Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0276/14.6BECBR
Data do Acordão:05/20/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:IRC
AVALIAÇÃO INDIRECTA
LUCRO TRIBUTÁVEL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CRITÉRIOS
Sumário:I - Pela sua natureza o método indirecto está sempre afectado por alguma incerteza na quantificação da matéria tributável, distinta da precisão alcançada pelo método directo, baseado na análise da contabilidade do sujeito passivo, quando considerada fiável, ou em outros elementos de prova do valor real do rendimento sujeito a tributação (art.83º nºs 1/2 LGT).
II - Não obstante, a avaliação dos rendimentos sujeitos a tributação baseia-se em critérios objectivos: a fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que concorreram para a determinação do seu resultado (arts 77º nº 4 e 84º nºs 1 e 3 LGT).
III - A exigência de objectividade nos critérios de avaliação terá de ser necessariamente tendencial, cumprindo-se com uma ponderação dos factores da sua aplicação que ultrapasse a mera subjectividade e permita controlar a correcção dos juízos formulados.
IV - Enferma de obscuridade de fundamentação um critério de quantificação da matéria tributável consistente na aplicação ao custo das mercadorias vendidas (CMV) declarado pelo sujeito passivo da percentagem de 18%, correspondente ao dobro da percentagem das devoluções de vendas no total das compras, por forma a corrigir omissões e irregularidades nos registos contabilísticos que indiciavam omissão de compras (com o propósito de ocultação de proveitos nas vendas subsequentes), sem justificação para a eleição daquela percentagem, em detrimento de qualquer outra.
Nº Convencional:JSTA000P25903
Nº do Documento:SA2202005200276/14
Data de Entrada:11/02/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A................, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1. A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 26 junho 2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, contra liquidações adicionais de IRC no valor global de € 130.073,33 euros (anos de 2010 e 2011),

1.2. O recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:

1 – A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, nos autos acima identificados, anulando as liquidações adicionais de IRC de 2010 e 2011, impugnadas pela Autora, por ter considerado que o critério utilizado pela Administração Tributária (AT) na avaliação da matéria tributável por métodos indirectos não se encontra fundamentado por esta, conforme ónus legal que lhe é imposto, pois entendeu que a AT não desvenda o raciocínio subjacente à determinação do montante utilizado e à aplicação daquele critério, não permitindo ao contribuinte contestá-lo, nem ao Tribunal sindicá-lo.
2 – Concretamente entendeu a Mma Juiz: “A Administração Tributária refere que o custo das mercadorias vendidas de 2010 e 2011, vai ser calculado aplicando-se ao CMV declarado em cada um dos anos uma percentagem adicional correspondente ao dobro do peso das devoluções de vendas no total das compras, do conjunto dos 2 anos, o qual é de cerca de 9%, que contempla outras omissões indiciadas mas que não foi possível identificar.
Ora, como se verifica, este critério é muito amplo e está ferido de falta de razoabilidade. Com efeito a Administração Tributária aplicou uma percentagem adicional ao CVM declarado em cada um dos anos (2010 e 2011) correspondente ao dobro do peso das devoluções de vendas no total das compras para contemplar outras omissões indiciadas, mas não explica como chegou à percentagem de 9% nem deu a conhecer os motivos por que considerou aquela percentagem adicional e não qualquer outra.
A Administração Tributária não referiu quaisquer factos que conhecia e constituíram ponto de partida para concluir, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da actividade, aquela percentagem seria a ideal. Aliás a Administração Tributária nem explica porque escolheu aquele critério e não outro qualquer”, concluindo assim que o critério na quantificação da matéria colectável não se encontra devidamente fundamentado, e consequentemente, julgando procedente a acção e determinado a anulação das liquidações impugnadas.
3 – Com todo o respeito pela douta decisão “a quo”, entende esta Representação da Fazenda que existiu erro na valoração da prova, que conduziu à decisão por tal procedência.
4 – Com efeito, resulta do Relatório de Inspecção e foi salientado na contestação apresentada, que a percentagem de 9% da qual partiu a Inspecção Tributária, foi apurada com fundamento nos anexos 19 (Extractos das Declarações de Informação Empresarial Simplificada-IES de 2009, 2010 e 2011) e 26 (movimentos contabilísticos nas contas de devoluções de mercadorias dos anos de 2010 e 2011) desse Relatório, para os quais existe remissão expressa, correspondendo ao peso das devoluções nas vendas, devoluções essas que conforme amplamente justificado nos autos, não são mais que compras omitidas à contabilidade.
5 – Ora, para além destas omissões às compras, existiam outras situações de fuga manifesta, mas que não eram possíveis de contabilizar aritmeticamente (se não, qual a necessidade de recorrer à tributação por métodos indirectos), exemplo dos produtos de venda livre e material médico, daí ter sido considerado o dobro da percentagem de devolução, percentagem perfeitamente razoável (estamos sempre num âmbito presumido, mas alicerçado nas condições reais do exercício da actividade da sociedade impugnada), com todo o respeito pela douta sentença e entendível pela impugnada, que chegou fazer uma proposta alternativa de tributação (alternativa, como é evidente, a algo que percebeu perfeitamente).
6 – Sob pena de nunca a Autoridade Tributária e Aduaneira poder tributar situações de fuga manifesta à tributação, como é flagrantemente o caso dos autos, um acréscimo de 18% ao CVM-custo das mercadorias vendidas, é um critério válido seguro e idóneo, que permite quantificar com rigor a matéria tributável, partindo de uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do sujeito passivo (saliente-se a remissão expressa que no ponto V do relatório Inspectivo é levada a cabo para os pontos IV.9.7 e IV.7.2 a 3 do mesmo).
7– Pelo que, com todo o respeito pelo entendimento da Mma. Juiz do Tribunal a quo, o critério de quantificação da tributação por métodos indirectos levada a cabo, encontra-se fundamentado e as liquidações devem manter-se na ordem jurídico-tributária.
Nestes termos e nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela fundamentação do acto tributário consubstanciado nas liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) impugnadas, mantendo as mesmas na ordem jurídico-tributária, assim se fazendo JUSTIÇA

