Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01154/18.5BESNT
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO
CAPITAL
MAIS VALIAS IMOBILIÁRIAS
Sumário:Às mais-valias imobiliárias obtidas por um não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no artigo 72.º do Código do IRS, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2 do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo, por desconformidade com o artigo 63.º do TFUE.
Nº Convencional:JSTA000P27670
Nº do Documento:SA22021051201154/18
Data de Entrada:10/14/2019
Recorrente:A................................
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A……………………, com os demais sinais dos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada a folhas 124 a 128 do SITAF, a qual julgou improcedente a impugnação por ele deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios, relativa ao período de tributação de 2017, no valor de € 46.274,72.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. Determina o artigo 43.º, n. 2, do CIRS, que o saldo de mais-valias “... referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.”;
B. Acontece que o saldo de mais-valias declarado pelo ora Recorrente foi considerado em 100% do seu valor, em vez de em 50% como era devido, conforme acima exposto, tendo a totalidade desse rendimento sido sujeita a tributação por aplicação uma taxa autónoma de 28 % (Eur. 46.274,72 = Eur. 165.266,87 x 28 %) que se depreende lhe ter sido aplicada ao abrigo da previsão da alínea a), do n.º 1, do artigo 72.º, do CIRS.
C. Ou seja, o ora Recorrente deveria ter sido, mas não foi considerado pela Recorrida como residente no que respeita à aplicação do previsto no n.º 2, do artigo 43.º, do CIRS, o que está em total desarmonia com a jurisprudência nacional e da União Europeia, o que representa um vício de violação de lei.
D. O tribunal a quo veio considerar que a jurisprudência citada pelo ora Recorrente se limitava factos anteriores à alteração legislativa resultante da Lei n.º 67-A/2007 (que estabeleceu as disposições constantes dos n.º 7 e n.º 8, do artigo 72.º do CIRS, a que correspondem os actuais n.º 9 e n.º 10) e, portanto, impunha-se "... verificar” ex novo”, da sua compatibilidade com o dito princípio dos Tratados da U.E. relativo à livre circulação de capitais." (sic).
E. O resultado de tal verificação foi manifestamente precipitado ao concluir no caso sub iudice pela compatibilidade da liquidação impugnada com os princípios e normas de direito europeu que garantem o direito à livre circulação de capitais e, consequentemente, corroborando a sentença recorrida aquele vício de violação de Lei.
F. O que a aplicação do actual artigo 72.º, n.º 9 prevê, é a possibilidade do uso pelos não residentes das taxas gerais (progressivas e em regime de englobamento) como aplicáveis aos residentes, conforme previstas na tabela do n.º 1, do artigo 68.º, CIRS.
G. Por um lado, ao contrário do que o tribunal a quo equivocamente concebeu, o exercício de tal opção não significa que se aplique aos não residentes a regra de limitação a metade do saldo da mais valia, como constante do n.º 2, do artigo 43.º, porque essa é regra para determinação da matéria colectável (e não da taxa aplicável) do imposto e, inclusive, expressamente prevista para residentes: o que não é o caso do ora Recorrente, por ser não residente;
H. O tribunal a quo deveria saber que tal opção no preenchimento do modelo de declaração daquele rendimento não resulta, nem poderia resultar, numa liquidação em que o rendimento fosse determinado para o Impugnante conforme previsto no mencionado n.º 2, do artigo 43.º.
I. Nessa opção apenas se permite que o Impugnante pudesse usar a aplicação das taxas (progressivas e em regime de englobamento) do imposto de que beneficiam os residentes (i.e., caso também preenchesse outros requisitos para o efeito: como a apresentação da declaração dos rendimentos obtidos fora do território nacional).
J. Não é, pois, verdade no que toca ao apuramento do tributo: que “… o legislador nacional impôs neste caso um tratamento similar ao previsto para os residentes neste território…”;
K. E, muito menos, que “ ... os referidos residentes em outro Estado membro da U.E., passaram a poder optar pela tributação desses rendimentos (de mais valias pelas alienações de imóveis) à taxa aplicável aos residentes em território nacional, conforme resulta do disposto no nº 9, do artº 72º, do CIRS, o que significa que, não apenas se aplicaria a tabela prevista no nº 1, do artº 68º, do mesmo Código, como ter-se-ia de considerar a regra ínsita no nº2, do artº 43º, na medida em que nesse caso as regras de determinação do rendimento colectável seriam as que se considerariam para os residentes em território nacional em razão dessa assimilação assumida na lei.” (vide fls. 4, da sentença) (sublinhado nosso);
L. Se assim fosse, porque não teria optado o legislador português pela pura e simples eliminação da referência aos “residentes”, no texto do n.º 2, do artigo 43.º, com os ajustamentos eventualmente necessários?
M. Assim, não é rigoroso a sentença concluir que, por não ter exercido aquela opção, o Impugnante preteriu o apuramento do tributo em circunstâncias análogas às dos residentes, pois, este sempre seria desigualmente realizado sobre a totalidade (e não a metade) das mais valias prediais, de acordo com o elemento literal do n.º 2, do artigo 43.º ainda que, posteriormente, sujeita a englobamento com outros eventuais rendimentos e sujeição à taxa progressiva de imposto aplicável aos residentes;
N. A Fazenda Pública entende que a disciplina do n.º 2, do artigo 43.º, apenas é aplicável a residentes em território nacional, em consonância, com o elemento literal da norma e com as especificidades do regime interno de tributação das pessoas singulares, vigente em Portugal, assente no princípio do englobamento e da progressividade.
O. Por outro, lado veja-se que tal expediente permite permanecer vigente uma moldura legal impondo um tributo desigual a não residentes na determinação de matéria coletável o que, manifestamente, é discriminatório em sentido negativo e, assim, proibido no Tratado da União Europeia.
P. Isto porque além do exercício da referida opção pelas taxas gerais não anular a diferença entre residentes e não residente, representando um ónus suplementar destes últimos face aos contribuintes residentes, também não exclui os efeitos discriminatórios do regime supletivo que permanece assim inválido à luz do direito comunitário.
Q. Essa opção de equiparação, constante dos agora n.º 8 e 9 do artigo 72.º, do CIRS, vigente à data dos factos sub iudice, não permite afastar o juízo de discriminação a propósito formulado pelo TJCE sobre a previsão restritiva do n.º 2, do artigo 43.º, do CIRS a sujeitos passivos residentes.
R. Para além de a previsão deste regime facultativo, como já se disse e se reitera, fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, sendo que a faculdade de opção pela equiparação não é sequer susceptível de excluir a discriminação em causa (conforme alegado nos pontos 26 a 30 acima).
S. Em síntese: ainda que se concebesse, por mera hipótese de raciocínio (e, portanto, sem conceder minimamente, que os pressupostos em que labora a sentença estivessem acertados, o certo é que a especial faculdade dos não residentes optarem pelo regime das taxas gerais não teria por efeito “legalizar” as liquidações realizadas no regime supletivo, como a dos presentes autos, que manter-se-iam patentemente discriminatórias e por isso feridas do vício de violação de lei.
T. Perante o acima exposto, cremos não existir dúvidas sobre a existência do vício alegado pelo Impugnante, ora Recorrente, por incompatibilidade do n.º 2, do artigo 43.º com o presente artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (a que correspondeu o anterior artigo 56.º), na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a consequente anulação do acto tributário impugnado, assim merecendo censura a sentença recorrida.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir Parecer com o seguinte conteúdo:
“1.OBJETO.
Sentença do TAF de Sintra, que julgou improcedente impugnação judicial deduzida contra LA de IRS de 2017, que incidiu sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias e não só sobre 50.% nos termos do artigo 43.º/2 do CIRS, no entendimento de que a partir da alteração legislativa introduzida pela Lei 67-A/2007 com o aditamento dos números 7 e 8 (atuais 9 e 10) do artigo 72.º do CIRS os sujeitos passivos não residentes podem optar pela sua tributação em termos idênticos aos dos residentes, pelo que a partir de tal consagração deixou de haver violação do Direito Comunitário (artigo 62.º do TFUE, anterior artigo 56.º do TCE).
2.FUNDAMENTAÇÃO.
Ressalvado o devido respeito por opinião contrária, em concordância com o recorrente, cujo discurso fundamentador se subscreve, no essencial, entendemos que o recurso merece provimento.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 43.º/2 do CIRS o saldo anual das mais-valias referidas no artigo 10.º/1/ a) do CIRS, no que concerne aos sujeitos passivos residentes, é apenas considerado em 50% do seu valor.
Após sucessivos litígios (entre outros acórdão do STA, de 03/02/2016-P. 01172/14) e reenvio prejudicial para o TJCE/TJUE (Processo C-443/06) foram aditadas as disposições 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72.º do CIRS que garantem a opção aos sujeitos passivos não residentes pela tributação de acordo com a estrutura do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares não residentes em Portugal.
Sucede que, como bem refere o recorrente, o exercício de tal opção não significa que se aplique aos não residentes a regra da limitação a 50% do saldo das mais-valias, como estatuído no artigo 43.º/2 do CIRS, porquanto essa regra tem a ver com a determinação da matéria tributável do IRS e não com a taxa aplicável, sendo certo que, como decorre de letra da lei, está expressamente prevista para residentes e não para não residentes.
Na verdade, a opção referida parece não permitir que as mais-valias obtidas por um não residente sejam determinadas nos termos estatuídos no artigo 43.º/2 do CIRS.
Essa opção apenas permite que o não residente use a aplicação das taxas progressivas e em regime de englobamento do imposto de que beneficiam os residentes.
Portanto, parece que a mencionada mudança legislativa não elimina o tratamento discriminatório da base tributável, de acordo com o estatuído no artigo 43.º/2 do CIRS (acórdãos do STA, de 22/03/2011-P. 01031/10, de 30/04/2013-P. 01374/12 e de 20/02/2019-P.0901/11.0BEALM 0692/17, disponíveis em www.dgsi.pt e decisões arbitrais proferidas nos processos 45/2012-T; 127/2012-T; 748/2015-T; 644/2017-T; 370/2018-T; 594/2018-T e 74/2019-T, disponíveis em www.caad.pt).
Assim, a norma do artigo 43.º/2 do CIRS viola a norma do artigo 63.º do TFUE, que prevalece sobre aquela, nos termos do artigo 8.º/4 da CRP, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, pelo que a sindicada liquidação deve ser anulada.
3.CONCLUSÃO.
Deve dar-se provimento ao recurso, revogar-se a sentença recorrida e julgar-se procedente a impugnação judicial, com consequente anulação do ato tributário sindicado.”

