Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0399/07
Data do Acordão:07/03/2007
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:GREVE.
PRÉ-AVISO
NECESSIDADES SOCIAIS IMPRETERÍVEIS
Sumário:I - Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis o prazo de aviso prévio de greve é de 10 dias, em vez do prazo geral de 5 dias.
II - A greve declarada com inobservância do disposto na respectiva lei (Lei 65/77, de 26/8) faz incorrer os trabalhadores a ela aderentes no regime das faltas injustificadas – artº 11º da Lei 65/77.
III - Consideram-se empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis as que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores: (…) c) salubridade pública, incluindo a realização de funerais; (…) g) transportes, cargas e descargas de animais e géneros alimentares deterioráveis” – artº 8º, n.º 2 da Lei 65/77.
IV - A finalidade do alargamento do prazo de aviso prévio destina-se, além do mais, a minimizar os danos da greve na esfera jurídica de terceiros alheios à relação de emprego.
V - A actividade médico-veterinária, na medida em que procede ao controle médico-sanitário dos animais a abater e do pescado a introduzir na cadeia alimentar humana, deve considerar-se como destinada a satisfazer necessidades sociais impreteríveis, sendo assim de 10 dias o prazo de aviso prévio de greve.
Nº Convencional:JSTA00064421
Nº do Documento:SA1200707030399
Data de Entrada:05/04/2007
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:SE DA AGRICULTURA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA DE 2006/12/07.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Área Temática 2:DIR TRAB - GREV.
Legislação Nacional:L 65/77 DE 1977/08/26 ART5 ART8.
Referência a Doutrina:PEDRO MARTINEZ DIREITO DO TRABALHO 2ED PAG1152.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A..., e outros, recorreram para este Supremo Tribunal do acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO interposto do despacho do Senhor SECRETÁRIO DE ESTADO DA AGRICULTURA, de 14-1-2004, que, em suma, julgou injustificadas as faltas dadas pelos recorrentes nos dias da greve nacional realizada entre 21 e 24 de Dezembro de 1998, por esta não ter sido convocada com a antecedência de dez dias.
Terminaram as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do lº Juízo Liquidatário (ex. 1ª Sub.) do Tribunal Central Administrativo Sul que, em 7 de Dezembro de 2006, julgou improcedente o recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Secretário de Estado da Agricultura, com data de 2002.01.14, o qual, em execução do douto Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal Central Administrativo no proc° n° 3542, que correu termos também por aquela ex-Subsecção, indeferira o recurso hierárquico oportunamente interposto do acto do Director-Geral de Veterinária que havia declarado como injustificadas as faltas dadas pelos recorrentes nos dias da greve nacional dos médicos veterinários realizada entre os dias 21 e 24 de Dezembro de 1998.
2. Por se poder considerar relevante para o exame do presente recurso, refere-se que o Tribunal Central Administrativo Sul, pronunciando-se sobre a mesma factualidade e a mesma questão de direito, proferiu, no passado dia 13 de Julho de 2006, Acórdão, já transitado em julgado, em que julgou procedente a pretensão dos médicos veterinários grevistas ali recorrentes.
3. Ao contrário do que propugna a decisão ora recorrida, a greve cumprida pelos recorrentes foi inteiramente legal, respeitando o respectivo pré--aviso o prazo geral de antecedência de cinco dias, estipulado no n° 1 do art° 5° da Lei n° 65/77 (Lei da Greve), de 26.08, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n° 30/92, de 20.10, e ao caso aplicável, de harmonia com o estabelecido pelo respectivo art° 12° e no entendimento dos diversos Pareceres sobre a matéria emitidos pela Procuradoria-Geral da República.
4. O prazo especial de dez dias estabelecido no n° 2 do art° 50 da mesma Lei da Greve, aplica-se apenas e exclusivamente, por virtude da remissão feita por este preceito, aos casos constantes das alíneas do n° 2 do art° 8° do mesmo diploma legal.
5. Tal como reconhece expressamente o Acórdão recorrido, o sector em questão em que se desenvolve a actividade, não só dos médicos veterinários inspectores higio-sanitários, como, muito menos, a dos médicos veterinários com funções meramente administrativas — e que é o caso -, não se integra em qualquer das alíneas do n° 2 do art° 80 (pág. 11 do aresto em apreço).
