Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01311/17
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:COIMA
INSOLVÊNCIA
SOCIEDADE COMERCIAL
Sumário:Constituindo a declaração de insolvência um dos fundamentos da dissolução das sociedades e equivalendo, para efeitos fiscais, essa dissolução à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT e art. 176º, nº 2, al. a) do CPPT, daí decorre a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
Nº Convencional:JSTA00070523
Nº do Documento:SA22018012401311
Data de Entrada:11/20/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTLISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:RGIT ART61 ART62.
CSC ART160 ART146.
CPPT ART176.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0309/17 DE 2017/12/20.; AC STA PROC0515/16 DE 2016/06/01.; AC STA PROC0610/15 DE 2015/10/21.; AC STA PROC0638/14 DE 2015/07/02.
Referência a Doutrina:ALFREDO JOSÉ SOUSA E SILVA PAIXÃO - CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 4ED PÁG425.
ANTÓNIO TOLDA PINTO E JORGE M. REIS BRAVO - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS PÁG195.
JORGE LOPES SOUSA - CÓDIGO PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLIII 6ED PÁG306-308.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da decisão proferida em 26/5/2017 no Tribunal Tributário de Lisboa, que, no recurso de contra-ordenação tributário que ali correu termos sob o nº 1377/16.1BELRS – deduzido por A…………, S.A. contra decisão de aplicação de coima proferida no processo contra-ordenacional nº 32392015060000273807 que correu termos no Serviço de Finanças de Lisboa-7, julgou extinto o processo de contraordenação em razão da declaração de insolvência da sociedade a quem a coima foi aplicada ex vi disposto nos arts. 61º, 62º e 77º do RGIT.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. À Recorrente arguida foi aplicada coima no valor de € 4.190,92, acrescida de custas processuais, no âmbito do processo contraordenacional n° 32392015060000273807 pela prática de ilícito contraordenacional pela falta de entrega de prestação tributária, in casu, imposto a favor do Estado de IVA no valor de € 13.969,74 com referência ao período de 2015/10, em incumprimento do disposto no artigo 27º, n° 1 e 41º, nº 1, a), do CIVA, infracção prevista e punida pelo pelos nº 2 do artigo 114º e nº 4 do artigo 26º do RGIT.
II. Sendo que a recorrente foi declarada insolvente no Processo nº 26379/16.4T8LSB com termos na 1ª Secção de Comércio (J4) da Comarca de Lisboa - instância Central por sentença transitada em julgado, datada de 12/12/2016.
III. Questão pertinente na presente sede é proceder ao preenchimento do conceito a atribuir à “morte do arguido” a que apela a norma contida na alínea a) do artigo 61° do RGIT, de acordo com o qual o procedimento de contraordenação se extingue com a morte do arguido, uma vez que tal extinção impõe, pela via do artigo 62° do RGIT, a extinção da obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias.
IV. Se o procedimento contraordenacional se extingue com a morte do arguido, e portanto com a extinção da pessoa colectiva, é seguro afirmar que, de acordo com o artigo 160°, n° 2, do CSC e a alínea t) do nº 1 do artigo 3º do Código do Registo Comercial, a extinção da pessoa colectiva se efectiva apenas com o registo comercial do encerramento da liquidação da pessoa colectiva.
V. Da declaração de insolvência da pessoa colectiva decorre a sua dissolução (alínea e) do nº 1 do artigo 141º do CSC), o que determina que a sociedade entre em liquidação (cf. nº 1 do artigo 146° do CSC), porém, sucede que o n° 2 do artigo 146° do CSC determina expressamente que a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas, daí decorrendo uma clara e inequívoca comparação entre a sociedade que exerce em condições normais a sua actividade e a sociedade que inicia processo de dissolução e de liquidação.
