Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 087/20.0BECTB |
Data do Acordão: | 02/03/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR CPPT |
Sumário: | I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se o recorrente, em ordem a desincumbir-se desse ónus, se limita a transcrever a letra da lei e a concluir, de modo vago e não consubstanciado factualmente, pela verificação desses requisitos. |
Nº Convencional: | JSTA000P27125 |
Nº do Documento: | SA220210203087/20 |
Data de Entrada: | 01/18/2021 |
Recorrente: | A………………… |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT) |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 87/20.0BECTB Recorrente: A………… Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com o acórdão de 19 de Novembro de 2020 do Tribunal Central Administrativo Sul – que julgou improcedente a arguição de nulidade e o pedido de reforma do acórdão por que o mesmo Tribunal Central, em 17 de Setembro de 2020, negando provimento ao recurso interposto pelo ora Recorrente, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a reclamação judicial por ele interposta contra as penhoras que lhe foram efectuadas no âmbito de um processo de execução fiscal –, dele recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, mediante a invocação do disposto no art. 285.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, apresentando a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «1) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Venerado Tribunal Central Administrativo Sul [( Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: o Recorrente escreveu Norte onde queria dizer Sul.)], que julgou improcedente o pedido de nulidade e de reforma do acórdão de 17 de Setembro de 2020, relativamente ao qual, o aqui recorrente, formulou a sua pretensão no facto de não concordar com o facto de ter sido alterada a matéria de facto julgada como provada em 1.ª instância, sem que o recorrente quanto à mesma se pudesse pronunciar. 2) O que consubstancia, além do mais a nulidade a que alude o disposto no art. 655.º, do C. P. Civil. 3) Ainda que o douto Acórdão incorre em erro de julgamento. 4) Verifica-se, por isso, a existência de oposição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, dos factos constantes do probatório só poderia resultar decisão diversa. 5) Pelo que, não pode, o ora recorrente, conformar-se com os termos da douta decisão proferida, porquanto, face aos factos e ao direito aplicável, deve a pretensão do recorrente ser julgada como procedente e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão de que ora se recorre. 6) Cumprindo, neste âmbito, fazer referência ao preceituado no art. 285.º do CPPT. 7) Assim, e de acordo com a jurisprudência desse Supremo Tribunal, estaremos perante uma questão jurídica de especial complexidade quando, a sua solução, envolve a aplicação e ligação a diversos regimes legais e institutos jurídicos e, de igual modo, na circunstância de o seu tratamento ter suscitado dúvidas sérias, quer a nível da jurisprudência, quer a nível da doutrina que norteia o nosso ordenamento jurídico. 8) Considerando-se estarmos perante um assunto de especial relevância social fundamental quando, a situação que se pretende dilucidar, apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para a apreciação de outros casos ou, por outro lado, quando revele repercussão de grande impacto na comunidade. 9) Para melhor aplicação do Direito, é entendimento pacífico de que este se justifica quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória. 10) De tal forma que se afigure como necessária a intervenção desse Colendo Tribunal, para dissipar dúvidas inerentes ao quadro legal que regula determinada situação. 11) Entende, assim, o recorrente que, face aos argumentos mobilizados, se encontram, na sua modesta óptica, preenchidos os pressupostos a que alude o disposto no nº 1 do art. 285.º, do CPPT. 12) Devendo, em consequência, ser admitido o presente recurso de revista. 13) A questão que se pretende dilucidar, neste âmbito, radica no facto de o recorrente, através do recurso da, aliás douta, sentença, proferida em 12/06/2020 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco. 14) A questão decidenda, consistia em saber se a Autoridade Tributária estaria impedida de praticar actos, por um lado, durante o prazo que é concedido ao sujeito passivo para apresentar reclamação graciosa e, por outro, durante o prazo do pedido de dispensa de apresentação de garantia. 15) O douto Acórdão em crise, concluiu que, da leitura conjunta dos arts. 169.º e 170.º, ambos do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT), permite que a AT prossiga, decorrido o prazo de 30 dias ulterior à citação para penhora, caso o executado nada tenha requerido no âmbito do PEF que motive a suspensão, ainda que provisória, do mesmo. 16) E que, se o executado apresentou reclamação graciosa e pedido de dispensa de prestação de garantia em momento ulterior ao prazo de 30 dias após a citação e à ordem e efectivação das penhoras, estas, porque anteriores à apresentação do meio de reacção, não são ilegais. 17) O douto Aresto aqui em crise, procede à alteração da matéria de facto julgada como provada em sede de 1.ª Instância e procede ao aditamento de novos factos à matéria de facto dada como provada. 18) Sem explicar porquê, ou fundamentar tal posição. 19) Sendo claro que, na decisão, o juiz apenas pode considerar os factos essenciais alegados pelas partes, que constituam a causa de pedir e os factos instrumentais, complementares, concretizadores ou explicativos que resultaram da discussão da causa. 20) Bem como, os factos notórios e de que o tribunal teve conhecimento em virtude do exercício das suas funções. 21) Reiterando-se que a 2.ª Instância só pode alterar a decisão de facto nos termos do disposto no art. 662.º n.º 1, do C.P. Civil, ou seja, quando a prova constante dos autos imponha diferente decisão. 22) Porém, no caso em apreço, não foi o que aconteceu, na medida em que, a decisão proferida pela 1.ª Instância havia sido no mesmo sentido. 23) Assim, através das referidas alterações e aditamento à matéria de facto julgada como provada na 1.