Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01002/16
Data do Acordão:02/08/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ESTABELECIMENTO DE ENSINO PARTICULAR
ENSINO COOPERATIVO
CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO
SUBSÍDIO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Sumário:I - Dispôs expressamente o legislador no art. 3º do DL nº 138-C/2010, de 28/12, sob a epígrafe “contratos em vigor”, que os contratos de associação em execução à data da entrada em vigor daquele diploma são renegociados de acordo com as regras nele estabelecidas e respectiva regulamentação.
II – O art. 16º da Portaria nº 1324-A/2010, de 29/12, não introduz qualquer regra inovatória não prevista no DL nº 138-C/2010, não se verificando na regulamentação concretizada por este diploma qualquer infracção da hierarquia dos actos normativos consagrada no art. 112º da CRP.
III - O termo “renegociação” constante do art. 3º do DL nº 138-C/2010, tem que ser entendido e interpretado em consonância com as demais regras especificamente aplicáveis ao contrato de associação. Isto é, naquele contexto concreto o sentido de tal expressão não pode ser tomado literalmente, visto que a fixação do apoio financeiro a conceder pelo Estado às escolas que celebrem contratos de associação está, por força do regime específico aplicável a esse contrato típico, subtraído a qualquer possibilidade de negociação ou renegociação casuística, sendo, antes, por imposição legal, fixado unilateralmente pelo Ministro da Educação.
IV - A aplicação imediata das alterações legislativas verificadas, além de não ser proibida por lei (cfr. art. 12º, nº 2, do Código Civil), foi já admitida pelo Tribunal Constitucional, tendo em conta o “princípio da livre revisibilidade das leis”.
V - Postula este princípio que não há um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal no âmbito de relações jurídicas duradouras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados, dado que o legislador não pode estar impedido de proceder às necessárias alterações legais, mesmo afetando relações jurídicas constituídas, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis.
VI – Se a “adenda” ao contrato mais não faz do que proceder à aplicação da legislação que passou a vigorar, não consubstancia sequer qualquer modificação unilateral do contrato, efectuada por iniciativa do contraente público, ao abrigo do disposto no art. 302º, al. c) do CCP, mas antes dá cabal cumprimento ao estabelecido nos referidos diplomas, tratando-se aqui de um acto vinculado que, enquanto tal é insusceptível de violar os princípios da confiança e segurança jurídica, por obedecer vinculadamente à lei.
Nº Convencional:JSTA00070540
Nº do Documento:SA12018020801002
Data de Entrada:10/14/2016
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A...., LDA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM ECON - APOIO FINANC FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Legislação Nacional:DL 553/80 DE 1980/11/21 ART14 - ART16.
DESP 11082/2008 DE 2008/04/16.
DL 138-C/2010 DE 2010/12/28 ART3.
PORT 1324-A/2010 DE 2010/12/29 ART9 ART16 N1.
CCP ART302 C.
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC03B1756 DE 2009/09/18.; AC TC 287/90.; AC TC 85/2010.; AC STAPLENO PROC0617/14 DE 2018/01/25.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
O Estado Português vem interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º nº 1 do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) que condenou o Estado Português a «cumprir o contrato de associação id. nos autos, de acordo com a legislação nele indicada, retomando o procedimento para apuramento e pagamento ao Recorrente (A………………., Lda.), no prazo de 30 dias, do montante definitivo do financiamento, acrescido de juros de mora à taxa legal sobre o montante em dívida desde a citação até efectivo pagamento».
O Estado Português, representado pelo Ministério Público apresentou alegações com conclusões do seguinte teor:
I- Mostram-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art° 150.º do CPTA
II- Atenta a natureza e fim do contrato administrativo em causa, enquanto contrato típico, sujeito a um regime substantivo de direito público, geral (CPA e CCP) e específico (Decreto-Lei n° 553/80, de 21/11), é manifesto que o mesmo está subordinado a normas jurídicas de conteúdo imperativo ou injuntivo, que limitam, ou excluem, em alguns aspectos a liberdade negocial e conferem à Administração/contraente público poderes públicos de autoridade, instrumentais à prossecução do interesse público, a exercitar de forma unilateral.
III- Na sequência das alterações legislativas introduzidas ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo pelo Decreto-Lei n° 138-C/2010, de 28/12, designadamente, ao seu art. 15°, o subsídio a conceder pelo Estado com referência ao período de Janeiro a Agosto de 2011 (aqui em causa) veio a ser fixado unilateral e autoritariamente através da norma transitória do n° 1, o art. 16° da Portaria n° 1324-A/2010, de 29/12 que, além do mais, e em cumprimento e nos termos previstos naquele preceito legal, veio fixar o valor do apoio financeiro (consistente na atribuição de um subsídio) concedido pelo Estado às escolas que celebrem contrato de associação, para aquele período temporal.
IV- A aplicação imediata dessas alterações legislativas, além de não ser proibida por lei (v. art. 12°, n° 2, do Código Civil), foi já sancionada pelo Tribunal Constitucional (Acórdão n° 287/1990, 505/2008 e 85/2010) e tem apoio nos Pareceres da Procuradoria-Geral da República (Pareceres n°s 239/77 de 2 1/12 e 11/2003 de 27/02).
V- No caso em apreço foi manifesta a intenção do legislador em aplicar imediatamente aos contratos em curso o novo regime legal, que veio introduzir alterações ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, especialmente a norma do art° 16° da Portaria n° 1324-A/2010, que veio fixar o montante do apoio financeiro.
VI- Estas alterações foram motivadas e tiveram subjacente o interesse público, de premente adaptação do anterior regime jurídico à realidade actual e a novas necessidades.
VII- Traduzindo aquele decreto-lei, como expressamente se refere no respectivo preâmbulo, “um exercício de racionalização da gestão dos recursos financeiros públicos, que ganha particular relevo num momento de esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas”.