6. Porque assim, a greve em causa não poderia ser declarada ilegal, visto que o prazo legal da comunicação do pré-aviso era, no caso, de cinco dias e foi correctamente observado.
7. Por não envolver - tanto em geral, como nas circunstâncias concretas da greve em apreço - a satisfação de uma necessidade primária que careça de imediata utilização ou aproveitamento sob pena de irremediável prejuízo, a actividade dos recorrentes objecto da paralisação grevista não podia, em qualquer caso, integrar-se na definição doutrinária de empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, referidos pelo art° 8° da Lei da Greve.
8. Ao invés do que invoca o Acórdão recorrido, a qualificação de uma necessidade social como impreterível para os efeitos do art° 8° da Lei da Greve, não pode ser feita em função da maior ou menor intensidade do uso dessa necessidade em determinados períodos do ano — não estamos em face da satisfação de uma necessidade social impreterível só porque no período do Natal se consome mais carne de peru ou de cabrito.
9. Por outro lado, só o desconhecimento da realidade e do sistema económico em que o país se acha inserido permite concluir - como erradamente faz o Acórdão recorrido - que a greve (por quatro dias) dos médicos veterinários inspectores higio-sanitários, com a consequente paralisação do abate de gado e comercialização do pescado nacionais, poderia pôr em causa o abastecimento público de carne e de peixe, tendo em conta o regime de livre circulação e comercialização de mercadorias em vigor no espaço da União Europeia, de que Portugal faz parte.
10. Seja como for, e tal como concluíra já o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no supra-referido Acórdão de 13 de Julho de 2006, não existem nos autos (...) quaisquer elementos comprovativos de que a greve tenha, de alguma forma, afectado o normal funcionamento das operações de distribuição e venda de bens alimentares aos particulares.
11. Acresce, por outro lado, que, ao invés do que especula o Acórdão recorrido, a greve aqui ilicitamente declarada ilegal, também nunca poderia conduzir ao consumo de produtos não controlados, pela simples razão de que, não se realizando a inspecção sanitária obrigatória por médico veterinário, nenhum animal entrado nas abegoarias pode ser abatido e, consequentemente, a respectiva carcaça(carne) está impossibilitada de entrar no circuito da distribuição e consumo; para além de que as acções de fiscalização da qualidade alimentar de qualquer produto estava a cargo da então Inspecção-geral das Actividades Económicas.
12. Não definindo a lei o conceito de necessidades sociais impreteríveis, “os limites impostos ao direito de greve pelo art° 80 da Lei 65/77 devem ocorrer apenas na medida do estritamente indispensável ao assegurar dessa finalidade e quando representem o único meio de satisfação das necessidades sociais impreteríveis em jogo no caso concreto” (Direito de greve e serviços mínimos, José João Abrantes, in Questões Laborais, ano II, n° 6, 1995, págs. 129 e segs.) - o que, na situação em apreço, claramente não ocorre.
13. Pelas múltiplas razões atrás aduzidas, não existe, nem existiu, no caso em apreço, qualquer obrigação de prestação de serviços mínimos por parte dos recorrentes, ainda que, a colocar-se essa hipótese, caberia ao Governo a definição do nível, conteúdo e extensão desses serviços mínimos, questão esta que nunca foi suscitada pelo Ministério competente.
14. Ao manter o despacho que ilegalmente sujeitou os recorrentes ao regime do art° 11º da Lei da Greve, declarando as faltas dadas no período da greve em causa como faltas injustificadas, o Acórdão recorrido, para além de infundado, violou, por errónea interpretação e incorrecta aplicação, o disposto nos art°s 50º, 70º, 8° e 11° da Lei 65/77, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n° 30/92, de 20 de Outubro, e ainda o estatuído no art° 57º da Constituição da República.
A entidade recorrida não contra-alegou.
Neste Supremo Tribunal o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:
a) O Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, por despacho datado de 18/12/98, exprimiu concordância com a seguinte informação:
“1 - O Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários decretou, para os dias 21 a 24 do corrente mês, uma greve de âmbito nacional, com a qual, entre outros, pretende paralisar os serviços de inspecção sanitária durante o referido período.
