Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0541/08
Data do Acordão:10/29/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO PRO ACTIONE
Sumário:I - Não consagrando a lei fórmulas sacramentais, tanto no que se refere à causa de pedir como ao pedido, é de aceitar a petição inicial impugnatória em que, pese embora a respectiva falta de rigor técnico, seja suficientemente preciso o efeito jurídico que se pretende obter.
II - O que corresponde a princípios ora insistentemente apregoados, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, augurando a concretização de uma tutela efectiva e eficaz constitucionalmente consagrada: os princípios anti-formalista, pro actione ou pro favoritate instanciae (favorecimento do processo).
Nº Convencional:JSTA00065290
Nº do Documento:SA2200810290541
Data de Entrada:06/17/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART120 ART68 N1 ART70 N1 ART111 N3 N4 ART97 N1 D F.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1950 DE 1995/10/04.; AC STJ DE 1993/02/09 IN BMJ N427 PAG748.; AC STA PROC21556 DE 2000/06/07.; AC STA PROC20519 DE 1996/11/06.; AC STA PROC24803 DE 1996/11/06.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A…, Lda., vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a impugnação judicial pela mesma deduzida com referência ao IRC do exercício de 2003.
Fundamentou-se a decisão em que o acto impugnado que enquadrou o impugnante no regime simplificado de determinação do lucro tributável, apesar de aquela ter optado pelo regime geral, na declaração de início de actividade, é apenas um acto interlocutório do procedimento e, como tal, inimpugnável por não lesivo, atento o princípio da impugnação unitária expresso no artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.º - Como resulta do acima articulado, a recorrente foi notificada da liquidação de IRC respeitante ao ano de 2003;
2.º - Atenta essa notificação reagiu contra a mesma mediante impugnação contenciosa;
3.º - Como igualmente atrás se narra, o Exmo. representante da FP e o Ilustre Magistrado do Ministério Público defenderam a posição de que tal impugnação era meio processual impróprio para a impugnante, aqui recorrente, reagir contra a liquidação em causa, com a fundamentação constante dos atrás referidos e juntos docs. n.º 8 e 9, que aqui se dão por reproduzidos;
4.º - A recorrente manteve a sua posição nas alegações subsequentes – meio processual próprio;
5.º - O Meritíssimo Senhor Juiz a quo, porém, sufragou a posição da FP e do M. Público e decidiu que “o acto impugnado não é considerado um acto destacável que justifique a sua impugnação autónoma, porque não condiciona irremediavelmente a decisão final. Pelo que carece de apoio legal, e como tal não poderá proceder”, termos em que julgou improcedente a presente impugnação.
A contrario,
6.º - A recorrente, venia data, mantém a propriedade do meio processual de que lançou mão, sustentando que a douta decisão ora em crise viola o disposto nos n.º 2 do art. 102.º do CPPT, bem como a alínea c) do n.º 1 do art. 97.º do mesmo diploma legal.
7.º - Louvando-se, nomeadamente na douta sentença prolatada por um outro Meritíssimo Senhor Juiz do mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel sobre igual questão, acima largamente citada, e cuja cópia, devidamente certificada, foi junta sob a designação de doc. n.º 11.
Não houve contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso por, no julgado, “se ter feito boa interpretação e aplicação da lei”.
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
- A ora impugnante apresentou declaração de início de actividade em 12.09.2001, tendo indicado um volume de negócios de 50.228,95 euros, na qual efectuou a opção pelo Regime Geral de Determinação do Lucro Tributável;
- No primeiro exercício facturou 44,226,90 euros;
- A impugnante está colectada com o CAE 45211 – Construções de Edifícios, e enquadrada no Regime Normal Trimestral em sede de IVA;
- Como tal, no exercício de 2002 e seguintes, por força do disposto no n.º 1 do art. 53.º do CIRC, e em face do volume de proveitos do exercício de 2001, porque verificados os requisitos de enquadramento no regime simplificado, foi o mesmo aplicado pela administração fiscal automaticamente por um período de 3 exercícios.
Vejamos, pois:
Como resulta do exposto, a sentença elegeu, como acto contenciosamente impugnado, o que enquadrou a ora recorrente no regime simplificado de determinação do lucro tributável, em prejuízo da opção pelo regime geral efectuada pela contribuinte.
Não se crê, todavia, que seja esta a melhor interpretação do petitório.
Como se mostra dos autos, a recorrente “devidamente notificada da demonstração da liquidação de IRC 200500003585249”, relativa ao IRC de 2003, veio “da mesma reclamar nos termos do artigo 128.º do CIRC e 70.º e 102.º do CPPT” pondo em causa, em síntese, o regime de determinação do lucro tributável por que optou a Administração Fiscal.
Tal reclamação foi indeferida tendo-se este como correcto.
A recorrente veio, então, “impugnar o douto despacho proferido na reclamação graciosa”, “impugnando a forma de determinação do rendimento colectável, em sede de IRC, referente ao ano de 2003, operado pelos serviços fiscais”, pondo em causa justamente a referida opção da Administração Fiscal.
