Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01152/10.7BELRS
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:MAIS VALIAS
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
IRS
Sumário:De acordo com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, ainda que posteriormente possam adquirir a natureza de terrenos para construção e sejam alienados como tal.
Nº Convencional:JSTA000P26497
Nº do Documento:SA22020101401152/10
Data de Entrada:07/08/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A Administração Tributária e Aduaneira (AT) interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial intentada por A……….., com os sinais dos autos, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2001, no valor de €426.598,09, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«I – Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por A……….., contribuinte com o NIF ………, já devidamente identificado nos autos e que, em consequência, ordenou a anulação da liquidação adicional de IRS número 2005 5004463819, referente ao exercício de 2001, e no valor global de €426.598,09. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, na subsunção dos factos dados como provados ao direito, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, na medida em que considerou que era necessário que se “demonstrasse que, à data de entrada em vigor do CIRS, os prédios já haviam sido transformados em terrenos para construção (…) Com efeito, os indícios mais antigos em que a Fazenda Pública se apoia, para considerar os terrenos como para construção‖, estão datados de 1994 [pedido de licença de construção] e 1995 [pedido de informação sobre viabilidade construtiva]. Inexistindo substracto factual que permita a consideração, antes de 1989, dos terrenos em causa como de construção, verifica-se que a liquidação sub judice padece de ilegalidade, devendo ser anulada, o que se determina.”
II – Decorre do disposto no art. 1º do antigo Código das Mais-Valias, aprovado pelo DL 46373, de 09 de Junho de 1965, que a incidência deste imposto recaia sobre os ganhos realizados pela transmissão onerosa de terrenos para construção. A partir da entrada em vigor do atual CIRS, aprovado pelo DL 442-A/88, de 30 de Novembro o art. 10º, nº 1 deste código alargou o âmbito de tributação a título de das mais-valias, estas deixaram de abranger apenas os terrenos de construção, recaindo igualmente sobre os prédios rústicos e urbanos.
III – Se é verdade que este imposto incide sobre o ganho resultante da venda, verdade também é que a norma do n° 1 do artigo 5º do Dec-Lei nº 442-A/88 não constitui ela própria uma norma de incidência, mas apenas um normativo que visa não sujeitar a imposto as vendas de imóveis adquiridos, quer sejam urbanos quer sejam rústicos, antes da entrada em vigor do CIRS, pois que no que respeita aos terrenos para construção, em ambos os regimes, antes e após 1989, os ganhos de mais-valia com origem na alienação destes bens sempre foram sujeitos a tributação. Com efeito, no que toca à incidência em matéria de mais valias, os terrenos para construção estiveram sempre, quer no antigo, quer no novo regime, sujeitos a tributação. Com o CIRS atualmente em vigor o que se procurou excluir da tributação foi a exceção, ou seja, os ganhos provenientes da alienação de prédios que à data da aquisição não eram tributados (prédios rústicos e urbanos).
IV – O regime transitório do DL 442-A/89, à luz do princípio da confiança, impôs a exclusão de tributação dos ganhos obtidos com origem na alienação de determinados bens imóveis (rústicos e urbanos) que, ao tempo da aquisição, não eram tributados - o que teria determinado a opção de adquirir por parte do contribuinte – solução esta que permite assim salvaguardar a sua expetativa jurídica. No caso em apreço, inexiste qualquer expetativa jurídica a salvaguardar, pois que as alienações operadas trazem em si mesmas traços que denunciam estarmos perante bens imóveis que assumiram, para o alienante, uma qualidade diferente daquela que detinham aquando da aquisição. Como se extrai das considerações patentes no relatório de inspeção e transcritas no ponto 1 dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, tanto o vendedor como o comprador realizaram os contratos na consciência de estarem perante terrenos para construção, ainda que tal qualidade não tenha sido mencionada nas cláusulas contratuais.
V – O regime vigente legal antes da entrada do CIRS previa já a tributação das mais-valias nos casos em que os imóveis eram alienados com destino à construção. Ora, abstraindo da entrada em vigor do CIRS em 1989, se este diploma não tivesse sido aprovado, e se ainda estivesse vigente o anterior Código do Imposto das Mais-valias as alienações em causa nos presentes autos, as alienações onerosas em causa nos presentes autos seriam tributadas ao abrigo deste regime legal, desde que fosse possível descortinar que a finalidade do prédio transmitido seria a construção. Por outras palavras, e no que toca à realidade sujeita a tributação, quer através do Código do Imposto das Mais-valias, vigente até 31-12-1988, quer através do Código do IRS, sempre os ganhos resultantes da alienação de terrenos para construção seriam sujeitos a tributação, e, por conseguinte, entende a Fazenda Pública, inexiste qualquer aplicação retroativa da norma de incidência que consta do atual CIRS.
VI – O momento relevante para aferir da finalidade do bem transmitido, nestes casos, é o momento da sua alienação, e consequentemente a obtenção do ganho com a sua venda, não havendo que apelar, nesta situação, ao momento da aquisição, porquanto já na vigência do CIRS se operou a alteração do destino a dar aos bens imóveis, de simples prédios rústicos passaram a ser terrenos para construção, alteração esta que nos permite concluir que já não estamos perante o mesmo prédio que foi alvo de aquisição.
VII – O Tribunal a quo não esteve bem na apreciação que promoveu relativamente à matéria de direito, ignorando a alteração de destino subjacente aos prédios objetos de alienação, concluindo que os mesmos foram adquiridos em momento anterior à entrada em vigor do CIRS, julgando os rendimentos excluídos de tributação, nos termos do disposto no art. 5°, n° 1, do DL 442-A/88 de 30 de Novembro. Ponderados estes argumentos, fácil é de ver que mal esteve o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, na medida em que considerou que as mais-valias obtidas pela Impugnante estavam excluídas de tributação, violando assim tanto o disposto no art. 5°, n° 1, do DL 442-A/88 de 30 de Novembro, como disposto na al. a) do n.º1 do art.º 10º do CIRS.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE A IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!».

