Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0926/17
Data do Acordão:12/06/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS
PEDIDO
REVISÃO OFICIOSA
INDEFERIMENTO TÁCITO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - No caso de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta, embora esteja, em princípio, afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços, o legislador entendeu que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente). Isto é, passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão.
II - Porém, se o contribuinte não usou essa via e vem posteriormente utilizar o pedido de revisão, a solução consagrada pelo legislador é a de restringir a indemnização aos casos em que a revisão do acto só é efectuada mais de um ano após o pedido, salvo se o atraso não for imputável à administração.
III - O princípio da igualdade impõe tratamento semelhante entre o contribuinte cujo pedido de revisão obtém êxito para além do prazo de um ano junto da administração, e o contribuinte que obtém idêntico resultado, também para além desse prazo, junto do tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito.
Nº Convencional:JSTA000P22656
Nº do Documento:SA2201712060926
Data de Entrada:07/20/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., SPA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença de procedência da impugnação judicial que a entidade A……….., S.P.A. deduziu contra o acto tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e os actos de liquidação de IRC, por retenção na fonte, referentes aos exercícios de 2003 e 2004, restringindo o recurso ao segmento decisório que a condenou ao pagamento de juros indemnizatórios a partir de 27/10/2007 – data em que se formou o acto tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado em 27/04/2007.

1.1. Rematou as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado em 27/04/2007, deduzida mediatamente contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) por retenção na fonte, referentes aos exercícios de 2003 e 2004, nos montantes de € 525.273,86 e € 590.933,10, respectivamente.

B. Considerou o douto Tribunal a quo, atendendo ao regime de tributação dos dividendos em análise na Holanda (isenção) e não se verificando a neutralização da tributação ainda que por via da aplicação da CEDT Portugal/Países Baixos, que se impunha a anulação das liquidações, por vicio de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56º do Tratado das Comunidades Europeias (63º do actual Tratado de Funcionamento da União Europeia).

C. Na douta sentença que ora se recorre decidiu-se, pois, julgar a impugnação procedente e, em consequência:

a) anular das liquidações de IRC por retenção na fonte referentes aos exercícios de 2003 e 2004, nos montantes de € 525.273,86 e € 590.933,10, respectivamente;

b) condenar a Fazenda Pública a pagar à impugnante juros indemnizatórios sobre a quantia pela mesma paga a título da liquidação impugnada desde 27/10/2007 e até à emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal.

D. A questão que importa dirimir e objecto do presente recurso consiste em determinar o momento a partir do qual (dies a quo) devem ser contabilizados juros indemnizatórios a favor da impugnante, nos termos dos artigos 43º nº 3 e 100º da LGT, resultantes de liquidação e pagamento de imposto operada por substituto tributário através do mecanismo de retenção na fonte, julgada ilegal em sede de impugnação judicial interposta na sequência de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa.

E. O douto tribunal a quo considerou que são devidos juros indemnizatórios a partir da data em que se formou a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (27/10/2007).

F. A Fazenda Pública, louvando-se igualmente nos ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA (JORGE LOPES de SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, I Volume, 6ª edição 2011, nota 10, p. 551.) (opinião retirada de obra publicada posteriormente, à obra referida na sentença recorrida), entende que os juros indemnizatórios na situação em análise, nos termos do art. 43º nº 3 al. c) da LGT, são devidos a partir de um ano após o pedido de revisão efectuado pela impugnante.

G. Em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, nos termos dos art.s 43º, nº 1, da LGT e 61º, nº 5, do CPPT, não sendo pois indiferente para o contribuinte impugnar ou não os atos de liquidação dentro dos respetivos prazos,

H. enquanto que nos casos de revisão oficiosa da liquidação, quando não é feita por iniciativa do contribuinte no prazo de reclamação administrativa, apenas haverá direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43º, nº 3, da LGT, a partir de um ano após o pedido de revisão.

I. O legislador considerou que o prazo de um ano seria um prazo aceitável para a Administração Tributária decidir e, quando favorável ao contribuinte, executar o pedido de revisão, não tendo acolhimento legal, a relevância da data da formação da presunção de indeferimento tácito para efeitos de atribuição do direito a juros indemnizatórios.

J. Como tem vindo a ser a posição maioritariamente reiterada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo em situações similares, veja-se o Ac. 01041/06 de 15/02/2007 (Todos os acórdãos citados encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt.).

