Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01225/09.9BEPRT
Data do Acordão:10/30/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:DUPLICAÇÃO DE COLECTA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - De acordo com o artigo 205.º do CPPT, existe duplicação de colecta quando: i) um tributo esteja pago por inteiro e ii) outro tributo de igual natureza seja exigido à mesma ou a diferente pessoa, desde que este segundo tributo seja iii) referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
II - Nos casos em que existe duplicação de colecta, a ilegalidade não resulta apenas do acto de liquidação (i. e. de se estar a constituir uma dívida tributária relativamente a um facto tributário cujo imposto já foi liquidado e pago), mas é igualmente intrínseca às diligências para a sua cobrança coerciva através do processo de execução fiscal, o que explica que nestes casos o fundamento para a oposição à execução seja autónomo e próprio deste processo.
Nº Convencional:JSTA000P25090
Nº do Documento:SA22019103001225/09
Data de Entrada:10/24/2018
Recorrente:A.........,SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A…………, S.A., interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 19 de Junho de 2018, que julgou totalmente improcedente a oposição por si deduzida à execução fiscal n.º 3204200601113054, instaurada pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 2005, no valor global de 17.618,36€, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
A) A recorrente não se conforma com a fundamentação de direito em que assenta a douta sentença proferida pelo TAF/Porto, de 19/06/2018, que julgou a presente oposição totalmente improcedente, designadamente no que concerne à verificação dos requisitos de duplicação de colecta, como fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 204.º, CPPT.
B) Razão pela qual o presente recurso, versando exclusivamente matéria de direito, se dirige a secção do contencioso tributário do supremo tribunal administrativo (art. 280.º,1, in fine, do CPPT).
De facto,
C) Atenta a factualidade assente e não controvertida, afiguram-se plenamente demonstrados os requisitos previstos no artigo 205.º do CPPT - duplicação da colecta - que ferem o acto tributário de ilegalidade invocável em sede de oposição a execução.
D) É que, não obstante o sujeito passivo ter liquidado e pago o IRC de 2005, AT procedeu a nova liquidação de IRC, no valor de € 17.364,82, expressamente reportada ao exercício de 2005.
E) Assim sendo, e salvo melhor opinião, é inequívoco que se está perante (i) um facto tributário uno, i. e. os rendimentos de pessoa colectiva, (ii) no âmbito do mesmo tributo, i.e. IRC, e ainda em (iii) coincidência integral temporal com o tributo já pago.
F) Para que exista duplicação de colecta imprescindível é, tão somente, que "o tributo" que novamente se liquida tenha sido integralmente saldado, como foi aquando do pagamento da primeira liquidação pela recorrente.
G) A revogação da liquidação que apurou um excesso a favor da ora recorrente e o aplicou em compensação de outros processos de execução, por decisão unilateral da AT, implica necessariamente a anulação da compensação subsequentemente efectuada quando se reconhece a inexistência do crédito usado na compensação.
H) Se o crédito usado na compensação não existe, a compensação efectuada por meio de crédito inexistente não pode subsistir; e caso tenha sido efectuada a compensação, o crédito compensado há-de renascer, com todas as inerentes garantias, logo que se apure que o crédito do compensante não existe ou foi anulado.
I) Assim, é no processo no âmbito do qual a compensação operou que esse crédito que já não existe que deve ser exigido, pois é esse o tributo que não se encontra integralmente saldado!
J) De outro modo facultar-se-ia a AT uma injustificada e abusiva possibilidade de intromissão na gestão do sujeito passivo, levado a pagar o que não pretendia naquele momento, com grave prejuízo da sua livre iniciativa.
K) Acresce que, sendo a duplicação colecta uma causa de ilegalidade do acto tributário expressamente incluída e autonomizada pelo legislador como fundamento de oposição a execução, é nesta sede que, por força da lei, deve ser discutida e decidida.
L) Decidindo como se decidiu, na sentença recorrida não se procede, no caso em apreço, a uma correcta interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos 204.º, n.º 1, alínea g) e 205.º do CPPT
Termos em que, dando-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e declarando-se procedente a oposição deduzida, se cumprirá a lei e se fará justiça.