1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:
«1. No processo de impugnação n.º 1152/10.7BELRS foi proferida pelo Tribunal a quo sentença de provimento com consequente anulação da liquidação adicional de IRS referente ao exercício de 2001, no valor global de €426.598,09.
2. O Ilustre Representante da Fazenda Pública, não se conformou com a decisão proferida e interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, considerando que o Tribunal a quo errou ao julgar os ganhos obtidos pela Recorrida com a venda dos imóveis identificados excluídos de tributação, nos termos do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
3. No entender da Recorrente “o momento relevante para aferir da finalidade do bem transmitido, é o momento da sua alienação, e consequentemente a obtenção do ganho com a sua venda, não havendo que apelar, nesta situação, ao momento da aquisição, porquanto já na vigência do CIRS se operou a alteração do destino a dar aos bens imóveis, de simples prédios rústicos passaram a ser terrenos para construção, alteração esta que nos permite concluir que já não estamos perante o mesmo prédio que foi alvo de aquisição.”
4. Ora esta interpretação não tem qualquer sustentação na letra da lei, mais concretamente o n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442/88, de 30 de Novembro.
5. Tal interpretação não tem, também, qualquer adesão jurisprudencial de que são exemplos os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 02/06/2010, proc. n.º 998/09, de 10/09/2014, proc. n.º 01381/13, e de 20/05/2015, proc. n.º 0149/15.
6. Na sentença recorrida foi dado como provado que os prédios em causa foram adquiridos pela Recorrida como prédios rústicos, em data anterior a 01/01/1989.
7. Tal facto não foi contestado pela Recorrente.
8. Assim sendo, da aplicação do regime transitório previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442/88, de 30 de Novembro, resulta que a liquidação contestada é ilegal.
9. Isso mesmo se retira da aplicação da norma em causa que é feita por este mesmo Supremo Tribunal Administrativo.
10. Em face do exposto, considera a Recorrida que as alegações da Recorrente não merecem qualquer provimento,
11. Devendo este recurso ser indeferido, mantendo-se a sentença recorrida por legal e conforme ao Direito.
Nestes termos, e em face do exposto, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, por não comprovado, assim fazendo este Tribunal a costumada Justiça!».

1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, referindo que «Na aplicação do regime transitório do artigo 5º do DL 442-A/88, a jurisprudência do STA tem adoptado o entendimento no sentido de que é indiferente qualquer modificação sofrida pelo prédio no período posterior à entrada em vigor do CIRS, ou seja, ainda que o prédio passe a prédio urbano em virtude da aprovação de loteamento ou projecto de construção, os ganhos obtidos pelo seu proprietário não estão sujeitos a imposto de IRS ao abrigo do artigo 10º do CIRS”. E depois de a citar e enumerar conclui: «A referida jurisprudência tem sido reiterada e pacifica e mostra-se amplamente consolidada (pelo que é incompreensível a litigância da fazenda Pública). // No caso concreto dos autos não se suscitam dúvidas sobre a qualidade de prédios rústicos à data da sua aquisição por parte da recorrida e que a mesma ocorreu em data anterior à entrada em vigor do CIRS, pelo que os ganhos obtidos com a sua alienação em 2001 estão abrangidos pelo regime transitório previsto no art.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, sendo para tal indiferente que à data da venda já tivesse definida a sua aptidão edificativa por parte do município.»

