Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0228/06.0BELRA 0687/18
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25220
Nº do Documento:SA2201911270228/06
Data de Entrada:07/11/2018
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
A…………, S.A., com os sinais dos autos, vem, nos termos e para os efeitos do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de Setembro de 2016, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgara improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação de IVA e juros compensatórios referentes a 2002.
Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
1.ª) Nos termos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo é um meio reactivo que depende do preenchimento de um conjunto de pressupostos taxativamente previstos;
2.ª) Exige-se que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito;
3.ª) O Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que só as questões “juridicamente melindrosas” ou “socialmente relevantes” que permitam “a expansão da controvérsia em discussão” justificam o recurso de revista;
4.ª) Para tanto é necessário que esteja em causa uma questão de relevância jurídica, entendida como “relevância prática”, de onde decorra a “utilidade jurídica da revista” e que seja susceptível de se repetir “num número indeterminado de casos futuros, o que justifica, também, a revista em termos de uniformização do direito”;
5.ª) A questão controvertida no presente processo, consiste em saber se a utilização de um método sobre a valorimetria das existências, o não envio de elementos solicitados pela Administração Tributária e a mera invocação da existência de indícios de vendas não declaradas de bens, por si só, sem mais qualquer elemento, consubstancia uma “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” (cf. art. 87.º, b), da LGT);
6.ª) Estamos perante questão ou questões controversas, de utilidade prática, pois trata-se de definir ou delimitar as situações em que é possível a utilização, pela Administração Tributária, de métodos indirectos;
7.ª) Sendo que tal questão ou questões tendo a ver, repete-se, com os pressupostos de aplicação de métodos indirectos, sendo tal aplicação excepcional, até em razão do princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real (n.º 2 do art. 104.º, da Constituição), é susceptível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros;
8.ª) Tendo o legislador estabelecido no art. 87.º b), da LGT, que a utilização de métodos indirectos só é possível em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa, a admissibilidade da utilização de tais métodos sem a demonstração de tal impossibilidade, como resulta de decisão ora recorrida, impõe a admissibilidade do presente recurso de revista para uma melhor aplicação do direito;
9.ª) Razões pelas quais a admissão do presente recurso e a subsequente apreciação do mesmo deve ser aceite, por estarem preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 150.º do CPTA;
10.ª) Relativamente aos fundamentos materiais do presente recurso, constata-se, em primeiro lugar, que a simples utilização de um método ou critério avaliativo, por parte do contribuinte, em relação à valorimetria das existências, método ou critério não previsto nas normas contabilísticas, por si só não implica uma impossibilidade de avaliação directa da matéria tributável;
11.ª) Poderá, a utilização de tal método dificultar, tornar mais difícil, a tarefa da Administração Tributária na avaliação e controle da matéria tributável;
12.ª) Porém, na medida em que o legislador exige como pressuposto da aplicação da avaliação indirecta a impossibilidade total e absoluta da avaliação directa, a conclusão só pode ser a de que, por si, a utilização de um tal critério sobre valorimetria de existências, não permite o recurso à avaliação indirecta;
13.ª) Igualmente, por si só, o não fornecimento pelo contribuinte à Administração Tributária, de informações por esta solicitada, não implica a impossibilidade da avaliação direta da matéria tributável;
14.ª) Também aqui, a ausência desses elementos solicitados pela Administração Tributária, poderá tornar mais difícil a tarefa inspectiva, mas não prova que a avaliação indireta se tornou impossível;
15.ª) A eventual existência de indícios de vendas não declaradas pelo contribuinte, sem a indicação de qualquer irregularidade ou vício na contabilidade do contribuinte, não consubstancia, por si só, uma impossibilidade de avaliação indirecta, pelo que a utilização de métodos indirectos com tal pressuposto é ilegal.
16.ª A decisão recorrida ao considerar que a mera aplicação de um método avaliativo sobre valorimetria de existências não previsto, para aquela situação, pelas normas contabilísticas, que a mera não entrega de todas as informações pedidas pela Administração Tributária e que a indicação da existência de indícios de vendas não declaradas, sem indicação de qualquer irregularidade na contabilidade do contribuinte, permite o recurso a métodos indirectos, interpretou incorrectamente o art. 87.º, b), da LGT.
Nestes termos, deve o presente recurso de revista ser admitido e, posteriormente, julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido.


2 – A recorrida não contra-alegou.


3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da não admissão da revista, porquanto a questão suscitada pela recorrente emerge de legislação à muito vigente, o art. 87.º b) da LGT e foi decidida de acordo com anteriores acórdãos proferidos pelo dito TCA e doutrina que nos mesmos se cita


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -
4 – Apreciando.
4.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto como recurso de revista nos termos e para os efeitos do 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

No caso dos autos, a recorrente A………… pretende que este STA admita revista para reapreciação da questão de saber se a utilização de um método sobre a valorimetria das existências, o não envio de elementos solicitados pela Administração Tributária e a mera invocação da existência de indícios de vendas não declaradas de bens, por si só, sem mais qualquer elemento, consubstancia uma “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” (cf. art. 87.º, b), da LGT), alegando estar-se perante questão ou questões controversas, de utilidade prática, pois trata-se de definir ou delimitar as situações em que é possível a utilização, pela Administração Tributária, de métodos indirectos – cfr. conclusões 5.ª e 6.ª das alegações da recorrente.
A interpretação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, em necessária conjugação com o artigo 88.º da mesma Lei, não é questão que reclame revista, salvo no caso – que não é manifestamente o dos autos – de o Tribunal de 2.ª instância adoptar, na interpretação e aplicação daquelas normas, uma decisão jurídica ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, a fundamentar a manifesta necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito.
É que a questão não é nova, antes remonta à entrada em vigor da Lei Geral Tributária há quase duas décadas, e está já amplamente tratada na jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição e sem divergências dignas de registo. Acresce que saber se, em concreto, há ou não impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável que legitime o recurso a métodos indirectos depende, em larga medida, da apreciação da matéria de facto fixada pelas instâncias e do juízo que sobre os factos estas formularam, factos e juízos estes subtraídos do âmbito da revista, por expressa disposição legal – cfr. o n.º 4 do artigo 150.º do CPTA -, e variáveis de caso para caso, a dificultar qualquer generalização.
Entende-se, pois, em conformidade com o juízo do Ministério Público junto deste STA, não haver fundamento para a admissão da revista, pelo que esta não será admitida.

- Decisão -
5 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se julgar não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2019. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Ascensão Lopes – Francisco Rothes.