Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0480/12.1BESNT
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO IMPUTÁVEL À ADMINISTRAÇÃO
Sumário:I – O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.
II – A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT.
III – Isto, sem prejuízo de o contribuinte poder pedir a indemnização a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado, não só pela Constituição (art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), mas em processo próprio.
Nº Convencional:JSTA000P27889
Nº do Documento:SA2202106230480/12
Data de Entrada:02/15/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.................. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.- Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 23-09-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação deduzida por A…………………………….. e B……………………………. melhor sinalizados nos autos, contra a liquidação adicional de IRS de 2005, emitida em 05.12.2011, e respetiva liquidação de juros compensatórios, no montante de € 6.607,15.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

“I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou totalmente procedente a Impugnação Judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS de 2005, emitida em 05.12.2011, com o n.º 2011 5005146169, e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 20112011466, englobadas na demonstração de acerto de contas n.º 00001821182, no montante de € 6.607,15 – na parte em que logrou condenar a Fazenda Pública nos respetivos juros indemnizatórios.
II) Determinada que foi, in casu, a caducidade do direito à liquidação mostra-se inaplicável a jurisprudência citada na sentença recorrida, devendo ter concluído, no seu lugar, à luz da jurisprudência vazada, a título exemplificativo, do acórdão proferido por este Colendo STA em 30 de maio de 2012 produzido no rec 0410/2012 a que tem aderido o Venerando TCA Sul que, aquele fundamento embora determine a anulação da liquidação mostra-se insuscetível de conferir ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios por não decorrer de um juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente impedindo-o, consequentemente, de concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de que dependeria o erro imputável aos serviços.
III) O reconhecimento à Impugnante, do direito a juros indemnizatórios suportado no erro imputável aos serviços que, em bom rigor, não apreciou nem decorre da caducidade do direito à liquidação que corretamente verificou – configura evidente erro de apreciação jurídica, mostrando-se violado disposto nos arts. 43º, nº 1; 45º, nº 1, e 74º, nº 1, todos da LGT.
IV) Não pode a douta sentença manter-se na Ordem Jurídica, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que, reconhecendo o mérito trazido no presente recurso, julgue parcialmente procedente a presente Impugnação Judicial, absolvendo a AT, tão só, do requerido e determinado pagamento de juros indemnizatórios.
Termos em que, deverá ser considerado procedente o recurso ora apresentado, julgando-se parcialmente procedente a presente Impugnação Judicial.
V/Exas, porém, decidindo, não deixarão de fazer habitual justiça. “

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso, no parecer que se segue:

INTRODUÇÃO
A Fazenda Pública vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 23 de Setembro de 2020, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………………….. e B…………………….. da liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios do ano de 2005, no valor global de €6.607,15 (cf. fls. 166 a 173 do SITAF).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, a Recorrente, invocando, erro de julgamento da matéria de direito, pretende com o presente recurso jurisdicional a revogação por este tribunal ad quem da, aliás, douta sentença proferida pelo tribunal a quo no segmento que a condenou no pagamento de juros indemnizatórios,
Por entender que a anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade,
Não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
DO MÉRITO DO RECURSO
A única questão que é suscitada nos autos prende-se com a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, pois a Fazenda Pública, ora Recorrente, limitou o recurso a esse segmento da sentença.
Vejamos se lhe assiste razão.
Sobre a questão agora suscitada pela Recorrida, já se debruçou o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 12.02.2015, proferido no processo 01610/13, disponível em www.dgsi.pt.
Como se sublinhou no referido Acórdão, “…Já quanto à caducidade do direito à liquidação, que no caso sub judice foi declarada por o Impugnante não ter sido validamente notificado dentro do prazo que a lei fixa para a AT exercer o direito de liquidar o imposto, a questão não é líquida.
Vejamos:
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa [no presente caso do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto] anulou a liquidação impugnada com fundamento na caducidade do direito da AT à liquidação porque considerou que o Contribuinte não foi notificado deste acto tributário dentro do prazo da caducidade (….)
