Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01156/12.5BELRS 01628/15
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO RÚSTICO
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
ACTUALIZAÇÃO
Sumário:I - Com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património (cfr.dec.lei 287/2003, de 12/11), o Imposto de Selo mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro tributo incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. No que, especificamente, diz respeito aos bens imóveis, a determinação do valor tributável sujeito a imposto de selo tem, actualmente, por base o sistema de identificação e avaliação predial constante do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (cfr.artº.9, nº.4, do Código do Imposto de Selo).
II - O prédio rústico pode definir-se como uma parte delimitada do solo terrestre, tal como as construções nele existentes, que não tenham autonomia económica (cfr.artº.204, nº.1, al.a), do C.Civil).
III - Como resulta da exegese da norma constante do artº.27, nº.1, al.c), do dec.lei 287/2003, de 12/11, aplicável ao Imposto de Selo, "ex vi" do nº.2, al.c), do mesmo artigo, o legislador convoca dois momentos a ter em conta no cálculo do valor patrimonial tributário (vpt) dos prédios rústicos:
a-Um primeiro, correspondente à data da liquidação;
b-Um segundo, correspondente ao ano da última avaliação geral ou cadastral.
IV - O cálculo do vpt dos prédios rústicos, em sede de Imposto de Selo, deve seguir as regras consagradas para a cédula do I.M.T. (cfr.artº.82, nº.2, al.b), da Lei 26/2003, de 30/07, autorização legislativa do posterior dec.lei 287/2003, de 12/11, diploma que estruturou a Reforma do Património - elemento histórico de interpretação da norma).
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27598
Nº do Documento:SA22021042801156/12
Data de Entrada:12/09/2015
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.100 a 118 do processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pela recorrida, A………….(cabeça-de-casal da herança de B……….), intentada e tendo por objecto acto de liquidação de Imposto de Selo, no montante total de € 42.511,14.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.138 a 144 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-A questão a decidir nos presentes autos consistem saber se a actualização do VPT de prédios rústicos, para efeitos de liquidação de IS, no âmbito do regime transitório constante do art. 27º, nº2, al c), do DL nº287/2003, de 12 de Novembro, é feita considerando o VPT à data da liquidação e se o factor de correcção a aplicar é o relativo ao ano de actualização do VPT ou o relativo ao ano da ultima avaliação geral ou cadastral do prédio;
B-Nos termos do art. 27º do DL nº 287/2003, o valor tributável é calculado tomando como ponto de partida o valor patrimonial inscrito na matriz à data da liquidação (1ª parte alínea c) do nº1 do art. 27º);
C-Contudo, este valor terá de ser actualizado por aplicação de um coeficiente em função do último ano de avaliação geral ou cadastral, que consta de Portaria (Portaria 1337/2003), não podendo exceder 44,21;
D-Contrariamente ao sustentado na douta sentença, nos anos de 1989, 1992 e 1995 (para os prédios em questão) ocorreu uma mera actualização dos valores tributáveis pela aplicação do factor 20 ao valor do rendimento colectável dos prédios rústicos, nos termos do art. 7º, nº1 do DL nº 442-C/88, de 30 Novembro, valor este que consta das certidões de teor e cadernetas prediais como valor patrimonial actual determinado nos anos em causa;
E-Ora, o que se encontra determinado na al. c) do nº 1 do art. 27º do DL nº 287/2003,é a aplicação do coeficiente correspondente ao não da última avaliação geral ou cadastral, reportando-se esta, no caso em análise, ao ano de 1970, no limite imposto pela Portaria 1337/2003;
F-Resulta assim que a aplicação do coeficiente 44,21 ao valor patrimonial inicial dos prédios constantes da Relação de Bens, encontra-se correta e efectuada de acordo com a legislação aplicável;
G-Pelo que não padece, a liquidação impugnada, de qualquer vício de violação de lei;
H-Não ocorrendo qualquer vício de violação de lei, deixam, por conseguinte, de se verificar os fundamentos para a condenação da Fazenda Publica no pagamento de juros indemnizatórios;
I-Face ao estatuído, deve a sentença recorrida ser substituída por acórdão que decida pela manutenção do acto impugnado.