VIII- Esforço que o país tem vindo a desenvolver na tentativa de racionalização de meios e de diminuição das despesas públicas, e que é transversal, atingindo os diversos sectores (como o caso dos cortes no vencimento dos funcionários públicos), incluindo o próprio sector público da educação, nomeadamente, através do agrupamento ou agregação de escolas, quer através da redução do número de professores.
IX- Estas alterações legislativos vieram apenas repor a equação financeira que desde sempre presidira à celebração dos contratos de associação mas que, entretanto, se rompera, sem haver, por isso, lugar a qualquer alteração substancial do contrato e, nessa medida, a qualquer violação das expectativas que, de acordo com a lei, a Autora nele podia depositar.
X- A adenda ao contrato de associação, respeitante unicamente ao montante do apoio financeiro devido com referência ao período temporal de Janeiro a Agosto de 2011, resultou, apenas e tão-só, da mera necessidade de adaptar formalmente o contrato em vigor às indicadas alterações legislativas ao regime específico do contrato de associação, que, por expressa intenção do legislador, lhe eram imediatamente aplicáveis.
XI- Não consubstanciando, pois, essa adenda qualquer modificação unilateral do contrato, efectuada por iniciativa do contraente público no âmbito dos poderes gerais de conformação da relação contratual que lhe são reconhecidos pelo art. 302° do CCP.
XII- A DREC limitou-se a cumprir o novo regime jurídico, de natureza imperativa, e imediatamente aplicável, calculando o seu montante de acordo com a fórmula que, para esse período temporal, foi especificamente prevista na citada norma transitória do art. 16°, n° 1, da Portaria n° 1324 de 29/12.
XIII- Assim, ao contrário do decidido no Acórdão deste TCAN, a Autora apenas terá direito a receber o correspondente subsídio calculado nos termos daquela norma transitória, a que se reporta a adenda em causa.
XIV- Deste modo, o Acórdão incorreu em erro de julgamento, violando o disposto no art. 16°, n° 1, da Portaria n° 1324-A/2010, de 29/12, que veio concretizar as alterações legislativas operadas pelo Decreto-Lei n° 138-C/2010, de 28/12, designadamente ao referenciado art. 15° do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.
Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido.

O A……………………….. vem apresentar as suas contra-alegações e ampliar o objecto do recurso, com as conclusões seguintes:
1) O recurso excecional de revista não deve ser admitido, por não se verificarem os pressupostos legais.
2) Mesmo a se admitido, no que não se concede e apenas por mera hipótese académica se coloca, o mesmo deverá naufragar pelos motivos expostos, que seguem e grande medida o acórdão “sub judice” e a fundamentação do Acórdão do TCAN, tirado no Processo n° 285/11.7BECBR, datado 19/02/2016, cuja Relatora é a Veneranda Desembargadora Esperança Mealha, disponível em www.dgsi.pt
3) No caso de proceder o recurso excecional de revista, no que não se concede, a ora recorrida invocou expressamente a inconstitucionalidade do decreto-lei n° 138-C/2010, de 28/12 e a inconstitucionalidade/ilegalidade da portaria n° 1324-A/2010, de 29/12, que se renova;
4) O contrato de associação é um contrato administrativo no qual a administração não tinha o poder de fixar unilateralmente o preço a pagar pela prestação de um serviço de interesse público prestado pelo contraente particular; os poderes de autoridade consistiam somente nos poderes de proceder a inspeções administrativas e financeiras, nos termos do n° 5 do artigo 12° do DL n° 553/80, de 21/11, na redação vigente à data da celebração do contrato;
5) A alteração legislativa efetuada pelo DL no 138-C/2010, de 28/12 e pela portaria n° 1324-A/2010, de 29/12, com respaldo na “adenda”, é absolutamente violadora das legitimas expectativas do contraente particular, que tinha outorgado um contrato com vigência entre 1/9/2010 e 31/8/2011, que previa o pagamento de uma quantia pecuniária, cujo apuramento final dependia da execução do próprio contrato, mormente em função da gestão do corpo docente que a recorrida efetuava e da sua própria pronúncia;
6) O número três da cláusula terceira do referido contrato não legitima qualquer alteração superveniente ao regime de financiamento das escolas particulares com contrato de associação, dado que a mesma apenas pode ser interpretada no sentido de serem aplicáveis ao contrato “sub judice” as normas que incidissem sobre o ensino particular e cooperativo vigente à data da celebração do contrato de associação (12/10/2010);
7) Mais. O novo modelo de financiamento, aplicado aos contratos em execução cuja contrapartida financeira devia ser encontrada por consenso entre as partes após a execução efetiva do contrato, levou ainda em consideração para o período entre 1/1/2011 e 31/8/2011 os pagamentos efetuados entre 1/9/2010 e 31/12/2011, ao abrigo de outros critérios; penalizou-se assim, retroativa e desproporcionadamente, a recorrida:
8) Violou-se, portanto, o princípio de proteção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, bem como todos os princípios que regem a interpretação dos negócios jurídicos e dos contratos, em particular.
9) O decreto-lei n° 138-C/2010, de 28/12 impôs expressamente a renegociação dos contratos de associação, sem prejuízo da vigência dos contratos em execução, pelo que, levando em consideração o artigo 9º do Código Civil, é óbvio que aquele diploma legal impôs um processo negocial entre as partes, levando em consideração nomeadamente os custos de funcionamento de cada escola e os princípios de suficiência de financiamento e de diferenciação de custos:
10) A “adenda” constitua assim uma proposta negocial e não uma alteração unilateral do contrato de associação, considerando desde logo que o recorrente não transferiu qualquer outra verba enquanto a recorrida não assinou a “adenda”, embora sob protesto, por necessitar da sua assinatura;
11) Os alegados desequilíbrios/racionalização de meios no domínio da oferta educativa da escola não se resolvem com a redução abrupta e ilegal do preço a pagar pela prestação de um serviço de interesse público, que aliás a recorrida continuou a prestar nas mesmas condições qualitativas e quantitativas previstas inicialmente;
12) O decreto-lei n° 138-C/2010, de 28/12 e a portaria n° 1324-A/2010, de 29/12 são inconstitucionais, pelos motivos procedimentais, formais e materiais alegados, pelo que caberá ao tribunal recusar a aplicação dos referidos normativos, mantendo a condenação do recorrido.
