Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0768/15
Data do Acordão:03/03/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:AVALIAÇÃO
TESTE AMERICANO
ERRO MANIFESTO
PODER VINCULADO
PODER DISCRICIONÁRIO
Sumário:I - A discricionariedade consiste numa liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis [a Administração escolhe livremente uma das soluções apontadas na lei, sendo tidas como igualmente boas, qualquer uma delas]. Por outro lado o controlo jurisdicional do poder discricionário obedece apenas ao controlo da legalidade não se estendendo à esfera da oportunidade, onde o poder discricionário ocupa o seu espaço por excelência.
II - No caso das provas de conhecimento como método de selecção, os Tribunais não podem proceder à avaliação das prestações dos concorrentes e substituir-se à Administração, atribuindo a classificação que entendem ser a justa, salvo nos casos em que seja flagrante que o júri não procedeu de forma correcta na aplicação dos critérios de classificação, que estabeleceu como padrão da resposta exacta.
III - No caso de avaliação traduzida na realização de um teste de escolha múltipla, “multiple choice”, vulgo, teste americano, das soluções de resposta apresentadas aos candidatos, só uma é considerada correcta, por assim haver sido previamente determinado por uma Comissão de Avaliação, supostamente em cumprimento da legislação aplicável; Ou seja, estamos perante um quadro em que tudo aponta para que a discricionariedade atribuída à Administração seja negativa, tudo se passando como se houvesse discricionariedade, mas não há. No caso de teste de escolha múltipla, a aparente discricionariedade ou discricionariedade negativa verifica-se num momento prévio ao da correcção do teste e apuramento concreto da resposta considerada certa; ou seja, verifica-se no momento em que o júri/comissão de avaliação determina qual a resposta considerada correcta nas várias hipóteses previstas e apresentadas aos candidatos. De seguida, o que se sucede é apenas uma mera aplicação mecânica, ou seja, o júri, quando corrige a prova, limita-se, ao olhar para a grelha de correcção e, a fazer uma mera operação mecânica/automática no sentido de verificar se o candidato assinalou a alínea considerada previamente a correcta.
IV - Esta aplicação mecânica tem subjacente uma definição prévia do júri em determinar a resposta considerada correcta e é aqui que temos de fazer incidir a sindicância e controlo jurisdicional, dado que o que a recorrente verdadeiramente pretende sindicar não é o momento da aplicação mecânica, mas sim o momento prévio em que o júri considerou determinada resposta como certa, pois só aqui existe a chamada discricionariedade imprópria, e só aqui o Tribunal pode sindicar da existência do erro manifesto.
Nº Convencional:JSTA00069598
Nº do Documento:SA1201603030768
Data de Entrada:09/14/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER-FUNÇÃO PÚBL.
Legislação Nacional:CPPT ART276 ART204 ART57.
CCIV66 ART821 N2.
LGT ART23 ART68 ART68-A.
CIRC ART45.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0865/11 DE 2011/12/20.
Jurisprudência Internacional:FREITAS DO AMARAL - DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII PAG187.
JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED PAG88 VOLII.
SALDANHA SANCHES - MANUAL DE DIREITO FISCAL 3ED PAG205-206.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
A…………………., inconformada com a decisão proferida em 20 de Fevereiro de 2015 no TCAN, que negou provimento ao recurso interposto por si interposto da decisão proferida no TAF de Coimbra, no âmbito da presente acção administrativa especial em que impugna o despacho de homologação da classificação final da avaliação permanente do ciclo de avaliação para inspector tributário nível 2 do grau 4 do GAT, interpôs o presente recurso.
Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
«1ª- Deverá concluir-se que o presente recurso de revista excepcional preenche todos os requisitos legais para a respectiva admissão, uma vez que a utilidade jurídica da decisão a proferir no caso sub judice «extravasa os limites da situação singular face à possibilidade da sua repetição num número indeterminado de casos futuros» em que esteja em causa a avaliação de trabalhadores da administração pública através da realização de «testes de escolha múltipla», que é aliás uma forma corrente de avaliação de tais funcionários, devendo pois ser considerado que se revestem de importância fundamental, pela sua relevância jurídica e social, as duas questões de direito a que infra se alude e que consistem em saber:
a) se é ou não sindicável jurisdicionalmente a avaliação da Administração às respostas dadas por candidatos em «testes de escolha múltipla», em que apenas uma das respostas possíveis corresponde à solução correcta para cada questão, o que implica a resolução prévia de uma outra questão que com ela se interliga, que consiste em saber se, subjacente ao acto de avaliação da Administração de testes de escolha múltipla em que só uma das respostas possíveis a cada questão é a correcta, está ou não a discricionariedade técnica ou se pelo contrário se trata de um mero acto «mecânico» de avaliação, que consiste na simples verificação da correspondência entre a resposta dada e a que foi previamente considerada correcta;
b) se o erro manifesto surge ou não por exclusão de partes nos casos de avaliação de testes de escolha múltipla em que só uma das respostas possíveis é a correcta, quando se dá como certa uma resposta errada ou vice versa, dado que apenas uma das respostas equacionadas é certa, estando previamente determinada qual é essa resposta, bastando, por conseguinte, para tanto haver cuidado a conferir se a resposta dada corresponde à previamente determinada como correcta e se, apesar de manifesto, carece ou não tal erro de ser invocado por quem for por ele prejudicado para que o acto administrativo impugnado, que o comporta, possa ser sindicado pelos tribunais administrativos e fiscais.
2ª- Apesar de serem diversos os Acórdãos do STA que consideram que ao proceder à classificação dos candidatos em concurso para provimento ou de acesso em(ou a) cargos da Administração, o júri age no domínio da discricionariedade imprópria, especificamente no âmbito da justiça administrativa, concluindo que tal avaliação é insindicável contenciosamente, a menos que ofenda a vinculação legal, desconhece-se contudo a existência de um só acórdão que seja do mesmo tribunal ou de qualquer Tribunal Administrativo Central que se reporte a um caso de avaliação das respostas dadas em teste de escolha múltipla, em que só uma das respostas possíveis é a certa, como é característico de tal tipo de testes, em que por conseguinte não há lugar para a discricionariedade, uma vez que a avaliação consiste na prática de um acto meramente mecânico de verificação se a resposta dada corresponde ou não à previamente considerada correcta.
3ª- Justifica-se a admissão do presente recurso também por se revelar «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito», designadamente:
a) pelo grosseiro erro de julgamento que o douto Acórdão recorrido comporta ao considerar jurisdicionalmente insindicável o acto administrativo impugnado a que foi imputado o vício de violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de direito – conclusões 21ª e 22ª da alegação de recurso de 15.07.2013 (artºs 62º a 66º da presente alegação);
b) pelo manifesto erro em que incorreu o tribunal a quo ao ter julgado improcedente a conclusão 31ª da alegação de recurso de 15.07.2013 (que se dá por reproduzida), apesar de o que nela se afirma estar comprovado documentalmente através do despacho nº 71/2012-XIX de 3.02.2012 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com o consequente acréscimo de 0,5 valor à classificação do teste realizado pela recorrente em 20.02.2010, o que não foi reconhecido pelo tribunal recorrido (art. 54º da presente alegação).