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 124 e seguintes do SITAF:
1- Em 09.05.2018 , o Impte, residente no Reino da Bélgica, apresentou uma declaração de rendimentos do ano de 2017, enquanto não residente, a qual incluía um Anexo”G”, relativo à alienação onerosa de imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cascais e Estoril, sob o artº143º, tendo considerado um valor de aquisição de € 270.000,00 e um valor de venda de € 507.000,00, acrescido de despesas e encargos suportados no montante de € 50.133,13, tendo indicado a opção de tributação pelo regime geral. – cfr “D-P.” de fls 8 a 10, e “Print Informático”, de fls 28 a 31, dos autos e fls 26-27 e fls 33 a 37, do P.A. apenso.
2- Com base na D.P. referida supra, os serviços da ATA procederam à liquidação do imposto, no qual se apurou a mais-valia pela transmissão do imóvel referido supra, obtida pela diferença entre o valor de aquisição acrescido dos encargos incorridos e o valor de venda, resultando um rendimento tributável de € 165.266,87, tenho o mesmo sido tributado à taxa autónoma de 28%, apurando-se o valor do tributo no montante de € 46.274,72, a qual foi paga em 26.07.2018.- cfr.” Nota de Liquidação” de fls 13 e “Documento de Pagamento”, de fls 14, dos autos; e “Prints Informáticos”, de fls 28 a 32, do P.A.