13) Mas mesmo que o tribunal entenda que a “adenda” consubstanciou uma fixação unilateral do preço a pagar, por alteração unilateral ao consensualizado em 12/10/2010, então caber-lhe-ia apurar os desvios financeiros, o desequilíbrio financeiro e subsequentemente ordenar a reposição do equilíbrio, mormente em função das reais necessidades da recorrente.
Face ao exposto, e por tudo o mais que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso excepcional de revista não ser admitido e sendo-o, no que não se concede e apenas por mera hipótese académica se coloca, deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão “sub judice” e caso contrário, deverá ser julgada a ampliação do objeto do recurso, mantendo a decisão “sub judice” ainda que por outros fundamentos.»

Respondendo à ampliação do objecto do recurso, o Recorrente, a fls. 443 a 446 dos autos, defende que deve “improceder o pedido formulado na ampliação do objecto do recurso”.

Por Acórdão datado de 22.09.2016, a Formação de Apreciação Preliminar, prevista no art. 150º, nº 5 do CPTA, admitiu a Revista.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos pertinentes à decisão:
1. A autora é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste “Criação gestão e administração de estabelecimentos de educação e ensino, desenvolvimento de acções na área do desenvolvimento humano pela educação e formação permanente” (Doc. n.º 1 anexo ao RI. da Prov. Cautelar);
2. No âmbito da respectiva atividade, a autora é titular da autorização definitiva n°612 relativamente ao estabelecimento de ensino denominado Escola ………………, em …….. (artigo 2.º da PI. e Doc. n.º 2 anexo ao RI. da Prov. Cautelar);
3. A Escola …………… é um estabelecimento de ensino privado enquadrado no sistema nacional de educação no qual é ministrado o ensino básico gratuito dos 2º e 3º ciclos, através de contrato de associação (artigos 3.° e 4.° da PI)
4. Para o ano lectivo 2010/2011, entre a Autora e o Ministério da Educação foi celebrado um contrato de associação datado de 12/10/2010, (Doc. n.° 3 anexo ao RI. da Prov. Cautelar);
5. Em relação ao contrato referido no ponto anterior, o Ministério da Educação pagou à autora, até 14/04/2011, o total de €418.090,48 (artigo 22.° da PI);
6. Consta do ofício nº S/1488/2011, da Direção Regional de Educação do …… (A…………..), datado de 14 de Janeiro de 2011, dirigido ao Diretor da Escola ………….., sob a epígrafe “Assunto: Adenda ao contrato de Associação 2010/2011” Doc. n.º 5 anexo ao RI. da Prov. Cautelar)
“De acordo com a Portaria 1324-A/2010, de 29/12, que estabelece as regras a que obedece o financiamento público dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo com contrato de associação, e para efeitos de pagamento do subsidio a que alude o art.º 11º da referida Portaria, junto se anexa Adenda ao Contrato de Associação existente com o V/Estabelecimento de Ensino, para o ano lectivo 2010/2011, solicitando a assinatura da mesma e a devolução aos n/Serviços até ao próximo dia 19/01/2011, no sentido de poder ser efectuado o pagamento do respectivo subsidio até ao próximo dia 23 de Janeiro.”.
7. Consta da carta ref.ª n.º CDEC 044/2011, datada de 28 de Janeiro de 2011, dirigida pela Autora, à Diretora Regional de Educação, com a nota de recepção na Direção Regional de Educação do Centro em 31/01/2011 (Doc. n.º 16 anexo ao RI. da Prov. Cautelar):
“(..) tendo recebido no pretérito dia 14 de Janeiro de 2011 o ofício supra referido: alegadamente com vista “a assinatura da mesma (adenda) e a devolução aos Serviços até ao dia 19 de Janeiro da 2011, no sentido de poder ser efectuado o pagamento do respectivo subsídio até ao próximo dia 23 de Janeiro, vem responder nos termos seguintes:(…)
15) posto isto, solicita a marcação, com carácter de urgência, de reunião com vista à renegociação do contrato de associação em execução.”
8. O contrato de associação referido no ponto 4. tem o seguinte teor, na parte relevante:
CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO
O Ministério da Educação, através da Direção Regional de Educação do Centro (...) como PRIMEIRO OUTORGANTE, e (...) na qualidade de representante do A………………., entidade proprietária do estabelecimento de ensino Escola …………….. (...) como SEGUNDO OUTORGANTE, celebram entre si o presente CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO, ao abrigo dos artigos 14º, 15º e 16º do Decreto-Lei nº 553/80, de 21 de Novembro, e do Despacho n.º 11082/2008, publicado no Diário da República, 20 série. n.º 75, de 16 de Abril,
CLÁUSULA PRIMEIRA
OBJECTO
O presente contrato tem como objectivo fixar as condições para a atribuição de apoio financeiro necessário para a frequência do estabelecimento de ensino particular e cooperativo situado em zona carecida de escola pública nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público.
CLÁUSULA SEGUNDA
OBRIGAÇÕES DO PRIMEIRO OUTORGANTE
São obrigações do primeiro outorgante:
a) Proceder à recolha e estudo dos elementos necessários à organização dos processos de concessão do apoio decorrente do presente contrato;
b) Desencadear os mecanismos correspondentes à respectiva execução;
c) Pagar o montante global previsional de 1.211.873,53€ (…);
d) Apurar o valor definitivo da contrapartida financeira, que será objecto de aditamento ao presente contrato;
CLÁUSULA TERCEIRA
OBRIGAÇÕES DO SEGUNDO OUTORGANTE
São obrigações do segundo outorgante:
a) Apresentar os elementos de caráter financeiro, nomeadamente balancetes trimestrais, contas de gestão, balanço e contas anuais, depois de aprovados pela direção ou pelo órgão social competente, ou outros que forem requeridos no decurso do ano;
b) Apresentar até trinta dias antes do início do ano escolar o orçamento de gestão para o ano seguinte;
c) Fazer prova da situação contributiva perante a Segurança Social, a Caixa Geral de Aposentações e a Fazenda Nacional (...)