Seja como for, a declaração de caducidade não implica a existência de um erro – vício sobre os pressupostos de facto ou de direito – que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT
Vejamos:
É certo que no caso sub judice não estamos perante uma simples situação de falta de notificação (válida) da liquidação, caso em que seria inequívoco que tal vício, de natureza procedimental e exterior ao procedimento de liquidação, em nada contenderia com a relação jurídica material tributária e, por isso, seria insusceptível de conferir ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT.
Na verdade, se a questão fosse de mera preterição de formalidade legal na comunicação do acto ao Contribuinte, sempre o vício poderia ser sanado mediante a repetição da notificação, com observância da forma legalmente exigida, pelo que nunca se justificaria a concessão do direito a juros indemnizatórios.
No caso, porém, a situação não é de simples falta de notificação da liquidação, mas é de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito (cfr. art. 45.º, n.º 1, da LGT); ou seja, do facto de a notificação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito retirou-se como consequência a perda do direito de liquidar o tributo.
No entanto, se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.
Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto.
(Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo:
a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se;
a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos.
Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora).).
Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.
Ora, como resulta do que deixámos já dito, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido.
É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação.
Não significa isto que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude).
Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 5. ao art. 61.º, pág. 532/533.)
Conclui-se, assim, que nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT….”.
No mesmo sentido, os Acórdãos do Pleno do STA, de 4/11/202, proc. nº 037/19.6BALSB e da 2ª Secção do STA, de 30/05/2012, proc. nº 0410/12, também disponíveis em www.dgsi.pt.
Consequentemente, entendemos que o recurso merece provimento.
CONCLUSÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, julgando-se improcedente a impugnação, quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Em 13.05.2006, os ora Impugnantes apresentaram a Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2005, que aqui se dá por reproduzida, além do mais com o respetivo Anexo G, onde declarou a alienação de um imóvel adquirido em 1999, preenchendo os campos 504 e 506, relativos à intenção de reinvestimento e valor reinvestido no ano da alienação, respetivamente, ambos com o valor de € 84.668,77 – cf. doc. 6 junto à p.i. e fls. 73 a 82 do suporte físico dos autos.
B) A declaração referida na alínea que antecede, que originou a liquidação n.º 2006 5003164475, de 21.07.2006, que apurou imposto a pagar no valor de € 132.457,92 – cf. doc. 7 junto à p.i..
C) Atos impugnados: Em 05.12.2011 foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2011 5005146169, relativa ao ano de 2005, que apurou a quantia de pagar € 139.065,07 a pagar, sendo € 137.869,02 de imposto e € 1.196,05 de juros compensatórios, e que, após compensação com a liquidação referida em B), através da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 00001821182, apurou a quantia de € 6.607,15 a pagar – cf. docs. 1, 2 e 3 juntos à p.i..
D) Os impugnantes foram notificados da liquidação de imposto e juros compensatórios identificados em C) em 19.12.2011 e da respetiva demonstração de acerto de contas em 21.12.2011 – cf. docs. 1, 2 e 3 juntos à p.i..
E) Em 09.01.2012, os ora impugnantes requereram ao chefe do serviço de finanças de Cascais-2, ao abrigo do art.º 37.º do CPPT, “a emissão de certidão que contenha os seguintes requisitos omitidos:
a) Texto integral do despacho que ordenou a liquidação em referência, data e cópia de todas as informações que levaram à sua prolacção - em suma expressa fundamentação do acto de liquidação em referência;
b) Expressa indicação de todas as diligências e actos praticados que, comprovadamente, demonstrem a conclusão alcançada de que se justifica a liquidação em referência e os termos em que a mesma foi efectuada;
c) Indicação dos motivos que levaram ao afastamento do direito de participação dos oras exponentes no procedimento que culminou com a decisão da liquidação em referência;
d) Texto integral do acto que determinou a dispensa da audição prévia dos ora exponentes;
e) Esclarecimento sobre o cabimento da liquidação em referência / desrespeito pela caducidade do direito à liquidação dos tributos referentes a 2005 - v. Art.º 45.º da LGT;
f) Expressa indicação dos demais elementos constantes dos Arts 36.º, n.º 2 e 37.º, n.º 1 do CPPT que não se encontrem expressamente indicados nas alíneas anteriores;
g) Idênticos elementos/informação descrita nas alíneas a) a f) supra, relativamente à Demonstração de Liquidação de Juros - Compensação n.º 2011 00007377530.