K. Neste sentido, pode igualmente ver-se entre outros os acórdãos do STA de 02/11/2005, proc. nº 0562/05, de 17/05/2006, proc. nº 016/06, de 24/05/2006, proc. nº 01155/05, de 15/11/2006, proc. nº 028/06, de 12/12/2006, proc. nº 0918/06, de 17/01/2007, proc. nº 01040/06, de 30/09/2009, proc. nº 0520/09, de 12/03/2012, proc. nº 918/06, de 14/03/2012, proc. nº 01007/11, de 09/01/2013, proc. nº 01077/12, de 28/01/2015, proc. nº 0722/14, bem como o acórdão do TCAS de 26/06/2014, proc. nº 07698/14.

L. Deste modo, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por violação da al. c) do nº 3 do art.º 43º e do art.º 100º, ambos da LGT.


1.2. A recorrida A…………, S.P.A. produziu contra-alegações, que terminou com as seguintes conclusões:

A. A questão decidenda na origem das presentes alegações consiste em determinar o dies a quo dos juros indemnizatórios devidos à ora Recorrida por força da ilegalidade das liquidações de imposto, no montante global de EUR 1.116.206,90, efectuadas por retenção na fonte aquando da distribuição de dividendos operada a 29 de Abril de 2003 e 10 de Maio de 2004 derivada de participação detida no BANCO BPI, S.A.;

B. Da posição perfilhada pelo Recorrente em sede de alegações resulta ter o meio procedimental escolhido pela ora Recorrida para contestar a legalidade dos actos tributários praticados – pedido de revisão oficiosa – espartilhado o direito à percepção de juros indemnizatórios, cujo exercício alegadamente só pode ter lugar ao abrigo do artigo 43º, nº 3, al. c), da LGT;

C. Em conformidade, entende o Recorrente não serem devidos à ora Recorrida juros indemnizatórios no montante de EUR 22.507,63, resultantes da desconsideração do seu cômputo entre os dias 27 de Outubro de 2007 (data da formação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa) e 27 de Abril de 2008 (data em que se completou um ano da apresentação do pedido de revisão oficiosa);

D. Discorda a ora Recorrida de semelhante posição, entendendo ter direito à percepção de juros indemnizatórios em consonância com o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo no âmbito da sentença recorrida;

E. Com efeito, não se enquadrando o pedido de revisão apresentado pela ora Recorrida na primeira parte do artigo 78º, nº 1, da LGT — isto é, não correspondendo a uma revisão «por iniciativa do sujeito passivo» -, enquadrando-se antes na última parte da referida disposição legal - isto é, consubstanciando uma revisão «por iniciativa da administração tributária» -, não se mostra aplicável o artigo 43º, nº 3, alínea c), da LGT, o qual necessariamente pressupõe que o referido impulso procedimental pertença formalmente ao contribuinte — «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar […]» [sublinhado nosso];

F. Por outro lado, não tendo a Administração Tributária proferido qualquer decisão no âmbito do procedimento de revisão, a aplicação do preceito legal supra tem necessariamente de claudicar, uma vez que os actos tributários contestados não foram voluntariamente revistos pelos seus serviços;

G. Ademais, o facto da ora Recorrida ter escolhido o pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78º, nº 1, última parte, da LGT — ao invés da reclamação graciosa prevista no artigo 132º do CPPT —, como meio procedimental de reacção contra os actos tributários sindicados, não é de modo algum susceptível de legitimar a posição assumida pelo Recorrente em sede de alegações, na medida em que à conduta da ora Recorrida não pode ser assacado qualquer juízo de censura;

H. Perante a verificação no presente caso de uma situação de erro imputável aos serviços da Administração Tributária determinada em sede de impugnação judicial — a tal não obstando a natureza e autoria dos actos tributários sindicados —, dúvidas não podem subsistir quanto à aplicação do regime previsto no artigo 43º, nº 1, da LGT, tendo a ora Recorrida direito à percepção de juros indemnizatórios em conformidade;

I. Por tudo quanto ficou exposto, entende a ora Recorrida ser de manter o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo no âmbito da sentença recorrida, devendo esse Douto Tribunal ad quem julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente, carecendo de fundamento a argumentação por este expendida em sede de alegações, tudo com as demais consequências legais.