X
A impugnante e ora recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.146 a 156 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
1-Em virtude do óbito da Exma. Senhora B………, irmã da ora Recorrida, ocorrido em 19 de Fevereiro de 2007, foi aberta a sucessão aos seus herdeiros;
2-Em Março de 2008, foi a ora Recorrida notificada da demonstração de liquidação de Imposto de Selo identificada pelos serviços sob o nº 2008 000123685, no montante de € 42.511,14;
3-Em virtude da transmissão gratuita operada, os serviços da Administração Tributária procederam à actualização dos valores patrimoniais tributários dos imóveis acima identificados;
Sucede porém que,
4-Salvo o devido respeito, a forma de cálculo dos valores tributáveis atribuídos a cada um dos imóveis não é a correcta;
Pelo que,
5-A liquidação de Imposto do Selo a que a ora Recorrida foi sujeita é manifestamente ilegal, por se encontrar inquinada do vício de violação de lei por incorrecta interpretação e aplicação do disposto no na alínea c) do nº 1do artigo 27º do Decreto-lei 287/2003,de 12 de Novembro;
6-Entendimento este, que veio a ser sufragado na decisão proferida pelos Exmo. Juiz de Direito do Tribunal Tributário de Lisboa;
7-De acordo com aquela norma, o Imposto de Selo relativamente a prédios rústicos deverá ser liquidado sobre o VPT inscrito na matriz à data da liquidação, corrigido através da aplicação dos coeficientes previstos na Portaria nº 1337/2003, de 5 de Dezembro;
8-Segundo os serviços da Autoridade Tributária, “o que se encontra determinado na alínea c) do nº1 do artigo 27ºdo CIMT, é a aplicação do coeficiente correspondente ao ano da última avaliação geral ou cadastral, reportando-se esta, no caso em análise, conforme ficou provado, ao ano 1970, ano limite imposto na referida Portaria.”;
Ora,
9-Esta interpretação não tem correspondência com a letra da lei;
10-No caso de actualização do VPT de prédios rústicos, o artigo 27º do DL 283/2007 estabelece apenas que o Imposto do Selo relativamente a prédios rústicos deverá ser liquidado sobre o VPT inscrito na matriz à data da liquidação;
11-A lei refere que o Imposto do Selo é liquidado sobre o VPT do prédio inscrito na matriz à data da liquidação e que esse valor deverá ser actualizado com base em factores de correcção cujo limite não poderá exceder 44,21 a fixar em função do ano da última avaliação geral ou cadastral;
12-Se analisarmos aquele artigo podemos concluir que o legislador estabelece que são os factores de correcção a ser publicados por Portaria que devem ser fixados em função do ano da última avaliação geral ou cadastral e não que se deverá aplicar o coeficiente relativo ao ano da última avaliação geral ou cadastral;
13-O valor tributável dos prédios rústicos deverá ser calculado com base no valor constante da matriz à data da transmissão, sendo de aplicar o coeficiente correspondente ao ano em que aquele valor foi determinado (1989, 1992 e 1995 consoante os casos) e não o coeficiente relativo a 1970;
Mais sendo certo que,
14-A alínea c) do nº 1 do artigo 27º do DL 287/2003 não estabelece a aplicação daquele coeficiente, apenas refere que os coeficientes de correcção monetária, a fixar por Portaria do Ministro das Finanças, não poderão ser superiores a 44,21;
Donde resulta que,
15-A presente liquidação de Imposto do Selo é manifestamente ilegal por violação do disposto na alínea c) do nº1 do artigo 27º do DL 287/2003 no que se refere à determinação do valor tributável dos prédios rústicos;
Donde,
16-Não podem proceder as alegações da Fazenda Pública, na medida em que faz uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto na alínea c) do nº1 do artigo 27º do DL 287/2003.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.168 a 171 do processo físico).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.172 e verso do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.102 a 108 do processo físico):
1-Por referência a 2007, encontravam-se inscritos na matriz os seguintes prédios rústicos:
a) Prédio rústico, inscrito, em 1970, na matriz da freguesia de Albernoa, concelho de Beja, secção D, artigo matricial …, com VPT inicial de 1.954,79 Eur. e em 2007 de 2.955,64 Eur., determinado em 1995;
b) Prédio rústico, inscrito, em 1970, na matriz da freguesia de Albernoa, concelho de Beja, secção D, artigo matricial …, com VPT inicial de 12.914,68 Eur. e em 2007 de 21.154,31 Eur., determinado em 1995;
c) Prédio rústico, inscrito, em 1970, na matriz da freguesia de Beja (Santiago Maior), concelho de Beja, secção A, artigo matricial …, com VPT inicial de 243,01 Eur. e em 2007 de 367,66 Eur., determinado em 1989;
d) Prédio rústico, inscrito, em 1970, na matriz da freguesia de Beja (Santiago Maior), concelho de Beja, secção F, artigo matricial …, com VPT inicial de 479,25 Eur. e em 2007 de 724,64 Eur., determinado em 1989;
e) Prédio rústico, inscrito, em 1970, na matriz da freguesia de Beja (Santiago Maior), concelho de Beja, secção F, artigo matricial …, com VPT inicial de 176,77 Eur. e em 2007 de 267,49 Eur., determinado em 1989;
