Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03337/14.8BEPRT 0704/16
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO
INTERESSE LEGÍTIMO
Sumário:I - Está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de: actos legislativos praticados no exercício da função política e legislativa - leis, decretos-leis, decretos legislativos regionais (art.4º nº2 ETAF aprovado pela lei nº13/2002 19 fevereiro; art.112º nº1 CRP).
II - A impugnação directa da constitucionalidade e legalidade das normas, com autoridade para a declaração da sua inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral, deve ser submetida, em exclusivo, à apreciação do Tribunal Constitucional, no âmbito da sua competência para a fiscalização abstracta; aos tribunais apenas compete desaplicar as normas aplicáveis à resolução das questões suscitadas nos casos concretos, com fundamento na sua inconstitucionalidade, se houver um nexo incindível entre a questão de constitucionalidade e a decisão da causa (arts.204º, 280º nº1 al.a) e 281º nº1 CRP).
III - A acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária não é o meio processual adequado para o não reconhecimento de um direito inscrito na esfera jurídica de terceiros (aplicação do regime de regalias e isenções fiscais em sede de IRC à actividade comercial das farmácias sociais - Lei nº 151/99,14 setembro).
Nº Convencional:JSTA000P26030
Nº do Documento:SA22020060303337/14
Data de Entrada:06/07/2016
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A……….., Lda interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 30 novembro 2015 que indeferiu liminarmente petição inicial de acção de reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária instaurada contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, o Ministério da Presidência e dos Assuntos Parlamentares e o Ministério da Saúde com fundamento na incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, para o conhecimento do objecto da acção

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
a. Em 30 de novembro de 2015, foi proferida a sentença recorrida, nos termos da qual se considerou o Tribunal a quo materialmente incompetente para decidir a pretensão da Recorrente;
b. Entende a Recorrente que a Sentença recorrida labora em erro de julgamento quanto ao objecto da acção e, consequentemente, nula por omissão de pronúncia quanto aos pedidos concretamente formulados na petição inicial de reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
c. A Sentença recorrida é, ainda, nula por omissão de pronúncia por não ter conhecido do segundo pedido formulado pela Recorrente, sendo que o não conhecimento do primeiro dos pedidos não prejudicava o conhecimento do pedido subsequente, por não se tratar de pedidos dependentes.
d. No que concerne ao objecto da acção, desconsiderou o douto Tribunal a quo que é a presente acção visa garantir aos administrados um meio processual excepcional que lhes permitam, em todas as situações, ter acesso aos tribunais para assegurar os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária.

