Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02813/16.2BEPRT
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23990
Nº do Documento:SA12018121802813/16
Recorrente:A............
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………… intentou, no TAF do Porto, contra o FUNDO GARANTIA SALARIAL (doravante FGS), acção administrativa especial pedindo que fosse “anulado o ato de indeferimento do requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, proferido por despacho de 08 de julho de 2016, pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, mais se condenando o Réu na prática do ato devido – pagamento ao Autor da quantia salarial, referentes aos créditos laborais, no valor de € 5,288,96 (…) [acrescido de] juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento da quantia peticionada, à taxa legal em vigor (…);”

O TAF julgou a acção procedente e condenou o FGS no pedido.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte revogou.

É desse acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Autor pediu a anulação do acto praticado pelo Presidente do Conselho de Gestão do FGS que indeferiu o seu pedido de pagamento de créditos emergentes da cessação de contrato de trabalho.

O TAF do Porto julgou a acção procedente com a seguinte fundamentação:

Sendo assim, assoma como óbvio que o acolhimento da pretensão do A. não pode deixar de cumprir o requisito estabelecido no art.º 2.º, n.º 8, do NRFGS.
O aludido art.º 2.º dispõe, no seu n.º 8, que o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

No entanto, percorrido o regime anteriormente vigente, estabelecido nos art.ºs 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, verifica-se que inexiste qualquer prazo estipulado para apresentação ao R., por banda do trabalhador requerente, do requerimento para pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho.
O que quer dizer, portanto, que o prazo de um ano prescrito no citado n.º 8 do art.º 2.º do NRFGS, para além de configurar uma novidade em face do regime anteriormente vigente, configura igualmente, na medida em que introduz um prazo anteriormente inexistente para o exercício de um direito, e em bom rigor, uma alteração de prazo.
….
Sendo assim, impera salientar que o prazo de um ano, descrito no art.º 2.º, n.º 8, do NRFGS aplica-se à totalidade do universo dos trabalhadores requerentes do pagamento dos seus créditos salariais ao R., desde que o respetivo requerimento seja apresentado após a data de 04/05/2015 e independentemente da data da cessação do contrato de trabalho.
Todavia, a contagem do citado prazo, na medida em que “encurta” o prazo anteriormente vigente para apresentação do mencionado requerimento ao R., “só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei”.

Destarte, em face das regras de contagem de prazos prescritas nos art.ºs 297.º, 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil, e aplicáveis ao prazo introduzido pelo art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, impõe-se concluir pelo fracasso de toda a argumentação apresentada pelo R. no que concerne à situação do A., uma vez que, tendo esta apresentado o requerimento ao R. em 13.08.2015, sempre deve entender-se que a apresentação de tal requerimento é tempestiva.”
Sendo assim, isto é, sendo que não ocorria a caducidade do direito reivindicado pelo Autor quando o mesmo foi exercido e sendo que lhe assistia razão quando pedia o pagamento dos créditos emergentes da cessação de contrato de trabalho julgou a acção procedente.

O TCA, para onde a Entidade Recorrida apelou, revogou essa decisão com um discurso de que se destaca o seguinte:
“…O indeferimento do pedido de pagamento dos créditos laborais teve em fundamento que o requerimento apresentado não foi apresentado no prazo previsto no artigo 2, n.º 8, do Decreto-Lei nº. 59/2015, de 21 de Abril [“O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho “].

A lógica do discurso [da sentença recorrida] é claramente ambígua, pois, dando como “aplicável o prazo de caducidade do novo diploma legal (…) um prazo anteriormente inexistente para o exercício de um direito”, assinala que se trata de em bom rigor, uma alteração de prazo”, a que “interessa convocar o preceituado no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil”.
Efectivamente, neste último ponto, com razão, interessa saber de sua aplicação.