f) Prédio rústico, inscrito, em 1970, na matriz da freguesia de Fátima, concelho de Ourém, artigo matricial …, com VPT inicial de 2,35 Eur. e em 2007 de 2,35 Eur., determinado em 1989;
g) Prédio rústico, inscrito, em 1970, na matriz da freguesia de S. Brissos, concelho de Beja, secção B, artigo matricial …, com VPT inicial de 1.926,46 Eur. e em 2007 de 31.555,62 Eur., determinado em 1992;
(cfr.fls. 22 a 28, dos autos, e fls. 16 a 22 e 40 a 46, do processo administrativo – reclamação graciosa);
2-Os VPT mencionados em 1), por referência ao ano de 2007, resultaram da aplicação do art.º 7.º, do DL n.º 442-C/88, de 30 de novembro (facto que se extrai de fls. 45 a 48, dos autos, e de fls. 40 a 46 e 55 verso a 57, do processo administrativo – reclamação graciosa, não posto em causa);
3-Na sequência da morte da sua irmã, a impugnante apresentou, a 25.07.2007, junto dos serviços da AT, declaração modelo 1 de IS, em cuja relação de bens constam, entre outras, as seguintes verbas:
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]


(cfr.fls. 18 a 21, dos autos, e fls. 12 a 15, do processo administrativo – reclamação graciosa);
4-Na sequência do mencionado em 3), foi emitida, a 20.02.2008, a liquidação de IS n.º 2008 000123685, no valor total líquido de desconto de 36.772,14 Eur., na qual foram considerados os seguintes valores tributáveis, relativamente às verbas mencionadas em 3):
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

(cfr.fls. 29 e 35, dos autos, e fls. 11, do processo administrativo – reclamação graciosa);
5-A liquidação mencionada em 4) foi paga a 30.05.2008 (cfr. fls. 35 e 36);
6-Através de documento que deu entrada, nos serviços da AT, a 24.04.2008, a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em 4) supra (cfr. fls. 30 a 34, dos autos, e fls. 6 a 10, do processo administrativo – reclamação graciosa);
7-Na sequência do mencionado em 6) foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.º 3107201104006380 (cfr.fls. 1, do processo administrativo – reclamação graciosa);
8-No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em 7) foi elaborada informação, no serviço de finanças (SF) de Lisboa 8, a 11.01.2012, da qual consta designadamente o seguinte:
"(…)
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

9-Na sequência da informação mencionada em 8), foi proferido, pela chefe do SF de Lisboa 8, despacho de indeferimento da reclamação graciosa mencionada em 6) supra (cfr.fls. 44, dos autos, e fls. 55, do processo administrativo – reclamação graciosa).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou o acto de liquidação de Imposto de Selo objecto mediato do processo, na parte impugnada (cfr.nº.4 do probatório supra), com fundamento em vício de violação de lei, concretamente, do regime previsto no artº.27, nºs.1, al.c), e 2, al.c), do dec.lei 287/2003, de 12/11, mais condenando a Fazenda Pública no reembolso do imposto indevidamente pago (cfr.nº.5 do probatório), acrescido de juros indemnizatórios, tudo a favor da impugnante.
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que se encontra determinado no artº.27, nºs.1, al.c), e 2, al.c), do dec.lei 287/2003, de 12/11, a aplicação do coeficiente correspondente ao da última avaliação geral ou cadastral, reportando-se esta, no caso em análise, ao ano de 1970, nos termos da portaria 1337/2003, de 5/12, tudo para calcular o valor patrimonial tributário (vpt) dos prédios rústicos em causa nos presentes autos. Que a liquidação impugnada não padece de qualquer vício de violação de lei, contrariamente ao decidido pelo Tribunal "a quo". Que a sentença recorrida violou o disposto no artº.27, nº.1, al.c), do dec.lei 287/2003, de 12/11, e na portaria 1337/2003, de 5/12 (cfr.conclusões A) a I) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O Imposto do Selo foi introduzido no sistema tributário português moderno pelo dec.lei 12700, de 20/11/1926, o qual aprovou o respectivo Regulamento, sendo a Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo decreto 21916, de 28/11/1932, ambos os diplomas tendo sofrido muitas alterações posteriores. Este tributo podia definir-se como um imposto que incide sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, qualquer que seja a forma do respectivo pagamento. Sendo, em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podia configurar-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. O Prof. Teixeira Ribeiro defendia que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta. O mesmo incidia, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo. Por último, refira-se que em muitos casos, o imposto de selo se configurava, conforme mencionado, como uma verdadeira taxa, como era o caso do selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (cfr. Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.272 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Livraria Almedina, 1996, pág.595 e seg.).