e. Assim, o objectivo da presente acção é garantir uma tutela judicial dos direitos ou interesses legítimos.
f. No caso em análise, e como resulta da argumentação exaustivamente apresentada, é inequívoco que que o único meio processual disponível à tutela do direito da Recorrente ao princípio constitucional da capacidade contributiva, materializado na igualdade dos contribuintes, isto é, que o pagamento de impostos implique um sacrifício igual para cada um dos contribuintes, é precisamente a acção para reconhecimento de um direito.
g. Assim, e sendo o presente Recurso norteado pela natureza da acção intentada pela Recorrente, e as suas especificidades, concluir-se-á que a Recorrente não pretende uma fiscalização, sucessiva e abstracta, da constitucionalidade das normas constantes dos n.º s 2 e 3 do artigo 59.º-A do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de Agosto (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 109/2014, de 10 de Julho), mas apenas, o reconhecimento de que, no caso concreto, o conjunto de benefícios fiscais reconhecidos às denominadas Farmácias Sociais, lesa, de modo evidente, o direito constitucional supra exposto.
h. Como referido supra, a consequência imediata do erro na apreciação dos fundamentos da presente acção, foi o não conhecimento dos pedidos de desaplicação das seguintes normas: (i) A recusa da aplicação do regime previsto nos nºs 2 e 3 do artigo 59°-A do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 109/2014, de 10 de Julho; (ii) e a recusa de aplicação do regime de regalias e isenções fiscais previstas na Lei n° 151/99, de 14 de Setembro, em especial a isenção concretizada no artigo 10° do Código de IRC.
i. Sendo que, caso o Tribunal a quo tivesse apreciado os pedidos formulados pela Recorrente nos moldes melhor expostos supra, em total respeito pelos limites definidos no artigo 4.°, n,º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (adiante ETAF), certamente que os presentes autos teriam protegido o direito da Recorrente à tutela judicial efectiva.
j. Ora, o conhecimento destes pedidos de recusa de aplicação não implicam uma análise constitucional que extravase o âmbito dos poderes do Tribunal a quo.
k. Nessa medida, com vista a garantir a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses dos cidadãos, a que alude o artigo 268.°, n.º 4 da CRP, deverá ser conhecida nos termos melhor formulados supra a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia sobre os referidos dois pedidos de recusa de aplicação de normas, suscitadas pela Recorrente.
I. Impõe-se, portanto, do ponto de vista da Recorrente, que, em cumprimento daquele comando constitucional, seja declarada a nulidade da sentença proferida, promovendo a emanação de outra decisão que contemple a apreciação de todos os pedidos deduzidos pela Recorrente, nomeadamente os pedidos referentes à recusa de aplicação de normas.
m. Mais entende a Recorrente que o Tribunal a quo omitiu o dever de convite ao aperfeiçoamento do pedido, previsto no artigo 590.º, do CPC aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT.
n. Na verdade, e em linha do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo, sempre se invoca que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza "radical", na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado.
o. Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Acórdão de 9 de Outubro de 2002, proferido no processo com o n.º 26482;
- Acórdão de 4 de Março de 2009, proferido no processo com o n.º 786/07;
- Acórdão de 24 de Fevereiro de 2011, proferido no processo com o n.º 765/10.
p. Impõe-se, assim, a declaração de nulidade da sentença proferida, promovendo a emanação de outra decisão que contemple a apreciação de todos os fundamentos suscitados pela Recorrente.
q. Assim, uma vez mais, é possível concluir que, se o Mmo. Juiz a quo tivesse considerado as circunstâncias excepcionais em que a presente acção foi apresentada, certamente teria notificado a Recorrente para vir esclarecer os pedidos por si formulados, evitando-se desse modo, a negação imediata da tutela judicial efectiva que se procurou alcançar.
r. No que respeita aos erros de direito que entende a Recorrente existir na Sentença recorrida, sublinhe-se o seguinte:
s. Na ação intentada pela Recorrente, estavam em causa, precisamente, pedidos que devem ser reconduzidos a pedidos de fiscalização sucessiva concreta pelo que deveria o Tribunal a quo ter conhecido dos mesmos.
t. Com efeito, os pedidos foram formulados por referência a direito ou interesse legítimo da própria Autora, ora Recorrente, e não por referência a uma situação abstracta e geral.
u. Por outras palavras, os pedidos formulados na petição inicial não consubstanciam pedidos correspondentes a pedidos de fiscalização abstracta, com força obrigatória geral, de constitucionalidade, mas antes com efeitos limitados à esfera jurídica da ora Recorrente, através do reconhecimento do seu direito ou interesse legítimo em matéria tributária, ainda que a causa de pedir seja a existência de normas inconstitucionais e de disposições legais violadoras do Direito da União Europeia. Desde logo, contrariamente e pelo prisma defendido pelo Tribunal a quo, não se verifica uma qualquer violação do artigo 204.°, 280.°, n.º 1 e 281.°, todos da CRP, ou do artigo 4.°, n.º 2, alínea a) do ETAF.
v. Ora, a sentença recorrida padece de erros de direito ao ter levado a cabo uma interpretação do artigo 145.º, do CPPT violadora do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.° e artigo 268,°, n.º 4, ambos da CRP), assim como do artigo 204.º da Lei Fundamental.
w. O que a ora Recorrente procurou, através da sua acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária, correspondente a um meio de plena jurisdição, foi o reconhecimento da sua situação jurídica individualizada.