VI. Ademais, a declaração de insolvência, pela verificada impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações por parte do devedor (artigo 3º, n° 1, do CIRE), não acarreta uma imediata cessação da actividade da empresa, e veja-se neste sentido o n° 1 do artigo 82° do CIRE que afirma que os órgãos sociais do devedor se mantêm em funcionamento após a declaração de insolvência, indiciando a continuidade, ainda que em moldes necessariamente diferentes face ao constrangimento provocado pela insolvência, da actividade da empresa.
VII. Nem a declaração de insolvência implica a necessária dissolução e liquidação da empresa, porquanto da assembleia de credores na sequência da declaração de insolvência pode emergir a aprovação e homologação de um plano de insolvência (artigos 209° a 216° do CIRE) que preveja, como dispõe a alínea c) do nº 2 do artigo 195° do CIRE, a manutenção em actividade da empresa, podendo inclusive o plano de insolvência aprovado reconduzir-se a uma estratégia de recuperação da empresa, caso tal objectivo se mostre exequível e conforme ao deliberado em assembleia de credores.
VIII. Para reforço do predito, veja-se o disposto na norma do n° 3 do artigo 192° do CIRE, aditada pela Lei n° 16/2012, de 20/04, que se dispôs clarificar o conceito de plano de insolvência quando a finalidade subjacente é a da recuperação da empresa, atribuindo-lhe a denominação de Plano de Recuperação.
IX. Resulta do exposto que o regime plasmado no CIRE configura a declaração de insolvência como o primeiro estádio de um eventual processo de recuperação da empresa, compatível com a continuação do exercício da actividade da empresa ou com a recuperação da mesma.
X. Por outro lado, independentemente do destino seguido em processo de insolvência (recuperação ou liquidação da empresa ou mesmo alienação da mesma), sempre esta manterá a sua personalidade jurídica, mesmo que em liquidação, bem como mantém a sua personalidade tributária nos termos do artigo 15° da Lei Geral Tributária, a qual não é afectada pela declaração de insolvência.
XI. Assim, mostra-se o entendimento de acordo com a qual só com o registo do encerramento da liquidação é que a pessoa colectiva se extingue, atento o prescrito no artigo 160° do CSC, como aquele que permite acomodar o regime jurídico vertido no CIRE e que prefigura a possibilidade de recuperação da empresa, conformando-se ademais com o prescrito no artigo 160° do CSC, não ocorrendo com a declaração de insolvência a extinção da pessoa colectiva.
XII. Nestes termos, constatamos, face à matéria de facto provada nos autos, que a arguida foi declarada insolvente, o que não permite consolidar e afirmar, conforme faz a douta sentença recorrida, o juízo de extinção da pessoa colectiva nos termos da alínea a) do artigo 61º do RGIT, bem como não permite determinar a extinção do procedimento contraordenacional.
XIII. Concluímos, desta forma, que a declaração de insolvência da arguida não é determinante da extinção do procedimento contraordenacional por morte do infractor, por não enquadrável na alínea a) do artigo 61° do RGIT, uma vez que não pode ser equiparada a insolvência declarada por sentença transitada em julgado à extinção da pessoa colectiva.
XIV. Pelo que é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença procedeu a errónea subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes, com violação das normas da alínea a) do artigo 61º e do artigo 62° do RGIT, e do artigo 160°, n° 2, do CSC.
Termina pedindo o provimento do recurso, revogando-se a decisão recorrida e sendo julgado improcedente o recurso interposto da decisão de aplicação de coima.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite douto Parecer, além do mais, nos termos seguintes:
«Está em causa decidir se ocorreu errónea subsunção dos factos aos artigos 61º al. a) e 62º do R.G.I.T. e ainda ao 160º nº 2 do C.S.C.
Foi após a data dos factos, subsumidos à contraordenação prevista e punida nos artigos 27º n° 1 e 41º nº 1 al. a) do C.I.V.A. e 114º nºs 2, 5 al. a) e 26º nº 4 do R.G.I.T., que veio a ser declarada a insolvência da ora recorrida, com trânsito em julgado.