c) por ter o douto Acórdão recorrido violado o direito da recorrente à progressão na carreira consagrado no art. 33º do Dec. Lei 557/99 de 17.12, ao ter sufragado a incorrecta elaboração do teste de escolha múltipla a que a recorrente foi submetida e a incorrecta classificação que lhe foi atribuída (art. 59º da presente alegação).
II- ERROS DE JULGAMENTO DO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO DE 20.02.2015 QUANTO À IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES DO ACÓRDÃO DA 1ª INSTÂNCIA DE 19.06.2013 QUE TERIAM SUSCITADO A DISCORDÂNCIA DA RECORRENTE».
4ª- Ao contrário do sustentado na pág. 9 de 18 do douto Acórdão recorrido a recorrente não discorda, mas antes concorda com a afirmação, que integra o último parágrafo da pág. 9 de 18, de que «constitui característica dos testes de escolha múltipla» o facto de que apenas uma das respostas possíveis a cada questão «corresponde à solução correcta».
5ª- A recorrente não discorda, mas antes concorda com a afirmação citada no 1º parágrafo da pág. 10 de 18 de que se absteve de «atribuir à correcção da sua prova a prática de erro manifesto», pelo menos de forma expressa já que a invocação do erro manifesto resulta tacitamente da forma como foi por si impugnada a avaliação das respostas que deu às questões 19, 28 e 30, sustentando-se infra na presente alegação de recurso que o erro manifesto surge por exclusão de partes e não carece de ser invocado precisamente por ser manifesto.
6ª- A avaliação das respostas dadas num teste de escolha múltipla, em que só uma das respostas possíveis a cada questão é a correcta, é feita de forma meramente «mecânica», tarefa que pode ser executada por um robot ou por um elementar computador, uma vez que apenas se trata de conferir se a resposta dada corresponde ou não à previamente considerada correcta.
III- DA DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA VERSUS DISCRICIONARIEDADE PROPRIAMENTE DITA; DA SINDICABILIDADE OU INSINDICABILIDADE JURISDICIONAL DA AVALIAÇÃO FEITA A RESPOSTAS DADAS EM «TESTES DE ESCOLHA MÚLTIPLA», EM QUE, POR DEFINIÇÃO, APENAS UMA DAS RESPOSTAS POSSÍVEIS É A CORRECTA.
7ª- Ao sufragar o douto Acórdão do TAF de Coimbra de 19.06.2013, reconheceu o douto Acórdão recorrido que «constitui característica dos testes de escolha múltipla a alternativa entre respostas de conteúdo muito semelhante, das quais apenas uma corresponde à solução correcta» - pág. 9 de 18, tal resultando também, no caso em apreço, do disposto no 2º parágrafo do doc. 1 anexo à alegação de recurso de 20.10.2011 – Instrução - 2010.01-AP, em que se afirma que « para cada uma das questões colocadas existem 4 alternativas, mas apenas uma é considerada integralmente correcta».
8ª- Ora se de entre as várias respostas possíveis nos «testes de escolha múltipla», «apenas uma corresponde à solução correcta», logo não há lugar para «discricionariedade técnica» ou qualquer outro tipo de discricionariedade na avaliação de tais respostas, pois se trata apenas de conferir se a resposta dada a cada questão corresponde ou não à que é previamente determinada como certa, tratando-se pois de um acto meramente mecânico que é executável por um elementar computador ou por um robot.
9ª- Ora no caso em apreço o acto administrativo impugnado (que é o acto de avaliação da recorrente e que não pode ser confundido com o acto de elaboração do teste, que implica a indicação da resposta correcta a cada uma das questões formuladas, em consonância com o disposto no direito fiscal) não é resultado da escolha discricionária de uma «de entre as várias soluções possíveis», uma vez que existe apenas uma solução possível para cada questão formulada no teste de escolha múltipla a que a recorrente se submeteu em 20.02.2010 (com excepção, das questões 34 e 36 que, por erro de formulação, comportam mais do que uma solução possível).
10ª- À Comissão de Avaliação competia pois apenas verificar se as respostas dadas pelos avaliandos correspondiam ou não às pré-determinadas como certas por quem elaborou o teste.
11ª- Subjacente ao acto avaliativo da Comissão de Avaliação e consequentemente ao despacho de concordância que homologou a classificação atribuída à recorrente está o exercício de um poder vinculado (ao direito fiscal e às respostas previamente determinadas como correctas) e não de um poder discricionário, porque, por um lado, tem o direito fiscal ou tributário como referência e, por outro, porque num teste de escolha múltipla o avaliador sabe de antemão qual é a única resposta certa dentre as várias equacionadas para cada questão, dado que, por força da aplicação do princípio da boa fé que deve presidir à actuação da Administração (art. 266º, 2 da Constituição) deve estar pré-determinado qual é a resposta certa para cada uma das questões formuladas.
12ª- Resposta certa em «matéria jurídico-fiscal» só pode ser aquela que está em conformidade com o direito fiscal ou tributário, o que é, obviamente sindicável por um Tribunal Administrativo e Fiscal, como aliás foi reconhecido pelo tribunal a quo (penúltimo parágrafo da pág. 13 de 18 do douto Acórdão recorrido).
13ª- Errou pois clamorosamente o tribunal a quo ao ter confirmado na íntegra o douto Acórdão de 19.06.2013 do TAF de Coimbra, sufragando assim a afirmação, citada no 2º parágrafo da pág. 10 de 18, de que «ao tribunal está vedada a sindicância dos procedimentos administrativos de avaliação de conhecimentos, independentemente da respectiva natureza, já que nesta são aplicados critérios puramente técnicos, contidos na margem de livre apreciação ou de discricionariedade técnica que assiste à Administração (ainda que esteja em causa matéria jurídico fiscal)», por não ter levado em consideração que na avaliação das respostas dadas em testes de escolha múltipla, em que só uma das respostas possíveis é a correcta, não há lugar para a mínima discricionariedade seja propriamente dita seja imprópria.
14ª- E foi por apego à «referida característica de sindicabilidade jurisdicional limitada» (último parágrafo da pág. 12 de 18 do douto Acórdão recorrido) «em matéria de classificação de funcionários» (5º parágrafo da pág. 15 de 18 do douto Acórdão recorrido) que o tribunal a quo concluiu pela insindicabilidade jurisdicional da avaliação respeitante às respostas dadas pela recorrente no teste que realizou em 20.02.2010, como se sindicabilidade limitada fosse sinónimo de insindicabilidade.
15ª- Acresce que inerente à ideia da limitação da pronúncia do tribunal no domínio da discricionariedade técnica da Administração está a sua «falta de conhecimentos especializados», o que não acontece no caso em apreço na medida em que está em causa «matéria jurídico-fiscal», tendo o tribunal a quo reconhecido que, no caso em apreço, não pode ser invocada a “falta de conhecimentos especializados” para justificar uma pretensa «discricionariedade técnica da Administração», visto que «os Tribunais Administrativos são seguramente dotados de ciência e “expertise” suficiente em matéria jurídico-fiscal» (3º e 5º parágrafos da pág. 13 de 18 do douto Acórdão recorrido).
16ª- Mesmo que se admitisse que a «notação ou avaliação do desempenho de funcionários» se insere «no sub-grupo da “discricionariedade imprópria”» (na terminologia de Freitas do Amaral), conforme se sustenta no 1º parágrafo da pág. 13 de 18 do douto Acórdão recorrido, sempre se teria de levar em consideração a excepção que se verifica no caso de a notação ou avaliação ser feita através de «testes de escolha múltipla», visto não haver lugar a qualquer tipo de discricionariedade (propriamente dita ou imprópria), dado que só uma das respostas equacionadas para cada questão é a correcta, estando previamente determinado qual das respostas é a certa.
17ª - «A regra, em contencioso administrativo é a de que todos os actos da administração são passíveis de fiscalização contenciosa, devendo ser excepcionais as possibilidades de subtracção a esse juízo», como se sustenta no Acórdão do STA de 20.09.2011, proferido no proc. nº 414/10, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b8d8522495af92ff802579180053ea79?OpenDocument&Highlight=0,discricionariedade, tese esta que é contrariada pelo douto acórdão recorrido.