x. O artigo 268.º n.º 4 da CRP garante aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
y. Uma das vertentes do princípio da tutela jurisdicional efectiva corresponde, nomeadamente, à forma do reconhecimento desses direitos ou interesses. A nível legal, no âmbito do direito processual tributário, o referido meio encontra-se consagrado no já mencionado artigo 145.° do CPPT.
z. Este meio, aquando da sua consagração foi encarado pela doutrina como traduzindo "um notável reforço das garantias dos particulares" 18 (18 Rui Medeiros, Estrutura e âmbito da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, RDES XXXI, 1989, n. 1 - 2, p. 2.), sendo que se justifica a sua mobilização, nomeadamente, quando os restantes meios não assegurem a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa.
aa. Tendo em conta que no contencioso tributário está consagrado o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal implica, necessariamente, que deve tratar-se de uma tutela plena, efectiva e em tempo útil, sendo sob este prisma que deve ser interpretada a mobilização do meio processual previsto no artigo 145.° do CPPT.
bb. A interpretação subjacente à sentença recorrida - isto é, que mesmo no âmbito de uma acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos e para os efeitos do artigo 145.° do CPPT, quando a Recorrente não dispõe de outro meio processual ao seu alcance (por exemplo, um acto tributário impugnável) não pode pedir que seja reconhecida a ilegalidade ou, pelo menos, ver reconhecido o seu direito (e não com carácter geral e abstracto) a ser recusada a aplicação de determinado regime legal, por violação de princípios constitucionais materiais- mostra-se violadora do respectivo direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.° e artigo 268.º, n.º 4, ambos da CRP, artigo 2.°, n.º 2 do CPTA), do princípio pro actione (artigo 7.° do CPTA) e do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (adiante CEDH)19 (19 A doutrina tem vindo a reconhecer que a tutela jurisdicional efectiva decorre também do artigo 6.° da CEDH, entre outros, cfr. Maria Fernanda Maças, Tutela judicial efectiva: balanço e perspectivas, CJA n.º 16, Julho/Agosto 1999.).
cc. De resto, noutro prisma, a sentença recorrida participa de uma inaceitável interpretação dos artigos 145.° do CPPT e dos artigos 2.°, n.º 2 e 7.° do CPTA, que leva a uma restrição inconstitucional ao direito fundamental de tutela jurisdicional efectiva da ora Recorrente, o qual visa garantir a efectivação dos restantes direitos fundamentais.
dd. É assim porque a ora Recorrente ficaria totalmente privada de aceder ao sistema de justiça para efeitos de tutela dos seus direitos e interesses legítimos.
ee. Ora, no caso em concreto, após uma ponderação concreta (e não abstracta), na sequência de uma apreciação casuística, sempre haveria que concluir pela necessidade de usar o referido meio processual, constante do artigo 145.° do CPPT, assim como pela admissibilidade dos respectivos pedidos formulados pela Autora, ora Recorrente.
ff. Por outro lado, haverá que atentar que o Tribunal a quo incorreu em erro de direito por violação do disposto no artigo 204.° da CRP, o qual permite que os tribunais administrativos possam desaplicar preceitos legais que tenham de mobilizar, desde que tais normativos "infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados".
gg. Nessa óptica, também o artigo 1.°, n.º 2 do ETAF, mutatis mutandis, o seguinte:
"Nos feitos submetidos a julgamento, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados."
hh. Ora, o referido artigo 204.° da CRP, no âmbito de uma acção de reconhecimento ou interesse legítimo tributário, não pode ser interpretado restritivamente como podendo apenas ser mobilizado em termos incidentais, quando existe um acto administrativo de "permeio”, que tenha aplicado um regime inconstitucional. Com efeito, tal interpretação, na linha da constante na sentença recorrida, redunda, também por esta via, numa violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
ii. Em conclusão, a sentença recorrida padece de erros de direito por violação do artigo 145.° do CPPT, por participar de uma interpretação desconforme com os mencionados artigos 20.°, 204.° e 268.°, n.º 4, todos da CRP, dos artigo 2.°, n.º 2 e 7.° do CPTA, assim como do artigo 6.° da CEDH.
jj. No que respeita ao direito aplicável ao caso sub judice, sumariamente, o artigo 59.º-A do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109/2014, de 10 de Julho, consagra um regime especial de isenção fiscal para as entidades do sector social da economia.
kk. Entende a Recorrente que as entidades do sector social da economia proprietárias de farmácias, nomeadamente todas as atrás indicadas, actuam no mercado em concorrência com a generalidade das proprietárias das demais farmácias beneficiando do respectivo regime fiscal previsto na já mencionada Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro.
II. Ou seja, está perante uma situação de desigualdade fiscal.
mm. Sendo este entendimento sido reconhecido pelo, afirmando no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, que "de facto, com o presente diploma impõe-se a alteração da propriedade das farmácias que actualmente são detidas, designadamente, por instituições particulares de solidariedade social. No futuro, estas terão de constituir sociedades comerciais, em ordem a garantir a igualdade fiscal com as demais farmácias".
nn. Ou seja, o legislador ordinário reconheceu ab initio a excepcionalidade da situação e estabeleceu um prazo dilatório de cinco anos para que as adaptações necessárias fossem introduzidas em ordem, nomeadamente, a garantir a igualdade fiscal de todos os operadores do mercado.
oo. Porém, por duas vezes, prorrogou aquele prazo.
