Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0428/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
ATRASO NA DECISÃO
INDEMNIZAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
DANO PATRIMONIAL
Sumário:I - O nexo naturalístico a que se refere o art. 563.º do CC ocorre sempre que o facto ilícito é suscetível de se mostrar, face à natureza das coisas e à experiência comum, como adequado à produção do dano.
II - O mesmo só deixará de ser fonte da obrigação indemnizatória quando, na ordem natural das coisas, for de todo em todo indiferente para a produção do dano e se só se tornou condição deste em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, fortuitas e excecionais.
III - Resulta preenchido o nexo de causalidade relativamente a perda patrimonial sofrida com impossibilidade de cobrança pelo credor de crédito reconhecido por sentença judicial emitida com violação do direito à emissão de decisão judicial em prazo razoável se estiver demonstrado que foi o retardamento havido na emissão daquela decisão judicial que impossibilitou o credor de ter podido diligenciar, mais cedo, pela dedução e instauração dos meios e dos mecanismos de garantia e de cobrança executiva e que estes, por conferidores de anterioridade e prioridade registal, lhe teriam permitido obter na ação executiva, em sede da operação de pagamento dos credores graduados, o pagamento da totalidade do seu crédito e que só tardiamente lhe veio a ser reconhecido naquela decisão.
Nº Convencional:JSTA00070792
Nº do Documento:SA1201807120428
Data de Entrada:05/24/2018
Recorrente:A....
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Área Temática 2:ATRASO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
Legislação Nacional:ARTIGO 22º DA CRP ARTIGO 563º DO CÓDIGO CIVIL
Legislação Estrangeira:ARTIGO 6º DA CEDH
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO

1. A………, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/P] a presente ação administrativa comum, sob forma sumária, contra o “ESTADO PORTUGUÊS”, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [fls. 03 e segs. dos autos - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], a condenação deste no pagamento ao A. da «quantia de 29.254,95 Euros a título de danos patrimoniais» e dos montantes por aquele «despendidos no decurso desta ação, nomeadamente 382,50 Euros a título de taxa de justiça e 2.500,00 Euros referentes a honorários de advogado», quantias essas acrescidas de juros legais desde a citação e até integral pagamento.

2. O TAF/P, por sentença de 31.03.2017 [cfr. fls. 248/266], julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou o R. no pedido.

3. O R. interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] que, por acórdão de 30.11.2017, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão, considerando improcedente a pretensão indemnizatória que havia sido formulada contra o R. [cfr. fls. 372/392].

