Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01637/13
Data do Acordão:03/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:CUSTAS
OPOSIÇÃO
INUTILIDADE
IMPOSSIBILIDADE DA LIDE
Sumário:I - As custas pela oposição a execução fiscal julgada extinta por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide em razão do pagamento voluntário da dívida exequenda integram o “acrescido” a considerar para efeitos de extinção da execução fiscal por pagamento voluntário;
II - Extinta a instância de oposição deduzida pelo devedor subsidiário por força do pagamento da dívida pelo devedor originário, não há lugar à condenação em custas do oponente, porquanto também as custas desta oposição se encontram, ou deveriam encontrar, pagas pelo devedor originário.
Nº Convencional:JSTA000P17230
Nº do Documento:SA22014031201637
Data de Entrada:10/24/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………., com os demais sinais dos autos, recorre da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, tendo declarado extinta a instância de oposição deduzida por este responsável subsidiário face à impossibilidade superveniente da lide provocada pelo pagamento da dívida exequenda pela sociedade devedora originária, condenou o oponente nas custas da oposição ao abrigo do disposto no artigo 450º nº 3 do CPC, e do artigo 7º nº 1, Tabela II, do RCP.
Rematou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida na parte das custas enferma de ilegalidade por violação do disposto no artigo 450º nº 3 e nº 4 a contrario do CPC;

2. Acontece que foi autuado o Processo de Execução Fiscal nº 1139 2011 01030264, no serviço de Finanças de Tavira, contra a devedora originária B………………., LDA;

3. Consequentemente, foram apresentados diversos requerimentos pela devedora originária no sentido de pagar a dívida exequenda com bens seus ou de outras sociedades que se sub-rogavam no pagamento da dívida exequenda;

4. Todos esses requerimentos foram objecto de despachos de indeferimento por parte da Fazenda Nacional, conforme despacho proferido pelo Director da Autoridade Tributária e Aduaneira, comunicado ao Serviço de Finanças de Tavira por ofício de fls... , e pelo Subdirector-Geral para a Área da Justiça Tributária, da Autoridade Tributária e Aduaneira, igualmente comunicado ao dito Serviço de Finanças, pelo ofício de fls. que constam do processo executivo; (Docs. 1 a 5).

5. Em 5 de Julho de 2012 aquele processo reverteu contra o ora recorrente;

6. Subsequentemente, o ora Recorrente apresentou um requerimento de oposição à execução em face da reversão, o qual deu origem aos presentes autos.

7. No referido requerimento o Oponente, ora Recorrente, alegou e ofereceu prova documental e testemunhal, relativa ao facto da sociedade, devedora originária ser proprietária de bens móveis e imóveis, cujo valor venal era mais do que suficiente para pagar todas as dívidas fiscais.

8. Efectivamente, ao contrário do que vem explanado na informação do Serviço de Finanças de Tavira, de fls... junta aos autos de oposição, sobre os quatro bens imóveis aí identificados, património da devedora originária, e que foram penhorados pela Fazenda Nacional, os registos de aquisição a favor de terceiros eram provisórios e nunca chegaram a ser convertidos em definitivo.

9. Tais registos não se tornaram definitivos em consequência das diligências da devedora originária junto dos promitentes-compradores, aquando da constatação de penhoras sobre os ditos imóveis por parte da Fazenda Nacional.

10. Sendo certo que, então, os mesmos se encontravam livres de ónus ou encargos, para além das penhoras registadas a favor da Fazenda Nacional.

11. O valor patrimonial global de tais imóveis ascende a cerca de € 315.060,00.

12. O mencionado valor é mais do que suficiente para garantir as dívidas fiscais da devedora originária.

13. Sucede que, em 22 de Maio de 2013, a devedora originária chegou a um acordo com a Fazenda Nacional para liquidar a quantia exequenda em sede de execução fiscal (cfr. despacho de fls.).

14. Por ofício remetido pelo Serviço de Finanças de Tavira foi o tribunal a quo informado de que o processo de execução fiscal nº 1139 2011 01030264 e apensos, instaurado contra a devedora originária havia sido extinto por pagamento voluntário efectuado por esta em 19/6/2013.