Com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património (cfr.dec.lei 287/2003, de 12/11), o tributo em análise mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro tributo incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. No que, especificamente, diz respeito aos bens imóveis, a determinação do valor tributável sujeito a imposto de selo tem, actualmente, por base o sistema de identificação e avaliação predial constante do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (cfr.artº.9, nº.4, do Código do Imposto de Selo; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.447 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.615 e seg.).
Os imóveis em causa nos presentes autos são de natureza rústica. O prédio rústico pode definir-se como uma parte delimitada do solo terrestre, tal como as construções nele existentes, que não tenham autonomia económica (cfr.artº.204, nº.1, al.a), do C.Civil; José de Oliveira Ascenção, Direito Civil, Reais, 4ª. Edição, Coimbra Editora, 1987, pág.43; Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Universidade Católica Editora, 2017, 5ª. Edição, I, pág.689 e seg.).
No caso "sub iudice", a questão a dirimir consiste em saber se a actualização do vpt dos prédios rústicos, para efeitos de liquidação de Imposto de Selo, no âmbito do regime transitório constante do artº.27, nº.2, al.c), do dec.lei 287/2003, de 12/11, é efectuada considerando o vpt inicial ou o existente à data da liquidação e se o factor de correcção a aplicar é o relativo ao ano de actualização do mesmo vpt ou o relativo ao ano da última avaliação geral ou cadastral do prédio.
O Tribunal "a quo" decidiu que na estruturação da liquidação de Imposto de Selo que constitui o objecto mediato do presente processo, a Fazenda Pública devia ter levado em consideração o vpt à data da liquidação.
Por sua vez, a entidade recorrente defende, nos termos do artº.27, nºs.1, al.c), e 2, al.c), do dec.lei 287/2003, de 12/11, a aplicação do coeficiente correspondente ao da última avaliação geral ou cadastral, reportando-se esta, no caso em análise, ao ano de 1970, nos termos da portaria 1337/2003, de 5/12, tudo para calcular o valor patrimonial tributário (vpt) dos prédios rústicos em causa nos presentes autos.
Vejamos quem tem razão.
Em primeiro lugar, se dirá que a liquidação objecto do presente processo se baseou na apresentação da declaração m.1 de Imposto de Selo por parte da impugnante, enquanto cabeça-de-casal da herança de sua falecida irmã, sendo estruturada ao abrigo dos artºs.1, nº.3, 25 e 26, do Código do Imposto de Selo, tal como da verba 1.2, da Tabela Geral do Imposto de Selo.
O dec.lei 287/2003, de 12/11, procedeu à reforma da tributação do património.
Reconheceu-se em todo este processo legislativo a problemática da desactualização dos vpt dos prédios urbanos e rústicos, como resulta evidenciado no preâmbulo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado em anexo ao diploma mencionado, no qual se refere que um dos objetivos desta reforma foi o de aproximar o valor tributário dos prédios ao seu valor de mercado.
Em virtude do acabado de mencionar, foi fixado um regime transitório, quer para os prédios urbanos (este dependente ainda da futura avaliação geral, com limite temporal definido), quer para os prédios rústicos.
No que respeita aos prédios rústicos, para efeitos de liquidação de Imposto de Selo, é de chamar ao cotejo o artº.27, nºs.1, al.c), e 2, al.c), do dec.lei 287/2003, de 12/11, sob a epígrafe, Liquidação do IMT e do imposto de selo, nos termos do qual:
1 - O IMT relativo aos prédios cujo valor patrimonial tributário tenha sido determinado nos termos do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, e enquanto não for efetuada a avaliação geral da propriedade imobiliária, nos termos previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis(CIMI), é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no CIMT, nos termos seguintes: (…)
c) O imposto relativo a prédios rústicos é liquidado sobre o valor patrimonial tributário inscrito na matriz à data da liquidação, actualizado com base em factores de correcção monetária cujo limite não poderá exceder 44,21, a fixar em função do ano da última avaliação geral ou cadastral, a publicar em portaria do Ministro das Finanças, ou pelo valor constante do acto ou do contrato, consoante o que for maior.