4. Invocando o disposto no art. 150.º, n.º 1, do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], o A., agora inconformado com o acórdão proferido pelo TCA/N interpôs, então, o presente recurso de revista, produzindo alegações [cfr. fls. 399 e segs. e fls. 484 e segs.], com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«
A - O douto Acórdão recorrido manteve integralmente a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.
B - O autor/recorrente peticionou, em 1ª instância junto do TAF do Porto, a condenação do Estado Português, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, de acordo com o previsto no artigo 22.º da CRP, no artigo 6.º do DL n.º 48051, de 21/11/1967, e no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, com vista ao pagamento de uma indemnização, por danos patrimoniais sofridos em função da violação do seu direito a uma decisão judicial proferida em prazo razoável no processo 233/2000 da 1.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia.
C - O Mm.º TCAN, apreciando a verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado, julgou existir efetivamente atraso no julgamento da ação cível em causa, em violação do direito do recorrido (aqui recorrente) a uma decisão em tempo razoável, consubstanciando o mesmo um facto ilícito.
D - Compulsando a jurisprudência emanada pelo TEDH, a duração média de uma ação em 1.ª instância deve corresponder a cerca de 3 anos para a generalidade das matérias, pelo que, em abstrato, aquela ação deveria estar concluída no máximo em maio de 2003.
E - No caso concreto, face à simplicidade da questão decidenda, ainda que aquele Tribunal tivesse demorado seis meses desde a data do julgamento (14/03/2002) até à notificação da sentença, esta deveria ter ocorrido em 14/09/2002.
F - O Mm.º tribunal a quo entendeu que, no caso concreto, existiu culpa funcional por parte do réu Estado, pelo que a sua atuação foi ilícita e culposa.
G - Na apreciação do pressuposto do nexo de causalidade, o Mm.º tribunal a quo considerou ser de aplicar a teoria da causalidade adequada, acolhida pela doutrina e com assento na Lei (artigo 563.º do Código Civil), proposta por Ennecerus-Lehman, na sua formulação negativa.
H - No entanto, o Mm.º tribunal a quo descreve-a no sentido de que "não basta que o facto em causa tenha produzido determinado dano para que, juridicamente, se possa considerar causado ou provocado por aquele, devendo os danos apresentarem-se como consequência normal, típica e provável do evento em causa (...)" (sublinhado e negrito nosso), o que corresponde inversamente à teoria positiva da causalidade adequada!!!
I - Consideram a doutrina e a jurisprudência maioritária que a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, significa que o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
J - O Mm.º tribunal a quo considerou inexistir nexo de causalidade entre a demora judicial e o dano do recorrente, "seja em abstrato, dado a demora judicial não ser em si mesma, segundo o curso normal das coisas, causa idónea, normal ou previsível da insatisfação parcial do crédito do Recorrido" (aqui recorrente), "seja em concreto, uma vez que ainda que a sentença em causa tivesse sido prolatada em 2003, e assim, em momento prévio ao registo do arresto, em 27 de janeiro de 2004, do crédito de B……….., graduado em 2.º lugar no processo de reclamação de créditos apensado ao de execução já identificado, não é possível ficcionar a tramitação de um processo de execução de sentença, cuja eventual data de instauração não se pode determinar, em termos de considerar ser muito provável ou previsível que os executados não recorressem dessa decisão, que o Recorrido registaria com garantia real o seu crédito em momento prévio ao do credor B………… ou de outros que eventualmente viessem nessa hipotética data reclamar os seus créditos, e que o bem penhorado seria vendido por valor que permitisse a satisfação integral do crédito do Recorrido".
K - Ao decidir assim, determinando que o nexo de causalidade só se verificaria se a demora judicial fosse, em si mesma, segundo o curso normal das coisas, causa idónea, normal ou previsível da insatisfação parcial do crédito do recorrente, o Mm.º tribunal a quo lançou mão da teoria da causalidade adequada na sua formulação positiva, que, como vimos de descrever, não é a formulação adotada pelo artigo 563.º do CC e aceite pacificamente como tal pela doutrina e jurisprudência.
L - Decorre da lei (artigo 6.º do Código de Registo Predial) e, portanto, também da ordem natural das coisas, que "o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes". Sendo certo que o comum dos cidadãos não é possuidor de um número ilimitado de bens, e que esses bens terão um valor limitado.