15. No dia 19 de Junho de 2013, foi, assim, extinto o processo de execução fiscal que está na origem da presente oposição.

16. Não fora o facto de a Fazenda Nacional ter indeferido todos os requerimentos apresentados pela devedora originária no sentido de voluntariamente pagar a dívida exequenda e as dívidas dos processos apensos, esta nunca teria sido revertida contra o Recorrente, nem nunca teria ocorrido qualquer oposição à execução.

17. Importa salientar que a oposição do ora Recorrente teve por fundamento a suficiência patrimonial da devedora originária e benefício da excussão prévia que assistia ao Oponente, ora Recorrente, tendo-se verificado a veracidade de tais fundamentos aquando do pagamento voluntário da quantia exequenda por parte da devedora originária.

18. Mais, a extinção da instância relativa aos presentes autos, por inutilidade superveniente da lide foi determinada pelo tribunal a quo na sequência do acordo celebrado entre a Fazenda nacional e a devedora originária, acordo esse em que o Oponente, ora Recorrente, não foi parte.

19. Com efeito, o ora Recorrente foi totalmente estranho à celebração do referido acordo.

20. Posto isto, a impossibilidade ou inutilidade nos presentes autos nunca poderão ser imputáveis ao ora Recorrente, pelo que este nunca terá de responder pelas correspondentes custas.

21. Nos casos previstos no artigo 450º nº 3 do CPC, o autor (neste caso, a Exequente) é sempre responsável pelas custas quando não o for o réu, ou seja (neste caso, o Oponente), sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for imputável.

22. Ora, a inutilidade da lide que se afigura nos presentes autos não pode claramente ser imputada ao Oponente, ora Recorrente, uma vez que, para além de não haver fundamento para a Fazenda Nacional ter operado a reversão que deu origem aos presentes autos, a imputabilidade da inutilidade superveniente da lide respeita um critério meramente objectivo, isto é, a impossibilidade ou inutilidade da lide é apenas imputável aquele que gerou o facto que criou essa mesma impossibilidade ou inutilidade.

23. O facto que gerou a inutilidade superveniente da lide nos presentes autos foi o acordo celebrado entre a Fazenda Nacional e a devedora originária, no qual o ora Recorrente não foi parte, e, por conseguinte, totalmente estranho.

24. Ou seja, no caso em apreço a norma a aplicar será o artigo 450º nº 3 e 4 a contrario do CPC e nunca o nº 3 do mesmo normativo legal de acordo com a interpretação dada pela sentença de que se recorre, porquanto foi a Fazenda Nacional que provocou a presente inutilidade superveniente da lide quando, depois de ter procedido à reversão do processo executivo de que depende a presente Oposição, chegou a acordo com a devedora originária sobre o modo de pagamento da dívida exequenda (vide processo executivo).

25. Por todo o exposto, deverá ser imputada à Fazenda Nacional a responsabilidade pelo pagamento das custas, porque a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide não podem seguramente ser imputáveis ao ora Recorrente e decorrem de um facto provocado exclusivamente pela exequente - cfr. artigo 450º nº 3 parte final do CPC.

26. Proferindo o tribunal a quo a decisão ora recorrida, adoptou este um entendimento que viola o disposto no artigo 450º, nº 3 e nº 4 a contrario do CPC - actual artigo 536º do mesmo diploma legal entrado em vigor em 01/09/2013.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença agora em crise na parte que às custas respeita e, consequentemente, condenando a Fazenda Nacional no pagamento das mesmas.
Assim se fará JUSTIÇA!