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso (processo electrónico p.781)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
1. A Impugnante encontra-se coletada para o exercício de comércio por grosso de produtos farmacêuticos‖, (C.A.E. 46460). – Cfr. fls. 7 e ss. do procedimento administrativo (doravante PA) que aqui se dão por integralmente reproduzidas o mesmo se dizendo para as que infra se remeterem.
2. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201300196 de 19.02.2013, a Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Coimbra, levou a cabo uma ação de inspeção à Impugnante que abarcou os exercícios dos anos 2010 e 2011, que teve início em 23.04.2013 e fim em 13.09.2013. – Cfr. fls. 7 e ss. do PA.
3. No âmbito da ação de inspeção referida em 1. a Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Coimbra, elaborou o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, para o qual se remete por uma questão de brevidade, constante de fls. 7 e ss. do PA.
4. A Impugnante foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção tributária para, no prazo de 15 dias exercer o seu direito de audição. – Cfr. fls. 29 do PA.
5. A Impugnante apresentou o requerimento com o exercício do direito de audição sobre o Projeto do Relatório de Inspeção na Direção de Finanças de Coimbra, em 01.11.2013. – Cfr. fls. 641 e ss. do PA.
6. No âmbito da ação de inspeção referida em 1. a Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Coimbra, elaborou o Relatório de Inspeção Tributária, para o qual se remete por uma questão de brevidade e do qual se extrai o seguinte:
“(…) V – Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos (…)
Assim a aplicação dos métodos indirectos, em 2010 e 2011, far-se-á em duas fases da seguinte forma:
1ª fase – Para efeitos de IVA, a presunção das vendas nos anos em causa, vai ser feita em 2 momentos.
1.º) – o CMV – custo das mercadorias vendidas de 2010 e 2011, vai ser calculado aplicando-se ao CMV declarado em cada um dos anos, uma % adicional correspondente ao dobro do peso das devoluções de vendas no total das compras, do conjunto dos 2 anos, o qual é de cerca de 9% (vide anexos 19 e 26), contemplando-se assim outras omissões indiciadas mas que não foi possível identificar (por ex.º produtos de venda livre e material médico), tendo este critério subjacente todas as irregularidades e omissões antes descritas, nomeadamente as referentes às notas de crédito e às divergências verificadas nos balancetes de Junho de 2010, conforme referido respetivamente nos pontos IV.9.7 e IV.7.2 a 3;

2.º) – as vendas vão ser presumidas em cada um dos anos aplicando-se aos valores assim obtidos do CMV, a margem bruta média das vendas de mercadorias, dos anos em causa para o setor de actividade em que o contribuinte se insere as quais são respetivamente 21,35% e 22,47% - vide anexo 27. A distribuição da base tributável por períodos e taxas irá ser feita de forma proporcional aos valores declarados pelo s.p..
Os valores apurados, as correções à base tributável e respetivo IVA em falta são os seguintes:
(…)
2.ª fase – o lucro tributável, nos anos de 2010 e 2011, será calculado por aplicação às vendas presumidas da taxa média de rentabilidade fiscal das vendas desses anos para o sector de actividade em que a empresa se insere e que são de 4,38% e 6,81% respetivamente – vide Anexo 28.
Assim, são os seguintes os valores apurados do lucro tributável para os anos de 2010 e 2011,
(…)”. – Cfr. fls. 30 e ss. do PA.
7. A Impugnante foi notificada do Relatório de Inspeção. – Cfr. fls. 655 do PA.
8. Em 19.12.2013, a Impugnante apresentou o pedido de revisão da matéria coletável, para o qual se remete por uma questão de brevidade. – Cfr. fls. 656 e ss. do PA.
9. Em 07.01.2014 e 04.02.2014, realizaram-se as reuniões com os peritos no procedimento de revisão da matéria coletável, tendo sido lavradas as atas n.ºs 023LGT e 023A-LGT, para as quais se remete por uma questão de brevidade. – Cfr. fls. 696/701 do PA.
10. Por despacho n.º 02/2014 proferido em 04.03.2014, o Diretor de Finanças proferiu decisão no procedimento de revisão da matéria coletável. – Cfr. fls. 702/707 do PA.
11. Por ofício de 12.03.2014 a Impugnante foi notificada da decisão referida em 10. – Cfr. fls. 708 do PA.
12. Em resultado da inspeção tributária foram emitidas as liquidações, ora, impugnadas. – Cfr. fls. 87/92 dos autos.