M - Pelo que, o atraso na produção da sentença em que se determinou a condenação dos RR. ao pagamento de um montante pecuniário elevado, anulou, natural e previsivelmente, a possibilidade de o autor ver o seu crédito recuperado na íntegra (especialmente porque existiam outros credores com idêntica pretensão, como frequentemente sucede).
N - Da aplicação ao caso concreto da teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, decorre que a demora na prolação da sentença na ação 233/2000 só não seria causa adequada do dano sofrido pelo recorrente (e que corresponde aos 29.254,95 € que não conseguiu recuperar) se, na ordem natural das coisas, fosse de todo em todo indiferente para a produção do dano.
O - Em concreto, face aos factos provados, verifica-se que só a falta da prolação da sentença no processo 233/2000 em prazo razoável impediu o autor de receber a totalidade do crédito. Tal facto, julgado ilícito e culposo, foi condição efetiva do dano sofrido pelo autor/recorrente, pois que uma vez que aquela sentença foi notificada ao autor apenas a 16/02/2004, só a partir desta data ele pôde registar a hipoteca judicial que garantia a satisfação do seu crédito. Data essa em que já se encontrava registado o arresto a favor de B………., com data de 27/01/2004.
P - Sendo certo que, na execução em que foi vendido o único imóvel conhecido aos executados, aquele B……….. recebeu uma quantia que seria suficiente para ressarcir na íntegra o crédito remanescente do autor/recorrente.
Q - Não colhe o argumento, usado pelo Mm.º tribunal a quo, de que não é possível ficcionar que os executados não recorreriam daquela decisão, ou que não pode ficcionar-se a tramitação do processo de execução de sentença ou ainda que o recorrente registaria o seu crédito em momento prévio ao do credor B........, ou ainda de outros que eventualmente viessem a reclamar os seus créditos.
R - Não há que ficcionar realidades alternativas no caso concreto, há sim que, em face dos factos provados, verificar se caso o facto ilícito e culposo não tivesse ocorrido (isto é, se a sentença tivesse sido proferida ainda durante o ano de 2002, ou mesmo se ela tivesse sido proferida e notificada ao autor até maio de 2003) o dano não teria sido causado. Compulsando os factos julgados provados, nomeadamente o de que o recorrente atuou sempre com celeridade e diligência, este teria registado a hipoteca judicial que garantia o seu crédito ainda em 2002 (ou no máximo em junho de 2003, caso a sentença fosse proferida em maio/2003). Em ambas as hipóteses a hipoteca estaria registada muito antes do registo do arresto do credor B........ (27/01/2004).
S - Pelo que o autor/recorrente ficaria graduado em 2.º lugar na execução em que o bem imóvel foi vendido, e receberia a totalidade do seu crédito.
T - Temos portanto que o facto ilícito e culposo imputado ao réu, isto é, o atraso na prolação da decisão judicial do processo 233/2000 não foi indiferente para a produção do dano sofrido pelo autor, pois que sem aquele este não se teria verificado. Ao que acresce que não foram circunstâncias extraordinárias, anómalas ou fortuitas que determinaram que o autor não satisfizesse o seu crédito na íntegra, mas apenas a ordem natural das coisas, que se prende com a prioridade do registo, e com a finitude da propriedade dos executados.
U - O douto Acórdão recorrido não se pronunciou especificadamente quanto ao pressuposto do dano sofrido pelo autor/recorrente, e que consiste na parte do seu crédito que não obteve pagamento a que acrescem as despesas com a ação administrativa comum, certo é que o dano sofrido pelo autor corresponde a matéria de facto provada, e não alterada pelo douto tribunal a quo. Não são compreensíveis, por esta razão, as considerações feitas no final do douto Acórdão recorrido quanto ao facto de não resultar dos autos que o recorrente (ali recorrido) não venha a satisfazer integralmente o seu crédito, pois que, ao invés, resulta provado que os executados não possuem outros bens suscetíveis de penhora.
V - Pelo que, revogando a decisão proferida nos autos pelo Mm.º TCAN, e mantendo a decisão proferida em 1.ª instância pelo TAF do Porto, isto é, condenando o Estado Português a pagar ao autor/recorrente a quantia de 29.254,95 €, acrescida das quantias por este despendidas no decurso desta ação, nomeadamente 2.500,00€ a título de honorários de advogado, 382,50 € a título de taxa de justiça inicial, e 255,00 € a título de taxa de justiça do presente recurso, tudo acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento …».