É certo ser a "morte do arguido" que se encontra previsto no art. 61º al. a) do R.G.I.T. como forma de extinção da responsabilidade contraordenacional.
Tal conceito tem na sua génese um conceito naturalístico, o qual é apenas aplicável a pessoas singulares.
O alargamento da responsabilidade que resultaria pela manutenção da personalidade jurídica da pessoa coletiva, afigura-se incompatível com a natureza da responsabilidade contraordenacional em causa.
Com efeito, a responsabilidade das pessoas coletivas funda-se numa deficiente organização funcional ou no incumprimento de deveres funcionais - nesse sentido, parecer da PGR P0001120134, de 10-7-2013, acessível em dgsi.pt.
Aliás, certo é ser possível inferir do próprio art. 7º do R.G.I.T. que a responsabilidade das pessoas coletivas não se encontra indissociavelmente ligada à personalidade jurídica - Germano Marques da Silva em Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, p. 212-213, pronuncia-se nesse sentido quanto à responsabilidade penal das mesmas com fundamento no previsto no art. 11º nº 5 do C. Penal.
A jurisprudência do S.T.A. tem entendido o dito conceito como sendo de aplicar quanto às pessoas coletivas no caso de vir a ser declarada a sua insolvência, a qual provoca, para além de outros efeitos, a sua dissolução - assim, nomeadamente, no acórdão de 1-6-2016, proferido no processo nº 470/16, só para citar o mais recente.
No mesmo sentido vai alguma jurisprudência dos Tribunais comuns, a qual sublinha o averbamento que aquela declaração provoca no registo comercial - assim, nomeadamente o acórdão da Relação de Lisboa de 21-11-2012, proferido no proc. nº 670/11.4TTALM.LI-4 -, à semelhança do que ocorre quanto ao registo civil de morte de pessoa singular.
Concluindo:
A responsabilidade contraordenacional da recorrida quanto à contraordenação prevista no art. 114º nºs 2 e 5 al. a) do R.G.I.T. extinguiu-se por força da declaração de insolvência.
O recurso é de improceder.»

1.5. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Em 29.12.2015, foi levantado auto de notícia contra a A…………, S.A., ora Recorrente, pela Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, do qual consta, para além do mais, o seguinte:

“(...)




(...) – cfr. documento de fls. 3 dos autos);
B) Em resultado do auto de notícia identificado em A), foi autuado pelo Serviço de Finanças de Lisboa-7, em 29.12.2015, o processo de contra-ordenação fiscal n° 32392015060000273807 (cfr. documento de fls. 2 dos autos);
C) No âmbito do processo referido em B) supra, foi proferida, em 29.01.2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-7, decisão de aplicação de coima à arguida, no valor de 4.190,92 EUR, da qual consta o seguinte:
(...)
Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 13.969,74; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 13.969,74; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2016-12-10; 5. Período a que respeita a infração: 2015/10; Apreciação da defesa apresentada nos termos do artigo 70° do RGIT
O presente processo (32392015060000273807) foi autuado em 2015.12.29, por infracção ao artigo 27° n° 1 e 41º nº 1 a) do CIVA pela falta de pagamento do imposto referente ao IVA de 2015/10, no valor de 13.969,74.
Foi apresentada defesa em 2016.01.14, na [qual] vêm alegar e passo a citar em resumo; A Arguida contesta a legalidade da aplicação desta coima, não podendo com ela conformar-se, não apenas por a conduta que deu origem à mesma, no caso concreto, não ser punível nos termos da lei, não constituindo assim uma infração tributária, uma vez que o alegado incumprimento da prestação se ficou a dever a uma impossibilidade decorrente da falta de meios financeiros para fazer face a tal pagamento.
Apresentou recurso no processo n° 32392015060000215254 e defesa no processo n° 32392015060000241565, que, tal como o presente dizem respeito ao não pagamento do IVA por parte da Arguida no ano de 2015.
