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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01144/13.4BELRA 0632/17
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
RECLAMAÇÃO
Sumário:O Tribunal Tributário de Leiria é materialmente competente para conhecer da impugnação judicial instaurada contra a decisão de indeferimento da reclamação da inscrição matricial de dois prédios rústicos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 130.º a 133.º do Código do IMI.
Nº Convencional:JSTA000P24324
Nº do Documento:SAP2019031301144/13
Data de Entrada:05/31/2017
Recorrente:O JUIZ DE DIREITO DO TAF DE LEIRIA (CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE TAF/TAC LEIRIA)
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, no Plenário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1. A…………, com os demais sinais dos autos, instaurou no Tribunal Tributário de Leiria (organicamente agregado ao Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria, sob a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria) um processo de impugnação judicial contra o despacho de indeferimento do Chefe do Serviço de Finanças de Santarém que recaiu sobre o pedido de desanexação da área de 1121 m2 da parte rústica do prédio misto inscrito sob o artigo 108.º da secção O da freguesia de Abrã e consequente acréscimo para acerto de extremas à parte rústica do prédio misto inscrita sob o artigo 109.º da secção O, igualmente da freguesia de Abrã.

2. Por decisão judicial de 16/10/2014 que consta de fls. 55/57 dos autos, julgou-se verificada a existência de uma situação de erro na forma do processo por não estar em causa uma questão tributária mas uma verdadeira questão de direito administrativo, determinando-se a convolação da impugnação judicial apresentada pelo Impugnante em acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo em matéria tributária e, bem assim, a incompetência material do Tribunal Tributário de Leiria para a apreciação do pedido.

3. Remetido o processo para o Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria, este também se declarou materialmente incompetente em decisão judicial proferida a 27/03/2017 e que consta de fls. 80/85 dos autos, no entendimento de que no caso sub judice se verificam todos os elementos de que se compõe uma relação jurídica tributária, sendo o mesmo referente a normas de incidência fiscal (designadamente, os artigos 134.º, n.º 3 do CPPT, 3.º a 6.º e 130.º, n.º 3 do Código do IMI).

4. Face ao trânsito em julgado de ambas as decisões, o Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria suscitou junto deste Supremo Tribunal Administrativo o conflito negativo de competências que agora se aprecia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 111.º do Código de Processo Civil (CPC).

5. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal pronunciou-se no sentido de atribuição de competência ao Tribunal Tributário de Leiria, por considerar que “embora esteja em causa, nos presentes autos, um pedido de anulação de despacho do Sr. Chefe das Finanças de Santarém, que indeferiu um pedido de desanexação de um prédio misto para acréscimo à parte rústica de um outro prédio misto do demandante, a verdade é que na base da pretensão está a correção das inscrições matriciais com base na nova qualificação das parcelas de tais prédios. No fundo, a pretensão incide sobre as normas fiscais que são, sem dúvida, os arts. 134º, nº 3 do CPT e 3º a 6º e 130º, nº 3 do IMI. O QUE O DEMANDANTE PRETENDE, OBVIAMENTE, É FICAR A PAGAR MENOS IMPOSTO”.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

7. Desde logo importa referir que o conflito é manifesto – pois que os sobreditos tribunais, administrativo e tributário, recusaram a competência própria para o conhecimento da causa, atribuindo-a cada um deles ao outro – e que a sua resolução incumbe a este Plenário (art.º 29º do ETAF).

8. A questão que se coloca é, como se viu, a de saber qual a subjurisdição competente, em razão da matéria, para apreciar uma acção de impugnação judicial contra o despacho de indeferimento do Chefe do Serviço de Finanças de Santarém que recaiu sobre o pedido de desanexação da área de 1121 m2 da parte rústica do prédio misto inscrito sob o artigo 108.º da secção O da freguesia de Abrã e consequente acréscimo para acerto de extremas à parte rústica do prédio misto inscrita sob o artigo 109.º da secção O, igualmente da freguesia de Abrã.

Este pedido de desanexação de áreas e consequente acerto de extremas formulado pelo Impugnante junto do Serviço de Finanças de Santarém insere-se no contexto do processo de reclamação da inscrição matricial de dois prédios rústicos ao abrigo do processo de reclamação concretamente previsto nos artigos 130.º a 133.º do Código do IMI. No caso sub judice, a concreta pretensão do Impugnante constituiu fundamento de apresentação daquela reclamação nos termos do n.º 3 do artigo 130.º do Código do IMI, de acordo com o qual “o sujeito passivo, a câmara municipal e a junta de freguesia podem, a todo o tempo, reclamar de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nomeadamente com base nos seguintes fundamentos: (…) g) Alteração na composição dos prédios em resultado de divisão, anexação de outros confinantes, rectificação de estremas ou arredondamento de propriedades; (…) j) Erro na representação topográfica, confrontações e características agrárias dos prédios rústicos; (…)” (nosso sublinhado).

No contexto desta reclamação, e de acordo com o disposto no artigo 131.º do Código do IMI, a apreciação das reclamações “é da competência dos chefes de finanças da área de situação dos prédios” podendo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 133.º daquele Código, ser promovida a emissão de parecer por parte do Instituto Geográfico Português sobre os factos alegados pelos reclamantes (como aconteceu no caso sub judice).

Segundo cremos, a inclusão sistemática da previsão legal das reclamações das matrizes no Código do IMI e a atribuição de competência orgânica para a respectiva apreciação aos Serviços de Finanças adequa-se à natureza e objectivo primordial da inscrição dos prédios na matriz, e que é de ordem fiscal.

Com efeito, a questão que a Impugnante pretende ver apreciada reconduz-se a uma questão fiscal, dado que o acto de indeferimento praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Santarém se enquadra num processo de cadastro geométrico que tem em vista exclusivamente, e em última instância, a fixação do concreto valor a pagar em sede de IMI, isto é, tem em vista a conformação da concreta definição do “quantum” a pagar, a título de IMI, pelo contribuinte proprietário do prédio inscrito na matriz.
Como tal, a competência em razão da matéria para apreciar o indeferimento do pedido de alteração da matriz de dois prédios rústicos praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Santarém cabe à jurisdição tributária (como, aliás, aconteceria no caso de impugnação judicial directa da inscrição matricial ao abrigo do disposto no artigo 134.º n.º 3 do CPPT).


- Decisão -

9. Pelo exposto, acorda o Plenário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Em anular a decisão que convolou a impugnação judicial intentada pelo Impugnante em acção administrativa especial e que declarou a incompetência material do Tribunal Tributário de Leiria; e

- Em resolver o conflito de competência negativa por forma a atribuir ao Tribunal Tributário de Leiria a competência para conhecer da impugnação judicial instaurada pelo Impugnante.

Sem custas.


Lisboa, 13 de Março de 2019. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José da Ascensão Nunes Lopes - Dulce Manuel da Conceição Neto – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.