5. Devidamente notificado o R., aqui recorrido, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 451 e segs.] concluindo nos seguintes termos:
«
I - O recurso deve rejeitado por não se verificarem os pressupostos de admissibilidade previstos no art. 150.º do CPTA.
Se assim, não se entender:
II - Deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 03.05.2018, o presente recurso de revista foi admitido [cfr. fls. 465/469].

7. Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em Conferência.


DAS QUESTÕES A DECIDIR
8. Constitui objeto de apreciação nesta sede o aferir se a decisão judicial recorrida, ao conceder provimento ao recurso de apelação deduzido pelo R., ora recorrido, julgando improcedente a pretensão indemnizatória formulada pelo A. incorreu, conforme alegado, em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto, mormente, nos arts. 22.º da CRP, 06.º da CEDH, e 563.º, do CC [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].




FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
9. Resulta apurado nas instâncias o seguinte quadro factual:
I) O A. intentou, em 2 de maio de 2000, contra C………..e mulher, D…………, uma ação ordinária na qual peticionava que o Tribunal declarasse nulo e ineficaz o contrato de compra e venda do veículo automóvel de marca Mercedes, modelo E 300 Turbo Diesel, com a matrícula estrangeira n.º ………. [alínea A) da Matéria de Facto Assente].
II) Naquela ação, o A. peticionou em simultâneo que os ali RR. fossem condenados a pagar-lhe a quantia de 9.262.158$00 [alínea B) da Matéria de Facto Assente].
III) Tal ação ordinária correu termos na 1.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º de processo 233/2000 [alínea C) da Matéria de Facto Assente].
IV) O processo supramencionado seguiu os trâmites normais até à data da audiência de discussão e julgamento, que se realizou em 14 de março de 2002 [alínea D) da Matéria de Facto Assente].
V) O A., em 8 de janeiro de 2004, escreveu uma carta registada com aviso de receção para o Conselho Superior de Magistratura, peticionado a intervenção deste no sentido de ser proferida sentença no âmbito da ação ordinária referida em III) [alínea E) da Matéria de Facto Assente].
VI) A referida carta foi rececionada pelo Conselho Superior de Magistratura em 12 de janeiro de 2004 [alínea F) da Matéria de Facto Assente].
VII) Em 11 de fevereiro de 2004, o Meritíssimo Juiz de Direito daquela 1.ª Vara Mista proferiu sentença no processo 233/2000 [alínea G) da Matéria de Facto Assente].
VIII) O Conselho Superior de Magistratura escreveu uma carta ao A., informando-o de que a sentença tinha sido proferida em 11 de fevereiro de 2004, encontrando-se os autos a aguardar o trânsito em julgado [alínea H) da Matéria de Facto Assente].
IX) Tendo o mandatário do aqui A. sido notificado da douta sentença por carta registada com data de 16 de fevereiro de 2004 [alínea I) da Matéria de Facto Assente].
X) A fls. 280 e no canto superior esquerdo de fls. 281 daquele processo n.º 233/2000, pode ler-se: «Conclusão: 27/9/2002» [alínea J) da Matéria de Facto Assente].
XI) Constando a sentença em causa de fls. 281 a 284 [alínea K) da Matéria de Facto Assente].
XII) Estando tal aresto datado de 11 de fevereiro de 2004 [alínea L) da Matéria de Facto Assente].
XIII) Por efeito da sentença proferida no âmbito dos autos ordinários referidos em III), o contrato de compra e venda celebrado entre A. e os ali RR. foi declarado nulo, nos termos do artigo 892.º do Código Civil, tendo os RR. sido condenados a entregar ao A. o montante de 8.352.577$00 [41.662,48 Euros] [alínea M) da Matéria de Facto Assente].
XIV) A referida sentença foi notificada ao A. a 16 de fevereiro de 2004, tendo transitado em julgado a 3 de março de 2004 [alínea N) da Matéria de Facto Assente].
XV) Para ser ressarcido de tal crédito, o A. intentou, a 23 de março de 2004, ação executiva contra aqueles RR., peticionando a penhora dos seus bens no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia [alínea O) da Matéria de Facto Assente].
XVI) Tal ação correu termos na 1.ª Vara de Competência Mista daquele tribunal, sob o número de processo 233-A/2000 [alínea P) da Matéria de Facto Assente].
XVII) No decorrer desta execução, ao proceder ao registo de penhora, verificou-se a existência de uma penhora anterior numa execução que corria seus termos pelo Tribunal Judicial de Vila do Conde, pelo que aquela execução foi sustada quanto a este bem por despacho datado de 23 de fevereiro de 2005 [alínea Q) da Matéria de Facto Assente].
XVIII) A 14 de março de 2005, o A. reclamou o seu crédito com garantia real na execução que corria termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila do Conde, com o número de processo 360-A/2001 [alínea R) da Matéria de Facto Assente].
XIX) Tendo o seu crédito sido graduado em 3.º lugar, depois do crédito hipotecário bancário registado a 19 de agosto de 1997 [graduado em 1.º lugar], e do crédito de B……….., garantido por arresto registado a 27 de janeiro de 2004 [graduado em 2.º lugar] [alínea S) da Matéria de Facto Assente].
XX) Vendido o bem imóvel naquela execução, o A. recebeu a quantia de 17.407,03 Euros, ficando em dívida, ainda, o montante de 29.254,95 Euros [alínea T) da Matéria de Facto Assente].
XXI) O credor B………….. recebeu a quantia de 29.443,95 Euros [alínea U) da Matéria de Facto Assente].
XXII) O arresto que garantiu o crédito do credor B……….. na execução 360-A/2001 foi registado a 27 de janeiro de 2004 [alínea V) da Matéria de Facto Assente].
XXIII) A hipoteca judicial referida em XXXI) servia para garantia da quantia de 41.662,48 € [alínea W) da Matéria de Facto Assente].
XXIV) De modo a tentar provocar a agilização dos trâmites processuais da ação ordinária referida em III), o A., durante o ano e meio seguinte à realização do julgamento, pelos seus próprios meios ou por terceiro, procurou saber, quase todos os meses, junto do Tribunal de Vila Nova de Gaia, do estado do processo [resposta ao quesito 01.º) da base instrutória].
XXV) A cada deslocação àquela secretaria, o A. indagava sobre as razões do atraso na prolação da sentença [resposta ao quesito 02.º) da base instrutória].
XXVI) E sempre foi informado de que o processo estava na secretária do senhor Dr. Juiz, pelo que deveria aguardar [resposta ao quesito 03.º) da base instrutória].
XXVII) Só após a apresentação da participação ao Conselho Superior de Magistratura referida em V) é que o Tribunal de 1.ª instância elaborou a sentença [resposta ao quesito 04.º) da base instrutória].
XXVIII) O Conselho Superior da Magistratura solicitou ao “Juiz de direito da 1.ª Vara Mista” de Vila Nova de Gaia informação sobre o estado do processo n.º 233/2000 por ofício datada do 26.01.2004, tendo sido pelo mesmo determinada a junção de tal ofício aos competentes autos em 04.02.2004 e em 11.02.2004, foi proferida sentença [resposta ao quesito 05.º) da base instrutória].
XXIX) Em 23.02.2004, o A. requereu uma certidão da sentença [resposta ao quesito 06.º) da base instrutória].
XXX) A certidão referida em XXIX) foi emitida em 01 de março de 2004 [resposta ao quesito 07.º) da base instrutória].
XXXI) Em 19 de março de 2004, o A. requereu o registo da hipoteca judicial sobre um bem imóvel inscrito em nome do R. [resposta ao quesito 08.º) da base instrutória].
XXXII) Os executados não possuem outros suscetíveis de penhora [resposta ao quesito 09.º) da base instrutória].
XXXIII) O A., na presente ação, liquidou a quantia de 382,50 € a título de taxa de justiça [resposta ao quesito 10.º) da base instrutória].

