Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:087/20.0BECTB
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se o recorrente, em ordem a desincumbir-se desse ónus, se limita a transcrever a letra da lei e a concluir, de modo vago e não consubstanciado factualmente, pela verificação desses requisitos.
Nº Convencional:JSTA000P27125
Nº do Documento:SA220210203087/20
Data de Entrada:01/18/2021
Recorrente:A…………………
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 87/20.0BECTB
Recorrente: A…………
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com o acórdão de 19 de Novembro de 2020 do Tribunal Central Administrativo Sul – que julgou improcedente a arguição de nulidade e o pedido de reforma do acórdão por que o mesmo Tribunal Central, em 17 de Setembro de 2020, negando provimento ao recurso interposto pelo ora Recorrente, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a reclamação judicial por ele interposta contra as penhoras que lhe foram efectuadas no âmbito de um processo de execução fiscal –, dele recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, mediante a invocação do disposto no art. 285.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, apresentando a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor:

«1) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Venerado Tribunal Central Administrativo Sul [( Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: o Recorrente escreveu Norte onde queria dizer Sul.)], que julgou improcedente o pedido de nulidade e de reforma do acórdão de 17 de Setembro de 2020, relativamente ao qual, o aqui recorrente, formulou a sua pretensão no facto de não concordar com o facto de ter sido alterada a matéria de facto julgada como provada em 1.ª instância, sem que o recorrente quanto à mesma se pudesse pronunciar.

2) O que consubstancia, além do mais a nulidade a que alude o disposto no art. 655.º, do C. P. Civil.

3) Ainda que o douto Acórdão incorre em erro de julgamento.

4) Verifica-se, por isso, a existência de oposição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, dos factos constantes do probatório só poderia resultar decisão diversa.

5) Pelo que, não pode, o ora recorrente, conformar-se com os termos da douta decisão proferida, porquanto, face aos factos e ao direito aplicável, deve a pretensão do recorrente ser julgada como procedente e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão de que ora se recorre.

6) Cumprindo, neste âmbito, fazer referência ao preceituado no art. 285.º do CPPT.

7) Assim, e de acordo com a jurisprudência desse Supremo Tribunal, estaremos perante uma questão jurídica de especial complexidade quando, a sua solução, envolve a aplicação e ligação a diversos regimes legais e institutos jurídicos e, de igual modo, na circunstância de o seu tratamento ter suscitado dúvidas sérias, quer a nível da jurisprudência, quer a nível da doutrina que norteia o nosso ordenamento jurídico.

8) Considerando-se estarmos perante um assunto de especial relevância social fundamental quando, a situação que se pretende dilucidar, apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para a apreciação de outros casos ou, por outro lado, quando revele repercussão de grande impacto na comunidade.

9) Para melhor aplicação do Direito, é entendimento pacífico de que este se justifica quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória.

10) De tal forma que se afigure como necessária a intervenção desse Colendo Tribunal, para dissipar dúvidas inerentes ao quadro legal que regula determinada situação.

11) Entende, assim, o recorrente que, face aos argumentos mobilizados, se encontram, na sua modesta óptica, preenchidos os pressupostos a que alude o disposto no nº 1 do art. 285.º, do CPPT.

12) Devendo, em consequência, ser admitido o presente recurso de revista.

13) A questão que se pretende dilucidar, neste âmbito, radica no facto de o recorrente, através do recurso da, aliás douta, sentença, proferida em 12/06/2020 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.

14) A questão decidenda, consistia em saber se a Autoridade Tributária estaria impedida de praticar actos, por um lado, durante o prazo que é concedido ao sujeito passivo para apresentar reclamação graciosa e, por outro, durante o prazo do pedido de dispensa de apresentação de garantia.

15) O douto Acórdão em crise, concluiu que, da leitura conjunta dos arts. 169.º e 170.º, ambos do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT), permite que a AT prossiga, decorrido o prazo de 30 dias ulterior à citação para penhora, caso o executado nada tenha requerido no âmbito do PEF que motive a suspensão, ainda que provisória, do mesmo.