18ª- Acresce que do disposto no nº 2 do art. 71º do CPTA resulta a contrário que quando seja possível «identificar apenas uma solução como legalmente possível», o tribunal pode determinar «o conteúdo do acto a praticar», pelo que salvo o devido respeito violou o douto Acórdão recorrido as normas que integram os nºs 1 e 2 do art. 71º do CPTA, uma vez que no caso sub judice não se verifica a limitação da «sindicabilidade jurisdicional» «em matéria de classificação dos funcionários» a que se alude no último parágrafo da pág. 12 de 18 e no parágrafo 5º da pág. 15 de 18 do douto acórdão recorrido, porque para cada uma das questões formuladas no teste de escolha múltipla a que a recorrente foi sujeita, só pode ser identificada uma resposta correcta possível.
19ª- Como é óbvio «a avaliação do mérito dos “servidores”» nos casos em que tal avaliação se processa através da realização de «testes de escolha múltipla», como sucedeu no caso sub judice, deve ser feita, não «segundo critérios convenientes ao “serviço”» nem «na perspectiva das chefias», como, surpreendentemente, se sustenta no 5º parágrafo da pág. 15 de 18 do douto acórdão recorrido, mas sim segundo critérios de estrita objectividade, dado que só uma das respostas apresentadas como possíveis pode ser a certa naquele tipo de testes e no teste concreto em apreço, só assim se garantindo uma actuação imparcial do júri ou da comissão de avaliação e a rejeição do favorecimento ou compadrio.
IV- DA PROBLEMÁTICA DO «ERRO MANIFESTO»
20ª- Como é evidente, o erro manifesto surge por exclusão de partes, nos casos de avaliação de testes de escolha múltipla, em que se dá como certa uma resposta errada ou vice versa, dado que apenas uma das respostas equacionadas corresponde à previamente determinada como correcta, logo sendo manifestamente errada a avaliação que der como certa qualquer das outras respostas.
21ª- O erro manifesto não carece de ser invocado, precisamente porque é manifesto, atento o disposto no artº 412º 1 do CPC, ex vi, artº 1º do CPTA, ou seja, porque os factos notórios não carecem de ser invocados, sendo de conhecimento oficioso (art. 5º 2. c) do CPC, ex vi, art. 1º do CPTA).
22ª- Se o cidadão comum souber à partida qual é a resposta certa dentre as 4 equacionadas para uma determinada questão, é evidente que concluirá que qualquer das outras 3 é errada, não tendo o erro manifesto que ser perceptível, no caso sub judice, pelo cidadão comum, mas sim por quem tem um conhecimento razoável (conhecimento médio, nem muito elevado nem baixo) sobre a matéria jurídico-fiscal em apreciação.
V – DO ERRO DE FORMULAÇÃO DAS QUESTÕES 34 E 36 DO TESTE REALIZADO PELA RECORRENTE EM 20.02.2010 E O NÃO RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO DA CORRECÇÃO DA RESPOSTA DADA PELA RECORRENTE À QUESTÃO 36 EM DESCONFORMIDADE COM O QUE RESULTA DO DESPACHO DE 3.02.2012 DO SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS.
23ª- Também quanto ao «“erro de formulação” das questões 34 e 36 do teste», (pág. 17 de 18) mal andou o tribunal a quo ao considerar que a recorrente pretenderia que fossem consideradas correctas as respostas que deu a tais questões, pelo facto de se tratar de «perguntas mal elaboradas», quando na realidade o fundamento invocado pela recorrente foi outro, ou seja, assentou no facto de existir mais do que uma resposta certa possível a cada uma daquelas questões e de cada uma das respostas por si dadas ser notoriamente certa.
24ª- Os autores e a autora do douto acórdão recorrido foram «mais papistas do que o Papa» (Ministério das Finanças), cometendo um manifesto erro de julgamento ao terem considerado «improcedentes na totalidade as conclusões da Recorrente» (último parágrafo da pág. 17 de 18 do douto acórdão recorrido), apesar de o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ter deferido parcialmente o recurso hierárquico apresentado pela ora recorrente, por despacho nº 71/2012-XIX de 3.02.2012 (junto aos autos em 5.03.2012 e a que se alude na conclusão 31ª da alegação de recurso de 15.07.2013), reconhecendo assim o erro cometido na avaliação da resposta dada a tal questão, o que teve como consequência o acréscimo de 0,5 valor à classificação do teste realizado pela recorrente em 20.02.2010, como resulta do Parecer- fundamento nº 150/11 de 3.06.2011, anexo ao supra-referido despacho, o que também justifica a necessidade de admissão do presente recurso «para uma melhor aplicação do direito».
25ª- Acresce que também a resposta dada pela recorrente à questão 34º tem de ser considerada como certa, dado ser, notória e inequivocamente, uma das duas respostas correctas possíveis dentre as 4 equacionadas no supra-referido teste pelas razões invocadas na alegação de recurso de 15.07.2013 e na presente alegação de recurso, ou seja, porque duas das 4 equacionadas respostas são notoriamente certas (respostas a) e d), dado que se traduzem ambas em «boa medida de controlo interno» para o fim previsto no enunciado) quando só uma delas poderia sê-lo, dado tratar-se de um teste de escolha múltipla e atento o disposto no 2º parágrafo do doc. 1 anexo à alegação de recurso de 20.10.2011– Instrução – 2010.01-AP.
26ª- Também as respostas dadas pela recorrente às questões 19, 28, 30 do teste a que se submeteu em 20.02.2010 terão de ser consideradas certas, uma vez considerada jurisdicionalmente sindicável a avaliação que delas foi feita pela Comissão de avaliação, pelas razões invocadas na presente alegação de recurso e na alegação de 15.07.2013 que, para tanto, se dá por reproduzida quanto a essa matéria.
27ª- Salvo o devido respeito, violou o douto acórdão recorrido o direito da recorrente à progressão na carreira consagrado no art. 33º do Dec. Lei 557/99 de 17.12, ao ter sufragado a incorrecta elaboração do teste a que a recorrente foi submetida e a incorrecta classificação que lhe foi atribuída, tendo em consideração que para ser admitida à realização dos «testes de avaliação permanente de conhecimentos», a que se alude na alínea c) do supra-referido art. 33º do Dec-Lei 557/99, teria a recorrente de ter cumprido, como é obvio (e cumpriu) os requisitos de mudança de nível previstos nas alíneas a) e b) do mesmo preceito legal, tendo violado também o princípio da legalidade por não ter reconhecido que só deveria poder ser uma a resposta «integralmente correcta» a cada uma das 2 supra-referidas questões (conforme resulta do doc. 1 anexo à alegação de recurso de 20.10.2011 - Instrução – 2010.01-AP).
28ª- As provas de avaliação a que a recorrente se submeteu foram as últimas realizadas para efeito de progressão na carreira de Inspector Tributário do Quadro da Direcção Geral de Impostos, não estando aberto qualquer novo concurso de acesso, nem se sabendo quando abrirá, o que denota quão importante é para a recorrente a decisão da presente acção e daquela a que corresponde o processo nº 1179/09.1BELRA, a que se aludiu na alegação de recurso de 15.07.2013 e que está pendente no Tribunal Central Administrativo Norte.
VI – DA INVOCAÇÃO DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DA LEI POR ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO QUE, DE PER SI, JUSTIFICA A SINDICABILIDADE JURISDICIONAL DO ACTO ADMINISTRATIVO IMPUGNADO
29ª- A recorrente invocou nas conclusões 21ª e 22ª da sua alegação de recurso de 15.07.2013 (que se dão por reproduzidas) que quer o despacho impugnado, quer o douto Acórdão recorrido do TAF de Coimbra de 19.06.2013 padecem do vício de violação da lei, apontando as normas e princípios legais violados, pelo que, mesmo que se considere que o acto administrativo impugnado se insere no âmbito da discricionariedade imprópria da Administração (na qual se incluem a discricionariedade técnica e a denominada justiça administrativa), ele é jurisdicionalmente sindicável, porque se invocou a ofensa da vinculação legal, contrariamente pois ao que se sustenta no douto Acórdão de que ora se recorre (último parágrafo da pág. 12 de 18 e 5º parágrafo da pág. 15 de 18) em que se alude a «sindicabilidade jurisdicional limitada», acabando porém por concluir pela insindicabilidade do acto impugnado como se fosse sinónimo de «sindicabilidade limitada».