«*»

DE DIREITO
10. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação dos fundamentos do recurso sub specie.

11. Presentes aquilo que constitui a argumentação desenvolvida pelo A./Recorrente e o que se mostra decidido no acórdão recorrido está em causa nesta sede aferir da existência de erro de julgamento daquela decisão no segmento em que na mesma se considerou de que, in casu, não ocorre o requisito ou pressuposto do nexo de causalidade e, em consequência, considerou como improcedente a pretensão indemnizatória deduzida pelo A..
Analisemos.

12. Mostra-se adquirido e consensualizado nos autos que, no plano do ordenamento jurídico português à data vigente [nomeadamente, arts. 20.º, n.ºs 4 e 5, 22.º, e 268.º, n.ºs 4 e 5, da CRP, 06.º e 13.º da CEDH (aprovada por ratificação através da Lei n.º 65/78, de 13.10 (DR I Série, n.º 236) e aplicável na ordem jurídica interna desde 09.11.1978 (cfr. Aviso de depósito do instrumento de ratificação - Aviso do MNE publicado no DR, I Série, n.º 1/79, de 2.01) e DL n.º 48051], o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva extensível a qualquer tipo de processo [cível, penal, administrativo/tributário, laboral, etc.] e que a infração a tal direito constitui o Estado Português em responsabilidade civil extracontratual [art. 22.º da CRP, 06.º e 13.º do CEDH].