2 - O imposto do selo é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no respetivo Código, nos seguintes termos:
(…)
c) No caso dos prédios rústicos, com base no valor patrimonial tributário atualizado pela forma prevista na alínea c) do n.º 1.

Por sua vez, os factores de correcção monetária mencionados no citado artº.27, nº.1, al.c), foram consagrados na portaria 1337/2003, de 5/12, diploma que estatuía o seguinte:
Preâmbulo
(…)
O método mais objectivo e justo de actualização dos valores patrimoniais seja o que assenta na aplicação dos coeficientes de correcção monetária, tal como a lei determina no artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
Os coeficientes de correcção monetária estabelecidos resultam da evolução do índice de preços no consumidor desde 1970, cujas componentes integram a evolução temporal dos preços no mercado imobiliário.
(…)
Fixam-se também os coeficientes de correcção monetária para actualização do valor patrimonial tributário dos prédios rústicos para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis e de imposto do selo nas transmissões gratuitas.
Anexo
Quadro de actualização dos coeficientes de desvalorização da moeda aplicáveis para actualização do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos não arrendados a que se refere o artigo 16.º e dos prédios rústicos a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
Até 1970 ... 44,21
1971 ... 42,08
1972 ... 39,34
1973 ... 35,76
1974 ... 27,42
1975 ... 23,43
1976 ... 19,62
1977 ... 15,06
1978 ... 11,80
1979 ... 9,29
1980 ... 8,38
1981 ... 6,85
1982 ... 5,69
1983 ... 4,54
1984 ... 3,54
1985 ... 2,94
1986 ... 2,68
1987 ... 2,44
1988 ... 2,22
1989 ... 1,97
1990 ... 1,77
1991 ... 1,56
1992 ... 1,46
1993 ... 1,35
1994 ... 1,28
1995 ... 1,23
1996 ... 1,19
1997 ... 1,17
1998 ... 1,14
1999 ... 1,11
2000 ... 1,08
2001 ... 1,04
2002 ... 1,00

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Como resulta da exegese da norma constante do identificado artº.27, nº.1, al.c), do dec.lei 287/2003, de 12/11, aplicável ao Imposto de Selo, "ex vi" do nº.2, al.c), do mesmo artigo, o legislador convoca dois momentos a ter em conta no cálculo do vpt dos prédios rústicos:
1-Um primeiro, correspondente à data da liquidação;
2-Um segundo, correspondente ao ano da última avaliação geral ou cadastral (cfr.J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, Anotados e Comentados, 1ª. Edição, Engifisco, 2005, pág.611).
Assim, no caso dos autos, e em relação ao primeiro momento, dúvidas não há que o mesmo ocorreu em 2007, sendo de atender ao vpt actualizado nessa data e constante do nº.1 do probatório supra, tudo conforme decidiu o Tribunal "a quo".
Ora, sucede que não foram esses os valores considerados pela Fazenda Pública em sede de liquidação, como resulta, aliás, do teor da informação que fundamenta o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cfr.nº.8 do probatório).
Com efeito, os valores considerados pela A. Fiscal foram os vpt iniciais, aos quais aplicou o coeficiente de 44,21 (coeficiente de actualização aplicável desde 1970, tudo conforme o teor da portaria 1337/2003, de 5/12, identificada acima).
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

E recorde-se que o cálculo do vpt dos prédios rústicos, em sede de Imposto de Selo, deve seguir as regras consagradas para a cédula do I.M.T., conforme acima se exarou (cfr.artº.82, nº.2, al.b), da Lei 26/2003, de 30/07, autorização legislativa do posterior dec.lei 287/2003, de 12/11, diploma que estruturou a Reforma do Património - elemento histórico de interpretação da norma).
Com estes pressupostos, a Fazenda Pública deveria ter considerado o vpt à data da liquidação (ou seja, o vpt apurado em 1989, 1992 e 1995 e constante do nº.1 do probatório supra) e não o vpt inicial relativo ao ano de 1970, face a todos os prédios rústicos identificados no nº.1 do probatório e cuja liquidação é objecto mediato do presente processo.
Concluindo, incorreu a A. Fiscal em vício que se consubstancia no erro sobre os pressupostos de direito, o qual é gerador da anulabilidade da liquidação de Imposto de Selo, na parte em que vem impugnada.
Atento o relatado, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito (violação do regime previsto no artº.27, nºs.1, al.c), e 2, al.c), do dec.lei 287/2003, de 12/11, tal como na portaria 1337/2003, de 5/12), pelo que se julga improcedente o recurso e se confirma a decisão objecto da apelação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 28 de Abril de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Paulo José Rodrigues Antunes - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.