CLÁUSULA QUINTA
DISPOSIÇÕES GERAIS
1 - Vigência
Este contrato é válido de 2010/09/01 a 2011/08/31
2 - Rescisão
Durante a sua vigência este contrato poderá ser rescindido nos seguintes termos:
a) Por acordo das partes;
b) Por incumprimento de qualquer dos outorgantes;
c) Por aplicação das sanções previstas nas alíneas c) e d) do número um do artigo 99° do Decreto-Lei n° 553/80 de 21 de Novembro.
2.1 - A rescisão torna-se eficaz a partir do momento em que se verifiquem os requisitos referidos no número anterior.
3 - Aplicação subsidiária de regulamentação:
Os compromissos assumidos por via do presente contrato não invalidam a aplicação das disposições constantes da legislação geral e especifica que incide sobre o ensino particular e cooperativo.
9. A adenda ao referido contrato, datada de 13.01.2011, tem o seguinte teor:
Adenda ao Contrato de Associação celebrado em 12/10/2010 entre a Direção Regional de Educação do A……………….., Lda., relativo à Escola ………….
Entre:
O Estado Português, através da Direção Regional de Educação do Centro (...) doravante designado por PRIMEIRO OUTORGANTE,
E
A………………….., Lda. (...) doravante designa por SEGUNDO OUTORGANTE,
Em conjunto designados por PARTES,
Considerando que:
a) O Estado Português, através da Direção Regional de Educação do Centro, celebrou com o A………………. Lda. contrato de associação com vista a garantir na Escola ……………… o acesso ao ensino nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público, ao abrigo do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo;
b) O Decreto-Lei n.º 138-C/2010, de 28 de Dezembro, veio introduzir alterações ao regime de financiamento público das escolas particulares e cooperativas do ensino não superior estabelecido pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado por Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro;
c) Os contratos de associação em execução à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 138-C/2010, de 28 de Dezembro, são renegociados de acordo com as regras estabelecidas naquele decreto-lei e respectiva regulamentação;
d) A Portaria n.º 1324-A/2010, de 29 de Dezembro, estabelece que, entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2011, o valor do subsídio por turma é transitoriamente fixado de acordo com fórmula específica.
e) A Portaria n.º 1324-A/2010, de 29 de Dezembro, estabeleceu ainda que o financiamento resultante da aplicação da fórmula prevista no número anterior não pode, em caso algum, ser superior ao financiamento previsto para igual período pela anterior fórmula de financiamento, sendo reduzido a esse montante quando o ultrapasse.
É assinada a presente adenda ao contrato de associação celebrado pelas PARTES em 12/10/2010, e que dele faz parte integrante, ao abrigo do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 138-C/2010, de 28 de Dezembro, e na Portaria n.º 1324-A/2010, de 29 de dezembro, que se rege nos termos das cláusulas seguintes:
Cláusula
Pagamentos
1 — Entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2011, o PRIMEIRO OUTORGANTE obriga-se a pagar ao SEGUNDO OUTORGANTE, em prestações mensais, através de transferência bancária, um subsidio no valor de €636.428,57 (...), de acordo com a fórmula prevista no número 1 do artigo 16.° da Portaria n.°1324-A/2010, de 29 de Dezembro, correspondente a:
a) 2 Turmas do 5.° ano de escolaridade - (número de alunos: 16; 23);
b) 2 Turmas do 6.° ano de escolaridade - (número de alunos: 22; 18);
c) 2 Turmas do 7.° ano de escolaridade - (número de alunos: 24; 25);
d) 2 Turmas do 8.° ano de escolaridade - (número de alunos: 28; 21);
e) 3 Turmas do 9.° ano de escolaridade - (número de alunos: 16; 12; 14);
2 - Os pagamentos estabelecidos no número anterior devem ser ajustados em função da aplicação do n.º 2 do artigo 16º da Portaria n.º 1324-A/2010, de 29 de Dezembro.
3 — Cessam os seus efeitos quaisquer outros pagamentos a título de subsídio ou outras obrigações financeiras do PRIMEIRO OUTORGANTE para com o SEGUNDO OUTORGANTE, designadamente os previstos na(s) cláusula(s) Segunda do contrato, quando aplicáveis ao período dei de Janeiro e 31 de Agosto de 2011.”

3. O Direito
O acórdão recorrido considerou que a forma de calcular o apoio financeiro a conceder pelo Ministério da Educação no âmbito dos contratos de associação com os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, definidos à data do presente contrato nos arts. 14º a 16º do DL nº 553/80 e no Despacho nº 11082/2008 [e que tinham em conta critérios que assentavam no universo de alunos abrangidos pelo contrato de associação e nas respectivas turmas a constituir e, entre outros, o pagamento dos encargos comprovados com o pessoal docente e não docente], foi substancialmente alterada pelo DL nº 138-C/2010 e pela Portaria nº 1324-A/2010, “que passaram a prever um subsídio anual por turma, cujo montante foi desde logo fixado na referida portaria”. Tratando-se de uma alteração total do modo como era calculado o subsídio a conceder no âmbito destes contratos.
Embora admitindo que “…sempre competiu e compete à Administração fixar essa contrapartida financeira, não menos certo é que essa alteração, consubstanciada na adenda contratual que visa aplicar o artigo 16.º/1 da Portaria n.º 1324-A/2010 (…) ao contrato de associação dos autos, contende diretamente com a estabilidade deste contrato, que já se encontrava em execução e que, como aí expressamente se refere, se destinava a vigorar no período compreendido entre 01.01.2010 e 31.08.2011”. Era posta em causa a estabilidade dos critérios que tinham sido legal e contratualmente fixados para aquele ano lectivo.