pp. E, sem que nada o fizesse prever, arrepiou caminho e passou a aceitar a manutenção sine die de uma situação de objectiva desigualdade fiscal entre as "farmácias sociais" e a generalidade das restantes farmácias.
qq. Ora, o Estado-legislador não pode deixar de cumprir os imperativos da constituição económica mesmo em relação às empresas do sector público empresarial. De resto, no estrito plano das regras de concorrência, torna-se tão relevante o desvalor das medidas legislativas que atribuam exclusivos ou privilégios às empresas públicas que actuem em economia de mercado, como, inversamente, o daquelas que imponham encargos ou sujeições às empresas públicas que se tornem susceptíveis de distorcer o funcionamento do mercado.
rr. Isso mesmo encontra-se consagrado no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 133/2013 (que, neste particular, não inovou substancialmente relativamente ao que dispunha o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 558/99, desde a sua redacção originária):
"1 - As empresas públicas desenvolvem a sua actividade nas mesmas condições e termos aplicáveis a qualquer empresa privada, e estão sujeitas às regras gerais da concorrência, nacionais e de direito da União Europeia.
2 - As relações estabelecidas entre as entidades públicas titulares do capital social ou estatutário e as empresas públicas detidas ou participadas processa-se em termos que assegurem a total observância das regras da concorrência, abstendo-se aquelas entidades de praticar, directa ou indirectamente, todo e qualquer acto que restrinja, falseie ou impeça a aplicação destas regras".
ss. Por ser assim, as empresas públicas também estão submetidas à Lei da Concorrência, tal como as empresas participadas ou as demais empresas privadas, não lhes podendo ser atribuídos auxílios públicos indevidos (artigos 2.°, 4.°, n.º 1, e 65.º da Lei n° 19/2012, de 8 de Maio, e 14.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro).
tt. O que se deixa invocado em relação às empresas do sector público empresarial é obviamente também aplicável, mutatis mutandis, às entidades do sector social da economia que operam no mercado.
uu. Como se alegou, por força do regime dos n.º s 2 e 3 do artigo 59.º-A do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109/2014, de 10 de Julho, as entidades do sector social da economia proprietárias de farmácias actuam no mercado em concorrência com a generalidade das proprietárias das demais farmácias beneficiando de um regime fiscal muito mais favorável do que o regime fiscal aplicável às últimas, detidas por pessoas singulares ou sociedades comerciais e, portanto, sujeitas aos respectivos regimes tributários.
vv. Sob esta perspectiva, a questão suscitada por aquelas normas é a de saber se a manutenção de uma situação de objectiva desigualdade fiscal entre as "farmácias sociais" e a generalidade das restantes farmácias, corresponde a um tratamento proporcionalmente diferenciador perante o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, na sua dimensão de "igualdade perante a repartição de encargos públicos".
ww. Ora, como uma leitura atenta evidencia, não pode considerar-se materialmente fundamentada a medida legislativa vertida no regime dos n.ºs 2 e 3 do artigo 59.º-A do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 109/2014, de 10 de Julho, dando-se aqui por renovado e reproduzido tudo quanto se alegou neste articulado.
xx. Como é ineludível, as denominadas entidades do sector social da economia não têm por objecto estatutário a propriedade de farmácias nem por finalidade a sua exploração comercial.
yy. Inexiste assim, como é bom de ver, qualquer fundamento material atendível para a opção legislativa que aqui se contesta de manter uma situação de objectiva desigualdade fiscal entre as "farmácias sociais” e a generalidade das restantes farmácias.
zz. E na falta desse fundamento material, prejudicada fica a possibilidade de aferir da sua eventual proporcionalidade face aos interesses em presença.
aaa. Dúvidas também não restam, pois, sobre a violação - que se julga igualmente ostensiva – do princípio constitucional da igualdade.
bbb. Por fim, O regime legal aqui contestado constitui claramente um auxílio de Estado ilegal, nos termos e para os efeitos do artigo 107.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
ccc. Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de auxílio de Estado é mais amplo do que o de subvenção, incluindo não apenas as prestações positivas, mas também as intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, de tal forma que, embora não sendo subvenções em termos estritos, têm a mesma natureza e idênticos efeitos.
ddd. Daqui decorre que as sucessivas medidas legislativas acima referidas através das quais o Estado Português atribuiu às entidades do sector social da economia proprietárias de "farmácias sociais" um regime fiscal mais favorável do que à generalidade das farmácias veio reduzir os encargos a que, de outra forma, estas ficariam sujeitas, em detrimento, na mesma medida, da correspondente receita fiscal que o Estado poderia arrecadar.
eee. As medidas legislativas acima descritas têm carácter selectivo, porquanto não aproveitam de forma indistinta ao conjunto das empresas situadas em território nacional proprietárias de farmácias, mas apenas algumas, a saber, as entidades do sector social da economia.
fff. Nestes termos, estas medidas são susceptíveis de favorecer certas empresas relativamente a outras que se encontram numa situação factual e jurídica comparável.
ggg. Por outro lado, importa salientar que, uma vez que estas medidas não se aplicam à generalidade dos operadores económicos em situação semelhante, não pode a mesma ser considerada uma medida geral de política fiscal ou económica.