2 - As acções de inspecção higio-sanitárias dos animais, carnes, produtos da pesca e aquicultura frescos, destinados ao consumo público, bem como as de controlo dos estabelecimentos de abate, preparação, tratamento e armazenamento de produtos frescos de origem animal e respectivos subprodutos, dos estabelecimentos de inspecção e laboração dos produtos frescos da pesca e aquicultura, têm um carácter assumidamente essencial para a produção, transformação e distribuição dos produtos alimentares, sendo que, a maioria deles, é de primeira necessidade.
3 - Ao não se assegurar a prestação daqueles serviços, para além de se pôr em causa o bem-estar dos animais que se encontram já nos estabelecimentos de abate que, como é legalmente estabelecido, uma vez ali entrados não poderão dali sair a não ser abatidos, o abastecimento público não terá a garantia de que será efectuado em condições que não ponham em risco a saúde dos consumidores, tendo, em consequência, que ser interrompido. Essa interrupção, porém, não garante que não possa vir a existir um fornecimento irregular ao consumo de produtos não controlados, com as inerentes prováveis consequências para a saúde pública, tanto mais que se trata de uma época festiva onde tradicionalmente se consomem grandes quantidades daqueles produtos alimentares.
4 - Os serviços de inspecção higio-sanitária a que nos vimos reportando, constituem, pois, serviços destinados à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, tendo o pré-aviso de greve sido apresentado com antecedência inferior àquela que estabelece o nº 2 do art. 5° da Lei n°. 65/77, de 26/8, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº. 30/92, de 20/10 (10 dias).
5 - Acresce ainda que a comunicação que foi enviada a este Ministério não continha qualquer indicação que permitisse inferir que estava garantida a prestação dos serviços essenciais para o interesse público que a greve poderia afectar.
6 - A determinação dos sectores correspondentes a necessidades sociais impreteríveis é feita no n° 2 do art. 8°. da Lei n°. 65/77, onde a nova redacção conferida pela Lei n°. 30/92, procedeu a um alargamento dos sectores anteriormente estabelecidos. Quer o legislador quer a doutrina têm vindo a aceitar expressamente que do carácter meramente exemplificativo da enumeração, decorre a admissibilidade de surgimento da obrigação de serviços mínimos noutros sectores económicos que satisfaçam necessidades sociais vitais (ver Monteiro Fernandes, in Direito de Greve, pag. 63) em que aponta o sector alimentar.
7 - Conclui-se, assim, que a greve decretada sofre de ilicitude, com a consequente sujeição dos trabalhadores grevistas ao regime do art. 11º da Lei da Greve”;
b) Os recorrentes, médicos veterinários a exercerem funções estrita e exclusivamente administrativas na Direcção-Geral de Veterinária, aderiram à greve convocada pelo Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários para os dias 21 a 24 de Dezembro de 1998;
c) O Director-Geral de Veterinária decidiu declarar injustificadas as faltas dadas pelos recorrentes no referido período de 21 a 24/12/98;
d) Da decisão referida na alínea anterior, os recorrentes interpuseram, em 18/5/99, recurso hierárquico para o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas;
e) O Secretário de Estado da Modernização Agrícola e da Qualidade Alimentar, por despacho datado de 17/6/99, rejeitou liminarmente esse recurso hierárquico;
f) No recurso contencioso que correu termos neste Tribunal, com o n°. 3542/99, foi proferido acórdão que anulou o despacho referido na alínea anterior;
g) Em 14/1/2002, o Secretário de Estado da Agricultura proferiu o seguinte despacho:
“Tendo em conta a decisão do Tribunal Central Administrativo proferida no Proc. n°. 3542/99 em que são recorrentes A... e outros, mantenho a decisão do Sr. Director-Geral de Veterinária, que declara como injustificadas as faltas dadas pelos recorrentes no período de 21 a 24 de Dezembro de 1998, com fundamento no despacho do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, de 18/12/98, exarado na informação deste Gabinete da mesma data. Comunique-se à D.G.V. e aos recorrentes”.
2.2. Matéria de direito
i) objecto do recurso
O acórdão recorrido, no essencial, considerou que a greve nacional convocada pelo Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários para os dias 21 a 24 de Dezembro de 1998 foi irregularmente convocada e, por isso, não anulou o acto administrativo impugnado que considerou injustificadas as faltas dos ora recorrentes nos dias da greve. Para assim concluir entendeu que, o sector de actividade económica onde se integravam os ora reclamantes (médicos veterinários) integrava o conceito indeterminado de “empresas ou estabelecimentos” destinados à “satisfação de necessidades sociais impreteríveis” (artº 8º, 1 e 2 da Lei da Greve – Lei 65/77, de 26/8), e, nessa medida, o pré-aviso de greve a que alude o art. 5º da mesma lei deveria ter sido feito com 10 dias de antecedência, o que não aconteceu.