30ª- Sustenta-se nas conclusões 21ª e 22ª da alegação de recurso de 15.07.2013 que o acto administrativo impugnado e o douto acórdão recorrido de 19.06.2013 padecem (pelas razões invocadas na mesma alegação de recurso e que se dão por reproduzidas) do vício de violação da lei, porquanto fizeram uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, tendo, salvo o devido respeito, violado as normas que integram a alínea a) do nº 1 do art. 203 do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário) quanto à questão 19; o nº 1 do art. 45º do CIRC (na redacção anterior à Lei 159/99 de 13.07) que corresponde ao actual 48º, 1; quanto à questão 28; a alínea c) do nº 1 do art. 67º do CIRC (na redacção anterior à Lei 159/99 de 13.07) que corresponde ao actual 73º 1. c) quanto à questão 30 e porque sufragou uma orientação doutrinária ou de procedimento não consentânea com a lei fiscal relativamente às questões 34 e 36 (tendo sido reconhecida a razão à recorrente quanto à questão 36, ainda que por outro motivo como supra se refere).
31ª- Enferma pois o douto acórdão recorrido, pelas razões expostas no presente capítulo, de grosseiro erro de julgamento ao ter considerado o acto administrativo impugnado jurisdicionalmente insindicável, o que também por este motivo (a acrescer aos demais apontados na presente alegação) justifica a admissão do presente recurso para uma melhor aplicação do direito.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso de revista excepcional, determinando-se a anulação do douto acórdão recorrido e a sua substituição por acórdão que considere procedente o pedido formulado pela recorrente de revogação do acto administrativo impugnado, com fundamento na correcção das respostas que deu às questões 19, 28, 30, 34 e 36 do teste de avaliação a que se submeteu em 20.02.2010, corrigindo-se de 8,0 para 10,5 a classificação da recorrente em tal prova ou para o valor correspondente às respostas que venham a ser consideradas correctas, ou, se assim se não entender, ordenando que o processo baixe ao Tribunal Central Administrativo Norte para que este proceda à apreciação da avaliação feita às respostas dadas pela recorrente às questões 19, 28, 30, 34 e 36 do teste de avaliação de 20.02.2010, tendo em consideração que tal avaliação é, pelas razões supra-aduzidas, jurisdicionalmente sindicável».
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O recorrido Ministério das Finanças e da Administração Pública não contra alegou.
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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 08.04.2015, nos termos seguintes:
«Apesar da pouca clareza da enunciação pela recorrente das questões jurídicas colocadas e da sua duvidosa cindibilidade, entende-se suficientemente que a questão central do recurso respeita ao âmbito ou extensão da sindicabilidade pelo tribunal dos actos da Administração de avaliação de provas de conhecimento, prestadas por trabalhadores em funções públicas, mediante testes de escolha múltipla (“teste americano”), em particular quando versem matéria de direito. Com efeito, pode razoavelmente questionar-se a aplicabilidade dos habituais fundamentos da limitação da sindicabilidade judicial dos actos de avaliação de conhecimentos nas situações em que a prova tem esse modelo e versa sobre uma matéria que é suposto os juízes conhecerem ou serem capazes de dominar sem intermediação (vid., como casos em que a questão esteve, de algum modo, presente, acs. do STA de 11/12/1997 - Proc. 033241, de 19/04/2007 - Proc.0865/06 e de 26/06/2014 - Proc.01501/13).
Trata-se de uma questão que é susceptível de repetir-se em termos semelhantes quanto ao seu núcleo problemático num número indeterminado de casos, porque são relativamente frequentes as provas de conhecimento com tal modelo no âmbito das relações de trabalho na Administração Pública. E, por outro lado, respeita aos limites funcionais da jurisdição administrativa ou, pelo menos, questiona os termos tradicionais da sua fundamentação, como o acórdão recorrido revela, o que é matéria juridicamente complexa.
Assim, atendendo à susceptibilidade de expansão da controvérsia e à relevância jurídica fundamental da matéria sobre que versa, justifica-se a admissão do recurso».
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não emitiu parecer.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
As instâncias deram como provados os seguintes factos:
«1. Em 20 de Fevereiro de 2010, a autora submeteu-se a um teste de avaliação (versão B) previsto no nº 3.4 do “Regulamento de avaliação permanente do pessoal do grupo de administração tributária, para efeitos da mudança de nível prevista no artigo 33º do Decreto-Lei nº 557/99, de 17 de Dezembro” (fls. 28 e 29 do PA);
2. Pelo of.º nº 00732, datado de 25 de Fevereiro de 2010 a autora foi notificada da classificação atribuída (fls. 25 do P.A.);
3. Por requerimento datado de 17/03/2010, dirigido ao Presidente da Comissão de Avaliação do Procedimento de Avaliação, recebido no dia seguinte, com base na fundamentação que aduziu, pela atribuição de 10,5 valores na prova realizada (fls 16 e ss do PA);
4. Consta da acta datada de vinte e oito de Abril de 2010, da reunião da Comissão de Avaliação (fls. 8 e ss do PA):
“…Tendo-se procedido à análise das alegações apresentadas pela candidata de acordo com os critérios definidos, a comissão de avaliação, por unanimidade, decidiu e elaborou as respostas ao contraditório que constituem o anexo 1, que fica a fazer parte integrante da presente acta a fim de serem notificadas à exponente.
Por se ter concluído, não ter a petição merecido deferimento, será de manter a lista de classificação divulgada aquando do aviso para audição prévia, que se anexa, fazendo igualmente parte integrante da presente acta (…)”.
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2.2. O DIREITO
A presente acção administrativa especial visa (i) a impugnação do despacho de homologação da classificação final da avaliação permanente do ciclo de avaliação para inspector tributário nível 2 do grau 4 do GAT, realizado ao abrigo do nº 3.7 do Regulamento, resultante da média prevista no nº 3.5, homologada por despacho de 18/05/2010 do Director-Geral, bem como (ii) a alteração das respostas às questões 19, 28, 30, 34 e 36 [sendo que quanto a esta última, a autora e ora recorrente obteve provimento em sede de recurso hierárquico, decidido no decorrer dos presentes autos] no sentido de serem consideradas como correctas as respostas dadas pela autora/candidata, de molde a subir a nota que lhe foi atribuída de 8 para 10,5.
A revista interposta dirige-se contra a decisão proferida no TCAN que confirmou a decisão de 1ª instância, no sentido de estarmos perante a denominada discricionariedade imprópria, em que se incluem todas as realidades que, não configurando poderes discricionários em sentido estrito, partilham da característica de sindicabilidade jurisdicional limitada, tendo concluindo que no caso, “bem andou o Tribunal a quo ao preservar nessa matéria a “área de reserva do poder administrativo”, acrescentando ainda que não se mostra invocado pela recorrente o erro manifesto de avaliação por parte da Comissão de Avaliação na correcção do teste realizado.
Insurge-se a recorrente contra o decidido, alegando em síntese que na presente avaliação, em que apenas uma das respostas possíveis a cada questão corresponde à solução correcta, não está vedada a sindicância jurisdicional, uma vez que se trata de uma resposta mecânica, ou melhor, em que o avaliador se limita a conferir se a resposta dada corresponde ou não à previamente considerada correcta, tendo desta forma, por exclusão de partes, alegado, também, a existência de erro manifesto.