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 373, no sentido de que o recurso merecia parcial provimento, pois no caso de o pagamento ter sido efectuado pela primitiva devedora a superveniência é objectivamente imputável a terceiro, sendo de condenar as partes nas custas em partes iguais, nos termos do ora previsto no nº 1 do art. 536º do CPC.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. A única questão em discussão neste recurso jurisdicional é a de saber se, como decidido, deve o Oponente, ora Recorrente, ser responsabilizada pelas custas da oposição que deduziu a execução fiscal contra si revertida para pagamento de dívida tributária da sociedade B…………………., LDA, oposição que foi julgada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, face à extinção da execução fiscal provocada pelo pagamento integral da dívida exequenda pela sociedade devedora originária.
Tal questão mereceu já análise e decisão nesta Secção de Contencioso Tributário no pretérito dia 6 de Março, nos recursos nºs 1638/13 e 1652/13, e cuja doutrina foi de imediato acolhida no acórdão prolatado no mesmo dia no recurso nº 1639/13, sendo que em todos eles a presente Relatora teve intervenção como adjunta, subscrevendo, sem reservas de convicção, a posição que neles foi acolhida.
Razão por que nos limitaremos, perante a identidade factual e jurídica da questão, a reproduzir o que ali se escreveu.
«5.1 Da (i)responsabilidade do oponente pelas custas
A sentença recorrida, a fls. (…) dos autos, perante a extinção da execução por pagamento voluntário comunicada pelo Serviço de Finanças ao Tribunal, considerou que a oposição se tornara inútil a continuidade da presente Oposição, declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e condenando o oponente nas custas, ao abrigo do disposto nos artigos 450.º nº 3, do CPC, e 7.º e tabela II do RCP (cfr. sentença recorrida, a fls. 350 dos autos).
Discorda do decidido o recorrente, alegando, em síntese, que a extinção da execução se deveu a um acordo celebrado entre a Fazenda Nacional e a devedora originária no qual o oponente não foi parte, pelo que a impossibilidade ou inutilidade nos presentes autos nunca lhe poderão ser imputáveis, pelo que este nunca terá de responder pelas correspondentes custas, pois que nos casos previstos no artigo 450º, nº 3 do CPC, o autor (neste caso, a Exequente) é sempre responsável pelas custas quando não o for o réu, ou seja (neste caso, o Oponente), sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for imputável. Conclui que deverá ser imputada à Fazenda Nacional a responsabilidade pelo pagamento das custas, porque a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide não podem seguramente ser imputáveis ao ora Recorrente e decorrem de um facto provocado exclusivamente pela exequente. - cfr. artigo 450º, nº 3, parte final do CPC.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA defende que o recurso não merece provimento (…).
Vejamos.
Dispõe o nº 3 do 450º (actual nº 3 do artigo 536º) do Código de Processo Civil, norma na qual a sentença recorrida fundamentou a condenação em custas do ora recorrente:
“Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou in utilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.”
Alega o recorrente que, no caso dos autos e para efeitos de aplicação do transcrito preceito legal, o “autor” é a Administração fiscal, a “exequente”, sendo o réu o “oponente”, que apenas seria responsável pelas custas, nos termos da parte final do transcrito preceito, se a impossibilidade ou inutilidade da lide lhe fosse imputável, o que não sucede, pelo que deve a Administração fiscal ser responsável pelas custas.
Ora, a construção do recorrente nos termos da qual, para efeitos de aplicação do disposto no nº 3 do artigo 450º (actual n.º 3 do artigo 536º) do Código de Processo Civil, se considera “autor” ou “requerente” a Administração Tributária e “réu” ou “requerido” o oponente não colhe.
Assim é, efectivamente, na execução fiscal, mas não já na oposição à execução fiscal que, embora funcione na dependência da execução fiscal, assumindo a função de contestação à pretensão do exequente, é configurada na lei processual tributária como um meio processual autónomo (artigo 97º alínea o) do CPPT) de defesa do executado, no qual este figura como autor, sendo “ré” a exequente, contra cuja pretensão executiva é dirigida a oposição deduzida pelo oponente.
Donde resulta que, salvo nos casos em que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide de oposição seja imputável à Administração fiscal, é ao oponente que cabe a responsabilidade pelas custas nos termos do actual n.º 3 do artigo 536º (correspondente ao anterior artigo 450º) do Código de Processo Civil.