1.4. A questão que cumpre conhecer é saber se a sentença recorrida errou o julgamento ao considerar que não estavam sujeitas a IRS as mais-valias obtidas pela Recorrida no ano de 2001 com a alienação de dois prédios que havia adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS, ao abrigo do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

2. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida está provada a seguinte matéria de facto:
«1. No dia 1 de Agosto de 2005 foi elaborada informação pela Área da Inspecção Tributária‖ da Direcção de Finanças de Lisboa, referente à Impugnante e a - IRS – Ano de 2001 -, onde se lê que - 1.1 - Após análise aos elementos existentes no processo nº 01200500049 (87 316), instaurado em nome do Sujeito Passivo acima identificado, contribuinte n° ………, com domicílio fiscal no ………., Calhandriz 2615 - ……. CALHANDRIZ, cumpre-me informar o seguinte:
1.1.1- Que o Sujeito Passivo acima identificado, à data casada com B……….., contribuinte nº ……….., sob o regime de comunhão geral de bens, adquiriu, a 11/08/1980, pelo preço de € 14 963,94 (3 000 000500) um prédio rústico com a área de 8200 m2, sito em …….., freguesia de ………., concelho de Vila Franca de Xira, descrito na V Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o n° 13 580.
1.1.2- A 02/08/1984, adquiriu um prédio rústico, sito na ………. - ………, freguesia de ………, concelho de Vila Franca de Xira, inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artº n° 6 da Secção U, pelo preço de € 149 639,37 (30 000 000$00), tendo sido o mesmo vendido por Escritura de Compra e Venda de 2001 à Firma C………, S.A., pelo valor de € 3 242 186,33 (650 000 000$00)
1.2 - Através de Escritura de Compra e Venda feita em 2001, verificámos que o terreno Identificado no ponto 1.1.1 desta informação, foi vendido à D…….., S.A., contribuinte nº ……….., pelo valor de € 1 042 885,42 (209 079 755$00), como terreno rústico, no entanto e através de consulta a vários elementos encontrados nos diversos Organismos Públicos verificámos que, em 1994 a Firma E…………, Lda, solicitou licença de construção de uma moradia no mencionado terreno, que foi deferida por despacho exarado a 19/02/1996, pelo que o dito terreno é urbano e não rústico.
1.3 - No que se refere ao terreno sito na …….. - ……….., foi o mesmo vendido, como terreno rústico, por Escritura de Compra e Venda de 2001 à Firma C…………, S.A., pelo valor de € 3 242 18633 (650 000 000$00), no entanto, a 11/11/1995, o proprietário, B……….., apresentou na Câmara Municipal de Vila Franca de Xira um pedido de informação sobre a viabilidade de construção no referido terreno, cuja resposta foi dada pelo ofício nu 485/95, da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Departamento de Habitação e Urbanismo, no qual afirma que a propriedade em causa se encontra inserida no perímetro urbano do aglomerado urbano, pelo que este terreno não é rústico mas sim urbano.
1.4 - Pelos factos apontados, constata-se à data das vendas, havia elementos suficientes para se saber o destino que ia ser dado aos prédios em causa
1.5 - Resulta assim, que da análise de toda a informação disponível se conclui que estamos perante um acto tributário previsto na alínea h) do n* 2 do art° 4o do C.I.R.S.” – cfr. informação, junta à petição inicial [PI] como documento 1, a págs. 15 e 16 SITAF;
2. No dia 07 de Dezembro de 2005 foi emitida - liquidação Nº 2005 5004463819 com e referência NIF ……… e o valor global de 426.590,09 – cfr. liquidação, junta à PI como documento 2, a págs. 17 SITAF
3. No dia 04 de Novembro de 2008 foi carimbado pelo Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 requerimento de PEDIDO DE REVISÃO DE ACTO TRIBUTÁRIO, relativo à liquidação 2005 5004463819 e onde a Impugnante pedia que fosse revogado o acto de liquidação adicional de IRS do ano de 2001 – cfr. requerimento, junta à PI como documento 3, a págs. 18 a 26 SITAF;
4. Por despacho de 28 de Dezembro de 2009 foi indeferido o pedido referido em 3), constando da informação que lhe subjaz que “Em 1980 e em 1984 a requerente adquiriu dois prédios rústicos (melhor identificados nos autos), na freguesia de ……… pelo valor de, respectivamente, 14.963,94 € e 149.639,37 €; Em 2001, alienou os imóveis por, respectivamente, 1.042.885,42 € e 3.242.186,33 € (cabendo à requerente 50% desse montante);[…] 3 - O entendimento dos serviços da administração fiscal respeitante a esta situação (não exclusão da tributação por se considerar estar perante terrenos para construção) encontra-se expresso na informação prestada pela Direcção de Finanças de Lisboa, datada de 2009MAR19. 4 – Também a análise das alegações constantes da petição foi devidamente efectuada na sobredita informação. 5 — Essa informação ó do seguinte teor: «(…) III - Parecer: 1. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de direitos reais sobres bens imóveis, desde que não considerados rendimentos empresariais ou profissionais. Esta disposição, contudo, é limitada pelo n.