1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merecia provimento, esgrimindo com a seguinte argumentação:
«(…)
Em consonância com a entidade recorrente entendemos que os juros indemnizatórios só são devidos decorrido um ano após pedido de revisão.
Efetivamente, a recorrida não terá direito à totalidade dos juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º/1 da LGT e 61º/3 (atual 61º/5) do CPPT, uma vez que o pedido de revisão dos atos tributários formulado por aquela ocorreu já depois de decorrido o prazo normal de consolidação dos atos tributários (Neste sentido obra e autor citados, página 543, 559 e 560 e, entre outros, acórdãos do STA de 15/02/07, P. 01041/06 e de 10/05/2017, P. 01159/14, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Nos termos do disposto no artigo 43º/3/c) da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se realizar para além do prazo de um ano após a formulação do pedido e desde que o atraso não seja imputável ao contribuinte, que é, exatamente, a situação em causa nestes autos. (Obra e autor citados página 551, 559 e 560).
Na verdade, a recorrida, em 27/04/2007, requereu à AT a revisão oficiosa das liquidações em causa nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 78º/1, 2.ª parte da LGT, sendo certo que tal pretensão foi, tacitamente, indeferida em 27/10/2007,
Desse indeferimento tácito a recorrida interpôs a competente impugnação judicial, que foi julgada procedente pela decisão recorrida.
Portanto, é certo que a sentença recorrida ao julgar procedente a impugnação judicial anulou o ato tácito de indeferimento do pedido de revisão e deferiu a pretensão da ora recorrida, anulando as liquidações e condenando a AT no pagamento de juros indemnizatórios desde 27/10/2007.
Ou seja, a questão do dies a quo a partir do qual são devidos juros indemnizatórios coloca-se, claramente, no âmbito e na sequência do pedido de revisão oficiosa.
Por outro lado o conceito de “revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte” abrange os casos em que a revisão é solicitada pelo contribuinte ao abrigo da 2.ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, como acontece no caso em análise.
Assim sendo, apenas são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após pedido de revisão dos atos tributários, ou seja, a partir de 28/4/2008 (É esta a posição maioritária do STA, entre outros citados acórdãos do STA 15/02/07 e de 10/05/2017).
A posição sustentada pela sentença recorrida não tem qualquer apoio legal, a nosso ver.
Na verdade, o normativo do artigo 43º/3/ c) da LGT é claro ao estatuir que os juros só são devidos a partir do decurso de um ano após pedido de revisão e desde que o atraso não seja imputável ao contribuinte.
O direito aos juros indemnizatórios, nos termos do citado normativo, fundamenta-se no juízo de censura sobre a atuação da administração na demora da decisão do procedimento de revisão e o direito de indemnização que o contribuinte tem deriva da prática de ato ilegal e não no mero incumprimento do prazo procedimental, uma vez que o prazo de um ano fixado nesse normativo não coincide com o prazo de 6 meses fixado no artigo 57º/1 da LGT.
Com efeito, se o fundamento do direito aos juros de mora fosse a simples violação dos prazos procedimentais os juros de mora deveriam começar a contar-se, então, a partir do termo do prazo legal de decisão, que é de 6 meses e não a partir de um ano contado da apresentação do pedido (Obra citada página 561).
A sentença recorrida, na parte sindicada, merece, assim, censura.
(…)».

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.


2. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:

A. A impugnante é uma sociedade anónima com sede e estabelecimento estável em Itália— cfr. fls. 68 a 93 do processo físico.

B. Durante os anos de 2003 e 2004, a sociedade comercial de direito neerlandês B……..(B…..) não dispunha de sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente, para efeitos fiscais, nos Países Baixos, aí se encontrando sujeita e não isenta, sem possibilidade de opção, ao imposto neerlandês sobre o rendimento das sociedades— cfr. fls. 130 e ss. do processo físico.

C. Em 29.04.2003, a B……. era titular de 65.659.233 acções do Banco BPI, SA, adquiridas pelo valor de € 100.528.306,60, das quais 56.788.864 haviam sido adquiridas há mais de um ano pelo valor de € 84.972.065,51 — cfr. fls. 132 e ss. do processo físico.

D. As 65.659.233 acções do Banco BPI, SA, correspondiam a 8,64% do respectivo capital social — cfr. fls. 134 do processo físico.

E. Em 29.04.2003, a B……. auferiu dividendos resultantes da sua participação social no Banco BPI, S.A., no valor de € 5.252.738,64 — cfr. fls. 136 do processo físico.

F. Em 10.05.2004, as 65.659.233 acções do Banco BPI, SA, eram detidas pela B……. — cfr. fls. 132 do processo físico.

G. Em 10.05.2004, a B……. auferiu dividendos resultantes da sua participação social no Banco BPI, S.A., no valor de € 5.909.330,97 — cfr. fls. 138 do processo físico.

H. Os dividendos auferidos pela B……. foram sujeitos a tributação em Portugal à taxa de 10%, a qual perfez os montantes de € 525.273,86 e € 590.933,10, respectivamente — cfr. fls. 136 e 138 do processo físico.

I. Os dividendos auferidos pela B……., apesar de declarados na Holanda, não foram sujeitos a tributação nos Países Baixos, estado da residência da impugnante, por nele beneficiarem de uma isenção de tributação — cfr. fls. 1535 e ss. do processo físico.

J. Em 27.04.2007, a B……. apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC por retenção na fonte referentes aos exercícios de 2003 e 2004 nos montantes de € 525.273,86 e € 590.933,10, respectivamente — cfr. fls. 141 e ss. do processo físico.

K. Em 31.10.2007, por escritura pública de fusão jurídica transfronteiras, a impugnante declarou incorporar, por fusão, a B……., cuja actividade principal consistia na gestão de participações sociais noutras sociedades, sedeada em Amesterdão — cfr. fls. 68 a 113 do processo físico.

L. Em 24.01.2008, foi remetida a este Tribunal, via correio registado, a p.i. que deu origem aos presentes autos — cfr. fls. 186 do processo físico.

3. Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 16 de Março de 2017, no segmento em que a condenou ao pagamento de juros indemnizatórios contados a partir da data da formação do acto tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC, por retenção na fonte, dos exercícios de 2003 e 2004. Isto é, na parte em que julgou serem devidos juros indemnizatórios a favor da impugnante a partir de 27/10/2007 – data em que se formou o acto tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Imputa à sentença erro de julgamento, em matéria de direito, por violação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º e do art.º 100º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), e, por conseguinte, a questão que importa dirimir consiste em determinar o momento a partir do qual (dies a quo) devem ser contabilizados juros indemnizatórios a favor da impugnante, ora recorrida, nos termos dos aludidos preceitos legais, num caso, como o dos autos, em que a liquidação e o pagamento do imposto – operado através do mecanismo de retenção na fonte – foi julgada ilegal em processo de impugnação judicial instaurado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa que o contribuinte formulou perante a administração tributária ao abrigo da 2.ª parte do nº 1 do art.º 78º da LGT.

Vejamos.

Segundo o disposto no art.º 43º, nº 1, da LGT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. E daí que constituam requisitos da condenação da administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, (i) que haja erro em acto de liquidação de tributo, (ii) que esse erro seja imputável aos serviços, (iii) que a existência do erro tenha sido determinada em reclamação graciosa ou impugnação judicial, (iv) e que dele tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido.

Nessas circunstâncias, e por força do disposto no art.º 61º, nº 3, do CPPT (na redação à data dos factos e que corresponde ao actual art.º 61º, nº 5), os juros são contados desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

Todavia, a norma contida no nº 3 do art.º 43º da LGT enuncia excepções a essa regra, uma das quais se reporta à revisão de actos tributários, determinando, na sua alínea c), que são devidos juros indemnizatórios «Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ao após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Tal normativo é, assim, claro ao estatuir que, em caso de pedido de revisão, os juros só são devidos a partir do decurso de um ano após o pedido e desde que o atraso não seja imputável ao contribuinte.

Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA (in “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, vol. I, 6ª edição, pág. 551), “Não se referem na LGT, de uma forma genérica, os termos iniciais e finais da contagem dos juros indemnizatórios nas várias situações em que eles são devidos. // Nalguns casos, porém, existe uma indicação do termo inicial, como é o caso da alínea b) do nº 3 do art.º 43º da LGT, em que se prevê que os juros indemnizatórios são devidos a partir do 30º dia posterior à decisão da administração tributária de anular o acto tributário, por sua iniciativa, no âmbito de revisão oficiosa efectuada ao abrigo do art.º 78º da LGT, e da alínea c) do mesmo número, de que se depreende que, no caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (fora das situações de reclamação graciosa enquadráveis no nº 1 do mesmo artigo), os juros indemnizatórios só são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão e, mesmo nesta hipótese, poderão ser contados a partir de momento posterior se o atraso não for imputável à Administração Tributária.».

Por conseguinte, no caso de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta, embora esteja, em princípio, afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços (na medida em que tanto a determinação da matéria coletável como a liquidação do imposto são levadas a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços), o legislador entendeu que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente). Isto é, passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão.