Considerando ainda que esta conclusão não é afastada pelo “princípio da livre revisibilidade das leis”, por este ser aqui inaplicável, porque nos casos tratados pela jurisprudência constitucional “estava em causa a relação entre o administrado e o legislador, enquanto que no caso em apreço está em causa a relação entre dois contraentes, um público outro privado, no âmbito de um contrato que, já se reconheceu contém cláusulas a preencher pelas normas (legais e regulamentares) reguladoras do financiamento dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contratos de associação, mas que, como já referido, foi celebrado (leia-se acordado) entre as partes contratantes à luz de um determinado quadro legal e regulamentar em vigor à data e destinado a vigorar, entre aquelas, pelo periodo contratualmente fixado, correspondente, no caso ao ano letivo de 2010/2011.
Concluiu-se, assim, que, ”…, a alteração contida na adenda em causa e destinada a fazer aplicar, ao contrato de associação, o novo critério de financiamento contido na norma transitória do artigo 16.º/1 da Portaria n.º 1324-A/2010, viola as obrigações contratualmente assumidas pelo Recorrido, que está obrigado a cumprir o contrato em apreço de acordo com o quadro legal e regulamentar em vigor na data em que foi celebrado e para o qual o contrato expressamente remete”.

O Estado Português, na presente revista, submete à apreciação deste Supremo Tribunal Administrativo a questão de saber «se o contrato de associação, que se encontrava em execução à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 138-C/2010, de 28 de Dezembro, podia ser “renegociado” de acordo com as novas regras estabelecidas naquele diploma e respectiva regulamentação e, concretamente, se ao mesmo podia ser aplicado (através da citada adenda contratual) o valor do subsídio por turma, que passou a estar previsto na Portaria n.º 1324-A/2010, de 29 de Dezembro, e aí fixado transitoriamente para o período entre Janeiro e Agosto de 2011»


Vejamos o que estabelecem os diplomas em causa nos presentes autos, sendo certo que à data em que foi celebrado o contrato vigorava o DL nº 553/80, de 21/11, na sua versão original.
O DL nº 553/80, de 21/11, na sequência das Leis nºs 9/79, de 19/3 e 65/79, de 4/10, que haviam reconhecido aos pais a prioridade na escolha do processo educativo dos seus filhos, criou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, dele constante (cfr. art. 1º).
Desde logo, no seu art. 4º estabeleceu que compete ao Estado, além do mais constante nas alíneas a) a i) deste preceito, “f) Apoiar os estabelecimentos de ensino particular através da celebração de contratos e da concessão de subsídios e de outros benefícios fiscais e financeiros, bem como velar pela sua correcta aplicação;”.
Sobre os contratos de associação estabeleceu nos seus artigoa 14º, 15º e 16º o seguinte:
Art. 14.º - 1 – Os contratos de associação são celebrados com escolas particulares situadas em zonas carecidas de escolas públicas, pelo prazo mínimo de um ano.
2 – Os contratos de associação têm por fim possibilitar a frequência das escolas particulares nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público.
3 – A gratuitidade pode abranger apenas uma parte da lotação da escola.
Art. 15.º - 1 – O Estado concederá às escolas que celebrem contratos de associação, além dos benefícios fiscais e financeiros gerais, um subsídio por aluno igual ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e funcionamento por aluno das escolas públicas e grau equivalente.
2 – O subsídio será fixado anualmente pelo Ministério da Educação e Ciência, ouvido o Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo.
Art. 16.º Os contratos de associação obrigam as escolas a:
a) garantir a gratuitidade do ensino nas mesmas condições do ensino público;
b) Divulgar o regime de contrato e a gratuitidade do ensino ministrado;
c) Garantir até ao limite da lotação abrangida no n.º 3 do artigo 14.º a matrícula aos interessados, (…);
d) Aceitar, a título condicional, as matrículas que ultrapassem a sua capacidade, comunicando-as aos serviços competentes do Ministério da Educação e Ciência;
e) Apresentar, até trinta dias antes do início de cada ano escolar, o orçamento de gestão para o ano seguinte;
f) Apresentar ao Ministério da Educação e Ciência balancetes trimestrais, bem como o balanço e contas anuais, depois de aprovados pelo órgão social competente.
Por sua vez, o Despacho nº 11082/2008, publicado no DR, 2ª série, nº 75, de 16.04.2008, estabelecia nos seus nºs 3, 4 e 5 as contrapartidas financeiras devidas às escolas privadas outorgantes dos contratos de associação.
Na vigência do contrato de associação em causa nos autos, o DL nº 553/80, de 21/11, veio a ser alterado pelo DL nº 138-C/2010, de 28/12, que visou permitir a alteração das regras de financiamento e renegociação dos contratos de associação, passando o art. 15º daquele diploma a ter a seguinte redacção:
1 – O Estado concede às escolas que celebrem contratos de associação um apoio financeiro, que consiste na atribuição de um subsídio, nos termos a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área da educação.
(…)
3 – O Estado assegura que o contrato de associação é mantido até à conclusão do ciclo de ensino pelas turmas por ele abrangidas.
4 – A portaria a que se refere o n.º 1 deve:
a) Fixar o valor do apoio financeiro, com base no princípio do financiamento anual por turma, tendo em consideração os custos das turmas das escolas públicas de nível e grau equivalentes;
(…)
c) Estabelecer, quanto aos contratos em execução, o procedimento e o prazo para a sua renovação, bem como para a comunicação dos dados relevantes para o apuramento do subsídio a conceder, designadamente o número de turmas constituídas, devendo as comunicações realizar-se preferencialmente por meios electrónicos;
d) Estabelecer os termos em que o subsídio é processado às escolas beneficiárias de contrato, designadamente quanto à periodicidade e ao meio de pagamento do mesmo.
Quanto aos contratos já em vigor estabeleceu o art. 3º do referido DL nº 138-C/2010, o seguinte:
1 – Os contratos de associação em execução à data da entrada em vigor do presente decreto-lei são renegociados de acordo com as regras estabelecidas no presente decreto-lei e respectiva regulamentação.