16) E que, se o executado apresentou reclamação graciosa e pedido de dispensa de prestação de garantia em momento ulterior ao prazo de 30 dias após a citação e à ordem e efectivação das penhoras, estas, porque anteriores à apresentação do meio de reacção, não são ilegais.

17) O douto Aresto aqui em crise, procede à alteração da matéria de facto julgada como provada em sede de 1.ª Instância e procede ao aditamento de novos factos à matéria de facto dada como provada.

18) Sem explicar porquê, ou fundamentar tal posição.

19) Sendo claro que, na decisão, o juiz apenas pode considerar os factos essenciais alegados pelas partes, que constituam a causa de pedir e os factos instrumentais, complementares, concretizadores ou explicativos que resultaram da discussão da causa.

20) Bem como, os factos notórios e de que o tribunal teve conhecimento em virtude do exercício das suas funções.

21) Reiterando-se que a 2.ª Instância só pode alterar a decisão de facto nos termos do disposto no art. 662.º n.º 1, do C.P. Civil, ou seja, quando a prova constante dos autos imponha diferente decisão.

22) Porém, no caso em apreço, não foi o que aconteceu, na medida em que, a decisão proferida pela 1.ª Instância havia sido no mesmo sentido.

23) Assim, através das referidas alterações e aditamento à matéria de facto julgada como provada na 1.ª Instância, o douto Tribunal Central Administrativo Sul, só poderia agir como o fez se os elementos constantes dos autos impusessem decisão diversa.

24) A não ser assim, o Tribunal reclamado deveria ter actuado nos termos do disposto no art. 662.º n.º 1, do C. P. Civil, o que também não ocorreu.

25) Nessa conformidade, ficou o ora recorrente impedido de se pronunciar quanto à alteração e aditamento de factos considerados relevantes para a prolação de decisão.

26) O que fere o douto Acórdão, inquinando-o.

27) Daí que, tendo em conta o alegado supra quanto à conduta do douto tribunal “a quo”, a douta decisão ali proferida mostra-se, ressalvado o devido e merecido respeito, que é muito, inquinada.

28) Ferida da nulidade acima enunciada e que, uma vez mais se proclama expressamente, se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

29) Questão de igual relevância mas que foi igualmente improcedente, tem que ver com o facto de, tanto a douta decisão proferida em 1.ª Instância, como o douto Acórdão em crise, incorrem em erro de julgamento.

30) Uma vez que, ambas ignoram o disposto no art. 70º. n.º 1, do CPPT.

31) Está demonstrado nos autos, que decorria o prazo para a apresentação de reclamação graciosa quanto às demonstrações de liquidação remetidas pela AT ao reclamante, em 11 de Setembro de 2019.

32) E que esse prazo apenas atingiria o seu termo no dia 11 de Janeiro de 2020.

33) Tendo o recorrente, então reclamante, muito antes do termo de tal prazo, apresentado reacção quanto às mesmas.

34) Através da apresentação de reclamação graciosa, em 30/12/2020 e de pedido de dispensa da prestação de garantia, em 02/01/2020, factos que, aliás, ressumam do probatório de ambas as decisões.

35) De referir que, quer a reclamação graciosa, quer o pedido de dispensa de prestação de garantia, são formas que a lei coloca à disposição do sujeito passivo para poderem reagir a actos da AT.

36) Que, pelo impacto que podem ter na esfera patrimonial dos mesmos, se revelam como susceptíveis de poderem provocar prejuízos graves e irreparáveis aos mesmos.

37) Face à desigualdade de armas existente, permitir que a AT possa, durante os prazos de reacção concedidos aos sujeitos passivos, praticar actos ofensivos da esfera patrimonial destes, colide com preceitos legais e constitucionais cuja ratio tem subjacente a protecção da parte mais débil da relação jurídica tributária.

38) No caso dos autos, foi isso mesmo que se verificou, ou seja, foi validada a actuação da AT, permitindo-se que esta, durante o período de pendência do prazo de impugnação graciosa e/ou contenciosa do acto tributário e na pendência de pedido de dispensa de prestação de garantia, praticasse actos lesivos da esfera patrimonial do recorrente.