º 1 do artigo 5° do Decreto-Lei 442-A/88 de 30 de Novembro, que instituiu um regime transitório segundo o qual os ganhos que não eram tributados na vigência do Código de Imposto de Mais-Valias só ficam sujeitos a IRS se adquiridos pelo alienante a partir de 1 de Janeiro de 1989. No âmbito do CIMV, no que respeita a imóveis, somente eram passíveis de incidência do imposto de mais-valias os ganhos provenientes da alienação onerosa de terrenos para construção, enquanto na vigência do IRS passou a ser objecto de tributação a alienação onerosa não só de terrenos para construção mas também de prédios rústicos e urbanos. Determinou, portanto, o referido n.º 1 do artigo 5º que os ganhos provenientes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis que não sejam terrenos para construção, só ficariam sujeitos a IRS se adquiridos após a entrada em vigor do Código que rege este imposto, ou seja a partir de 1 de Janeiro de 1989. Aplicando esta norma à situação em análise, é incontestável que a venda efectuada pela requerente dos prédios em questão só é passível de incidência de IRS se pudermos afirmar, sem equívocos, que no ano de 2001 ocorreu a transmissão onerosa de - terrenos para construção -. Não havendo dúvidas que os imóveis foram adquiridos em 1980 e 1984 como terrenos rústicos, a dificuldade está em saber se quando foram vendidos em 2001 constituíam já, ainda que potencialmente, terrenos para construção. […] Ora, no que respeita aos imóveis em causa, não existe à data da venda alvará de loteamento, despacho de aprovação de projecto de construção nem licença de construção. Por outro lado, na escritura de compra e venda os terrenos foram declarados como sendo rústicos. 4. Pesem embora as referidas alegações e os factos descritos, é, no entanto, entendimento da administração tributária que o que define a natureza de prédio para construção é o facto de à data da sua transmissão possuir, ainda que potencialmente, essa característica. […] 5. No caso em apreço, ficou perfeitamente demonstrada na informação dos serviços de inspecção a existência de elementos indiciadores de que os terrenos em causa seriam afectos à construção. Com efeito: a) No que respeita ao terreno sito na ………., da freguesia de ………, embora vendido como terreno rústico, verificaram aqueles serviços que para esse local ainda que não propriamente para o mesmo terreno foi solicitada pela firma E………., Lda, licença para a edificação de uma moradia, licença essa que foi concedida, donde se depreende que o sítio tem apetência para construção Junta a requerente uma declaração passada pela Junta de Freguesia de ……….. em que esta esclarece que os lugares de ……….. e a ……., lote ….., onde a referida vivenda foi construída pertencem a zonas diferentes daquela freguesia. Não afasta, contudo, a possibilidade de qualquer dessas zonas ser afecta à construção. b) Relativamente ao terreno sito na ……… - …….. o proprietário B………., apresentou na Câmara Municipal de Vila Franca de Xira um pedido de informação acerca da viabilidade de construção nesse local, tendo essa autarquia respondido que, situando-se o terreno dentro do perímetro urbano, não é considerado terreno rústico. Tanto o facto de ter sido pedida a informação como a resposta da Câmara são claros indícios de que se trata de um terreno para construção. c) O primeiro terreno tinha sido adquirido em 1980 pelo preço de 14 963 94 €e foi vendido em 2001 à firma D………., SA, pelo valor de 1.042.85542 €. O segundo foi adquirido em 1984 pelo preço de 149.639,37 € e vendido à firma C………., SA, pelo valor de 3.242.186,33 €. O simples facto de os terrenos terem sido vendidos a firmas que se dedicam à promoção imobiliária é indício de que o seu destino era a construção. Mas se atentarmos na valorização que os prédios sofreram, facilmente concluiremos que se fossem afectos à agricultura o valor nunca atingiria, nem de perto nem de longe, o preço por que foram vendidos. De facto, é do conhecimento público que os terrenos apenas têm sido valorizados nas últimas décadas se o seu destino for a construção […] No exercício do direito de audição prévia a requerente não põe em causa, pelo menos de forma clara, o facto de se tratar ou não de terrenos para construção. Apenas refere que os mesmos estão isentos de tributação por terem sido adquiridos antes de 1989 e que a si apenas lhe cabe metade do valor por que foram transmitidos. (...)» 6 - Conclui-se pois que os bens jurídicos vendidos em 2001 não são os mesmos que foram adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS (artigo 5º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro) pelo que não estão abrangidos pela norma de não sujeição do n.° 1 do mesmo artigo – cfr. despacho de indeferimento e informação 2421/09, a págs. 28 a 33 SITAF, e que se dão por integralmente reproduzidos;
5. No dia 03 de Maio de 2010 foi enviada ao Tribunal Tributário de Lisboa “Impugnação Judicial” que daria origem ao presente processo – cfr. comprovativo de entrega de documento, a fls. 2 do suporte físico dos autos.».