2 – A renogociação prevista no número anterior não determina a cessação da vigência dos contratos em execução à data de entrada em vigor do presente decreto-lei.
A regulamentação deste diploma foi efectuada através da Portaria nº 1324-A/2010, de 29/12 que estabeleceu no seu art. 9º o montante do subsídio anual por turma (€ 80 080), sem prejuízo do disposto no art. 16º.
Este art. 16º contemplou uma disposição transitória, nos termos da qual se previu o seguinte:
1 – Excepcionalmente, entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2011, o valor do subsídio previsto no n.º 1 do artigo 9.º é fixado de acordo com a fórmula seguinte:
Valor do subsídio=número de turmasx90 000x9meses/14meses
2 – O financiamento resultante da aplicação da fórmula prevista no número anterior não pode, em caso algum, ser superior ao financiamento previsto para igual período pela anterior fórmula de financiamento, sendo reduzido a esse montante quando o ultrapasse.
(…)”.
A alteração às regras do apoio do Estado aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, designado por subsídio, no DL nº 138-C/2010, teve por objectivo a racionalização da gestão dos recursos financeiros públicos, como decorre do preâmbulo do DL nº 138-C/2010.
Visou o legislador criar “(…) as condições para proceder à renegociação dos contratos entre o Ministério da Educação e as escolas particulares, uma vez que se constata que o financiamento pelo Estado das escolas particulares e cooperativas, através destes contratos, não é tão necessário como era há três decadas. (…)
Estas regras permitem ter um esquema de financiamento mais simples e mais claro, diminuir substancialmente a carga burocrática, reforçar a equidade no tratamento das entidades promotoras do ensino particular e cooperativo e promover a igualdade de oportunidades nas condições de ensino dos alunos abrangidos pelo financiamento.
Refira-se, finalmente, que o presente decreto-lei, ao permitir renegociar os termos de financiamento do ensino particular e cooperativo, traduz um exercício de racionalização da gestão dos recursos financeiros públicos, que ganha particular relevo num momento de esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas.”.
Está, pois, em causa o interesse público de permitir ao Estado avaliar e rever o conjunto de contratos celebrados e permitir que os subsídios por ele concedidos às escolas privadas sejam ajustados às reais necessidades - cfr. preâmbulo da Portaria nº 1324-A/2010.
Como foi também expresso neste preâmbulo “num momento de esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas, o novo modelo de financiamento significa um importante exercício de racionalização da gestão dos recursos financeiros públicos. Este esforço é solicitado a todos os portugueses, pelo que o interesse público impõe a reavaliação de subsídios e contratos que assentavam em pressupostos de há 30 anos.”
Donde decorre que foi manifesta a intenção do legislador em aplicar imediatamente aos contratos em curso o novo regime legal, que veio introduzir alterações ao DL nº 553/80.
Essa aplicação imediata é possível, já que dispôs expressamente o legislador no citado art. 3º do DL nº 138-C/2010, precisamente sob a epígrafe “contratos em vigor”, que os contratos de associação em execução à data da entrada em vigos daquele diploma são renegociados de acordo com as regras nele estabelecidas e respectiva regulamentação.
E, a Portaria nº 1324-A/2010, mais não fez que especificar os critérios que naquele eram genericamente definidos, nomeadamente, na redacção que introduziu ao art. 15º e no seu art. 3º (este visando especificamente os contratos já em vigor). Ou seja, concretizou essa intenção de aplicar a fixação do montante do apoio financeiro de acordo com as novas regras aos contratos em vigor, nos termos definidos no seu art. 16º, nº 1.
Assim, este art. 16º da Portaria nº 1324-A/2010 não introduz qualquer regra inovatória não prevista no DL nº 138-C/2010, não se verificando na regulamentação concretizada por este diploma qualquer infracção da hierarquia dos actos normativos consagrada no art. 112º da CRP.
Estava, pois, nos termos do art. 3º do DL nº 138-C/2010, o Ministro da Educação legalmente autorizado a emitir norma regulamentar destinada à “renegociação” dos contratos de associação que vigoravam à data da entrada em vigor daquele diploma, entre os quais o contrato dos autos.
Acresce que o termo “renegociação” constante desse preceito legal tem que ser entendido e interpretado em consonância com as demais regras especificamente aplicáveis a esse contrato típico. Isto é, naquele contexto concreto o sentido de tal expressão não pode ser tomado literalmente, visto que a fixação do apoio financeiro a conceder pelo Estado às escolas que celebrem contratos de associação está, por força do regime específico aplicável a esse contrato típico, subtraído a qualquer possibilidade de negociação ou renegociação casuística, sendo, antes, por imposição legal, fixado unilateralmente pelo Ministro da Educação.
Fixação unilateral que veio a acontecer, relativamente ao período temporal ora em causa, através da norma transitória do art. 16º, nº 1 da Portaria nº 1324-A/2010, em concretização das alterações legislativas introduzidas pelo DL nº 138-C/2010, nomeadamente ao citado art. 15º do DL nº 553/80.
Considerou o acórdão recorrido que não há aqui lugar à aplicação do “princípio da livre revisibilidade das leis” e que “a alteração contida na adenda em causa e destinada a fazer aplicar, ao contrato de associação, o novo critério de financiamento contido na norma transitória do artigo 16.º/1 da Portaria n.º 1324-A/2010, viola as obrigações contratualmente assumidas pelo Recorrido, que está obrigado a cumprir o contrato em apreço de acordo com o quadro legal e regulamentar em vigor na data em que foi celebrado”.
Entendemos que o acórdão recorrido não terá ajuizado correctamente, havendo incorrido no erro de julgamento que o recorrente lhe imputa, pelas razões que seguidamente exporemos.
E, nas suas contra-alegações veio a Recorrida ampliar o objecto do recurso, reafirmando que invocou expressamente a inconstitucionalidade do DL nº 138-C/2010, de 28/12, e a inconstitucionalidade / ilegalidade da Portaria nº 1324-A/2010, de 29/12, que renova.