Sendo certo que o aviso prévio não respeitou os 10 dias a que alude o art. 5º, n.º 2 do Dec. Lei 65/77, de 26/8, e decorrendo expressamente do artº 11º da mesma Lei que “a greve declarada com inobservância do disposto no presente diploma faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime das faltas injustificadas”, é objecto deste recurso a questão de saber se, no caso, o prazo de aviso prévio era de 10 dias (art. 5º, 2) ou de 5 dias (prazo geral, previsto no art. 5º, 1).
ii) Prazo legal do pré-aviso de greve
O prazo geral do aviso prévio é de 5 dias (art. 5º da Lei 65/77, de 26/8). No entanto, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo:
Para os casos do n.º 2 do art. 8º, o prazo de pré-aviso é de 10 dias”.
O artº. 8º, da referida Lei 65/77, de 26/8, com a epígrafe “Obrigações durante a greve”, tem a seguinte redacção:
1 – Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores:
a) Correios e telecomunicações;
b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;
c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;
e) Abastecimento de águas;
f) Bombeiros;
g) Transportes, cargas e descargas de animais e de géneros alimentares deterioráveis;
3 – As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.
4 – No caso do não cumprimento do disposto neste artigo, o Governo poderá determinar a requisição ou mobilização nos termos da lei aplicável.
O acórdão recorrido entendeu que estávamos perante “serviços destinados à satisfação de necessidades sociais impreteríveis” com a seguinte argumentação: “Na verdade, a paralisação, no período de 21 a 24 de Dezembro, das acções de inspecção higio-sanitária dos animais, carnes e produtos de pesca e aquicultura destinados ao consumo público é susceptível de pôr em causa o abastecimento público, numa época em que se consomem grandes quantidades daqueles produtos, ou de conduzir ao consumo de produtos não controlados, com o consequente risco para a saúde pública”.
Os recorrentes não aceitam a argumentação do acórdão, alegando em síntese, que no caso, deveria ser aplicável o regime geral, ou seja, o prazo de cinco dias, por não envolver “tanto em geral, como nas circunstâncias concretas da greve em apreço, a satisfação de uma necessidade primária que careça de imediata utilização ou aproveitamento (…)”. Não poderia assim a actividade dos recorrentes integrar-se na definição doutrinária de empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Em seu entender, a qualificação de uma necessidade social como impreterível, “não pode ser feita em função da maior ou menor intensidade do uso dessa necessidade em determinados períodos do ano – não estamos em função de maior necessidade social impreterível só porque no período de Natal se consome mais carne de peru ou de cabrito”. Acresce que um regime de livre circulação, a paralisação do abate de gado e comercialização de pescado nacionais, não põe em causa o abastecimento público de carne e pescado oriundos dos outros países da União Europeia, de que Portugal faz parte. Não definindo a lei o que se entende por necessidades sociais impreteríveis, as mesmas devem ocorrer apenas “na medida do estritamente indispensável.
Vejamos.
Não há dúvida que o prazo de aviso prévio de 10 dias se aplica não só às actividades exemplificativamente enumeradas no art. 8º, n.º 2, da Lei 65/77, mas ainda a todas aquelas onde o “estabelecimento ou a empresa se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”. A remissão do art. 5º, n.º 2º da mesma Lei refere-se aos casos previstos no n.º 2, e este preceito opta por enumerar exemplificativamente as empresas ou estabelecimentos destinados à satisfação de necessidades impreteríveis: “consideram-se empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores (…)”. Assim, a melhor interpretação da lei é que entende estarmos perante empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades impreteríveis em todos os casos enumerados e em todos aqueles que visam satisfazer necessidades sociais semelhantes, tendo em vista a finalidade da lei.
A finalidade da lei, neste caso concreto, é desde logo, a de estabelecer um regime de “serviços mínimos”. O art. 8º da citada Lei tem como epigrafe “obrigações durante a greve”, e delimita os sectores de actividade em que, mesmo durante a greve, os trabalhadores, mesmo que adiram à greve, ficam obrigados “à prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades”.