13. Constitui objeto do litígio sub specie o reconhecimento da existência de responsabilidade civil por parte do R. Estado Português, decorrente do anormal funcionamento da máquina ou do aparelho judiciário em sede ação declarativa condenatória cível instaurada na então 1.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia e que corre termos sob o n.º 233/2000, e do consequente dever de indemnizar, importando, então, em face das questões que se nos mostram colocadas tão-só analisar do preenchimento do pressuposto relativo ao nexo de causalidade [cfr. art. 563.º do CC], cientes de que quanto aos demais pressupostos a sua verificação mostra-se assente em face dos juízos, nesse âmbito transitados em julgado, firmados pelo TAF/P e pelo TCA/N.

14. Entrando, assim, na apreciação do pressuposto ainda em questão importa cotejar aquilo que constitui, desde logo, o quadro normativo a atender.

15. Deriva do art. 563.º do CC, enquanto preceito no qual se estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigação de indemnizar, que a esta «só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

16. Consagra-se no referido artigo, tal como tem vindo a ser entendido na doutrina e na jurisprudência, a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, teoria justificada pela ideia de que o prejuízo deve recair sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano, pelo que o facto ilícito que, no caso concreto, foi efetivamente condição do resultado danoso só deixa de ser causa adequada se, na ordem natural das coisas, for de todo em todo indiferente para a produção do dano [cfr., ente outros, Acs. deste STA de 16.05.2006 (Proc. n.º 0874/05), de 14.10.2009 (Proc. n.º 0155/09), de 08.09.2011 (Proc. n.º 0858/10), de 22.11.2011 (Proc. n.º 0628/11), de 13.03.2012 (Proc. n.º 0477/11), de 24.04.2013 (Proc. n.º 0183/13), de 25.03.2015 (Proc. n.º 01932/13), de 19.05.2016 (Pleno) (Proc. n.º 0576/10), de 22.03.2017 (Proc. n.º 01356/14), de 04.10.2017 (Proc. n.º 0198/15), e de 08.03.2018 (Proc. n.º 0446/16) in: «www.dgsi.pt/sta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].

17. Tal como afirmava Antunes Varela «só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excecionais (que tanto poderiam sobrevir ao facto ilícito como a um outro facto lícito) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao devedor ou agente como causa adequada do dano» [in: “Das Obrigações em Geral”, 10ª Ed., pág. 894].

18. Daí que, nesta vertente, a causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, porquanto como sustentava o Autor acabado de citar «[p]ara que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano», visto que «[e]ssencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano» já que «[n]ada impede mesmo que as outras condições do efeito danoso consistam num facto fortuito ou até num ato doloso ou negligente de terceiro», e sendo que a causalidade adequada «não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. (…) É esse processo concreto que há-de … caber aptidão geral ou abstrata do facto para produzir o dano …» [in: ob. cit., págs. 894/895 (nota 1)/896].

19. Frise-se, ainda, que para que um dano seja considerado como efeito adequado de certo facto não é necessário que ele seja previsível para o autor do facto, sendo, todavia, essencial que o facto constitua em relação ao dano uma causa objetivamente adequada.

20. Cientes dos considerandos acabados de expender e presente a realidade factual lograda provar [cfr., nomeadamente, n.ºs I) a IV), VII), IX) a XXIII), XXIX) a XXXII)] temos que, na situação sub specie, este pressuposto deve ter-se como verificado ao invés do juízo emitido pelo TCA/N.

21. É certo que de uma situação de impossibilidade de cobrança pelo credor de crédito reconhecido por sentença judicial, proferida com violação do direito à obtenção de decisão por tribunal em prazo razoável, não deriva para o R., Estado Português, uma automática responsabilização civil, já que este não poderá ser responsabilizado por todas as ausências ou insuficiências de património dos devedores demandados e que, assim, inviabilizem ou frustrem a plena satisfação dos direitos e interesses dos credores.