Acabando por “requerer” o deferimento da reclamação e que tal declaração de início de actividade tenha “o efeito que lhe é devido pelos pressupostos legais existentes, ou seja, estabelecer à impugnante o regime geral de tributação por si expressamente escolhido”.
E, nas alegações impugnatórias, em termos do artigo 120.º do CPPT, refere-se à “anulação da liquidação”.
Mas assim sendo e sem que a petição constitua, na verdade, nenhum modelo perfeccionista, crê-se ser de concluir que a recorrente pretende pôr em causa a liquidação do IRC de 2003 – erigida, pois, como objecto da impugnação – com fundamento na errónea escolha pelo fisco do regime de determinação do lucro colectável – causa de pedir.
É que, como aliás se refere no acórdão do STA de 4 de Outubro de 1995 – rec. n.º 01950, não impõe a lei, em tal matéria, fórmulas sacramentais, rígidas ou insubstituíveis, exigindo-se apenas que o impugnante descreva a sua pretensão expondo os seus fundamentos e objecto, exprimindo a vontade de que o tribunal profira uma sentença de conteúdo favorável à pretensão manifestada.
Ou seja: pese embora a falta de rigor técnico na formulação do pedido, a impugnante deu a conhecer suficientemente, ao tribunal, o efeito jurídico que pretende obter com a acção impugnatória.
No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 9 de Fevereiro de 1993, in BMJ 424-748.
Ora, nenhuma dúvida existe, face ao acima exposto, de que a pretensão da impugnante é a anulação do IRC de 2003, por indevida inclusão no dito regime simplificado.
A tese aqui exposta corresponde, por outro lado, a princípios ora insistentemente apregoados, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, consagrando a concretização de uma tutela efectiva e eficaz constitucionalmente consagrada: os princípios anti-formalista, pro actione ou pro favoritate instanciae (favorecimento do processo).
Certo que a impugnante pede o deferimento da reclamação, que não, directamente, a anulação da liquidação.
Pelo que há, desde logo, que definir o objecto da impugnação contenciosa do indeferimento da reclamação: se a própria liquidação, se a decisão do procedimento gracioso, se ambas.
Segundo dispõe o artigo 68.º, n.º 1, do CPPT, a reclamação "visa a anulação total ou parcial dos actos tributários" e - artigo 70.º, n.º 1 - "pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial".
A interligação entre os dois processos é tal que o n.º 2 daquele primeiro normativo proíbe a reclamação "quando tiver sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento".
O que está em sintonia com o disposto no artigo 111.º, n.os 3 e 4, donde "resulta uma preferência absoluta do processo judicial sobre o processo administrativo de impugnação de um mesmo acto tributário, impedindo-se que seja apreciada, por via administrativa, a legalidade de um acto tributário que seja objecto de impugnação judicial” - cfr. Jorge de Sousa, ob. cit., p. 342, nota 11.
Assim, do indeferimento da reclamação, sem dúvida que emerge a manutenção do acto tributário de liquidação.
Todavia, também a própria decisão de indeferimento está em causa, pois dela cabe impugnação judicial, nos termos expostos.
Propendemos, até, ao entendimento de que esta constitui o seu objecto imediato e a liquidação o seu objecto mediato - cfr. o acórdão deste STA, de 7 de Junho de 2000 – recurso n.º 21.556.
Todavia, tal diferenciação não tem relevo uma vez que, assim sendo, os dois integram o conhecimento do tribunal: o acórdão do STA de 6 de Novembro de 1996 – recurso n.º 20.519, seguido pelo aresto daquela mesma data proferido no recurso n.º 24.803, considera objecto imediato da impugnação o acto de liquidação mas logo acrescenta que aí se conhece tanto dos aspectos atinentes aos vícios próprios do indeferimento da reclamação como das ilegalidades imputadas ao acto tributário que aquele considerou não existirem.
Como ali se refere, ainda que a decisão da reclamação não constitua um acto tributário stricto sensu, "não estava o legislador impedido de o fazer equivaler a um acto tributário para efeitos de escolha do respectivo processo judicial, desde que esse meio processual se revelasse como sendo o mais funcionalmente adequado à defesa do direito em causa".
Nem obstáculo se veja por a impugnante, em contencioso anulatório, como é ainda a impugnação judicial, pedir ao tribunal o deferimento da reclamação.
Pois é também apodíctico, nos preditos termos, que o que pretende é tanto a anulação da decisão desta como a da liquidação, a que se seguiria, na decisão processual que atendesse tal pretensão, novo acto da Administração, em complemento do julgado, a acolher a pretensão da impugnante.
Finalmente, estando em causa, como se viu, a apreciação da legalidade da liquidação, é idóneo o meio processual de impugnação judicial adoptado pela impugnante – artigo 97.º, n.o 1, alíneas d) e f).
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, a substituir por outra que conheça de meritis, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Outubro de 2008. – Brandão de Pinho (relator) – Pimenta do ValeMiranda de Pacheco.