.
Em suma, os danos apenas ocorreram como resultado e consequência da conduta omissiva dos Réus, não tendo estes logrado provar que a mesma foi ou era de todo indiferente para a produção dos danos e que só se tornou condição deles em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, razão pela qual se encontra demonstrado o nexo de causalidade.
(…)
Ora, analisados os elementos do probatório não se deteta onde resida a culpa do condutor da viatura da A., quer que este tivesse desrespeitado a sinalética ou se encontrasse a conduzir a sua viatura não prestando atenção à via e nem às condições de largura da via, nem tão pouco foram demonstrados os alegados alertas dos funcionários da 3.ª Ré.
Ou seja, não se demonstrou qualquer facto que permita ao Tribunal concluir pela culpa, ou pela concorrência da culpa, da A. que eliminasse ou diminuísse a responsabilidade de qualquer dos 1.º e 3.º Réus. Sendo assim, necessariamente, a indemnização deve ser concedida.
(...)
Por outro lado, no acórdão recorrido proferido pelo TCAN consignou-se a este propósito o seguinte:
Da factualidade apurada é patente que os RR não sinalizaram convenientemente a existência das obras em curso, nem regularam de forma devida o trânsito na Rua do Ribeiro, onde estava em curso a obra.
Inexistiam sinais verticais e luminosos (artº 77º/2), inexistia sinalização de aproximação de obstáculo (artº 83º), inexistia pré-sinalização (artº 84º), inexistia sinalização avançada (artº 85º) e inexistiam sinais de delimitação do obstáculo (artº 87).
Mas o certo é que, apesar das obras em curso, demonstrou-se que a circulação na Rua do Ribeiro, embora condicionada à faixa esquerda, atento o sentido do veículo da Autora, era permitida.
E ao ter permitido a circulação, não acautelou, ainda, o perigo que pudesse resultar daquele condicionamento, mormente quando se trata da circulação de veículos pesados.
Por outro lado, revelou-se que a via ou estrada não estava em bom estado e em condições de segurança para o trânsito de veículos.
Com efeito, o muro de suporte da plataforma não estava preparado para suportar a carga de um veículo pesado.
Incumbia ao Réu Município a obrigação de vigilância, conservação e adoção de medidas de segurança da via, designadamente de reforço do muro de suporte que cedeu.
E se o muro cedeu é evidente que o mesmo não estava em condições de suportar a carga de um veículo pesado como era o dos autos.
O Réu Município não pode, assim, eximir-se à sua responsabilidade.
Aliás, atente-se que o perigo que o muro apresentava para a circulação, poderia suceder em qualquer altura, houvesse obras ou não. Ou seja, sempre esteve ali um potencial perigo para a circulação, que o Município sempre ignorou.
No mais, a transcrição que fizemos da sentença atesta que analisou com detalhe os pressupostos da responsabilidade civil, razão pela qual se afasta o erro de julgamento de direito que lhe vem imputado, mormente ao nível do artigo 20º, da CRP, que não foi minimamente densificado, e também nos termos dos artigos 605º, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA e nº 2 do artigo 3º do DL 81/2018, de 15/10.
(...)
Ou seja, não se demonstrou qualquer facto que permita ao Tribunal concluir pela culpa, ou pela concorrência da culpa, da A. que eliminasse ou diminuísse a responsabilidade de qualquer dos 1.º e 3.º Réus. Sendo assim, necessariamente, a indemnização deve ser concedida.
(…) Assim, “(…) a conduta dos Réus violou o disposto nos arts. 5.º, n.º 2 do Código da Estrada, 77.º, n.ºs 1 e 2, 78.º, n.º 1, 82.º, 83.º, 84.º, nºs 1 e 2, 85.º, n.ºs 1 e 2, 90.º, n.º 3 e 96.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, e bem assim, os deveres objectivos de cuidado, fiscalização e vigilância».
*
Atendendo a que o recorrente não logrou obter êxito no que respeita à alteração da matéria de facto, designadamente, quanto à sinalização da via e quanto à culpa do condutor do veículo sinistrado, impõe-se uma concordância com a análise dos pressupostos da responsabilidade civil extra contratual que foi feita pelas instâncias, no sentido da sua verificação cumulativa, nada mais havendo a acrescentar.
E, nesta sequência, julga-se improcedente o recurso na sua totalidade.
*
3. DECISÃO:
Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 07 de Outubro de 2021. - Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro - José Augusto Araújo Veloso.