Porém, se o contribuinte não usou essa via e vem utilizar o pedido de revisão já depois de decorrido o prazo normal de consolidação dos actos tributários, isto é, já depois de decorrido o prazo de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, a solução consagrada pelo legislador é a de restringir a indemnização ao contribuinte aos casos em que a revisão só é efectuada mais de um ano após o pedido, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

A justificação para não serem devidos juros indemnizatórios pelo período anterior, designadamente desde o momento do indeferimento tácito do pedido de revisão e ainda que se venha a concluir pelo erro imputável aos serviços nesse indeferimento, assenta no entendimento legislativo de que existe culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor, e que o prazo de um ano constitui o prazo razoável para os serviços da administração tributária analisarem e decidirem o pedido de revisão e executarem a decisão favorável ao contribuinte.

Como se deixou acentuado nos acórdãos do STA de 24/o5/06 e de 2/11/2006, nos processos nº 01155/05 e nº 0604/06, respectivamente, nestes casos ocorre «uma restrição, justificada pela inércia do interessado, que podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro. O direito a juros indemnizatórios é menos extenso, contando-se eles só passado um ano após o seu pedido, decerto por se considerar que todo o tempo decorrido desde o desembolso até esse pedido correu por conta do contribuinte que não reclamou nem impugnou, e que um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a sua decisão, quando favorável ao contribuinte. // Repare-se que, sendo a iniciativa da revisão da Administração, de acordo com a alínea b) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, também os juros indemnizatórios se não contam a partir do desembolso, o que se justifica, do mesmo modo, pela inércia do interessado.».

Este tem sido, aliás, o entendimento largamente maioritário da jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., entre outros, os acórdãos de 21/10/2004, de 17/05/06, de 24/05/06, de 2/11/06, de 15/11/06, de 15/02/2007, 28/01/2015, e 10/05/2017, proferidos nos processos nºs 0627/04, 016/06, 01155/05, 0604/06, 028/06 e 01041/06, 0722/14 e 01159/14).

No caso em apreço, não existiu reclamação graciosa nem, por consequência, recurso hierárquico. E estando em causa actos de retenção na fonte de imposto, o erro imputável aos serviços (reconhecido na sentença recorrida) só pode ter surgido após a pretensão, formulada pelo contribuinte perante os serviços da administração tributária, de que procedesse à revisão desses actos perante o vício de violação de lei que lhes imputava – (pretensão que encontra guarida na norma contida no art.º 78º, nº 1, 2.ª parte, da LGT, já que constitui jurisprudência pacífica a possibilidade de a revisão oficiosa ser pedida pelo próprio contribuinte – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 14/03/2012, no proc. nº 01007/11, de 18/11/2015, no proc. nº 01509/13, de 9/11/2016, no proc. nº 01524/15, e de 4/05/2016, no proc. nº 0407/15).

Contudo, neste caso, a indemnização ao contribuinte só pode ser devida a partir do decurso do prazo de um ano após o pedido de revisão, em conformidade com o disposto na citada al. c) do nº 3 do art.º 43º da LGT.

É certo que a impugnante, ora recorrida, argumenta que se viu forçada a recorrer a tribunal em virtude de os serviços da administração nunca terem procedido à revisão, o que afastaria a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT.

Com o devido e merecido respeito, não concordamos com tal argumentação, desde logo porque o princípio da igualdade impõe tratamento semelhante entre o contribuinte cujo pedido de revisão obtém êxito, para além do prazo de um ano, junto da administração, e o contribuinte que obtém idêntico resultado, também para além desse prazo, junto do tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito.

Acresce que, como bem salienta o Exm.º Magistrado do Ministério Público no parecer acima transcrito, nestes casos o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os próprios serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses fixado no art.º 57º, nº 1, da LGT para a decisão.

No caso vertente, a recorrida pediu em 27/04/2007 a revisão oficiosa dos actos tributários, ao abrigo do disposto no art.º 78º, nº 1, 2.ª parte, da LGT, sendo tal pretensão tacitamente indeferida em 27/10/2007. Desse indeferimento interpôs impugnação judicial, que foi julgada procedente pela sentença recorrida. E, assim sendo, apenas são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de revisão dos actos tributários, ou seja, a partir de 28/04/2008.

Razão por que a sentença recorrida, na parte sindicada, não pode manter-se, devendo os juros indemnizatórios a favor da impugnante ser contabilizados a partir do decurso do prazo de um ano após a formulação do pedido de revisão oficiosa, ou seja, a partir de 28/04/2008, sendo devidos até à emissão da respectiva nota de crédito.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e condenar a Fazenda Pública a pagar à impugnante juros indemnizatórios desde 28/04/2008 até à emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2017. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.