Termos em que, Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença ora recorrida, Pois só assim é de Direito e de Justiça.

1.2. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
a) Peticionando a Recorrente a declaração de Ilegalidade e de recusa de aplicação de normas legislativas com fundamento em inconstitucionalidade e em desconformidade com o direito da União Europeia, a apreciação e decisão cabe em exclusivo ao Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade, nos termos do artigo 281º, n.º1, alíneas a) e b), da CRP.
b) No caso sub-judice tanto o Dec.-Lei n.º 307/2007 e a Lei n.º 151/99 são actos legislativos, nos termos do artigo 112º, nº 1 da CRP que qualifica de actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais, provenientes do exercício, pelo Governo (no âmbito da autorização] ou da Assembleia da República da função legislativa.
c) O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), no artigo 4º, n.º 2, alínea a), exclui expressamente a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa. d) Deste modo, verifica-se a incompetência absoluta do douto Tribunal em razão da matéria, que reconduz à absolvição da instância de acordo com os artigos 16°. n.º 2, do CPPT, e dos artigos 576°, n.º 2, 577º, alínea a), 278º, n.º1, alínea a), todos do CPC, aplicáveis "ex vi" do artigo 2º do CPPT o artigo 577º, alínea a) do C.P.C.
c) Pelo que bem andou o Tribunal “a quo" na sentença ora recorrida.
Nestes termos e demais de direito que doutamente serão supridos, deverá ser mantida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal "a quo", como é de Direito e Justiça.