E como não foram convocados critérios técnicos para a actividade de avaliação técnico-profissional por parte do júri, nem foi pedido o controle de mérito, estamos perante uma avaliação que se processa de forma meramente mecânica, logo susceptível de ser sindicada, designadamente quando o julgador possui conhecimentos técnicos que lhe permitem, desde logo, identificar o erro.
Vejamos:
A Administração, em determinados casos detém um poder vinculado [quando a lei impõe uma determinada decisão] e, noutros casos, um poder discricionário [quando a lei deixa ao órgão administrativo decisor uma determinada liberdade no exercício da sua competência], sendo que, nem sempre esta distinção é fácil de identificar, uma vez que raras vezes se encontram actos completamente vinculados ou actos completamente discricionários.
A discricionariedade, pressupõe sempre uma autonomia de escolha, de alternativa, dentro de parâmetros/critérios legais [que não arbítrio] sujeita a um controlo que, de qualquer forma, não pode substituir a escolha feita pela Administração.
Ou seja, a discricionariedade consiste numa liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis [a Administração escolhe livremente uma das soluções apontadas na lei, sendo tidas como igualmente boas, qualquer uma delas].
Por outro lado o controlo jurisdicional do poder discricionário obedece apenas ao controlo da legalidade não se estendendo à esfera da oportunidade, onde o poder discricionário ocupa o seu espaço por excelência.
Repete-se aqui o já enunciado na decisão recorrida, no sentido de que nos procedimentos de concurso de selecção e recrutamento de pessoal, no que respeita à apreciação das provas de conhecimento dos candidatos, o júri é chamado a desenvolver uma actividade administrativa que se analisa no exercício de poderes que Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, vol. II, pág 187, a par de demais doutrina, apelida de “discricionariedade imprópria” na modalidade de “justiça administrativa”.
Refere este autor que «(…) há um terceiro ingrediente (entre duas outras categorias de discricionariedade imprópria, que é a liberdade probatória e a discricionariedade técnica) neste tipo de decisões da Administração Pública que faz a especificidade desta terceira categoria e que é o dever de aplicar critérios de justiça. Critérios de justiça absoluta na medida em que o júri tem de se pronunciar quanto ao mérito relativo dos vários candidatos. Não se trata apenas de procurar a melhor classificação, a classificação mais justa para cada um dos candidatos, mas de seguir um critério de justiça relativa, classificando todos segundo a mesma bitola».
Temos assim que, em regra, no caso das provas de conhecimento como método de selecção, os Tribunais não podem proceder à avaliação das prestações dos concorrentes e substituir-se à Administração, atribuindo a classificação que entendem ser a justa, salvo nos casos em que seja flagrante que o júri não procedeu de forma correcta na aplicação dos critérios de classificação, que estabeleceu como padrão da resposta exacta.
Porém, no caso sub judice, estamos perante uma avaliação traduzida na realização de um teste de escolha múltipla, “multiple choice”, vulgo, teste americano, em que das soluções de resposta apresentadas aos candidatos, só uma é considerada correcta, por assim haver sido previamente determinado por uma Comissão de Avaliação, supostamente em cumprimento da legislação aplicável.
Ou seja, estamos perante um quadro em que tudo aponta para que a discricionariedade atribuída à Administração seja negativa, tudo se passando como se houvesse discricionariedade, mas não há.
No caso de teste de escolha múltipla, a aparente discricionariedade ou discricionariedade negativa verifica-se num momento prévio ao da correcção do teste e apuramento concreto da resposta considerada certa; ou seja, verifica-se no momento em que o júri/comissão de avaliação determina qual a resposta considerada correcta nas várias hipóteses previstas e apresentadas aos candidatos.
De seguida, o que se sucede é apenas uma mera aplicação mecânica, ou seja, o júri, quando corrige a prova, limita-se, ao olhar para a grelha de correcção e, a fazer uma mera operação mecânica/automática no sentido de verificar se o candidato assinalou a alínea considerada previamente a correcta.
Podemos, pois, concluir que esta aplicação mecânica tem subjacente uma definição prévia do júri em determinar a resposta considerada correcta e é aqui que temos de fazer incidir a sindicância e controlo jurisdicional.
Por outro lado importa esclarecer que o que a recorrente verdadeiramente pretende sindicar não é o momento da aplicação mecânica, mas sim o momento prévio em que o júri considerou determinada resposta como certa, pois só aqui existe a chamada discricionariedade imprópria, e só aqui o Tribunal pode sindicar da existência do erro manifesto.
Por outro lado, não se diga, sequer que a recorrente não invocou a seu favor a existência de erro manifesto [de molde a permitir o controle jurisdicional] uma vez que ao alegar que a sua resposta é que deve ser considerada como a correcta ou também como a correcta, por ser a conforme à lei, e não aquela, ou não só aquela, que o júri elegeu como sendo a correcta, ter-se-à de considerar que está a alegar o erro manifesto, para os efeitos pretendidos.
Acresce que, como as questões respeitam a conteúdo jurídico-fiscal é patente que estamos perante matéria fixada na lei e, portanto, de carácter vinculado tanto para a administração [no caso, o júri do concurso] como para os candidatos que se submeteram ao teste de escolha múltipla, dado que, face à lei aplicável só uma das alternativas de resposta poderá estar certa.
Estamos, pois, perante uma actuação do júri, na avaliação das respostas, excluída do âmbito da discricionariedade em sentido técnico, logo sindicável pelo Tribunal.
Com efeito, dar por certas ou erradas as respostas às várias perguntas não está dentro da margem de livre apreciação técnica por parte do júri, uma vez que só uma resposta é possível, é correcta, pois o júri, a cada pergunta que formulou, logo determinou a resposta, a que se auto vinculou supostamente de acordo com a lei aplicável e que o condicionou na pontuação de cada resposta fornecida à questão enunciada.
Impõe-se, pois, como pretendido pela recorrente, analisar em concreto se se verifica o erro manifesto apontado pela recorrente [que o TCAN considerou não se verificar], no que respeita às respostas a que o júri se auto vinculou, o que faremos de imediato.
Questão 19 [em que o júri considerou como certa a resposta c) e a recorrente pretende que seja considerada a resposta a)]
«Pela falta de pagamento de uma liquidação de IRC, resultante das correcções efectuadas à matéria colectável do exercício de 2005, da sociedade B………., Ldª foi instaurado no serviço de Finanças competente um processo de executivo fiscal para cobrança da dívida exequenda e respectivo acrescido. A sociedade B………, Ldª foi citada, nos termos dos artigos 1890 e seguintes do CPPT e nada fez. Uma vez decorridos todos os prazos legais, o órgão de executivo fiscal competente penhorou um bem imóvel propriedade do sócio gerente da sociedade, C……………..
Por que entende que não se encontram preenchidos os requisitos da reversão da execução e que a mesma não se encontra sequer concretizada, pretende agora C…………….. reagir contra tal penhora.
Poderá fazê-lo? De que forma?
a) Poderá fazê-lo deduzindo uma oposição à execução, no prazo de 30 dias;
b) Uma vez que nada fez aquando da citação para a execução, não poderá reagir, devendo apenas impugnar judicialmente tal decisão, nos termos dos artºs 99º e seguintes do CPPT.
c) Apenas poderá reclamar, no prazo de 10 dias, da decisão do órgão da execução fiscal;
d) Nenhuma das respostas anteriores está correcta.