22. Ocorre, no entanto, que, no caso, os prejuízos sofridos pelo A., nomeadamente, os que derivaram da impossibilidade de satisfação plena do crédito que o mesmo detinha [no valor 41.662,48 €, que lhe foi reconhecido pela sentença proferida na ação judicial sob o n.º 233/2000 apenas em 11.02.2004, estando os autos conclusos para a sua emissão desde 27.09.2002], já que apenas logrou vir a obter o pagamento em sede executiva do valor de 17.407,03 €, ficando em falta 29.254,95 €, mostram-se imputáveis ao R. já que fruto ou produto causal da conduta ilícita traduzida na infração havida do direito do A. à obtenção duma decisão em prazo razoável.

23. Com efeito, se tivesse sido emitida uma decisão atempada e num tempo adequado e razoável tal teria permitido ao A. garantir e fazer valer/realizar os seus direitos creditícios de modo pleno, porquanto, à luz do que foi a eficácia e diligência demonstrada pelo mesmo na condução das diligências tendentes à cobrança coerciva uma vez obtida sentença favorável, o A. teria feito uso dos mecanismos de garantia e proteção do seu crédito e instaurado execução de sentença para pagamento de quantia certa senão ainda mesmo no ano de 2002, caso a sentença tivesse sido prolatada no prazo legal, ou então ao longo do ano de 2003 se e quando a mesma decisão judicial tivesse sido proferida [cfr., nomeadamente, os n.ºs XIII) a XVIII), XXIII), XXIV), e XXIX) a XXXI) da factualidade apurada] [cfr. n.ºs XXIII), XXIV), XXIX) a XXXI)].

24. Como a decisão judicial só foi proferida em 11.02.2004 e notificada ao A. em 16.02.2004 o mesmo, na cobrança que recaiu sobre o único património existente dos devedores [vide n.º XXXII) da factualidade apurada], acabou por ver o seu crédito, no valor de 41.662,48 € [garantido por hipoteca judicial que só pode registar em 19.03.2004 após emissão da sentença condenatória exequenda], preterido no confronto com o crédito do credor B…………, já que este, beneficiando de prioridade registal decorrente do arresto registado com data de 27.01.2004, logrou ser pago do valor de 29.443,95 €.

25. Não fora o retardamento havido na emissão da decisão judicial no âmbito da ação instaurada pelo A. e que o impediu de, mais cedo, poder diligenciar pela dedução e instauração dos meios e mecanismos que lhe confeririam anterioridade e prioridade registal face ao referido credor B………., o A. teria visto assegurada, em pleno, a efetiva realização dos seus direitos e interesses patrimoniais, pois, o mesmo, beneficiando de prioridade na graduação do seu crédito por confronto com o do referido credor, teria obtido o total pagamento do seu crédito em sede da operação de pagamento dos credores levada a cabo em sede executiva com o produto da venda do imóvel ali alienado.

26. Assim, encontrando-se provado que a atuação do R. foi ilícita e culposa e de que a mesma no plano naturalístico teve, de harmonia com o exposto, aptidão para originar os danos peticionados, isto é, de que foi sua condição e de que não se provou que tais danos só se produziram em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, forçoso é concluir que se verifica o nexo causal entre o comportamento/atuação do R. e as consequências danosas produzidas na esfera jurídica patrimonial do A., estando aquele obrigado a indemnizar este tal como se havia concluído na sentença do TAF/P.

27. Em suma, mercê do facto ilícito se mostrar ser condição dos danos e estes serem uma consequência adequada daquele facto, entende-se, in casu, estar preenchido o pressuposto necessário do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa desenvolvida pelo R. e os prejuízos alegados e provados pelo A., e, em decorrência, na procedência do recurso jurisdicional pelo mesmo interposto importa revogar o acórdão recorrido.





DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder total provimento ao recurso jurisdicional sub specie e revogar o acórdão recorrido no segmento impugnado, fazendo subsistir totalmente, pela motivação antecedente, o julgado firmado na decisão do TAF/P.
Custas no Supremo e no TCA/N a cargo do R., aqui ora recorrido. D.N..




Lisboa, 12 de julho de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.