39) O que contende frontalmente com jurisprudência assente e devidamente firmada na nossa Ordem Jurídica.

40) Sendo pacífico que, na pendência do prazo de impugnação graciosa e/ou contenciosa do acto tributário e na pendência de pedido de dispensa de prestação de garantia, a AT não pode praticar actos de penhora de bens do executado.

41) O que colide também com o efeito suspensivo provisório da execução, associado à pendência do pedido de dispensa de prestação de garantia.

42) Aliás, os factos que o probatório comporta, só podiam ter desfecho em consonância com o supra exposto.

43) Assiste-se, na douta decisão ora em sindicância, a uma contradição entre aquela e a respectiva fundamentação, o que, salvo o devido e merecido respeito, a fere também de nulidade.

44) Nulidade essa, prevista no art. 615.º n.º 1, alínea c), do C. P. Civil e que aqui se deixa arguida para todos os devidos e legais efeitos.

45) Os vícios invocados e arguidos pelo recorrente, fundamentam legalmente o presente recurso.

46) Porquanto, foram violadas disposições legais de onde ressuma que a prática de actos ofensivos do património dos sujeitos passivos, só é permitida em determinadas circunstâncias, o que se compreende tendo em conta o que está subjacente às actuações da AT e que é a cobrança de tributos a que o Estado tem direito.

47) Não valendo tudo e, em casos como o presente, importa referir que a actuação da AT, neste âmbito, feriu direitos legalmente consagrados, já que, enquanto não for proferida decisão, quer quanto à reclamação graciosa apresentada, quer quanto ao pedido de dispensa de prestação de garantia, aquela não está legitimada, seja em que fase for e enquanto decorrer prazo para apresentação de meios de defesa por parte dos contribuintes, a efectuar penhoras que ofendam o património daqueles.

48) Assumindo tal questão, de direito, relevância que fundamenta, igualmente, o presente recurso.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deverá o presente recurso de revista ser admitido e julgado como procedente, com as demais consequências legais.

Assim se fazendo a sempre douta, sã e acostumada Justiça!».

1.2 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, verificando a legitimidade do Recorrente e a tempestividade do recurso, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no qual, após enunciar os termos do recurso e os requisitos da admissibilidade do recurso de revista, com amplas referências doutrinais e jurisprudenciais, considerou que estes se não verificam, com a seguinte fundamentação: «[…]

No caso, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional.
Na verdade, o Recorrente alegou estarmos perante um assunto de especial relevância social fundamental uma vez que a situação que se pretende dilucidar, apresenta contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para a apreciação de outros casos ou, por outro lado, quando revela repercussão de grande impacto na comunidade.
E que, para melhor aplicação do Direito, é entendimento pacífico de que este se justifica quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória (cf. conclusões 8 e 9, das alegações).
Acontece, porém, que o Recorrente se dispensou de qualquer alegação no sentido de demonstrar os requisitos de admissibilidade da revista; limitando-se a pôr em causa o julgamento efectuado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, como se a revista fosse um terceiro grau de recurso.
Ora, não cumpre ao Supremo Tribunal Administrativo substituir-se ao Recorrente nessa demonstração, ainda que perfunctória desses requisitos.
Ademais, constitui jurisprudência pacífica deste STA que “atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil” - cf., entre outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
E as alegadas nulidades invocadas pelo Recorrente, que o TCAS julgou inverificadas com uma fundamentação plenamente aceitável e consensual (cfr. acórdão a fls. 268 a 279, do SITAF), não justificam, no nosso entendimento a admissão da revista para melhor aplicação do direito.
Assim sendo, não tendo o Recorrente alegado o que quer que seja em ordem a demonstrar ou que a questão cuja reapreciação pretende assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental
Ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art. 285.º do CPP,
Entendemos que o presente recurso de revista não deve ser admitido».