II.2 – De Direito
I. Versa o presente Recurso sobre a questão do regime de tributação em IRS das mais-valias imobiliárias obtidas em território português por parte de um Sujeito Passivo Não Residente neste território, assim como da sua interacção com as exigências decorrentes do Direito da União Europeia, v.g., com o Princípio da Não Discriminação e suas decorrências.
Naquela que podemos designar de primeira fase deste debate, este Supremo Tribunal assentou jurisprudência, ao longo dos anos, no sentido de que a aplicação exclusiva aos Residentes do regime de tributação às taxas progressivas do artigo 68.º do Código do IRS, acompanhado de uma tributação por apenas metade do concurso do saldo das mais-valias para o rendimento colectável total, pelo artigo 43.º, n.º 2 daquele mesmo Código, era violadora daquele mencionado Princípio de Não Discriminação e injustificado. Em conformidade, consagrou este Supremo Tribunal a obrigação de ser facultado aos Não Residentes em território português o acesso a tal regime, com prejuízo do regime fiscal previsto para Não Residentes, o qual assentava na aplicação de uma taxa fixa de 25% sobre a totalidade do valor daquele saldo – cfr. Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 1374/12, de 30 de Abril de 2013, e 1172/14, de 3 de Fevereiro de 2016 (disponíveis em www.dgsi.pt).
Tudo isto, recordando, como se faz no primeiro daqueles Acórdãos, que “É indubitável que mesmo com a anulação meramente parcial da liquidação, e não a anulação total que peticionaram, os recorrentes são beneficiados relativamente aos residentes em território nacional que hajam auferido rendimentos idênticos, pois que a estes se aplicam as taxas gerais progressivas de IRS.