2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: falta de fundamentação do critério utilizado na quantificação da matéria tributável por métodos indirectos

2.2.2. Apreciação jurídica

2.2.2.1.Nota preliminar
O presente recurso visa a reapreciação por este tribunal da única questão eleita pelo tribunal de 1ª instância para apreciação (questão decidenda supra enunciada), com exclusão das restantes questões suscitadas na petição de impugnação judicial, designadamente a questão do erro nos pressupostos do recurso aos métodos indirectos (cf. sentença II. Questões a decidir)
A ampliação do objecto do recurso pretendida pela recorrida não pode ser acolhida: não decaiu quanto a qualquer dos (inexistentes) restantes fundamentos do recurso, em consequência de ter sido vencedora quanto ao único fundamento apreciado pelo tribunal (art.636º nº1 CPC/ art.2º al. e) CPPT)

2.2.2.2. O princípio constitucional da fundamentação formal dos actos administrativos (art.268° n° 3 CRP) foi densificado nos arts. 124° e 125° CPA (aprovado pelo DL n° 442/91,15 novembro) e, actualmente no art. 77° nºs 1 e 2 LGT (acto administrativo tributário)
No domínio da fundamentação do acto administrativo é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material:
- à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo;
- à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (traduzida na real verificação dos pressupostos de facto invocados e na correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)
Na síntese impressiva de autor conceituado:
«o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (Vieira de Andrade O dever de fundamentação expressa de actos administrativos Almedina, 2003 p.231) administrativo tributário)
O dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função:
- endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência;
- exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa
Segundo ensinamento pacífico da doutrina e da jurisprudência a fundamentação formal do acto administrativo deve ser:
- expressa, traduzida na exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão;
- clara, permitindo que pela leitura do seu teor se apreendam com precisão os factos e as normas jurídicas conducentes à decisão;
- suficiente, permitindo um conhecimento concreto da motivação da decisão;
- congruente, por forma a que a decisão seja a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação
Sob pena de perversão das funções endógena e exógena de controlo da legalidade (supra assinaladas,) a fundamentação deve ser contextual e integrante do acto tributário, sendo irrelevante qualquer fundamentação a posteriori que pretenda suprir lacuna posteriormente detectada.