2. Não foram produzidas contra-alegações.

3. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer com o seguinte sentido:
- a factualidade dada como provada nos autos demonstra a existência de duplicação de colecta, pois resulta dos pontos C) a E) da matéria de facto que a nova liquidação é relativa ao mesmo tributo e pelo mesmo facto tributário;
- o recurso é de proceder.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 26-05-2006 a Oponente apresentou declaração modo 22 de IRC relativa ao exercício de 2005, com montante a pagar de € 256.814,44, cfr. teor de fls. 52 dos autos (p.f.).
B) Tendo pago integralmente tal quantia, cfr. teor de fls. 54 e 55 dos autos (p.f.).
C) Em 29-08-2006 a Oponente foi notificada da demonstração de acerto de contas da liquidação de IRC de 2005, na qual se considerou existir um valor a reembolsar de €17.364,17, cfr. teor de fls. 74 dos autos (p.f.) e facto não impugnado quando à data da notificação.
D) Em 31-08-2006 a Oponente foi notificada da compensação operada daquele valor em processos de execução fiscal pendentes em seu nome, cfr. teor de fls. 75 dos autos (p.f.) e facto não impugnado, quanto à data de notificação.
E) Foi entretanto considerado pela AT que aquele reembolso no valor de € 17.364,17 deveria ser anulado por erro dos serviços, tendo sido emitida liquidação correctiva n" 0374886 e nota de compensação, relativamente ao valor de € 17.346,82, por anulação parcial daquele reembolso, cfr. teor de fls. 39, 14, 15 e 24 a 31 dos autos (p.f.).
F) Após, por não ter sido paga aquela liquidação/compensação, foi emitida certidão de dívida no valor de €17.346,82, relativo a IRC, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 31-10-2006, cfr. teor de fls. 33 e 39 dos autos (p.f.).
G) Tal certidão de dívida deu origem à instauração do PEF n.º 3204200601113054, contra a Oponente, que foi citada em 27-11-2006, cfr. teor de fls. 10 dos autos (p.f.) e facto não impugnado quanto à data da citação.
H) A Oponente apresentou reclamação graciosa da compensação efectuada pelo SF de Vila Nova de Gaia 2, em 29-12-2006, cfr. teor de fls. 39 dos autos (p.f.).
I) Tal reclamação foi arquivada, por não ser o meio processual próprio, cfr. teor de fls. 39 dos autos (p.f.).
J) A presente Oposição foi apresentado no SF de Vila Nova de Gaia 2 em 27-12-2006, cfr. teor de fls. 39 dos autos (p.f.).

2. Questões a decidir
Saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fez uma correcta interpretação dos artigos 204.º, n.º 1, al. g e 205.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), i. e. dos requisitos legais e processuais da duplicação de colecta.


3. De direito
3.1. Com base na factualidade dada como provada e antes transcrita, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto concluiu que não estava preenchido o requisito do pagamento do tributo, indispensável para a existência de uma duplicação de colecta nos termos do disposto no artigo 205.º do CPPT. Contudo, não lhe assiste razão. Vejamos.
De acordo com o artigo 205.º do CPPT, existe duplicação de colecta quando: i) um tributo esteja pago por inteiro e ii) outro tributo de igual natureza seja exigido à mesma ou a diferente pessoa, desde que este segundo tributo seja iii) referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo – é esta, também, a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo (v. acórdão de 18 de Dezembro de 2013, proc. n.º 01181/12).
Ora, a factualidade dada como provada na sentença recorrida mostra que i) o tributo (IRC relativo ao exercício de 2005) estava pago por inteiro (pontos A e B); ii) que o valor a reembolsar posteriormente calculado pela AT – € 17.364,17 – nunca chegou a ser efectivamente reembolsado ao sujeito passivo, tendo antes sido “imputado”, a título de compensação, para pagamento de outras dívidas fiscais daquele (pontos C e D); iii) que na sequência da anulação do referido reembolso, a AT emitiu certidão de dívida no valor de € 17.364,17, relativo ao IRC de 2005, ou seja, veio exigir ao mesmo sujeito passivo o mesmo tributo (IRC), referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo (IRC respeitante ao exercício de 2005). Em suma, estão preenchidos todos os requisitos da duplicação de colecta previstos no artigo 205.º do CPPT.

3.2. Acresce que a duplicação de colecta constitui fundamento de oposição expressamente previsto na lei (cfr. a alínea g) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT), pelo que também não assiste razão à decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto quando afirma que este não seria o meio processual adequado para reagir, por o sujeito passivo não ter anteriormente reclamado da compensação em sede de execução fiscal nos termos do artigo 276.º e ss. do CPPT. Conclui o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que não poderia dar procedência à oposição à execução, porque isso ocasionaria uma falta de pagamento do tributo sem que estivesse demonstrada a sua ilegalidade. Ora, a ilegalidade da execução decorre, neste caso – em que existe duplicação de colecta –, da exclusiva circunstância de se estar a exigir o pagamento de um tributo que já se encontra pago – é precisamente por essa razão que a duplicação de colecta constitui um fundamento expresso e autónomo da oposição à execução fiscal. A ilegalidade não resulta apenas do acto de liquidação (i. e. de se estar a constituir uma dívida tributária relativamente a um facto tributário cujo imposto já foi liquidado e pago), mas é igualmente intrínseca às diligências para a sua cobrança coerciva através do processo de execução fiscal, o que explica que nestes casos o fundamento para a oposição à execução seja autónomo e próprio deste processo.

3.3. Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que estão preenchidos os requisitos do artigo 205.º do CPPT relativamente à duplicação de colecta, que a oposição à execução fiscal é o meio processual adequado para reagir e que, em face da fundamentação apresentada, se impõe conceder provimento ao recurso.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a oposição à execução fiscal e ordenar a extinção da execução.

Custas pela recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e, do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


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Lisboa, 30 de Outubro de 2019 – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes