Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0814/14.4BELLE
Data do Acordão:10/30/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IRS
IRC
PEDIDO DE REVISÃO
REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
COMPETÊNCIA DO DIRECTOR DE FINANÇAS
Sumário:O órgão da AT competente para conduzir e decidir o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos (nos termos do disposto no artigo 91.º e 92.º da LGT) é, segundo o disposto nos artigos 39.º, n.º 1 do CIRS e 59.º do CIRC, o director de finanças da área do domicílio, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo.
Nº Convencional:JSTA000P25085
Nº do Documento:SA2201910300814/14
Data de Entrada:12/10/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A………….. interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em 15 de Maio de 2018, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referentes aos exercícios aos anos de 2008, 2009 e 2010, no valor global de 54.544,25€, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
A - A al. e) do art. 102º do CPPT, bem como o n.º 4 do art. 268º da CRP, constituem uma garantia da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos.
B - A decisão perfilhada pelo tribunal a quo, é absolutamente inconstitucional, por violação dos Princípios do Livre Acesso aos Tribunais e da Tutela Jurisdicional Efectiva dos Direitos Legalmente Protegidos dos Cidadãos.
C - A realização de acordo na quantificação do imposto a pagar, não poderá prejudicar a garantia constitucional do direito ao recurso contencioso por parte do Recorrente, relativamente a vícios de procedimento que afectem a validade do acto final - acto tributário stricto sensu.
D - Por imposição dos Princípios Constitucionais, da tutela jurídica efectiva e da segurança jurídica, não pode o Tribunal a quo sustentar a sua decisão num sentido que a CRP quis rejeitar.
E - O recurso contencioso constitui um meio de defesa de posições jurídicas subjectivas do contribuinte, não lhe podendo ser vedada tal possibilidade.
F - Nos termos dos arts 10.º do CPPT, 19.º/n.º 1, 61.º/n.º 4 e 91.º da LGT e 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26.10, a única entidade com competência legalmente atribuída para conduzir e decidir o procedimento de revisão da matéria colectável era o Serviço de Finanças de Portimão, ao qual pertence o Recorrente, e não a Direcção de Finanças de Faro.
G - A incompetência relativa constitui um vício de violação de lei, e gera a anulabilidade do acto praticado.
H - Posto que o conteúdo da decisão do procedimento de revisão se incorporou nos actos de liquidação, não sendo um acto autónomo, a invalidade da mesma reflecte-se apenas nas liquidações.
I - Os actos de liquidação objecto de liquidação porque provêm integralmente de fixações efectuadas por métodos indirectos e submetidas ao referido procedimento de revisão, estão feridos de ilegalidade.
J - Salvo o devido respeito foram violados os artigos 20.º/1 e 268.º/4 da CRP e ainda os arts. 10.º, 1/2/3, 19.º/1, 61.º/4 e 102.º/e do CPPT, 91.º da LGT e 6.º do Decreto-Lei 433/99, de 26.10.
K - Julgando-se o Recurso procedente, será feita Justiça!.

2 - Não foram produzidas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso pelas seguintes razões:
1ª O procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos decorre perante o órgão da administração tributária da área do domicílio fiscal do sujeito passivo (art. 91.° n.º 1 LGT)
2ª Para efeitos de regime do processo de revisão da matéria tributável é considerado órgão da administração tributária do domicílio do sujeito passivo o director distrital de finanças (art. 4.º DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro de 1998)
3ª A determinação do rendimento tributável em IRS por métodos indirectos é efectuada pelo director de finanças da área do domicílio fiscal do sujeito passivo (arts. 39.º n.º 1 CIRS e 59.º CIRC)
4ª Na falta de acordo entre os peritos o órgão competente para a fixação da matéria tributável (ou seja, o director de finanças) profere a decisão final do procedimento de revisão (art. 91.º n.º 6 LGT)
5ª Violaria a coerência e unidade do sistema jurídico (critério fundamental de interpretação da lei), a atribuição a um órgão periférico local (serviço de finanças) da competência para a revisão da matéria tributável fixada por um órgão periférico regional hierarquicamente superior (direcção de finanças) (art. 6.º n.ºs 1, 3 e 6 Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 Outubro de 1999).

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) O Impugnante tem o seu domicílio na Urbanização de ……….., Lt. ….., em …. e encontra-se registado pela actividade de "Restauração" CAE 56102, enquadrado no regime normal de IVA de periodicidade trimestral - cf. fls. 84 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos e acordo;
B) O Impugnante exerce a sua actividade num estabelecimento denominado "Restaurante ………..", sito no interior da Serra ……. - acordo, cf. fls. 84 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos;
C) Em 05.03.2012 foram emitidas as Ordens de Serviço com o n.º OI201200539 e OI201200540, referentes a IRS e IVA dos exercícios dos anos de 2008, 2009 e 2010 dos do Impugnante - cf. fls. 84 do Processo Administrativo apenso aos presentes autos;
D) Em 05.07.2012 foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária - cf. documento de fls. 83 a 95 do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
E) O Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiciários em sede de IRS e IVA nos termos do artigo 91º da Lei Geral Tributária, para a Comissão de Revisão, relativamente aos anos de 2008 a 2010 - acordo, cf. fls. 126 do processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
F) Em 30.08.2012, na Direcção de Finanças de Faro realizou-se uma reunião de peritos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido - cf. fls. 126 a 128 do processo administrativo apenso aos presentes autos;
G) Em 24.09.2012 foi efectuada a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, com o n.º 2012 ………., referente ao ano de 2008, cujo valor de rendimento colectável foi de €92.870,99 - cf. fls. 25 do processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
H) Em 15.10.2012 foi efectuada a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, com o n.º 2012 ………, referente ao ano de 2009, cujo valor de rendimento colectável foi de €90.554,68 - cf. fls. 26 do processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
I) Em 15.10.2012 foi efectuada a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, com o n.º 2012 ………, referente ao ano de 2010, cujo valor de rendimento colectável foi de €82.800,22 - cf. fls. 27 do processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
J) Em 08.03.2013 deu entrada na Direcção de Finanças de Faro a Reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, relativa às liquidações de IRS e juros compensatórios dos anos de 2008, 2009 e 2010, na qual foi peticionada a anulação das referidas liquidações - cf. fls. 3 a 25 do processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
K) Em 09.04.2013 foi indeferida por despacho do Director de Finanças de Faro a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante - cf. fls. 309 do processo administrativo no SITAF, apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
L) Em 10.04.2013 foi enviada ao Impugnante via CTT, o despacho de indeferimento proferido no processo de reclamação graciosa referido na aliena K) - cf. fls. 309 do processo administrativo no SITAF, apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
M) Em 14.05.2013 deu entrada na Direcção de Finanças de Faro um Recurso Hierárquico apresentado pelo Impugnante, relativo às liquidações de IRS e juros compensatórios dos anos de 2008, 2009 e 2010, na qual foi peticionada a anulação das referidas liquidações e a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida no âmbito do processo com o n.º 1112 2013 0400 1095 - cf. fls. 87 do processo administrativo no SITAF, apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
N) Em 11.07.2014 por despacho da Directora dos Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aposto na Informação n.º 2072/14, foi indeferido o Recurso Hierárquico apresentado pelo Impugnante - cf. fls. 67 do processo administrativo, apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
O) Em 30.07.2014 foi enviado ao Impugnante via CTT, que recebeu, o ofício com o n.º 13921, com a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico referido na aliena N) - cf. fls. 66 do processo administrativo, apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
P) Em 29.10.2014 deu entrada via SITAF a presente Impugnação - cf. fls. 1 dos autos.

2. Questões a decidir
Determinação do órgão da administração tributária competente para decidir do pedido de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), e eventuais consequências do vício de incompetência do órgão decisor para a validade das liquidações.

3. De direito
3.1. órgão da administração tributária competente para decidir do pedido de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária

3.1.1. A argumentação expendida pelo impugnante para sustentar a eventual ilegalidade do acto praticado em 2012, que decidiu o procedimento de revisão da matéria colectável – ilegalidade que, em sua opinião, decorre de um vício de incompetência orgânica do respectivo emissor (o Director de Finanças de Faro) –, fundamenta-se, essencialmente, nas disposições conjugadas: i) do artigo 91.º n.º 1 da LGT – onde se prevê que o pedido de revisão da matéria tributável deve ser dirigido, pelo sujeito passivo, ao “órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal”; ii) do artigo 19.º, n.º 1 da LGT – onde se estipula que o domicílio fiscal do sujeito passivo é, para as pessoas singulares, o local da residência habitual, e, para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva; iii) do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro (diploma que aprovou o Código do Procedimento e Processo Tributário – CPPT) – onde apenas se afirma (para o que interesse neste caso) que os órgãos periféricos locais correspondem aos serviços de finanças e que os órgãos periféricos regionais correspondem às direcções de finanças; iv) do artigo 10.º do CPPT – do qual resulta, em termos genéricos, que, salvo disposição legal com outro sentido, existe uma competência regra dos órgãos periféricos locais (leia-se, serviços de finanças) do domicílio ou sede do contribuinte para a pratica dos actos do procedimento tributário; e v) do artigo 61.º n.º 4 da LGT – onde se consagra, em caso de dúvida, a competência geral do órgão da administração tributária do domicílio fiscal do sujeito passivo para a prática dos actos do procedimento tributário.
Porém, da conjugação daqueles dispositivos legais não é possível retirar o alegado vício de incompetência do acto praticado pelo Director Distrital de Finanças de Faro, i. e., não é possível concluir, ipso iure, que com a aprovação e entrada em vigor do CPPT, como pretende o recorrente, o órgão competente para a “condução e decisão” do pedido de revisão da matéria tributável seja o serviço de finanças do domicílio do sujeito passivo, e que, consequentemente, a decisão do pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos consubstancie um acto do Director Distrital de Finanças de Faro que invada a competência (a esfera dos poderes funcionais) de outro órgão, no caso, do serviço de finanças de Portimão, devendo por isso ser anulado.

3.1.2. A competência corresponde ao conjunto de poderes funcionais de um órgão, legalmente determinados e limitados (quanto à matéria, ao âmbito territorial e à hierarquia), que visam assegurar a prossecução ou realização dos fins ou interesses da pessoa colectiva em que o mesmo se insere, através de uma organização (repartição) racional de tarefas ou missões. E os actos praticados pelos órgãos enfermarão de um vício de incompetência sempre que desrespeitem aqueles limites legalmente estabelecidos, invadindo a esfera de poderes funcionais de outros órgãos, seja porque a lei não lhe reconhece poder para a prática daquele do acto em causa, seja porque actuou fora da sua área de circunscrição, seja porque, tratando-se de um órgão hierarquicamente superior ao órgão competente, praticou um acto que, por lei estava reservado ao poder de actuação do subalterno ou era da sua competência exclusiva.
Assim, para verificarmos se existe alguma incompetência imputável ao acto do Director Distrital de Finanças de Faro teremos de começar por verificar se se pode afirmar que ele invadiu, em alguma das dimensões antes enunciadas, os poderes funcionais que a lei tenha atribuído a outro órgão, designadamente, ao serviço de finanças de Portimão.
Importa começar por destacar do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro (diploma que aprovou a LGT), que a LGT vem aprovar “um contrato de tipo novo” entre os sujeitos passivos e os órgãos da Administração Tributária, “fruto de uma moderna concepção da fiscalidade”, que abrange, entre outros aspectos, “a definição dos princípios fundamentais da avaliação directa e indirecta da matéria tributável; a substituição das actuais comissões de revisão por um diálogo directo entre o Fisco e o contribuinte, que é susceptível de conferir maior eficácia e independência ao sistema; a clarificação das condições de avaliação indirecta da matéria tributável, explicitando-se os casos em que a administração tributária pode considerar existirem, de acordo com a terminologia dos actuais códigos tributários, indícios fundados de a matéria tributável real não corresponder à declarada, caso em que se invertem as regras gerais do ónus de prova no procedimento tributário”. Quer isto dizer que, com a aprovação da LGT, a revisão da matéria colectável por métodos indirectos passa a estar subordinada a regras e princípios mais exigentes e que cabe à AT promover uma nova cultura de relacionamento com o sujeito passivo.
É neste contexto que o mesmo legislador – o legislador que aprova a LGT, uma vez que, no que aqui importa, a redacção do n.º 1 do artigo 91.º da LGT não sofreu alterações desde a sua redacção original, aí se prevendo, desde 1998, o início do procedimento mediante requerimento dirigido ao “órgão da administração tributária da área do domicílio fiscal” – consagrou, expressamente, no artigo 4.º do já mencionado Decreto-Lei n.º 398/98, que “[P]ara efeitos de regime do processo de revisão da matéria tributável e até à reorganização da Direcção-Geral dos Impostos, são considerados órgãos da administração tributária do domicílio ou sede dos sujeitos passivos os directores distritais de finanças”. Pode inferir-se desta norma geral e, aparentemente transitória, que a intenção do legislador era dotar a Administração de meios adequados à observação dos novos princípios e das novas finalidades traçadas para a fixação da matéria colectável por métodos indirectos e que, até à efectivação desse objectivo, os órgãos administrativos mais bem apetrechados para a prossecução daquela missão eram as direcções distritais de finanças. A primeira questão que se coloca é, pois, a de saber se este artigo ainda está em vigor.