ª Instância, o douto Tribunal Central Administrativo Sul, só poderia agir como o fez se os elementos constantes dos autos impusessem decisão diversa. 24) A não ser assim, o Tribunal reclamado deveria ter actuado nos termos do disposto no art. 662.º n.º 1, do C. P. Civil, o que também não ocorreu. 25) Nessa conformidade, ficou o ora recorrente impedido de se pronunciar quanto à alteração e aditamento de factos considerados relevantes para a prolação de decisão. 26) O que fere o douto Acórdão, inquinando-o. 27) Daí que, tendo em conta o alegado supra quanto à conduta do douto tribunal “a quo”, a douta decisão ali proferida mostra-se, ressalvado o devido e merecido respeito, que é muito, inquinada. 28) Ferida da nulidade acima enunciada e que, uma vez mais se proclama expressamente, se invoca para todos os devidos e legais efeitos. 29) Questão de igual relevância mas que foi igualmente improcedente, tem que ver com o facto de, tanto a douta decisão proferida em 1.ª Instância, como o douto Acórdão em crise, incorrem em erro de julgamento. 30) Uma vez que, ambas ignoram o disposto no art. 70º. n.º 1, do CPPT. 31) Está demonstrado nos autos, que decorria o prazo para a apresentação de reclamação graciosa quanto às demonstrações de liquidação remetidas pela AT ao reclamante, em 11 de Setembro de 2019. 32) E que esse prazo apenas atingiria o seu termo no dia 11 de Janeiro de 2020. 33) Tendo o recorrente, então reclamante, muito antes do termo de tal prazo, apresentado reacção quanto às mesmas. 34) Através da apresentação de reclamação graciosa, em 30/12/2020 e de pedido de dispensa da prestação de garantia, em 02/01/2020, factos que, aliás, ressumam do probatório de ambas as decisões. 35) De referir que, quer a reclamação graciosa, quer o pedido de dispensa de prestação de garantia, são formas que a lei coloca à disposição do sujeito passivo para poderem reagir a actos da AT. 36) Que, pelo impacto que podem ter na esfera patrimonial dos mesmos, se revelam como susceptíveis de poderem provocar prejuízos graves e irreparáveis aos mesmos. 37) Face à desigualdade de armas existente, permitir que a AT possa, durante os prazos de reacção concedidos aos sujeitos passivos, praticar actos ofensivos da esfera patrimonial destes, colide com preceitos legais e constitucionais cuja ratio tem subjacente a protecção da parte mais débil da relação jurídica tributária. 38) No caso dos autos, foi isso mesmo que se verificou, ou seja, foi validada a actuação da AT, permitindo-se que esta, durante o período de pendência do prazo de impugnação graciosa e/ou contenciosa do acto tributário e na pendência de pedido de dispensa de prestação de garantia, praticasse actos lesivos da esfera patrimonial do recorrente. 39) O que contende frontalmente com jurisprudência assente e devidamente firmada na nossa Ordem Jurídica. 40) Sendo pacífico que, na pendência do prazo de impugnação graciosa e/ou contenciosa do acto tributário e na pendência de pedido de dispensa de prestação de garantia, a AT não pode praticar actos de penhora de bens do executado. 41) O que colide também com o efeito suspensivo provisório da execução, associado à pendência do pedido de dispensa de prestação de garantia. 42) Aliás, os factos que o probatório comporta, só podiam ter desfecho em consonância com o supra exposto. 43) Assiste-se, na douta decisão ora em sindicância, a uma contradição entre aquela e a respectiva fundamentação, o que, salvo o devido e merecido respeito, a fere também de nulidade. 44) Nulidade essa, prevista no art. 615.º n.º 1, alínea c), do C. P. Civil e que aqui se deixa arguida para todos os devidos e legais efeitos. 45) Os vícios invocados e arguidos pelo recorrente, fundamentam legalmente o presente recurso. 46) Porquanto, foram violadas disposições legais de onde ressuma que a prática de actos ofensivos do património dos sujeitos passivos, só é permitida em determinadas circunstâncias, o que se compreende tendo em conta o que está subjacente às actuações da AT e que é a cobrança de tributos a que o Estado tem direito. 47) Não valendo tudo e, em casos como o presente, importa referir que a actuação da AT, neste âmbito, feriu direitos legalmente consagrados, já que, enquanto não for proferida decisão, quer quanto à reclamação graciosa apresentada, quer quanto ao pedido de dispensa de prestação de garantia, aquela não está legitimada, seja em que fase for e enquanto decorrer prazo para apresentação de meios de defesa por parte dos contribuintes, a efectuar penhoras que ofendam o património daqueles. 48) Assumindo tal questão, de direito, relevância que fundamenta, igualmente, o presente recurso. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deverá o presente recurso de revista ser admitido e julgado como procedente, com as demais consequências legais. Assim se fazendo a sempre douta, sã e acostumada Justiça!». 1.2 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, verificando a legitimidade do Recorrente e a tempestividade do recurso, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no qual, após enunciar os termos do recurso e os requisitos da admissibilidade do recurso de revista, com amplas referências doutrinais e jurisprudenciais, considerou que estes se não verificam, com a seguinte fundamentação: «[…] No caso, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional. 1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2 DE DIREITO 2.2.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2.2.2 O Recorrente interpôs o presente recurso de revista, indicando como acórdão recorrido o proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 19 de Novembro de 2020, acórdão que apreciou e decidiu a arguição de nulidade processual, a arguição de nulidades e o pedido de reforma do acórdão proferido em 17 de Setembro de 2020 pelo mesmo Tribunal Central. 2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se o recorrente, em ordem a desincumbir-se desse ónus, se limita a transcrever a letra da lei e a concluir, de modo vago e não consubstanciado factualmente, pela verificação desses requisitos. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso. Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário. * |