3. Fundamentação de direito
O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……….. e anulou a liquidação adicional de IRS originada nas mais- valias resultantes da alienação em 2001 de dois prédios rústicos adquiridos em 1980 e 1984.
Entendeu o Tribunal recorrido, sustentando-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/07/2014, proferido no processo 01396/13, que os ganhos obtidos pela venda efectuada em 2001 só estariam sujeitos a IRS, ficando precludida a aplicação do artigo 5.º do DL n.º 442-A/88, se tivesse ficado demonstrado que à data da entrada em vigor do Código do IRS, os prédios que antes foram adquiridos como rústicos, já estavam transformados em terrenos para construção, e que tal demonstração não tinha sido feita, pois os indícios mais antigos em que a AT se apoia estão datados de 1994 (pedido de licença da construção) e 1995 (pedido de informação sobre a viabilidade construtiva).
A AT não se conforma com o decidido argumentando, em síntese, que o regime legal antes da entrada do Código do IRS previa já a tributação das mais-valias nos casos em que os imóveis eram alienados com destino à construção. E que, abstraindo da entrada em vigor do Código do IRS em 1989, se este diploma não tivesse sido aprovado, e se ainda estivesse vigente o anterior Código do Imposto de Mais-Valias, as alienações onerosas em causa nos presentes autos seriam tributadas ao abrigo desse regime legal, desde que fosse possível descortinar que a finalidade do prédio transmitido seria a construção. E que assim, quer através do Código do Imposto de Mais-Valias, vigente até 31/12/1988, quer através do Código do IRS, sempre os ganhos resultantes da alienação de terrenos para construção seriam sujeitos a tributação, e, por conseguinte, inexiste qualquer aplicação retroativa da norma de incidência que consta do atual Código do IRS, sendo o momento relevante para aferir da finalidade do bem transmitido, nestes casos, o momento da sua alienação, e consequentemente a obtenção do ganho com a sua venda, não havendo que apelar ao momento da aquisição.

A questão – saber se, atento o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, estão sujeitas a IRS as mais-valias obtidas com a alienação de prédios rústicos adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e posteriormente transformados em terrenos para construção - não é nova neste Supremo Tribunal Administrativo e tem merecido de forma reiterada e uniforme a mesma solução, como dá nota o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer.

Na verdade, é jurisprudência pacífica que de harmonia com o disposto no artigo 5.º do Decreto- Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, pese embora tenham, posteriormente, adquirido a natureza de terrenos para construção e sido alienados como tal, como foi decidido no acórdão de 08/07/2015, proferido no processo 0584/15.

Assim, porque a Recorrente não arguiu razões que ponham em causa esta jurisprudência e atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, que dispõe que o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, cumpre julgar improcedente o recurso remetendo, no essencial, para a fundamentação expendida no referido acórdão, que deverá ser lido com as necessárias adaptações ao presente caso, ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo n.º 5 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Em conclusão:
De acordo com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, ainda que posteriormente possam adquirir a natureza de terrenos para construção e sejam alienados como tal.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Não se procede à junção de cópia do acórdão remetido, porque se encontra disponível no sítio www.dgsi.pt

Lisboa, 14 de outubro de 2020. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.