A resposta considerada como certa na grelha de correcção [alínea c)] é a correcta face ao enunciada da prova, o qual não suscita dúvidas de interpretação.

O enunciado coloca o seguinte cenário: numa execução fiscal instaurada contra uma sociedade, o órgão de execução penhorou um imóvel que é propriedade, não da sociedade executada, mas do seu sócio-gerente, e este pretende «reagir contra tal penhora», invocando, em termos de causa de pedir, que não houve reversão da execução contra si nem estão, sequer, preenchidos os pressupostos para que a reversão possa ocorrer, isto é, invocando, em suma, que não é o devedor/executado e que, por isso, a penhora não pode incidir sobre um bem seu. E a questão que vem colocada é a de saber como pode este proprietário, que não é o executado, reagir contra essa penhora.

Perante o regime processual contido no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) é inquestionável que o meio processual adequado é a reclamação judicial a deduzir contra esse acto do órgão da execução fiscal, prevista nos artigos 276º e segs. do CPPT.

Com efeito, na busca do meio processual adequado há que olhar para a pretensão ou pedido formulado pelo autor, e não para a causa de pedir da acção. Como refere Jorge Lopes de Sousa (in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”, 6ª Ed. 2011, II vol., pág. 88) “É à face do pedido ou conjunto de pedidos formulado pelo interessado que se afere a adequação das formas de processo especiais e, consequentemente, a existência de erro na forma de processo.” Razão por que, para o assinalado efeito, não há sequer que indagar se os fundamentos invocados são ou não susceptíveis de viabilizar a pretensão formulada, pois essa matéria contende com o êxito ou o fracasso da acção, e não com a forma processual adequada.