1.3. O Ministério da Saúde apresentou contra-alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:

a) A sentença recorrida, que declarou o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto incompetente em razão da matéria, nos termos e com os fundamentos em que assenta, é absolutamente correta e encontra-se irrepreensivelmente fundamentada;
b) As normas legais cuja desaplicação é pedida foram prolatadas ao abrigo de função legislativa, num caso, do Governo e, e noutro, da Assembleia da República; como tal, são insindicáveis pelos tribunais administrativos e fiscais;
c) O pedido com aquele objeto deve ser qualificado como de apreciação e declaração da constitucionalidade abstrata de normas legais, matéria que é da competência do Tribunal Constitucional (vd. Ac. da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 24.01.2002, in Recurso n.º 45972);
d) A fiscalização sucessiva e abstrata da constitucionalidade das normas cabe em exclusivo ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281 º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP;
e) Tal atividade encontra-se expressamente excluída da jurisdição administrativa e fiscal, como decorre do artigo 4º, n.º 2, alínea a), do ETAF;
f) Para apreciar e decidir o pedido de desaplicação do regime instituído pela Lei n.º 151/99, de 14 de setembro, revestindo este diploma a natureza típica de ato legislativo, não é a jurisdição administrativa e fiscal competente para decidir sobre a suspensão dos seus efeitos, nem sobre a sua validade;
g) Vistos os fundamentos constantes da sentença a quo, e atentas as razões expostas, bem decidiu o TAF do Porto ao ter-se declarado a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, nos termos do artigo 16º, n.º 1, do CPPT;
h) A declaração de incompetência material do TAF do Porto não retira em caso algum à Recorrente a garantia da tutela jurisdicional efetiva dos seus interesses, assim como não importa a violação das referidas garantias constitucionais, atento o disposto no artigo 281 º da CRP.
i) A incompetência absoluta do tribunal constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição do réu da instância, nos termos conjugados dos artigos 16º, n.º 2, do CPPT, e dos artigos 576º, n.º 2, 577º, alínea a), 278º, n.º 1, alínea a), 96º, alínea a), e 99º, todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2º do CPPT.
Termos em que:
Deve o presente recurso jurisdicional ser julgado sem provimento, por não provado, mantendo-se o decidido na sentença recorrida.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso (processo electrónico p.175)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. A decisão recorrida não estabeleceu matéria de facto, em consequência da sua natureza de decisão de indeferimento liminar.
Para a compreensão do sentido da decisão transcrevem-se excertos relevantes da fundamentação:
No caso sub judice o interesse que a Autora pretende ver reconhecido é a declaração de ilegalidade e a recusa de aplicação de normas legislativas e, consequentemente, o reconhecimento de que o regime de regalias e isenções fiscais previstas na Lei nº 151/99, de 14 de Setembro, não pode ser aplicável à actividade comercial das farmácias sociais -.
A Autora pretende que seja reconhecido o seu interesse a que a Administração não actue de acordo com o quadro normativo vigente, por considerar algumas normas inconstitucionais e violadoras do direito da União Europeia.
Na verdade, a pretensão subjacente à presente acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributaria é que este Tribunal proceda à fiscalização, sucessiva e abstracta, da constitucionalidade das normas constantes dos nºs 2 e 3 do artigo 59º-A do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de Agosto, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 109/2014, de 10 de Julho, bem como das normas que integram o regime de regalias e isenções fiscais previstas na Lei nº 151/99, de 14 de Setembro, em especial a isenção concretizada no artigo 10º do Código do IRC, quando aplicável à actividade comercial das farmácias sociais.
(…)
A inconstitucionalidade de uma norma legislativa não pode ser objecto de impugnação directa junto dos tribunais administrativos e fiscais, porquanto tal actividade traduzir-se-ia em conhecer, em abstracto, da constitucionalidade de normas legislativas, competência essa que está reservada, em exclusivo, ao Tribunal Constitucional.
Da leitura dos artigos acima transcritos [ os identificados no pedido de declaração de ilegalidade] verifica-se que estamos perante normas que definiram um regime jurídico-fiscal aplicável às entidades do sector social da economia (sector esse consagrado na Lei Fundamental, como decorre da leitura dos artigos 80º, alíneas b) e f), 82º, nºs 1 e 4, alínea d), da CRP), as quais se traduzem em opções políticas primárias, daqui decorrendo que, as normas em análise, emanadas sob a forma de decreto-lei, são resultado do exercício da função legislativa, e não resultantes do exercício da função administrativa.
(…)
Além disso, ao analisarmos os argumentos expendidos pela Autora, resulta que a pretensão desta não é o reconhecimento de um direito, mas sim, que seja “desreconhecido” o direito conferido a entidades terceiras (as farmácias sociais), as quais sempre deveriam assumir a posição de contra-interessadas, por terem interesse na manutenção do regime legal vigente, e cuja demanda não está prevista na tramitação do presente meio processual.
Nos temos do art. 16º do CPPT, a infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, e é de conhecimento oficioso

