Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0952/13.0BEPRT
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CARREIRA DE ENFERMAGEM
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
PROGRESSÃO NOS ESCALÕES
Sumário:É de admitir a revista onde se questiona uma pronúncia unânime das instâncias - a de impor a progressão definitiva de uma enfermeira ao escalão onde fora provisoriamente posicionada por então ela exercer uma «formação em serviço» - se o decidido, ao basear-se numa norma entretanto revogada, suscita dúvidas sérias sobre a boa aplicação do direito transitório.
Nº Convencional:JSTA000P23982
Nº do Documento:SA1201812180952/13
Recorrente:UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DE MATOSINHOS, E.P.E.
Recorrido 1:SINDICATO DOS ENFERMEIROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A Unidade Local de Saúde de Matosinhos, EPE, interpôs a presente revista do aresto do TCA Norte confirmativo do acórdão em que o TAF do Porto, julgando parcialmente procedente a acção que o Sindicato dos Enfermeiros - em representação de uma sua associada, a enfermeira A……………….. - movera à ora recorrente, condenou a demandada a integrá-Ia no escalão 4, índice 165, da carreira de enfermagem a partir de 1/1/2010 e a extrair daí as devidas consequências em sede remuneratória.

A recorrente pugna pela admissão da revista porque o aresto «sub censura» terá decidido mal e contrariado anterior jurisprudência do STA.
Não houve contra-alegação.

Cumpre decidir.

Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
A representada do autor, que se encontrava posicionada no 3.° escalão, índice 155, da carreira de enfermagem, foi integrada - entre 1/1/2007 e 31/12/2009 - no 4.° escalão, índice 165, por lhe serem então cometidas as funções de «formação em serviço».
Esse novo posicionamento começou por ser provisório e decorreu do disposto no art. 64º, n.º 8, do DL n.º 437/91, de 8/11. Por sua vez, os ns.º 9 e 10 do mesmo artigo tornavam claro que um tal reposicionamento se tornaria definitivo ou não, consoante aquela «formação em serviço» durasse um mínimo de três anos ou menos do que isso.
Já vimos que a representada do autor exerceu essas funções formativas durante três anos. Não obstante, e quando eles findaram, a aqui recorrente fez regredir a enfermeira ao 3.° escalão, índice 155, com a justificação de que, a partir de 23/9/2009, aquele art. 64º ficara revogado pelo art. 28º do DL n.º 248/2009, de 22/9 - desaparecendo a possibilidade de progressão definitiva que o preceito suprimido acolhera.
Mas as instâncias consideraram que esse retrocesso era ilegal, pelo que impuseram à recorrente que integrasse a representada do autor no 4.° escalão, índice 165, a partir de 1/1/2010 - com os efeitos remuneratórios inerentes.
Nesta revista, a recorrente insurge-se contra essa decisão, tida por ofensiva da jurisprudência do STA e da revogação mencionada.
Mas os arestos do Supremo por ela citados são alheios à específica questão colocada dos autos e na revista. O problema «sub specie» concerne ao direito transitório - importando apurar se, e como, a revogação do art. 64° do DL n.º 437/91, operada em 23/9/2009, afectou a situação em que a enfermeira se encontrava desde 1/1/2007 ao abrigo da norma revogada
O assunto enquadra-se, portanto, no art. 12° do Código Civil, consistindo em saber se aquela representada do autor já detinha - em 23/9/2009 e a propósito de uma sua progressão definitiva ao 4.º escalão, «ex vi» do DL n.º 437/91 - uma situação de tal modo favorável que os efeitos dela devessem ser respeitados pela «lex nova» revogatória.
Constatámos que, na óptica das instâncias, a situação da enfermeira lhe garantia a integração definitiva nesse 4.° escalão. Mas esta solução é controversa porque impõe uma progressão sem que, no momento dela, houvesse base legal para o efeito; e porque não explica como se passou daquilo que, à partida, parecia ser uma mera expectativa inicial da enfermeira - a de, findos os três anos, progredir definitivamente ao 4° escalão - para o reconhecimento de um genuíno direito dela a progredir dessa forma, mesmo que «sine lege» aquando da progressão.

Sublinhe-se que a representada do sindicato autor, por exercitar a «formação em serviço», foi provisoriamente integrada naquele 4.° escalão e nele se manteve enquanto aquelas funções duraram; e, ao menos «prima facie», terão sido apenas estes os efeitos produzidos pela «lex praeterita» a favor da enfermeira.
Assim, a argumentação das instâncias está muito longe de ser persuasiva. Justifica-se, por isso, que recebamos a revista para se reanalisar o assunto e se melhorar a aplicação do direito. Até porque a aparente individualidade do caso não exclui que ele tenha repercussões externas - já que a progressão ilegal da enfermeira pode futuramente lesar outros colegas que com ela concorram nos mecanismos de progressão na carreira.
Nestes termos, acordam em admitir a revista.

Sem custas.

Porto, 18 de Dezembro de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.