No caso, pretendendo o referido sócio-gerente reagir contra a penhora do seu imóvel, impunha-se-lhe, através da referida reclamação, invocar a ilegalidade dessa penhora por não ser ele o devedor/executado na execução (alegando, como se diz no enunciado da prova, que a reversão da execução contra si não fora concretizada nem estavam preenchidos os requisitos para que ela pudesse ocorrer), assim alicerçando, em termos de causa de pedir, a pretensão de levantamento da penhora, cuja viabilidade de procedência se torna evidente face ao princípio geral constante do nº 2 do artigo 821º do Código Civil, segundo o qual não é possível a penhora de bens pertencentes a pessoa que não tenha a posição de executado. Reclamação que pode ser utilizada por qualquer pessoa (ainda que terceiro relativamente à execução) afectada nos seus direitos e interesses legítimos pelo acto praticado pelo órgão de execução fiscal (cfr. art. 276º do CPPT).

Carece, assim, de razão a Autora quando defende que o meio processual adequado seria a oposição à execução, já que a oposição só pode ser utilizada pelo próprio executado e com os fundamentos tipificados no artigo 204º do CPPT, onde não encontra previsão a ilegalidade da penhora. E dado que a pretensão formulada na oposição é, em regra, a extinção da execução contra o oponente, não faz o mínimo sentido a tese sustentada pela Autora, visto que o proprietário do bem penhorado não é executado no processo executivo e, como tal, não pode peticionar a extinção da execução contra si.

E também não lhe assiste a mínima razão quando defende que a penhora que foi realizada consubstancia a reversão do processo de execução contra o proprietário do bem, uma vez que a reversão é o acto materialmente administrativo através do qual se efectiva a responsabilidade subsidiária (cfr. art. 23º, nº 1 da LGT) e não se confunde minimamente com a penhora de um bem, isto é, com o acto processual de individualização e apreensão dos bens do património do executado que vão responder pelo pagamento da dívida exequenda.

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Questão 28 [em que o júri considerou como certa a resposta b) e a recorrente pretende que seja considerada a resposta c)]
«A empresa D………………, Ldª, com sede em Vila do Conde, possuía um imóvel, constituído por um pavilhão, onde possuía um showroom e um espaço destinado a armazenagem de mercadorias. A partir de 2005, face a uma reestruturação e deslocalização da empresa procedeu a arrendamento. Em 2008 efectuou a sua venda € 450.000,00. Foi apurada uma mais valia contabilística de € 30.000,00 e uma mais valia fiscal de € 25.000,00.
Concorre para a formação do lucro tributável do exercício de 2008:
a) € 30.000,00;
b) € 2.500,00;
c) € 12.500,00, se o sujeito passivo reinvestir € 450.000,00 nos termos e prazos legalmente previstos;
d) € 15.000,00 se o sujeito passivo reinvestir 450.000,00 nos termos e prazos legalmente previstos.

Segundo a grelha de correcção a solução correcta é a identificada na alínea b).

Não é possível surpreender nessa solução qualquer erro grosseiro ou manifesto, sendo que a interpretação normativa que lhe subjaz constitui uma das soluções juridicamente plausíveis, não se podendo, por isso, afirmar a existência de erro grosseiro ou manifesto.

Aliás, a interpretação da norma contida no artigo 45º do CIRC (ex artigo 44º) não tem suscitado controvérsia na jurisprudência e sobre a matéria existe doutrina firmada pelos próprios Serviços da Administração Tributária no sentido de que a norma deve ser interpretada nos termos que resultam da solução indicada nessa alínea b).

Com efeito, através de informação vinculativa, prestada no Processo nº 590/96, tendo por assunto precisamente a aplicabilidade do regime previsto no artigo 45º CIRC (ex-artigo 44º) às mais-valias derivadas da alienação de prédios de rendimento, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais emitiu despacho no sentido de que a norma devia ser interpretada no sentido de só abranger as mais-valias ou menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de imóvel afecto à actividade operacional da empresa, isto é, no sentido que constitui a base da solução indicada na alínea b).