2.2.2.3. A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa e visa a determinação da matéria tributável a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (arts 83º nº 2 e 85º nº 1 LGT)
É aplicável no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do imposto, designadamente resultante de inexistência ou insuficiência de elementos na contabilidade ou declaração do sujeito passivo, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência esses elementos se deva a razões acidentais (arts.87º nº 1 al. b) e 88º al. a) LGT)
Sendo discutível na doutrina a natureza taxativa ou meramente exemplificativa do elenco legal, são critérios aplicáveis na determinação da matéria tributável por métodos indirectos (com relevo para a análise da questão decidenda):
- as margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços por terceiros;
- os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade
(art.90º nº1 als. a) e f) LGT; cf. desenvolvimento sobre a controvérsia doutrinária em Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária anotada e comentada 4ª edição 2012 pp.790/793 por
A presunção formulada na avaliação indirecta permite firmar como provado um facto desconhecido a partir de um facto conhecido,segundo um percurso lógico-dedutivo iluminado pelo conhecimento da experiência comum (art.349º CCivil)
O objectivo da avaliação indirecta é ainda a determinação do lucro real, em consonância com o imperativo constitucional de tributação das empresas fundamentalmente pelo lucro real (art. 104 nº 3 CRP), mas um lucro real presumido, em lugar do lucro real revelado pela contabilidade, por falta da sua fiabilidade.
Pela sua natureza o método indirecto está sempre afectado por alguma incerteza na quantificação da matéria tributável, distinta da precisão alcançada pelo método directo, baseado na análise da contabilidade do sujeito passivo, quando considerada fiável, ou em outros elementos de prova do valor real do rendimento sujeito a tributação (art.83º nºs 1/2 LGT).
Não obstante, a avaliação dos rendimentos sujeitos a tributação baseia-se em critérios objectivos: a fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que concorreram para a determinação do seu resultado (arts 77º nº 4 e 84º nºs 1 e 3 LGT).
Neste contexto a aplicação do método indirecto não autoriza a Administração Tributária a indicar um qualquer critério de quantificação, exigindo-se que demonstre que o mesmo constitui uma forma válida de reconstrução (ainda que indiciária ) da real matéria colectável, permitindo a sua contestação pelo sujeito passivo e a sindicância do tribunal.
Sobre o tema afirma doutrina qualificada:
(…) o percurso lógico seguido na avaliação para chegar ao resultado alcançado terá de poder ser demonstrado integralmente de forma objectiva, quer quanto aos elementos utilizados quer quanto ao método de cálculo que tenha sido utilizado
[No domínio da avaliação indirecta] esta intenção de objectividade não poderá ser concretizada totalmente, pois para realizar grande parte das avaliações têm de ser ponderados factores necessariamente subjectivos (…)
Por isso a exigência de objectividade nos critérios de avaliação terá de ser necessariamente tendencial, a objectividade possível no caso concreto, que se traduzirá, nos casos em que têm de ser valorados factores subjectivos, na utilização de uma ponderação que ultrapasse a mera subjectividade e permita controlar a correcção dos juízos formulados
(…) esta indicação e ponderação terão de dar a conhecer, na sua totalidade, o itinerário seguido na avaliação para se alcançar o valor da matéria tributável, permitindo conhecer integralmente por que foi atingido esse valor e não qualquer outro.(...)
A falta ou deficiência de fundamentação constitui vício de forma, que tem potencialidade de justificar a anulação do acto de avaliação (art.135º CPA revogado [art.163º nº1 CPA vigente]
(Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária Anotada e Comentada 4ªedição 2012 pp.740/741)

2.2.2.4. No caso concreto o relatório da inspecção tributária obteve a quantificação da matéria tributável de onde resultaram as liquidações adicionais impugnadas mediante a conjugação das seguintes operações:
- aplicação ao custo das mercadorias vendidas (CMV) declarado pelo sujeito passivo da percentagem de 18% ,correspondente ao dobro do peso das devoluções de vendas no total das compras ,por forma a corrigir omissões e irregularidades nos registos contabilísticos que indiciavam omissão de compras (com o propósito de ocultação de proveitos nas vendas subsequentes);
- cálculo do valor das vendas presumidas por aplicação aos valores corrigidos do CMV da margem bruta média das vendas de mercadorias para o sector de actividade onde se inseria o sujeito passivo, em cada um dos exercício sob escrutínio, correspondentes a 21,35% e 22,47% respectivamente;
- cálculo do lucro tributável por aplicação ao valor das vendas presumidas em cada um dos exercícios da taxa média de rentabilidade fiscal das vendas para o sector de actividade do sujeito passivo, correspondentes a 4,38% e 6,81% respectivamente (factos provados nº 6)
Admitindo-se a racionalidade dos coeficientes utilizados para o cálculo das vendas presumidas e do lucro tributável (por aplicação dos índices de base técnica vigentes para o sector de actividade) a componente do cálculo do CMV (primeira fase da operação de reconstituição da matéria colectável) revela-se inquinada pela aplicação de critério puramente subjectivo, desprovido de fundamentação em qualquer elemento objectivo que permita avaliar a idoneidade e adequação da percentagem de acréscimo utilizada (18% sobre o CMV declarado pelo sujeito passivo) por forma a suprir omissão de vendas não declaradas (mas não identificadas no relatório) no sentido de uma aproximação à realidade da actividade económica do sujeito passivo.
À crítica de falta de fundamentação do critério de quantificação desta componente do cálculo da matéria colectável formulada na sentença, a recorrente responde com uma vaga e genérica alegação de que um acréscimo de 18% ao CMV- custo das mercadorias vendidas, é um critério válido, seguro e idóneo que permite quantificar com rigor a matéria tributável, partindo de uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do sujeito passivo (6ª conclusão)
Sublinha-se que a remissão expressa para pontos do relatório da inspeção referida nesta conclusão incide sobre a percentagem das mercadorias devolvidas no universo total das compras, sem justificação credível sobre a percentagem aplicada para cálculo do CMV presumido.
Neste contexto as liquidações adicionais impugnadas enfermam de ilegalidade consequencial, resultante de falta de fundamentação, por obscuridade, do critério utilizado na determinação do lucro tributável subjacente.

3. DECISÃO
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo - Secção de Contencioso Tributário em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela recorrente (art.527º nºs 1/2 CPC / art. 2º al.e) CPPT).

Lisboa, 20 de maio de 2020. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Francisco António Pedrosa Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.