Embora o RGIT não preveja a figura da infração continuada, a norma do Código Penal em causa é aplicável por remissão do RGCO, aplicável subsidiariamente.
Assim, as notificações efetuadas no âmbito dos processos supra referido e nos presentes autos, conclui-se que estamos perante uma infração continuada.
Os presentes autos deverão ser apensos ao primeiro dos processos de modo a permitir o processamento conjunto para que a coima seja fixada nos termos do art. 79° do Código Penal o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a infração.
A Arguida exerceu a sua atividade normal no mês de outubro, emitindo documentos das operações realizadas, onde liquidou IVA, tendo apresentado a declaração periódica com os valores apurados, sendo o total de IVA liquidado de 13.969,74.
Ora, a Arguida ao não receber dos seus clientes parte substancial do IVA liquidado não viu deduzida a prestação tributária para cumprir a sua obrigação tributária de a entregar nos cofres do Estado (credor tributário).
Nestes termos, a não entrega do imposto liquidado, mas não recebido, não é punível nos termos legais (Artigo 114° n° 1).
Nos termos do artigo 2º, não havendo facto ilícito, declarado punível por lei tributária não há qualquer infração tributável.
A Arguida encontra-se numa situação económica difícil e com enormes dificuldades de tesouraria, consequência, também, da falta (ou de enormes atrasos) de pagamentos dos seus clientes.
Nestes termos, deverá ordenar o arquivamento dos presentes autos por litispendência ou, em alternativa, averbar a sua apensação aos processos anteriormente referidos.
Caso assim não se entenda, devem os presentes autos ser arquivados por ser ilegal a aplicação de coima, em virtude de não se verificar a infração tributária imputada à Arguida.
Apreciação:
O sujeito passivo encontrava-se à data da infração enquadrado no regime normal mensal não isento do IVA, pelo que estava obrigado a entregar uma declaração relativa às operações efetuadas no exercício da sua atividade, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respetivo cálculo, declaração que deve ser entregue até ao dia 10 do segundo mês seguinte ao trimestre a que respeitem as operações (art. 29º n° 1 c) conjugado com o art. 41º n° 1 a) do Código do IVA).
No caso presente o sujeito passivo apurou na declaração periódica do IVA de 2015/10, imposto a favor do estado no valor de 13,969,74.
O imposto referente a este período está a ser exigido no processo de execução fiscal n° 3239201501381121, instaurado a 29.12.2015.
Nos termos do nº 1 do artigo 27° do RGIT, sem prejuízo do disposto no regime especial referido nos artigos 60° e seguintes, os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19° a 26° e 78°, no prazo previsto no artigo 41º, nos locais de cobrança legalmente autorizados.
E, nos termos do n° 6 do mesmo artigo, quando o valor do imposto apurado pelo sujeito passivo na declaração periódica apresentada nos termos do n° 1 do artigo 41° for superior ao montante do respetivo meio de pagamento, é extraída, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, certidão de dívida, pela diferença entre o valor apurado e o valor do respetivo meio de pagamento, ou pela totalidade do valor declarado no caso da falta do meio de pagamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 88° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. (Redacção do D.L, n° 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013).
Para efeitos do Artigo 114°
Falta de entrega da prestação tributária
1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido. (Redacção dada pelo artigo 155° da Lei n° 64-B/2011, de 30 de Dezembro).
3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.
A infração fiscal é um facto ilícito porque traduz a violação de uma norma ou normas legais que impõem obrigações fiscais, de natureza declarativa ou principal, que o contribuinte conhece e que decorrem diretamente do seu enquadramento fiscal em função do tipo de atividade económica exercida e do qual depende a sua caracterização como sujeito passivo da relação jurídica tributária ou como outro tipo de obrigado tributário.