Pelo que, existindo doutrina firmada pela Administração Tributária sobre a interpretação da norma, divulgada através de Ficha Doutrinária que a difunde pelos respectivos serviços, e sabido que a informação vinculativa é um acto administrativo por via do qual a Administração define a sua posição quanto à interpretação de uma norma legal e se auto vincula a ela, ficando os órgãos que se situam hierarquicamente abaixo do órgão autor do acto vinculados a essa interpretação, estando-lhes vedada até «a prática do prospective overruling: rever a situação criada, modificando-a com efeitos para o futuro, se considerar que a decisão é ilegal e que, por isso, se não pode manter» (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., pp. 205/206), não podia a Autora, numa prova escrita que se destina precisamente a avaliar os seus conhecimentos da doutrina fiscal para progredir para o nível 2 do grau 4 da categoria de inspectora tributária, apartar-se dessa interpretação e solução, e construir e defender outra solução que julga mais adequada, ainda que ela seja juridicamente plausível e defensável.

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Questão 30 [em que o júri considerou como certa a resposta a) e a recorrente pretende que seja considerada a resposta b)]
A empresa E…………., SGPS, SA, detém, entre outras, as participações de 100% no capital social de F………….., Ldª e de 100% na G……………, SA. Todas estas empresas têm sede em território nacional e encontram-se enquadradas em IRC no regime geral de tributário. Em 2009 procederam a uma operação fusão em que a empresa F………….., Ldª foi absorvida pela G…………, SA. Para aproveitar do regime de neutralidade fiscal previsto no CIRC:
a) É necessário que sejam atribuídas acções ou quotas aos sócios da sociedade beneficiária;
b) Pelo facto da E……………, SGPS, SA ser a única detentora de capital da sociedade a incorporar, não é condição necessária a atribuição de acções ou quotas aos sócios da sociedade a incorporar
c) Nunca se aplica o regime de neutralidade fiscal nesta operação em que a titular da totalidade do capital social é o único sócio da incorporante;
d) Fica ao livre arbítrio da E………….., SGPS, SA, proceder ao aumento de capital na incorporante, aplicando-se sempre o regime da neutralidade fiscal»

Segundo a grelha de correcção a solução correcta seria a identificada na alínea a).

A Autora defende que não lhe parece correcta essa solução, por não lhe parecer necessário o cumprimento da condição que serve de base à solução, sendo que, do seu ponto de vista, a solução mais adequada seria a referida na alínea b).

É preciso notar que, também nesta matéria, não existia, à data da realização da prova e da sua correcção, jurisprudência ou doutrina sobre a matéria, para além da doutrina que a própria Administração Tributária emitira através de informação vinculativa prestada pelo despacho nº 36/2005 do Senhor Secretário dos Assuntos Fiscais, e que acolhe a interpretação subjacente à solução identificada na referida alínea a).

É certo que posteriormente, mais precisamente em 20/12/2011, o STA pronunciou-se pela primeira vez sobre a questão e adoptou uma solução jurídica diversa da que é defendida pela Administração Tributária e vertida na solução indicada na grelha de correcção – cfr. Acórdão proferido no processo nº 0865/11.

Porém, mais uma vez, é necessário salientar que a prova que a Autora realizou visava avaliar os seus conhecimentos da doutrina fiscal existente à data e que lhe competia dominar e evidenciar, sobretudo da doutrina fiscal a que devia obediência, sabido que, face às disposições constantes do nº 14 do art. 68º da LGT e do nº 3 do art. 57º do CPPT, as informações vinculativas vinculam os serviços e funcionários ao seu conteúdo, ficando-lhes vedada a possibilidade de defender interpretações diversas. O mesmo acontece com as orientações genéricas ou regulamentos interpretativos emitidos pelos órgãos hierarquicamente superiores (art. 68º-A da LGT), que vinculam os órgãos e serviços de hierarquia inferior. E a questão colocada visava precisamente avaliar se a examinada conhecia a doutrina firmada pela Administração Tributária quanto à questão jurídica em análise – e que conduzia à resposta indicada na alínea a) – atentas as funções a que pretendia ascender em termos de carreira nos serviços de inspecção tributária.

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Questão 34 [em que o júri considerou como certa a resposta a) e a recorrente pretende que seja considerada a resposta d)]
«Para conseguir uma boa medida de controlo interno o departamento de compras e contas a pagar deverá comparar a informação das facturas dos fornecedores com:
a)A guia de recepção e a ordem de compra;
b) A requisição interna e a guia de entrada em armazém;
c) Águia de entrada em armazém e a guia de remessa ao fornecedor;
d) a ordem de compra e a guia de remessa ao fornecedor».

A resposta indicada na grelha de correcção – a contida na alínea a) – não padece de erro manifestou ou grosseiro, por ser essa a solução mais apropriada ao enunciado da questão, tendo em conta que o que se pretendia saber era qual a medida de controlo interno mais eficaz que o departamento de compras e contas a pagar deve adoptar.

Tal procedimento não pode deixar de ser, prioritariamente, o de proceder à comparação da informação das facturas emitidas pelos fornecedores com a ordem de compra emitida pelo adquirente e com as guias de recepção que este emite quando recepciona os bens fornecidos, pois só aquela ordem garante que a compra foi autorizada e só esta guia garante que os bens foram efetivamente recepcionados e que devem, por isso, ser pagos.

A resposta que a Autora sugere como sendo também correcta (constante da alínea d) e traduzida na ordem de compra e guia de remessa do fornecedor) não garante de forma tão eficaz o fim visado.

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Por último, em relação à questão 36, a recorrente diz que o TCAN errou ao não atender ao despacho de 03/03/2012, em que o Director Geral dos Impostos deferiu parcialmente o recurso hierárquico por ela interposto e acrescentou 0,5 valores à notação obtida nessa resposta.
Realmente, esse ponto não foi considerado pelas instâncias nos seus julgamentos de facto e de direito. Mas, porque a recorrente nunca questionou em termos processualmente adequados e eficazes essa indicada omissão das instâncias, forçoso é concluir que tal assunto se encontra fora dos poderes cognitivos deste Supremo.
Não obstante, sempre lembraremos que a emergência desse despacho corresponderá a um caso decidido ou resolvido quanto àquela majoração, pelo que, a circunstância de agora, confirmarmos o acórdão recorrido – que conheceu do acto impugnado na versão anterior à revogação parcial de que ele terá sido alvo – em nada afecta a definição superveniente porventura trazida pelo resultado do dito recurso hierárquico.
Portanto, não existe um genuíno erro de julgamento do aresto recorrido a propósito do acto culminante do recurso hierárquico; pelo que soçobra o ataque que a recorrente lhe desfere, baseado nesse suposto erro.
DECISÃO:
Atento os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 3 de Março de 2016. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.