No caso dos autos, porém, como bem alegado, a causa da impossibilidade superveniente da lide é de todo estranha ao oponente, porque resultante da extinção da execução em razão do pagamento efectuado pelo primitivo devedor.
Ora, como observa JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª ed., 2011, Vol. IV, pp. 246/248 – nota 7 a) ao art. 264.º do CPPT), a condenação do oponente nas custas da oposição extinta por impossibilidade superveniente da lide em razão do pagamento feito pelo primitivo devedor ou por um terceiro, decorrente da aplicação da regra hoje constante do n.º 3 do artigo 536.º do CPC, não pode deixar de suscitar sérias reservas, designadamente a nível de constitucionalidade, em face da situação de indefesa relativamente à condenação em custas em que o oponente é colocado por facto que não lhe é imputável, que pode traduzir-se em injustiça, nos casos em que o oponente não seja efectivamente responsável pelo pagamento da dívida exequenda. (…). Parece, no entanto, que na situação referida não poderá ser imputada ao oponente responsabilidade pelo pagamento de custas, por outro motivo. Com efeito, o revertido num processo de execução fiscal, passa a ocupar nela a posição de executado. O presente art. 264.º do CPPT estabelece que a extinção da execução depende não só do pagamento da dívida exequenda, mas também do acrescido, que são os juros que se tiverem vencido e as custas. Mais esclarecedores sobre o conteúdo e formalidades desta extinção da execução por pagamento voluntário, os arts. 916.º e 917.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis, estabelecem que o requerente do pagamento deverá requerer a «liquidação de toda a responsabilidade do executado» (2.ª parte do n.º 1 do art. 916.º) e que tal liquidação abrange as custas e o que faltar do crédito do exequente (n.º 1 do art. 917.º). A totalidade da responsabilidade do executado por custas abrange, numa interpretação meramente declarativa, as que forem devidas por processo de oposição à execução fiscal que o executado eventualmente tenha deduzido. Isto significa que o «acrescido», a que se refere o n.º 1 deste art. 264.º do CPPT, abrange toda a responsabilidade por custas do executado. Por outro lado, no caso de haver mais do que um executado, a liquidação da responsabilidade terá de reportar-se a todos os executados, pois só com o pagamento de todos os encargos de custas por todos eles devidos poderá extinguir-se a execução. Sendo o revertido um dos executados, deverá concluir-se que a admissibilidade do pagamento voluntário dependerá também do pagamento das custas que ao executado ou executados possam ser imputáveis, não só por actos que tenha praticado no processo de execução fiscal, mas também no próprio processo de oposição. E conclui o insigne autor: Por esta razão, estará afastada a possibilidade de oponente ser responsabilizado pelo pagamento de custas, no caso de extinção da execução por pagamento voluntário, tendo a dívida de custas que lhe possa ser imputada de ser considerada ao calcular o que deve acrescer à dívida exequenda, para efeitos de pagamento voluntário.
Resulta do exposto que no cálculo do pagamento a satisfazer pelo devedor originário para extinguir a execução devem ser consideradas as custas devidas pela oposição deduzida e que se torna superveniente impossível com o pagamento integral da dívida exequenda, aí se incluindo os juros e as custas, da execução e das oposições a esta deduzida.
Daí que, na decisão judicial que declare a extinção da instância de oposição por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide em razão do pagamento da dívida exequenda comunicado pelo Serviço de Finanças não haverá, em tais casos, lugar à condenação em custas do oponente, pois que estas se devem encontrar já pagas.
Por esta razão, não pode manter-se o decidido na sentença recorrida quanto à responsabilidade do oponente pelas custas da oposição, sendo de a julgar “sem custas”, pois que estas se encontram, ou deveriam encontrar, pagas pelo devedor originário.» - acórdão no recurso nº 1651/13.
Termos em que se impõe, sem necessidade de mais longas considerações, conceder provimento o recurso.

3. Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte referente à tributação do oponente em custas, substituindo-a pela seguinte decisão: “Sem custas, pois que estas foram, ou deviam ter sido, consideradas para efeitos de extinção da execução”.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Março de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.