A infração fiscal é um facto culposo porque o contribuinte ou obrigado tributário conhece quais as suas obrigações tributárias e, nos termos da lei - artigo 6° do Código Civil (CC) - não pode alegar que não sabe quando e em que termos deve cumprir as suas obrigações fiscais. Assim, uma pessoa, singular ou coletiva, é culpada por um facto típico e ilícito que praticou se conhecia ou tinha possibilidade de conhecer a ilicitude do seu ato, por um lado e por outro, se tinha liberdade de se motivar segundo esse conhecimento.
A culpa só é excluída quando a pessoa não conheça, nem tenha obrigação de conhecer, que o ato que está a praticar é ilícito ou, então, não tenha liberdade de ação para, em função do conhecimento que detém, identificar e selecionar a sua conduta.
Pelo exposto, a infração foi efetivamente praticada, pelo que indefiro o pedido de afastamento da coima, devendo o processo prosseguir a sua normal tramitação nomeadamente a fixação da coima, de acordo com o estipulado no art. 78° do RGI, os quais se dão como provados. Número da liquidação: L.2015.017014390571.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).


Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art. 7º do Dec-Lei N° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art. 3° do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.

Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Art. 27º do RGIT):



DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 4,190,92 cominada no(s) Art(s). 114º n° 2, n° 5 a) e 26º n° 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Art. 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do N° 2 do Dec-lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro.
(...)” - (cfr. documento de fls. 31 a 33 dos autos);
D) A Recorrente foi declarada insolvente por sentença proferida em 17.11.2016, no âmbito do processo n° 26379/16.4T8LSB, da 1ª Secção de Comércio (J4) da Comarca de Lisboa - Instância Central, transitada em julgado em 12.12.2016 (cfr. documento de fls. 137 a 143 dos autos).

3.1. Enunciando como questão primordial a decidir a de saber se, perante a insolvência da arguida, ocorre a extinção da responsabilidade contra-ordenacional e a consequente extinção do respectivo procedimento por contra-ordenação, a sentença, apelando à jurisprudência do STA, nos vários arestos que referencia, bem como a doutrina no âmbito desta matéria, julgou procedente o recurso interposto da decisão administrativa de aplicação de coima, determinando a extinção do procedimento de contra-ordenação, nos termos do art. 61º, al. a) do RGIT, dado que a sociedade acoimada foi declarada insolvente.

3.2. Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, alegando no essencial, como se viu, que a sentença enferma de erro de julgamento, com violação da al. a) do art. 61° e do art. 62° do RGIT e do nº 2 do art. 160° do CSC, pois que, não obstante a arguida haja sido declarada insolvente, tal não permite afirmar o juízo de extinção da pessoa colectiva nos termos da referida al. a) do art. 61° do RGIT, bem como não permite determinar a extinção do procedimento contraordenacional; ou seja, a declaração de insolvência da arguida não é determinante da extinção do procedimento contraordenacional por morte do infractor, por não enquadrável no apontado normativo, uma vez que não pode ser equiparada a insolvência declarada por sentença transitada em julgado à extinção da pessoa colectiva.

3.3. Não sufragamos, porém, o entendimento da recorrente.
Aliás, não desconhecendo argumentação assente no direito societário e comercial, o STA já anteriormente firmou e continua a acolher, uniformemente, o entendimento aqui questionado e não vemos que seja aduzida nova argumentação à consolidada jurisprudência do STA, em que a sentença recorrida se apoiou.
E é esse o julgamento que também aqui reafirma, acompanhando, para o efeito os acórdãos desta Secção de 20/12/2017, no processo nº 0309/17, de 01/06/2016, no processo nº 0515/16 e de 21/10/2015, no processo nº 0610/15, onde se consignou:
«Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por diversas vezes sobre questão similar à ora suscitada e no sentido de que a declaração de insolvência constitui um dos fundamentos de dissolução das sociedades e essa a dissolução equivale à morte do infractor, em harmonia com o disposto nos artigos 61º e 62º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e no artigo 176º, nº 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional, da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva - cf., neste sentido, para além dos supra citados acórdãos 617/10, 1107/12 e 638/14, os proferidos em 3/11/1999, 15/06/2000, 21/01/2003, 26/02/2003, 12/01/2005, 6/10/2005, 16/11/2005, 27/02/2008, 12/03/2008 e 21.05.2014, nos recursos nºs 24.046, 25.000, 01895/02, 01891/02, 1569/03, 715/05 e 524/05, 1057/07, 1053/07 e 457/14, respectivamente, todos in www.dgsi.pt.