3.1.3. No acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 9 de Outubro de 2013, no processo n.º 359/12-30, a questão da competência ou incompetência dos directores distritais de finanças para a prática de actos de “condução” e “decisão” do processo de revisão da matéria tributável foi aflorada, mas não chegou a ser decidida. Não se firmou aí posição quanto a saber se a aprovação das sucessivas reorganizações da Direcção-Geral dos Impostos – primeiro pelo Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, modificado pelo Decreto-Lei n.º 262/2002, de 25 de Novembro, regulamentado pela Portaria n.º 257/2005, de 16 de Março; posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 81/2007, de 29 de Março, regulamentado, entre outras, pela Portaria n.º 348/2007, de 30 de Março; e, mais tarde, pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro (actualizado em diversas ocasiões e, por último, pela Lei n.º 89/2017, de 21 de Agosto), e regulamentado pela Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de Dezembro – havia ou não determinado a revogação daquela regra de atribuição de competência ao director distrital de finanças.
Igualmente não tratou aquele acórdão da questão de saber se perante uma omissão expressa quanto à revogação ou não do referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/98 deveria resultar a interpretação de que a competência para a condução daquele procedimento teria passado a pertencer aos serviços de finanças da área do domicílio dos sujeitos passivos ex vi a aprovação e entrada em vigor da reorganização da Direcção-Geral dos Impostos pelo Decreto-Lei n.º 366/99, acrescida da atribuição genérica – pelo artigo 10.º, n.º 1, al. j e n.º 2 do CPPT – de competência àqueles órgãos para a condução dos procedimentos e a prática de actos que lhe fossem cometidos por lei.
Em suma, a questão da competência do director de finanças para a condução e decisão do procedimento de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos e respectivo pedido de revisão não chegou a ser conhecida na jurisprudência antes mencionada por se tratar, como aí se afirmou, “de um vício putativo que nunca poderia determinar a anulação (consequencial) da liquidação”.