II. Ora, na linha desta jurisprudência - e tal como a doutrina também já vinha reclamando – fora alterado o regime de tributação das mais-valias imobiliárias, de modo a alargar o acesso dos Sujeitos Passivos Não Residentes àquele que era o regime fiscal até então exclusivamente reservado aos sujeitos passivos residentes, e que passava pelo concurso de metade do saldo das mais-valias imobiliárias para o englobamento e sujeição da generalidade dos rendimentos obtidos pelo Não Residente às taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS. Era o que se retirava, sem aparente margem para dúvidas, dos aditamentos dos n.ºs 7 e 8 ao artigo 72.º, os quais, introduzidos pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, passaram a dispor:
7 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
8 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
Estávamos, portanto, diante uma alteração do regime fiscal por via de uma opção remissiva aparentemente simples: ou bem que aos Não Residentes se aplicavam as taxas fixas de (então) 25% sobre o valor do saldo total das mais-valias imobiliárias, ou bem que estes optavam pelo regime dos Residentes face aos quais alegavam encontrar-se discriminados, passando este regime a ser-lhes plenamente aplicável.

III. Mais recentemente, porém, surgiu uma nova questão na jurisprudência judicial e arbitral, a qual viria a merecer novamente a atenção deste Supremo Tribunal.
Essa nova questão corresponde à segunda fase de debate sobre o tema e coincide com o objecto do presente Recurso, podendo sintetizar-se nos seguintes termos: as mais-valias imobiliárias resultantes de alienação de imóveis, obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que manifestou na declaração apresentada em Portugal, pretender a tributação pelo regime geral, sem optar de acordo com o previsto no artigo 72.º n.º 9 do Código do IRS, é ou não de excluir a aplicação do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, em que se prevê que as ditas mais-valias sejam consideradas em 50% e se a referida norma do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS viola o artigo 63.º do TFUE na parte em que restringe a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em território nacional ?
Em síntese, pode um Não Residente cumular o regime de tributação à taxa fixa com o regime de consideração por metade do valor do saldo apurado?
Ora, confrontando tal questão com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União, veio o Pleno da Secção deste Supremo Tribunal assentar, por Acórdãos proferidos no Processo n.º 75/20, em 9 de Dezembro de 2020, que: “A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.
IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”, e por Acórdão proferido, na mesma data, no Processo n.º 64/20, que: “I - Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.” (disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, na linha do vertido no Parecer do Ministério Público – e sem prejuízo da posição que, então, ali sufragámos – entendemos que, no presente caso e atentas as exigências de harmonia jurisprudencial decorrentes de dois acórdãos proferidos em formação do Pleno, a jurisprudência vertida nestas decisões deve aqui ser reiterada.

IV. Acresce que, mais recentemente ainda, o Tribunal de Justiça da União voltou a pronunciar-se, precisamente, sobre esta matéria, tendo esclarecido no Acórdão C-388/19, de 18 de Março de 2021 (MK contra Autoridade Tributária e Aduaneira) que: “Tendo em conta todas as considerações precedentes, o Tribunal decidiu que o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um EstadoMembro que faz depender a tributação das mais-valias provenientes de bens imóveis situados nesse território e auferidas por sujeitos passivos residentes noutros Estado-Membro ao abrigo do regime de tributação previsto para os sujeitos passivos residentes, de uma opção, pelos primeiros, do regime aplicável.” (disponível em www.curia.europa.eu).

V. Assim sendo, entendemos ser inevitável reverter a decisão recorrida, concedendo provimento ao presente Recurso e anulando parcialmente, por desconforme ao artigo 63.º do TFUE, a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao período de tributação de 2017, no valor de € 46.274,72, devendo o valor da liquidação ficar reduzido pela respectiva metade, acrescido de juros indemnizatórios.


III. CONCLUSÕES

Às mais-valias imobiliárias obtidas por um não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no artigo 72.º do Código do IRS, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2 do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo, por desconformidade com o artigo 63.º do TFUE.


IV. DECISÃO

Nos presentes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao presente Recurso, anulando pela metade a liquidação impugnada, e decretando ainda juros indemnizatórios.

Custas pela Recorrente, por metade.

Lisboa, 12 de Maio de 2021. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.