Concordamos com esta jurisprudência cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente, e que aliás, colhe apoio da doutrina, nomeadamente de Alfredo José de Sousa e Silva Paixão (Código de Processo Tributário, 4ª ed., p. 425.), António Tolda Pinto e Jorge Manuel dos Reis Bravo, Regime Geral das Infracções Tributárias, Coimbra Editora, pag. 195 e de Jorge Lopes de Sousa, (Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª ed., Anotações 6 a 8 ao art. 176º, pp. 306 a 308.), obra esta em que salienta que «…é essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas para a administração tributária».
Efectivamente de acordo com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT, o procedimento por contra-ordenação extingue-se com a morte do arguido, sendo que também a obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias se extingue com a morte do infractor.
Ora à morte do infractor deve ser equiparada a extinção da pessoa colectiva arguida no processo de contra-ordenação, sendo que a sociedade se considera extinta pelo encerramento da liquidação (artº 160º do CSC).
Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume 3º, pag. 307, «mantendo embora a sociedade dissolvida, em liquidação, a sua personalidade jurídica - art. 146°, nº 2 do CSC - são, com a declaração de falência, apreendidos todos os seus bens, passando a constituir um novo património, a chamada "massa falida": um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, em primeiro lugar, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos. Pelo que, então, já não encontrará razão de ser a aplicação de qualquer coima.»
Acresce que, como ficou dito no Acórdão 638/14 de 02.07.2015, «pese embora o diverso enquadramento que sobre esta matéria os tribunais da jurisdição comum têm vindo a adoptar, em face do disposto nos arts. 141º, 146º, nº 2 e 160º, nº 2, todos do Código das Sociedades Comerciais, (...) crê-se que a especificidade das relações jurídico-tributárias continua a justificar um diverso enquadramento jurídico quanto ao momento em que se deverá ficcionar «a morte da pessoa colectiva», sendo que neste sentido parece apontar o entendimento legislativo substanciado na Lei nº 16/2012, de 20/4 [diploma que introduziu diversas alterações ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)], nomeadamente em face da redacção introduzida no art. 65º:
«[...]— (Anterior corpo do artigo.) 2 — As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.
3 — Com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento, nos termos do nº 2 do artigo 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade.
4 — Na falta da deliberação referida no número anterior, as obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar.
5 — As eventuais responsabilidades fiscais que possam constituir-se entre a declaração de insolvência e a deliberação referida no nº 3 são da responsabilidade daquele a quem tiver sido conferida a administração da insolvência, nos termos dos números anteriores.» (fim de citação).
Daqui resultando que também o CIRE, referindo-se ao momento da extinção das obrigações fiscais de sociedade insolvente, estabelece neste art. 65º que as mesmas (obrigações declarativas e fiscais) necessariamente se extinguem com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento (nos termos do nº 2 do art. 156º), o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à AT para efeitos de cessação da actividade; sendo que, na falta daquela deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar. Ou seja, em termos estritamente fiscais e, consequentemente, para aplicação de coimas por incumprimento de obrigações fiscais, também no âmbito do CIRE (e tal como já se entendia no âmbito do CPEREF e do CSComerciais) não há que remeter para o encerramento da fase de liquidação e partilha da sociedade insolvente, a libertação da respectiva responsabilidade.
Sendo, portanto, este o entendimento que também aqui reiteramos, impõe-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, uma vez que, aderindo à posição nesta matéria firmada pelo STA, interpretou correctamente as normas legais aplicáveis.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – António Pimpão.