Mais invoca que sendo o contrato de associação um contrato administrativo não tinha a administração o poder de fixar unilateralmente o preço a pagar pela prestação de um serviço de interesse público pelo contraente particular. E que a alteração legislativa efectuada por aqueles diplomas, respaldada na “adenda”, é violadora das legítimas expectativas do contraente particular, que tinha outorgado um contrato com vigência entre 01.09.2010 e 31.08.2011, que previa o pagamento de uma quantia pecuniária, cujo apuramento dependia da execução do próprio contrato. Não legitimando o nº 3 da cláusula 5ª (por lapso refere-se a cláusula 3ª) qualquer alteração superveniente do regime de financiamento das escolas particulares, apenas podendo ser interpretada no sentido de serem aplicáveis ao contrato em causa “as normas que incidissem sobre o ensino particular e cooperativo, vigentes à data da celebração do contrato”.
Violou-se o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democático, bem como todos os princípios que regem os negócios jurídicos e os contratos em particular.
Tendo o DL nº 138-C/2010 imposto expressamente uma renegociação dos contratos de associação, a “adenda” constituía uma proposta negocial e não uma alteração unilateral do contrato de associação.
Mesmo que se entenda que a “adenda” consubstanciou uma fixação unilateral do preço a pagar, por alteração unilateral ao consensualizado em 12.10.2010, haveria que apurar os desvios financeiros, ordenando a reposição do equilíbrio.

Porque as questões suscitadas na ampliação do objecto do recurso pela recorrida correspondem à argumentação do acórdão recorrido, apenas consistindo verdadeiramente a ampliação na invocação de inconstitucionalidades (conclusões 3ª e 12ª) e na alegação de que há lugar à reposição do equilíbrio financeiro (conclusão 13ª), abordaremos tais questões conjuntamente.

Vejamos.
Quanto às inconstitucionalidades invocadas, a autora no recurso que interpôs da decisão de primeira instância para o TCA Norte embora tenha invocado no ponto V do corpo alegatório as inconstitucionalidades/ilegalidades do DL nº 138-C/2010 e da Portaria nº 1324-A/2010, imputando erro de julgamento à sentença de 1ª instância, no que decidiu a esse respeito, julgando improcedentes tal arguição, não formulou qualquer conclusão atinente a essa matéria.
Ora, o Tribunal de recurso não pode conhecer de questões que o recorrente não tenha levado às conclusões, ainda que as tenha abordado no corpo alegatório (cfr. Ac. STJ de 18.09.2003, Proc. 03B1756/ITIJ/Net). E, o certo é que o acórdão recorrido não conheceu desse erro de julgamento assacado à decisão de primeira instância, sem que em sede da presente revista lhe seja imputada nulidade por omissão de pronúncia (cfr. art. 615º, nº 1, al. d) do CPC).
Assim, quanto à matéria das inconstitucionalidades dos diplomas, a sentença transitou em julgado, não podendo essa matéria ser reapreciada em sede de revista, quando também o não foi (face ao quadro conclusivo da recorrente) no recurso de apelação, nem na presente revista, imputando eventual nulidade por omissão de pronúncia ao acórdão recorrido (cfr. arts. 628º e 636º do CPC).
Termos em que não se conhece das inconstitucionalidades invocadas.

Entendeu o acórdão recorrido que a alteração contida na adenda em causa e destinada a fazer aplicar, ao contrato de associação, o novo critério de financiamento contido na norma transitória do art. 16º, nº 1 da Portaria nº 1324-A/2010, viola as obrigações contratualmente assumidas pelo Recorrido, que está obrigado a cumprir o contrato em apreço.
Com efeito, os contratos de associação são contratos administrativos, visando a prossecução de um fim público e, sobretudo a imediata utilidade pública, submetidos a um regime substantivo de direito público, regulados no citado DL nº 553/80, de 21/11. Sendo que, no domínio do contrato de associação, uma das partes - a escola particular - obriga-se a proporcionar à outra - o Estado - uma colaboração temporária no desempenho de atribuições administrativas (cfr. Sérvulo Correia, in Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, p. 420 e 421).
Pelo facto de o contrato visar um fim público específico, o seu regime jurídico inclui um conjunto de cláusulas não submetidas à vontade das partes, nomeadamente, ao nível dos poderes-deveres da Administração.
Para além dos poderes de autoridade que decorrem do regime geral dos contratos administrativos previsto no CCP (em que se incluem, entre outros, os poderes de dirigir o modo de execução das prestações, a fiscalização do modo de execução do contratos, a modificação unilateral de cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato), resultam ainda da respectiva legislação específica (DL nº 553/80), outros poderes de autoridade, em que se inclui o de fixação do montante do apoio financeiro/subsídio a conceder pelo Ministério da Educação.
Isto é, atenta a natureza e fim do contrato administrativo em causa, sujeito a um regime substantivo de direito público, geral (CCP) e específico (DL nº 553/80), o mesmo está subordinado a normas jurídicas de conteúdo imperativo, que limitam, ou excluem, em alguns aspectos a liberdade negocial e conferem ao contraente público poderes públicos de autoridade, instrumentais à prossecução do interesse público, a exercitar de forma unilateral.
Tal é, claramente, o caso da fixação do apoio financeiro/subsídio a conceder pelo Estado às escolas outorgantes, que sempre foi atribuída, autoritariamente, por imperativo legal (art. 15º, nº 2 do DL nº 553/80), ao ministério responsável pela área da educação, ficando, portanto, subtraída à possibilidade de negociação com os particulares outorgantes dos contratos de associação, contrariamente ao que defende a Recorrida.