[…] – cf. doc. 4 junto à p.i..

F) O pedido que antecede foi reiterado por fax de 16.03.2012 – cf. doc. 5 junto à p.i..
G) Não foi emitida pelo serviço de finanças qualquer resposta aos requerimentos referidos em E) e F) – facto não controvertido.
H) Em 23.03.2012, os ora impugnantes procederam ao pagamento da quantia referida em C), acrescida de juros de mora e custas, no total de € 6.703,73, no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para o efeito – cf. docs. 8 e 9 juntos à p.i..
I) A certidão requerida nos termos das alíneas que antecedem nunca foi emitida, tendo sido exarado nos referidos requerimentos despacho ordenando o respetivo arquivamento “sem mais formalidades” – facto não controvertido e cf. 59 e 61 do processo administrativo tributário (PAT) apenso.
J) Em 19.04.2012 a presente impugnação judicial foi enviada a este TAF – cf. fls. 2 dos autos (suporte físico).
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação apresentada pelos então recorrentes, ora recorridos, padece de erro de julgamento de direito, porquanto a anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de que dependeria o erro imputável aos serviços, por não decorrer de um juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente, pelo que inexiste o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte.
Vejamos.
A questão nos sobreditos termos suscitada tem sido objecto de jurisprudência suficientemente consolidada desta Secção de Contencioso Tributário, a qual se vem pronunciando no sentido de que quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no art. 43.º da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante - cf. neste sentido, os Acórdãos de 29 de Outubro de 2008, proferido no processo com o n.º 622/08 de 21 de Janeiro de 2009, proferido no processo com o n.º 945/08, de 9 de Setembro de 2009, proferido no processo com o n.º 369/09, de 4 de Novembro de 2009, proferido no processo com o n.º 665/09, de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo como n.º 942/09, de 8 de Junho de 2011, de 7 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 416/11, e de 30.05.2012, proferido no processo 410/12, todos in www.dgsi.pt.
Lapidar sobre tal problemática é a doutrina plasmada no acórdão do Pleno do Contencioso Tributário deste STA de 04/11/2020, Processo nº037/19.6BALSB, relatado pelo Exmºs Conselheiro Aníbal Ferraz, 1º adjunto desta formação cujo pertinente bloco fundamentador e com a devida vénia que se extracta:
“(…) quanto ao mérito, somente, se mostra necessário registar que o doutrinado no acórdão fundamento mantém plena atualidade, ao ponto de, além doutras pronúncias, no mesmo sentido, já, assumidas pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do STA, trazermos, agora, à colação uma das mais recentes. Assim, no acórdão de 30 de setembro de 2020 (2009/18.9BALSB), sem dissidência, estando em causa, igualmente, uma decisão do CAAD, voltou a ser (re)afirmado: «
(…).
Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios.
Já quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.
Mais, nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos respectivos danos.
Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no acórdão n.º 203/2013,“[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal”.
É, pois, esta interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que uma vez mais se confirma e reitera.
(…). »
Só resta, como é imperioso, concluir pela verificação de erro, na decisão sob crítica, no que tange à determinada condenação, da AT, no pagamento de juros indemnizatórios, à sociedade requerente da tutela arbitral (tributária), porque, na situação julganda, não são, legalmente, devidos.”