2.2. Questões decidendas:
Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, para o conhecimento do objecto da acção instaurada de reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária

2.3. Apreciação jurídica
2.3.1. Nulidade da sentença
A recorrente imputa à sentença recorrida omissão de pronúncia sobre os pedidos formulados na acção de reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária:
a) desaplicação das normas constantes do regime previsto no art.59º-A nºs 2/3 DL nº 307/2007, 31 agosto na redacção do DL nº 109/2014, 10 julho;
b) desaplicação às farmácias sociais do regime de regalias e isenções fiscais previstas na Lei nº 151/99, 14 setembro, em especial a isenção concretizada no art.10º nº1 CIRC
A omissão de pronúncia inquina a estrutura formal legal da sentença, sendo causa da sua nulidade na medida em que viola o correlativo dever de resolução pelo tribunal de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja solução esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 608º nº2 e 615º nº1 al.d) CPC; art.125º nº1 CPPT)
No caso concreto improcede a arguida nulidade, na medida em que a apreciação das questões subjacentes aos pedidos supra enunciados ficou prejudicada pela declaração do tribunal sobre a sua incompetência absoluta, em razão da matéria (com a fundamentação que será analisada na apreciação da segunda questão decidenda), questão de ordem pública cujo conhecimento oficioso precede o de qualquer outra matéria (art.13º CPTA/ art.2º al.c) CPPT)

2.3.2. Incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria
A Autora/recorrente instaurou acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária formulando os pedidos supra enunciados (2.2.2.1. Nulidade da sentença)
A análise da questão da incompetência do tribunal em razão da matéria para a apreciação do objecto da acção exige a convocação do quadro legal e das considerações seguintes:

Art.112º CRP
1. São actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais
Art. 204º CRP
Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados

Especificamente quanto aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal esta disposição proibitiva está reproduzida no art.1º nº2 ETAF (aprovado pela Lei nº 13/2002, 19 fevereiro)
Art.212º CRP
3.Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais
Esta atribuição de competência é reiterada no art.1º nº1 ETAF (aprovado pela Lei nº 13/2002, 19 fevereiro)

Art.268º CRP
4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas
Art.280º nº1 CRP
1.Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:
a) Que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade:
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo
(…)
Art.281º CRP
1.O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:
a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas;
b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado
(…)
Art.4º ETAF (aprovado pela Lei nº 13/2002,19 fevereiro)
Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a:
1-a) (...)
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal (…);
2- Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de:
a) Actos praticados no exercício da função política e legislativa;
(…)
Art.145ºCPPT
1.As acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributaria podem ser propostas por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a proteger
(…)
3.As acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido

A exclusão da apreciação pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal de actos praticados no exercício da função política e legislativa radica na circunstância de (…) os primeiros [actos praticados no exercício da função política], apesar de passíveis de um juízo de validade ou invalidade (v.art.3º/3 da CRP), não são sequer judiciáveis, passiveis de impugnação contenciosa, estando submetidos, neste aspecto, apenas a um controlo político feito pelos cidadãos ou por outros órgãos de soberania.
Quanto aos actos legislativos, a via da sua impugnação directa, em processo de declaração de invalidade com força obrigatória geral, está confiada apenas ao Tribunal Constitucional, nos termos rígidos do art.281º da CRP. O máximo que os tribunais administrativos podem fazer é (conforme se dispõe no art.204º da CRP e no art.1º/2 do ETAF) desaplicar os actos legislativos com fundamento na sua inconstitucionalidade (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais anotados Volume I pp.65/66)
Doutrina qualificada sublinha que a pronúncia dos tribunais sobre questões de inconstitucionalidade, nos casos concretos submetidos à sua apreciação, exige um nexo incindível entre a resposta a essas questões e a decisão da causa (Jorge Miranda O regime de fiscalização concreta da constitucionalidade em Portugal)
A impugnação directa da constitucionalidade e legalidade das normas ,com autoridade para a declaração da sua inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral, deve ser submetida, em exclusivo, à apreciação do Tribunal Constitucional, no âmbito da sua competência para a fiscalização abstracta; aos tribunais apenas compete desaplicar as normas aplicáveis à resolução das questões suscitadas nos casos concretos, com fundamento na sua inconstitucionalidade, observado o citado nexo incindível entre a questão de constitucionalidade e a decisão da causa (arts.204º, 280º nº1 al.a) e 281º nº1 CRP)

