Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0125/18
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
CONTRATO DE CONCESSÃO DE INCENTIVOS
Sumário:Não se justifica admitir recurso excepcional de revista de decisão que declarou injustificado o incumprimento de um contrato de concessão de incentivos por razões que se prendem em grande medida com julgamento da matéria de facto e exclusivamente com o litígio em apreço.
Nº Convencional:JSTA000P22956
Nº do Documento:SA1201802220125
Data de Entrada:02/05/2018
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A………………….. LDA recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 7-7-2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAF do Porto, que por seu turno julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si instaurada contra o INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL IP pedindo a anulação de um acto administrativo que considerou injustificado o incumprimento de um Contrato de Concessão de Incentivos e ordenou a devolução dos incentivos concedidos.

1.2. Justifica a admissibilidade da revista relativamente a duas questões: (i) justificação do incumprimento, por doença do sócio gerente da autora/recorrente; (ii) admissibilidade da figura do “incumprimento parcial”, com a consequente devolução das quantias recebidas relativas às obrigações “injustificadamente incumpridas”. Considera a recorrente que se justifica a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação do art. 25º, 3 da Portaria n.º 196/A/2001, corrigindo para futuro o erro da decisão recorrida.

1.3. A entidade recorrida não contra-alegou.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A 1ª instância e o TCA Norte julgaram improcedente a acção, através da qual, a autora pedia a anulação do acto administrativo proferido pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional IP, que julgou injustificado o incumprimento de um Contrato de Concessão de Incentivos e ordenou a devolução da quantia de € 51.732,50 euros.

3.3. A primeira instância afastou a alegação de incumprimento justificado por entender que o documento apresentado (relatório clínico) não era idóneo para justificar o incumprimento verificado e que a situação económica e crise comercial do meio social onde se desenvolveu o projecto foi genericamente alegado “não demonstrando de forma concreta como o panorama económico afectou o normal desenvolvimento da empresa”. Afastou, de seguida, a violação do princípio da proporcionalidade, por entender que perante situações de incumprimento a decisão administrativa no sentido de ordenar a devolução da importância concedida, foi praticada no exercício de poderes vinculados, não havendo assim espaço para a violação daquele princípio.

3.4. O TCA Norte confirmou a decisão da primeira instância nos termos seguintes:

“(…)

- o acórdão recorrido, que enfrentou todas as questões não merece censura, razão pela qual será mantido na ordem jurídica;

- no caso concreto o Tribunal apreciou, e bem, todos os vícios que enunciou na peça processual ora sob escrutínio;

- não é pelo facto de ter decidido pela improcedência do pedido que ocorre o apontado erro de julgamento de direito;

- efectivamente, impendia sobre os autores a obrigatoriedade de executarem integralmente o projecto de emprego decorrente do qual a alínea c) da cláusula do CCIF determinava;

- sucede que estes não cumpriram o objectivo pelo qual os incentivos foram concedidos – a criação e manutenção dos postos de trabalho;

- os argumentos e a factualidade invocados, não lograram afastar o incumprimento injustificado do CCIF quer porque estes não se mostraram idóneos, quer porque não foram suficientes;

- aliás, este TCAN, em situações similares tem consagrado o seguinte entendimento: no âmbito de um contrato de incentivos financeiros, os incumprimentos contratuais verificados e considerados injustificados nunca poderão conduzir à renegociação do contrato, mas sim à resolução do mesmo – ac. de 27/10/2011, já citado;

- e, ainda que noutro contexto (âmbito do programa Agro), mas com a mesma acuidade, entendeu-se assim: I… II- A aprovação inicial do financiamento não torna definitiva e irrevogável a atribuição dos montantes aprovados, podendo o beneficiário ser obrigado a, por incumprimento legal e/ou contratual, reembolsar as quantias/ajudas recebidas, parcial ou totalmente, pelo via da modificação ou rescisão unilateral do contrato. III – Para o efeito, as entidades financiadoras procedem a controlos da execução das intervenções operacionais projectadas e financiadas, a diversos níveis, designadamente financeiro/contabilístico, verificando, entre o demais, a regularidade das declarações de despesas apresentadas pelos beneficiários – ac. deste Tribunal, de 3-6-2016, no proc. 00302/10.8BEVIS.

Assim, sem necessidade de mais considerações, que razões de celeridade processual também desaconselham (note-se que está em crise um acórdão proferido em 30-1-2012) conclui-se pelo acerto do julgado.

(…)”

3.5. Do exposto resulta que as questões suscitadas nos autos dependem das circunstâncias concretas em que ocorreu a execução do contrato de concessão de incentivos. A discussão essencial – para o desfecho da causa – não depende da análise jurídica dos conceitos de incumprimento injustificado, mas antes da subsunção dos factos dados como assentes. A decisão da primeira instância entendeu que o documento apresentado pela recorrente não era idóneo nem suficiente para se poder concluir que a doença bipolar do gerente da autora era bastante para justificar o incumprimento, colocando assim a questão em grande medida no domínio do julgamento da matéria de facto, portanto, fora do âmbito da revista (art. 12º, 4, do ETAF). A conclusão a que chegou a sentença de que a autora se limitou a alegar generalidades quanto à relação entre a crise e o incumprimento, também é uma questão de interpretação das peças processuais concretamente apresentadas. Daí que as referidas questões não tenham uma importância jurídica ou social fundamental para, nos termos do art. 150º do CPTA, justificar a admissão da revista. Por outro lado, a conclusão a que chegaram as instâncias, nestes pontos, não evidenciam erro manifesto a justificar, só por si, a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.

A questão da violação do princípio da proporcionalidade da decisão impugnada judicialmente, tendo em conta que a mesma foi proferida no âmbito do exercício do poder vinculado, foi apreciada de acordo com o entendimento deste STA, citando-se a propósito o acórdão de 30-1-2002, proferido no recurso 048163, segundo o qual “tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o acto que ordenou esse reembolso total não pode enfermar de violação do princípio da proporcionalidade, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários”. Assim, também esta questão não justifica a admissão da revista, deste logo, por ter sido apreciado de acordo com o entendimento jurisprudencial deste STA.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.