Pelo que, e no cômputo do prazo, poderá ser caso de lançar mão do regime previsto no art.º 297º do CC.
O tribunal “a quo”, todavia, raciocinou em termos que só atenderam à contagem do prazo segundo a lei nova.
….
Pelo que sempre tem sentido averiguar o que o recorrente sustenta de que, aquando da alteração normativa, o prazo de caducidade previsto na Lei Antiga até já se tinha completado.
Se assim acontecer, não há que efectuar qualquer contagem “a partir da entrada em vigor da nova lei”.
Como se vê da matéria de facto provada o contrato cessou a 28.07.2014.
Definido no art.º 319.º do RCT o prazo a atender para pagamento pelo Fundo era “até três meses antes da respetiva prescrição”.
Prescrição prevista no artigo 337º, n.º 1, do anexo da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho, dispondo: “O crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”

No caso, com os dados que temos, a prescrição ocorreria findo o dia 29/07/2015.
E, como visto, pelo regime pretérito haveria de solicitar pagamento dos créditos laborais junto do FGS “até três meses antes”, sob pena de caducidade.
Mas só em 13/08/2015 o A. requereu ao R. o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho.
Portanto, razão tem o recorrente, já se encontrava atingida a caducidade.
É certo que sem exacta coincidência com o fundamento de direito empregue para o indeferimento, o de que o requerimento apresentado não foi apresentado no prazo previsto no artigo 2, nº. 8 do Decreto-Lei nº. 59/2015, de 21 de Abril.
Mas ao abrigo de princípio de aproveitamento é de manter.”

3. Como se acaba de ver, a Autora requereu ao FGS o pagamento dos créditos salariais que se encontravam em dívida em resultado da cessação do seu contrato de trabalho e da sua entidade patronal não os ter pago. Requerimento que foi indeferido por o FGS ter entendido que esse pedido havia sido formulado já depois do direito aos referidos créditos ter prescrito.
Inconformado, a Autora intentou a presente acção a qual foi julgada de forma contraditória pelas instâncias.
A reclamação do pagamento dos créditos salariais ao FGS e a obrigação deste em satisfazer esse pedido é uma questão recorrente que foi já colocada em diversos recursos com alguma similitude com o presente, tendo alguns deles sido admitidos para que a mesma fosse esclarecida por este Supremo. E isto porque a questão que se colocou nessas revistas foi a de identificar os créditos decorrentes de rescisão do contrato de trabalho cujo pagamento podia ser reclamado ao FGS; se eram apenas os vencidos nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção de insolvência ou se eram os vencidos nos seis meses anteriores à propositura da acção condenatória no Tribunal de Trabalho.
O que originou a formação de uma corrente jurisprudencial que foi resumida no sumário do Acórdão de 8/02/2018 (rec. 148/15) do seguinte modo:
“I - O Fundo de Garantia Salarial assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, nas situações em que aquele for judicialmente declarado insolvente.
II - Os créditos abrangidos são apenas os que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a propositura da acção de insolvência do empregador.” (No mesmo sentido, para além dos Acórdãos citados no Aresto de 8/02/2018, podem, ainda, ver-se Acórdãos de 10/09/2015 (rec. 147/15) e de 13/12/2017 (rec. 182/15).)

Todavia, apesar da referida semelhança, a verdade é que a questão que ora se nos coloca não é a mesma que foi conhecida nos citados Arestos, uma vez que o que ora está em causa é uma questão - a da identificação do prazo em que os mencionados créditos podem ser judicialmente reclamados – diferente da discutida naqueles outros e que era a de saber quais os créditos cuja obrigação de pagamento podia caber ao FGS.
Ora, a questão aqui em causa, ainda, não foi apreciada neste Tribunal. E ela é jurídica e socialmente relevante não só porque a sua solução não é imediatamente apreensível – como o evidencia as decisões contraditórias das instâncias – como pode atingir um elevado número de trabalhadores.
Encontram-se, pois, reunidos os pressupostos de admissão da revista.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir o recurso.
Sem custas.
Porto, 18 de Dezembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.