E, mais especificamente sobre caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, em que o tribunal recorrido havia anulado a liquidação impugnada com fundamento na caducidade do direito da Administração Tributária à liquidação, se pronunciou Acórdão de 12.02.2015, Processo nº 01610/13, que, tal como o do Pleno já citado e reproduzido, se encontram disponíveis para consulta el www.dgsi.pt em cujo discurso jurídico se verteu o seguinte:
“(…) Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que, pelo que nos limitaremos a reproduzir a argumentação expendida no supracitado Acórdão 410/12 de 30.05. 2012,
Como se sublinha naquele aresto «Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT.
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.
Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..)
O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.
Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento de um vício de forma ou de incompetência, fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.
Assim, compreende-se que a LGT, em sintonia com a doutrina tradicional, nos casos em que há uma anulação de um acto administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, atribua uma indemnização baseada em presunção de danos (no caso sob a forma de juros) e não faça idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação» (Idem, págs. 531/532..)
De acordo com a doutrina exposta, é jurisprudência consolidada nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto n o art. 43.º da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante (…..)
Dito isto, e verificando agora se a sentença incorreu em erro de julgamento na parte em que condenou a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios, diremos que a questão só se coloca relativamente à caducidade do direito à liquidação e já não ao outro fundamento – a violação do princípio da participação por o Contribuinte não ter sido notificado para o exercício do direito de audição – por que a Juíza do Tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial. Na verdade, relativamente a este último fundamento, sendo inequívoco que se trata de vício de forma, não haveria lugar suporte legal para a atribuição de juros indemnizatórios ao Impugnante, nos termos que deixámos referidos.
Já quanto à caducidade do direito à liquidação, que no caso sub judice foi declarada por o Impugnante não ter sido validamente notificado dentro do prazo que a lei fixa para a AT exercer o direito de liquidar o imposto, a questão não é líquida.
Vejamos:
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa anulou a liquidação impugnada com fundamento na caducidade do direito da AT à liquidação porque considerou que o Contribuinte não foi notificado deste acto tributário dentro do prazo da caducidade, uma vez que não foram cumpridos os requisitos da notificação por “hora certa”(….)
Seja como for, a declaração de caducidade não implica a existência de um erro – vício sobre os pressupostos de facto ou de direito – que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT Vejamos:
É certo que no caso sub judice não estamos perante uma simples situação de falta de notificação (válida) da liquidação, caso em que seria inequívoco que tal vício, de natureza procedimental e exterior ao procedimento de liquidação, em nada contenderia com a relação jurídica material tributária e, por isso, seria insusceptível de conferir ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT. Na verdade, se a questão fosse de mera preterição de formalidade legal na comunicação do acto ao Contribuinte, sempre o vício poderia ser sanado mediante a repetição da notificação, com observância da forma legalmente exigida, pelo que nunca se justificaria a concessão do direito a juros indemnizatórios.
No caso, porém, a situação não é de simples falta de notificação da liquidação, mas é de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito (cfr. art. 45.º, n.º 1, da LGT); ou seja, do facto de a notificação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito retirou-se como consequência a perda do direito de liquidar o tributo.
No entanto, se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.
Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos. Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora).). Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.
Ora, como resulta do que deixámos já dito, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação.
Não significa isto que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 5. ao art. 61.º, pág. 532/533..)
Conclui-se, assim, que nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT.» (fim de citação).
É esta a jurisprudência que também aqui se acolhe e se reitera, já que se entende que a respectiva fundamentação é inteiramente transponível para o caso dos autos, pelo que, com base nessa mesma fundamentação jurídica, se conclui que o recurso merece provimento.
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3. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso e revogar da sentença recorrida na parte referente à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Custas pelos Recorridos, mas apenas na parte em que decaiu (pedido de juros indemnizatórios) e em 1.ª instância, uma vez que não contra alegou o recurso.

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Lisboa, 23 de Junho de 2021

José Gomes Correia (relator) que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento Aníbal Augusto Ruivo Ferraz e Paula Cadilhe Ribeiro.