O que a mesma aceitou, pois que, do clausulado no contrato de associação celebrado e da expressa sujeição ao regime consagrado nos arts. 14º, 15º e 16º do DL nº 553/80, e no Despacho nº 11082/2008, consta expressamente acordada a aplicação da regulamentação aplicável aos contratos em apreço. Com efeito, consta expressamente no nº 3 da cláusula 5ª do contrato que “os compromissos assumidos por via do presente contrato não invalidam a aplicação das disposições constantes da legislação geral e específica que incide sobre o ensino particular e cooperativo”.
O que significa que a Recorrida se sujeitou por força dessa expressa remissão efectuada no contrato que celebrou, à aplicação do regime legal aplicável ao contrato de associação. Regime legal, este, que veio a sofrer alterações no âmbito da vigência do contrato, na sequência das alterações legislativas introduzidas ao EEPC, pelo DL nº 138-C/2010, designadamente, ao seu art. 15º, nos termos sobreditos.
E, ao contrário do sustentado pela recorrida, essa aplicação imediata não é violadora das suas “legítimas expectativas”, do princípio da confiança e de todos os princípios que regem a interpretação dos negócios jurídicos e dos contratos, em particular.
Desde logo, não se poderia sustentar que a autora tivesse sido surpreendida, vendo frustradas as suas “legítimas expectativas”, com o montante do subsídio que veio a ser fixado para esse período temporal, quando é certo que, aquando da celebração do contrato de associação, ainda não tinha sido fixado o seu valor anual e, por imposição legal, esse valor não era passível de qualquer negociação pelas partes, sendo necessariamente fixado, de forma unilateral, pela Administração, nos termos então previstos no art. 15º, nº 2, do DL nº 553/80.
Acresce que, contrariamente ao que entendeu o acórdão recorrido, a aplicação imediata das alterações legislativas verificadas, além de não ser proibida por lei (cfr. art. 12º, nº 2, do Código Civil), foi já admitida pelo Tribunal Constitucional, tendo em conta o “princípio da livre revisibilidade das leis”.
Postula este princípio que não há um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal no âmbito de relações jurídicas duradouras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados (cfr. neste sentido os Acórdãos do TC nº 287/90 e 85/2010), dado que o legislador não pode estar impedido de proceder às necessárias alterações legais, mesmo afetando relações jurídicas constituídas, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis.
E, é essa a situação que se verifica no caso dos autos em que o legislador estando bem ciente das relações contratuais estabelecidas, decidiu legislar sobre as mesmas afirmado expressamente essa sua opção, no citado art. 3º do DL nº 138-C/2010, precisamente sob a epígrafe “contratos em vigor”, que os contratos de associação em execução à data da entrada em vigor daquele diploma são renegociados de acordo com as regras nele estabelecidas e respectiva regulamentação.
De acordo com a jurisprudência do TC, no Acórdão nº 85/2010 (p. nº 653/09), seguindo a anterior jurisprudência do Ac. nº 287/90, expendeu-se o seguinte: “(…) sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:
a) a afectação das expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não foi ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se aqui ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados (…) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção.
Por isso, disse-se ainda no Acórdão n.º 287/90 (...) que, em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, «não há (...) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados»”.
Sendo que “(...) a protecção das alegadas expectativas invocadas pela ora recorrente jamais pode colidir, nem impedir, o funcionamento do princípio da livre revisibilidade das leis. A menos que os requisitos de protecção da confiança, tal como têm sido reconhecidos e aceites na jurisprudência constitucional, estejam integralmente verificados”.
No caso em apreço, tal como já acima se disse, o legislador teve a intenção de aplicar imediatamente aos contratos em curso o novo regime legal, que introduziu alterações ao EEPC. Mais não fazendo a subsequente Portaria nº 1324-A/2010, que regulamentar aquele diploma, especificando os critérios que naquele foram genericamente definidos.
Tais alterações foram motivadas e tiveram subjacente o interesse público, de urgente adaptação do anterior regime jurídico à realidade actual e a novas necessidades, enunciadas nos preâmbulos quer do DL nº 138-C/2010, quer da Portaria nº 1324-A/2010, não se vendo como podem ser “desaplicadas”, com o argumento de violarem as obrigações contratualmente assumidas pelo aqui Recorrente, quando o acórdão recorrido não as considerou inconstitucionais (único fundamento que justificaria essa desaplicação).
Assim, a “adenda” mais não faz do que proceder à aplicação da legislação que passou a vigorar, não consubstanciando sequer qualquer modificação unilateral do contrato, efectuada por iniciativa do contraente público, ao abrigo do disposto no art. 302º, al. c) do CCP, mas antes dando cabal cumprimento ao estabelecido nos referidos diplomas. Ou seja, trata-se aqui de uma acto vinculado que, enquanto tal é insusceptível de violar os princípios da confiança e segurança jurídica, por obedecer vinculadamente à lei.
Com efeito, no caso em apreço, no qual o acto é vinculado, a violação daqueles princípios resultaria directamente da lei, que o juiz não pode deixar de aplicar, salvo em caso de inconstitucionalidade desta, recusando, então, a sua aplicação, o que não ocorreu (cfr. neste sentido o recente ac. do Pleno deste STA de 25.01.2018, proc. nº 617/14).
Como tal, igualmente, face a essa fixação determinada por diploma legal, mostra-se afastada qualquer possibilidade de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, enquanto fundada numa pretensa modificação unilateral do contrato pela Administração enquanto contraente público, o que no caso concreto não se verificou.
Efectivamente, é dessas alterações legislativas que resulta inequivocamente a fixação da nova fórmula de cálculo do apoio financeiro/subsídio a conceder pelo Estado aos estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo que haviam outorgado contratos de associação, relativamente ao período temporal indicado nos diplomas, pelo que só a lei poderia violar os princípios aqui em causa, sendo, nessa medida, inconstitucional.
Termos em que, é de revogar o acórdão recorrido por ter incorrido no erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa, e de manter a decisão de 1ª instância, procedendo, consequentemente, o recurso e improcedendo o pedido de ampliação da Recorrida.

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e mantendo a decisão do TAF de Coimbra.
Custas pela Recorrida no TCA Norte e neste STA.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2018. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.