Sobre a natureza dos direitos e interesses protegidos pela acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária afirma doutrina conceituada: Está-se perante um interesse legalmente protegido quando a lei não protege directamente um interesse particular mas um interesse público que, se for correctamente prosseguido, implicará a satisfação simultânea do seu interesse individual. Neste caso, o particular não pode exigir da Administração a satisfação do seu interesse, apenas podendo exigir que não o prejudique ilegalmente. Por isso, para ser possível esta exigência, é necessário que exista uma norma que estabeleça a forma de a Administração realizar o interesse público, na situação conexa com o interesse particular, com a consequente proibição de esta actuar de forma ilegal. Está-se aqui perante um direito à legalidade das decisões da Administração que possam afectar um interesse próprio (Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6 edição 2011 Volume II p.490)
O circunstancialismo descrito não se verifica no caso concreto:

a) Os diplomas objecto de impugnação contenciosa directa pela autora/ recorrente assumem a forma de Decreto-Lei e de Lei da Assembleia da República, actos legislativos segundo a classificação constitucional, praticados no exercício da função legislativa (art.112º nº1 CRP);
b) A autora/recorrente utiliza a acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária como forma oblíqua de impugnação directa da constitucionalidade de normas, sem a equacionação de qualquer concreto litígio que justifique a apreciação das questões de constitucionalidade suscitadas para a sua solução;
c) Não pretende o reconhecimento de qualquer direito alegadamente lesado inscrito na sua esfera jurídica; antes o não reconhecimento de direitos de terceiros (as farmácias sociais) com as quais age em concorrência no mercado, às quais são concedidos benefícios fiscais de que discorda (designadamente a isenção prevista no art.10º nº1 CIRC redação vigente na data da instauração da acção); assim sendo, como esclarecidamente afirma a sentença recorrida aquelas deveriam assumir a posição de contra-interessadas, por terem interesse na manutenção do regime legal vigente, e cuja demanda não está prevista na tramitação do presente meio processual, antes na ação administrativa especial comum, segundo a nomenclatura vigente na data da instauração da acção (art. 81º CPTA)
Finalmente sublinha-se que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado reiteradamente no sentido da inadmissibilidade de desaplicação pela Administração de normas vigentes com fundamento em inconstitucionalidade, na medida em que o seu controlo incumbe unicamente aos tribunais por via difusa (na apreciação dos litígios concretos) e ao Tribunal Constitucional, por via de impugnação directa (acórdãos nº24/85, 6 fevereiro 1985 e nº 304/85, 4 abril 1985), dos quais se transcreve significativo excerto:
(…) Esta mesma interpretação é destilável do art.266º, nº2, da Lei Básica que, ao estipular que «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei» significativamente impõe a adstrição da Administração à Lei Fundamental, quando ela se lhe refere imediatamente, e à lei quando esta se lhe coloca como parâmetro de referência entre própria Constituição e a sua actividade regulamentar.

A infração das regras da competência em razão da matéria é de conhecimento oficioso e determina a incompetência absoluta do tribunal (art.16ºnºs 1/2 CPPT)
A incompetência absoluta do tribunal constitui excepção dilatória, com precedência de conhecimento sobre o de qualquer outra matéria, que dá lugar à absolvição do réu da instância (arts.96º, al.a), 278º nº1 al.a), 576º nº2 e 577º al.a) CPC/ art.2º al.e) CPPT; art.13º CPTA /art.2º al.c) CPPT)
A verificação da incompetência absoluta do tribunal na fase inicial da tramitação processual implica o indeferimento liminar da petição inicial, na medida em que do prosseguimento da lide resultaria a prática de actos processuais inúteis, proibidos por lei (arts.99º nº1 e 130º CPC/ art.2º al.e CPPT)

3- DECISÃO
Acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela recorrente (art.527º nºs 1 /2 CPC / art.2º al.e) CPPT)

Lisboa, 3 de junho de 2020. – Neves Leitão (relator) – Nuno Bastos – Francisco Rothes.