Contudo o alargamento do prazo do pré-aviso de greve, nos casos em que haja necessidade de serviços mínimos, justifica-se também pela ponderação que devem merecer os interesses de terceiros lesados com a greve.
É verdade que “o aviso prévio, como refere PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2ª Edição, Coimbra, 2005, pag. 1152, pode constituir e muitas vezes representa uma forma de evitar a greve: através do pré-aviso, conhecendo-se as reivindicações dos trabalhadores, o empregador, na iminência da greve, pode não estar disposto a correr o risco de uma paralisação, e, nessa medida, pode aceder a certas pretensões do empregador”.
Porém a razão de ser do alargamento do prazo, em sectores destinados a prover necessidades sociais impreteríveis, tem a ver com uma outra finalidade do aviso prévio, qual seja a de minimizar os danos da greve sofridos por terceiros: “É o caso das greves nos transportes, das greves nos correios, etc. Nesses casos, o aviso prévio tem indiscutíveis vantagens, porque durante o período que medeia entre a comunicação e a greve podem encontrar-se formas alternativas para minimizar os prejuízos ocasionados à comunidade, designadamente mediante a prestação de serviços alternativos” (autor e obra citada, pág. 1153).
Deste modo, a razão de ser da lei ao alargar o prazo do aviso prévio é, não só a de conceder um maior prazo ao empregador para reflectir sobre as reivindicações e os danos que sofre com a greve, mas ainda para minimizar, perante terceiros alheios à relação de emprego, os danos da greve.
Tendo em atenção os sectores de actividade enumerados no artº 8º, 2 da Lei da Greve acima descritos, verificamos que, entre eles se encontram: os serviços de salubridade pública, transporte e cargas de animais.
Parece, a nosso ver de modo indiscutível, que o controle médico-veterinário do estado dos animais abatidos para consumo público, se destina a satisfazer necessidades sociais impreteríveis, pois como é notório o consumo de carne e peixe constitui a mais significativa fatia da cadeia alimentar humana. Há assim uma clara identidade das razões para considerar uma necessidade social impreterível os serviços de “salubridade pública” e “transporte de animais” (expressamente previstos) e o controle sanitário do abate de animais e estado sanitário do pescado introduzido no comércio alimentar.
Para além da analogia funcional (controle da qualidade dos animais (peixe e carne) usados na alimentação e a salubridade pública e transporte de animais, há ainda analogia entre as razões justificativas do alargamento do prazo. Na verdade, como os recorrentes alegam era viável, neste caso, minimizar os efeitos da greve perante terceiros através do consumo de carne e peixe oriundo de países da União Europeia. O alargamento do prazo – tendo em vista esse objectivo - é tão importante quanto à procura de alternativas, no “transporte de animais” e na defesa da “salubridade pública (actividades previstas expressamente na lei), como no controle sanitário da carne e peixe, introduzidas no mercado.
Há, assim claras razões para se considerar que a actividade médico-veterinária é uma actividade que, em grande medida, se destina a assegurar necessidades sociais impreteríveis.
Finalmente, é completamente irrelevante que alguns dos aderentes à greve, não exerçam funções concretamente ligadas à inspecção prévia dos animais destinados ao consumo. Para que seja aplicável o art. 5º, 2, da Lei da Greve o que importa é que existam casos concretos de “estabelecimentos ou empresas”, isto é locais concretos onde a greve vai suspender a relação de emprego, que satisfaçam necessidades sociais impreteríveis. Ora não há dúvida que através da greve em causa se abrangia (também) os serviços de inspecção higio-sanitária dos animais, carnes e produtos de pesca destinados ao consumo público, pelo que a existência de aderentes à greve com funções meramente administrativas não tem qualquer significado para o efeito. O aviso prévio não pode ser de 5 dias para uns e de 10 dias para outros; isto é, legal e ilegal ao mesmo tempo.
Do exposto resulta que o Tribunal Central Administrativo fez a melhor interpretação e aplicação da lei, improcedendo em consequência o presente recurso.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes fixando-se a taxa de justiça, a cada um deles, no montante de 200 €. Procuradoria: 50%.
Lisboa, 3 de Julho de 2007.- São Pedro (relator) – João Belchior - Fernanda Xavier.