3.1.4. No presente caso a questão deve ser abordada de forma directa, procurando, desde logo, saber, como impõe o princípio da atribuição legal de competências [v. artigo 29.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), na redacção do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, actualizado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, e actualmente acolhido no artigo 36.º, n.º 1 do CPA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro], se existe uma norma legal que atribua competência ao Director de Finanças para a condução e decisão do procedimento de determinação do rendimento tributável por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão. E verificamos que essa norma existe. Com efeito, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 39.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na redacção vigente à data dos factos, podia (e ainda hoje pode) ler-se que: “[A] determinação do rendimento por métodos indirectos verifica-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da lei geral tributária e segue os termos do artigo 90.º da referida lei e do artigo 59.º do Código do IRC, com as adaptações necessárias. (…)”. Em complemento dispunha o artigo 59.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (numa formulação que, no essencial, ainda se mantém) que “[A] determinação do lucro tributável por métodos indirectos (…) é efectuada pelo director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue, e baseia-se em todos os elementos de que a administração tributária disponha, de acordo com o artigo 90.º da Lei Geral Tributária e demais normas legais aplicáveis”.
Esta norma prevê, assim, uma regra especial de atribuição de competência que prevalece sobre a regra geral de competência residual (consagrada no já mencionado artigo 10.º, n.º 1, al. j e n.º 2 do CPPT) dos serviços locais de finanças para a condução dos procedimentos e a prática de actos que lhe sejam cometidos por lei. O legislador é claro ao fixar expressamente a competência do director de finanças para a condução e decisão deste procedimento especial, afastando assim, nestes casos, a regra geral do artigo 10.º do CPPT, onde se prevê a competência genérica do chefe de serviços locais para a condução e decisão dos procedimentos tributários, que o recorrente pretendia ver aplicada neste caso.
De resto, o legislador foi também claro (e coerente do ponto de vista sistemático) ao consagrar a competência do director de finanças para a condução e decisão dos procedimentos especiais de correcção da matéria colectável no caso das manifestações de fortuna (n.º 6 do artigo 89.º-A da LGT).
Acresce que a regra de atribuição de competência (ao director de finanças) prevista nos códigos que regulam a tributação do rendimento das pessoas singulares e colectivas não é contrariada – pelo contrário, encontra aí acolhimento – pelas regras legais e regulamentares da organização da administração tributária – referimo-nos ao artigo 14.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro (que aprovou a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira e que remeteu para portaria a estrutura e repartição territorial de competências) e à al. b, do n.º 1 do artigo 36.º, da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de Dezembro (onde se dispõe que compete às direcções de finanças “executar as actividades cometidas à AT que, por lei ou decisão superior, lhes sejam atribuídas”).

3.1.5. Uma última nota para explicitar que a condução e decisão do pedido de revisão da matéria colectável, previsto no artigo 91.º e 92.º da LGT, não é, para este efeito (para a determinação do órgão legalmente competente), autonomizável da competência para conduzir e decidir o procedimento de avaliação e determinação da matéria colectável por métodos indirectos – excepto, como a norma expressamente refere, quando esteja em causa a aplicação do regime simplificado ou a correcção da matéria colectável por outro método indirecto.
É que o pedido de revisão da matéria colectável consubstancia uma espécie de “ónus de reclamação” da quantificação da matéria colectável determinada inicialmente, assente num procedimento dialógico de natureza técnica (“debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver” – n.º 1 do artigo 92.º da LGT), tendente à fixação do montante da base tributável, seja por acordo, quando ele for alcançado (“visa [o referido debate entre os peritos] o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação”), seja por decisão unilateral do órgão da AT competente para a gestão deste procedimento especial (“na falta de acordo (…) o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos”). Em suma, o pedido de revisão da matéria tributável é um momento ou subfase deste procedimento especial de fixação da matéria colectável, pelo que a fixação da competência ao abrigo do princípio da competência legal vale para todo o procedimento, incluindo para esta subfase, que é também da competência do director de finanças.

3.1.6. Em suma, de acordo com o direito vigente no momento dos factos, o órgão da administração tributária legalmente competente para a condução e a decisão da avaliação indirecta da matéria tributável e, por isso, também para a decisão do procedimento de revisão da mesma, era o director de finanças. Ora, tendo ficado provado (cf. pontos A e B da matéria de facto dada como provada na sentença) que o recorrente residia em ….. e que o estabelecimento comercial se situava em ………, no distrito de Faro, o órgão territorial e materialmente competente para efectuar a determinação do lucro tributável por métodos indirectos era Direcção de Finanças de Faro, pelo que não procede o argumento de incompetência da decisão do pedido de revisão.

3.1.7. Não existindo vício de incompetência do acto que concluiu o pedido de revisão da matéria tributável e que fixou o seu quantitativo, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento da questão da eventual ilegalidade consequente da liquidação.

3.2. Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
O órgão da AT competente para conduzir e decidir o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos (nos termos do disposto no artigo 91.º e 92.º da LGT) é, segundo o disposto nos artigos 39.º, n.º 1 do CIRS e 59.º do CIRC, o director de finanças da área do domicílio, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e, do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

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Lisboa, 30 de Outubro de 2019. – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.