1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2 DE DIREITO

2.2.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ou seja, o recurso de revista excepcional não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, i.e., que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).
Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que «[…] o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» ( Cf. acórdão de 2 de Abril de 2014, proferido no processo com o n.º 1853/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.2.2 O Recorrente interpôs o presente recurso de revista, indicando como acórdão recorrido o proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 19 de Novembro de 2020, acórdão que apreciou e decidiu a arguição de nulidade processual, a arguição de nulidades e o pedido de reforma do acórdão proferido em 17 de Setembro de 2020 pelo mesmo Tribunal Central.
Na verdade, após ter sido notificada do acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 17 de Setembro de 2020, o Recorrente veio perante esse tribunal i) arguir a nulidade decorrente de lhe não ter sido facultada a possibilidade de se pronunciar sobre a alteração e aditamento da matéria de facto operadas pelo Tribunal Central Administrativo Sul, o que considera uma violação do disposto no art. 655.º do CPC, ii) arguir as nulidades do acórdão por não especificação dos fundamentos de facto, uma vez que não se encontra fundamentada a alteração e aditamento da decisão sobre a matéria de facto, e por oposição entre esses mesmos fundamentos e a decisão e iii) invocar o erro de julgamento quanto à questão da legalidade das penhoras.
O Tribunal Central Administrativo Sul indeferiu a arguição da nulidade processual, indeferiu a arguição das nulidades do acórdão e considerou que o erro de julgamento é questão que não pode ser apreciada.
Vem agora o Recorrente interpor recurso de revista desse acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. Insiste que se verificam as arguidas nulidade processual, bem assim como a nulidade do primeiro acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul por contradição entre os fundamentos e a decisão, e que esse aresto enferma de erro de julgamento.
Salvo o devido respeito, o Recorrente revela um menos correcto entendimento do âmbito e do objecto do recurso de revista.
Na verdade, apresenta este recurso como se o mesmo constituísse um modo de impugnar, não só o julgamento efectuado pelo Tribunal Central Administrativo Sul no segundo acórdão por este proferido, ou seja quanto às arguidas nulidade processual e nulidades do primeiro acórdão, como também o próprio julgamento efectuado pelo mesmo Tribunal Central nesse primeiro acórdão, relativamente à possibilidade de a AT, findo que seja o prazo de 30 dias sobre a citação sem que nada seja dito ou requerido pelo executado, prosseguir com execução fiscal, sem prejuízo de, ulteriormente, vir a ser decretada a suspensão, designadamente se for deduzida reclamação graciosa ou manifestada a intenção de a deduzir, acompanhado esse requerimento de prestação de garantia ou do pedido de dispensa dessa prestação.
Ora, dissemo-lo já, a revista não constitui um terceiro grau de jurisdição – há muito eliminado do regime de recursos em processo tributário ( A possibilidade de recurso em terceiro grau de jurisdição, que estava prevista na redacção inicial do art. 32.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, foi abolida pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro.) –, mas tem como função trazer à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo, enquanto órgão de cúpula da jurisdição tributária, uma concreta questão relativamente à qual estejam verificados os requisitos do n.º 1 do art. 285.º do CPPT acima enunciados.
Ora, dando de barato que o Recorrente possa ainda vir atacar o julgamento efectuado por aquele primeiro acórdão – e, a nosso ver, não pode –, certo é que não alega, e muito menos demonstra, a verificação desses requisitos
Não ignoramos que nas conclusões 6) a 12) deste recurso de revista, o Recorrente ensaia a demonstração de que se verificam os requisitos da admissibilidade do recurso de revista. Mas, salvo o devido respeito, de modo totalmente desajustado, pois limita-se a enunciar esses requisitos para, depois e sem mais, concluir pela verificação dos mesmos.
Assim, só formalmente o Recorrente se desincumbiu do ónus de alegar os requisitos de admissibilidade da revista. A alegação aduzida com esse fim apresenta-se como genérica, insuficientemente concretizada e meramente conclusiva.
Assim, por falta de demonstração dos pressupostos de admissibilidade da revista previstos no art. 285.º do CPPT – que, recorde-se, não constitui mais um grau de recurso que o legislador tenha posto à disposição da parte –, o recurso não será admitido.

2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se o recorrente, em ordem a desincumbir-se desse ónus, se limita a transcrever a letra da lei e a concluir, de modo vago e não consubstanciado factualmente, pela verificação desses requisitos.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.


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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia.