Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0136/14.0BEALM
Data do Acordão:12/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:IVA
AUTOLIQUIDAÇÃO
ERRO DE DIREITO
PRAZO
PEDIDO DE REVISÃO
REVISÃO OFICIOSA
Sumário:I - A inclusão do valor dos descontos na matéria tributável do IVA constitui um erro de direito.
II - A correção da autoliquidação efetuada com base nesse erro de direito pode ser objeto de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos artigos 98.º n.º 2 do CIVA e 78.º da LGT, não tendo aplicação o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA.
Nº Convencional:JSTA000P26833
Nº do Documento:SA2202012020136/14
Data de Entrada:09/24/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A................., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1- Relatório
1.1 A Administração Tributária e Aduaneira (AT) recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A………………… S.A., e, em consequência, anulou, “a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa”, das autoliquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dos períodos compreendidos entre outubro de 2007 e setembro de 2009.

1.2. A Recorrente conclui da seguinte forma as suas alegações de recurso:
“1. Na sequência da Douta Sentença proferida no âmbito do processo identificado, entendeu o Tribunal a quo, julgar parcialmente procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, anular, “a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa”, com fundamento de a mesma padecer “de erro sobre os pressupostos de direito, ao considerar aplicável ao caso a disposição prevista no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, e, com esse fundamento, afastar a apreciação substancial do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Impugnante.”;
2. Para decidir como decidiu, tendo presente os factos dados como provados, aplicando o direito, o douto tribunal a quo entendeu que: “(…), ao caso da Impugnante é, sem dúvida, aplicável o disposto no artigo 78.º da LGT, contrariamente à posição preconizada pela AT na decisão impugnada.”;
3. Dado que, o n.º 6 do artigo 78.º do CIVA não é aplicável ao caso concreto, pois não estamos perante um erro material ou de cálculo relacionado com os registos contabilístico, mas sim face a um erro de interpretação das normas de incidência objetiva e de apuramento da base tributável do IVA que, segundo alega a Impugnante, terão provocado a liquidação do IVA num valor superior ao devido. E sendo assim, como cremos que é, o disposto no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA não pode servir de fundamento para impedir a apreciação do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Impugnante.”;
4. Com todo o respeito, que é muito, não podemos concordar com a decisão proferida pelo tribunal recorrido, por a mesma padecer de vício de violação de lei (artigos 78.º, n.º 6 e 98.º, n.º 2 do Código do IVA e artigo 78.º, n.º 2 da LGT, vigentes à data dos fatos) e de errónea aplicação do direito aos factos, não devendo ser mantida.
5. Considerando o n.º 2 do artigo 78.º da LGT como erro imputável aos serviços o erro na autoliquidação, tal disposição deve ser interpretada apenas em sentido formal, ou seja, a de permitir a possibilidade de recurso ao mecanismo de revisão oficiosa, apenas nos casos em que a liquidação é efetuada pelo próprio contribuinte, como sucede nos casos de autoliquidação, mas somente no caso de a autoliquidação ser fruto de um erro imputável aos serviços (por, por exemplo se basear em instruções genéricas da Administração).
6. Por não estarmos perante um erro material ou de calculo, mas sim perante um erro de interpretação das normas de incidência objetiva e de apuramento da base tributável do IVA, um erro de direito, ou seja, um erro de interpretação e aplicação de normas legais aplicáveis, sem qualquer intervenção da Administração Fiscal, não nos parece que o mesmo possa ser imputável aos serviços e dessa forma permitir, só por si, a revisão oficiosa, como defende o tribunal recorrido;
7. Tanto assim é que o legislador optou por distinguir, dentro do n.º 1 do artigo 78. ° da LGT, uma parte que regula a revogação provocada por iniciativa do contribuinte, com fundamento em ilegalidade geradora de invalidade e uma parte que regula a possibilidade de a Administração poder revogar o ato em razão de erro imputável ao serviço - que não a ilegalidade, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie - artigo 78.°, n.º 2 in fine;
8. Ou seja, nos casos de erro de direito, numa autoliquidação, o mesmo só pode ser imputável apenas e só ao contribuinte, não integrando o conceito de “erro imputável aos serviços”, no qual não se pode integrar “qualquer ilegalidade”, sob pena de não se encontrar qualquer racionalidade da norma.
9. A errada interpretação das normas aplicadas, ou aplicáveis, são ilegalidades que não se enquadram no conceito de “erro”, como ignorância ou imperfeito conhecimento das regras do Direito, ou das circunstâncias de facto, revelada pela declaração, e não na vontade de quem emitiu o ato.
10. Logo, o erro previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, só pode ser o “erro material” ou o “erro obstáculo” que pode ser corrigido a todo o tempo, ou no prazo de quatro anos, conforme o imposto tenha ou não sido pago, não se enquadrando no mesmo o erro de direito na autoliquidação imputável ao contribuinte.
11. Assim, só se pode concluir que, consistindo o objeto dos presentes autos um indeferimento de um pedido de regularização a favor da Impugnante de imposto (IVA) a mais liquidado em vendas efetuadas a consumidores finais, terá o mesmo de ser analisado de acordo com as normas legais específicas consignadas no artigo 78.º do Código do IVA, não lhe sendo aplicável o artigo 78.º da LGT, por não estamos perante um “erro imputável aos serviços”, no qual não se pode integrar “qualquer ilegalidade”, como seja um erro de direito numa autoliquidação, que apenas pode ser imputável ao contribuinte.
12. Por assim não o entender, a sentença não se pode manter, tendo presente os inalienáveis princípios da legalidade e do interesse público, consagrados constitucionalmente
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente impugnação judicial.”

1.3. A Recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

















1.4. A Magistrada do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, assim fundamentando:
“3 – Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder.
A douta decisão recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta análise e interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada e apoiada em pertinente jurisprudência e doutrina que a propósito cita, não sendo passível de quaisquer censuras.
Reiteramos, aqui para todos os efeitos legais, o teor do parecer do Mº Pº proferido na 1ª instância a que se adere.”

1.5. A questão a decidir neste recurso, delimitada pelas conclusões das alegações de recurso, é saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter anulado a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), o que passa por responder a duas outras questões, saber se a inclusão do valor dos descontos na matéria tributável do IVA constitui um erro material ou de direito, e se a correção da autoliquidação efetuada com base nesse erro apenas pode ter lugar ao abrigo do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, no prazo de dois anos.


2- Fundamentação de facto
Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante da decisão recorrida.

3- Fundamentação de Direito
A ora Recorrida apresentou em 26/06/2012, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA efetuadas no período de outubro de 2007 a setembro de 2009, por entender que liquidou e entregou imposto superior ao devido, no montante de €55.383,85, na medida em que liquidou IVA sobre as vendas sem considerar o valor dos respetivos descontos concedidos (não considerou os descontos concedidos aos seus clientes no momento de apresentação dos talões e/ou cartões).
A AT indeferiu o pedido por entender que não se aplicava ao caso - regularização a favor do sujeito passivo de imposto (IVA) a mais liquidado em vendas efetuadas a consumidores finais - o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, mas antes as normas específicas do Código do IVA, designadamente no artigo 78.º do CIVA. E que a regularização pretendida, após a emissão do talão da venda para o consumidor final, enquadrando-se num procedimento efetuado internamente nos registos contabilísticos, e sem qualquer interferência na esfera de terceiros, integrava-se no conceito de erros materiais ou de cálculo, tal como definido no ponto 9.3 do Ofício-circulado n.º 30.002/2005, estando ultrapassado o prazo de dois anos previsto no artigo 78.º do Código do IVA para a correção.
Interposta impugnação judicial contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o Tribunal a quo deu razão à Impugnante e anulou a decisão.
A AT não se conformou como decidido e interpôs o presente recurso no qual imputa à sentença recorrida erro de julgamento de direito por ter considerado ser aplicável à situação dos autos o disposto no artigo 78.º, n.º 2 da LGT e por ter afastado a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, no entendimento de que se está face a um erro de interpretação das normas de incidência normativa e de apuramento da base tributável do IVA, que na alegação da Impugnante teria provocado a liquidação de imposto num valor superior ao devido, e não, como decidiu a AT, um erro material ou de cálculo relacionado com os registos contabilísticos. Na tese da recorrente a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 78.º, n.º 6 e 98.º, n.º 2 do Código do IVA e artigo 78.º, n.º 2 da LGT, vigentes à data dos factos.

A questão que se coloca no presente recurso foi apreciada e decidida no recente acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 18/11/2020, proferido no processo 1783/13.3BEBRG, com enquadramento factual idêntico, cuja fundamentação se adota atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, e que se transcreve na parte que para aqui releva:

“Para cabal enquadramento da realidade em equação, importa notar que a decisão recorrida ponderou que no período compreendido entre Outubro de 2007 e Setembro de 2009, a ora Recorrida efectuou descontos em talão nas vendas que efectuou junto dos consumidores finais, tendo liquidado IVA sobre o valor total da factura antes de descontos, pelo que em parte esse imposto era por esta suportado, referindo também que no âmbito de informação vinculativa a AT considerou que “o valor acumulado em cartão de desconto/talão configura um desconto, nos termos da alínea b) do nº6 do artigo 16º do Código do IVA e, por consequência, o referido montante, aquando da sua utilização, deve ser excluído do valor tributável dos artigos vendidos” e ainda que em 28/02/2012, a ora Recorrida apresentou pedido de revisão do ato tributário relativo às autoliquidações de IVA do período compreendido entre Outubro de 2007 e Setembro de 2009, no âmbito do qual peticionou a devolução do montante de € 83.761,64 euros, acrescidos dos juros indemnizatórios devidos, pedido este que foi indeferido, com o fundamento de já ter sido ultrapassado o prazo de rectificação da facturação previsto no artigo 78º do CIVA.

Em termos de análise, a decisão recorrida, louvando-se na doutrina do acórdão do STA de 12/07/2006, proc. 0402/06, e em doutrina aí apontada, entendeu que “o erro de onde deriva a liquidação de IVA em excesso relaciona-se com uma errada interpretação, por parte da impugnante, do disposto no artigo 16º, nº6, alínea b) onde expressamente se consagra a exclusão do valor tributável dos descontos, abatimentos e bónus concedidos”, “pelo que o lapso incorrido pela impugnante não se enquadra no denominado erro material ou de cálculo, (…) mas, diversamente, no denominado erro de direito, (…) por isso, ao pedido de revisão oficiosa de atos tributários …seria aplicável o prazo de quatro anos…”, o que conduziu à procedência parcial da impugnação.
Neste domínio, é sabido que o artigo 78º do CIVA prevê as regularizações a favor do sujeito passivo em determinados casos, designadamente nas situações em que, após o registo referido no artigo 45º, houver lugar a concessão de descontos, como ocorreu no caso retratado nos autos.
Por sua vez dispõe o nº 6 do mesmo artigo 78º que “A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado”.
Pois bem, no caso concreto dos autos, como já ficou enunciado, a situação configurada respeita aos descontos efetuados no âmbito de acções de promoção por um sujeito retalhista aos seus clientes (consumidores finais), seja em cartão, seja em talões. Nestes casos, o valor do IVA está incluído no valor do preço, pelo que se este beneficia de desconto, que é activado posteriormente ao acto de venda do produto, o benefício obtido pelo consumidor final compreende redução do preço do bem, no qual está incluído o correspondente valor do imposto, sendo que a ora Recorrida nas declarações periódicas que apresentou no período compreendido entre Outubro de 2007 e Setembro de 2009 não considerou a falta de cobrança do valor do imposto nos descontos e promoções do produtos vendidos, suportando dessa forma o encargo daí resultante (por declarar um valor superior do imposto liquidado ao efectivamente realizado e nessa medida se reflectir no seu direito de dedução do imposto suportado a montante).
Tal significa que o sujeito passivo considerou que o valor do desconto no preço final do produto vendido estava sujeito a tributação e teria que suportar esse encargo (situação que diverge daqueles casos em que o desconto é feito sobre o valor do bem, o que ocorre normalmente entre sujeitos passivos, pois nestes casos o IVA já não incide sobre o valor descontado), verificando-se que, nesta parte, as partes estão de acordo no que concerne à existência de erro na inclusão do valor dos descontos na matéria tributável do IVA, tendo a AT reconhecido isso mesmo na informação vinculativa que prestou a outros sujeitos passivos da mesma cadeia de supermercados.
Neste ponto, revela-se pertinente a consideração da distinção entre erro de direito e erro de facto, sendo que neste último domínio, Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica”, in AA. VV., Sérgio Vasques (coord.), Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44), citados na decisão recorrida, defendem que “os erros a que se refere o número 6 do artigo 78.º do Código do IVA se reconduzem às situações em que o sujeito passivo se equivoca na materialização do acto de dedução ou liquidação, nomeadamente, por lapso na transcrição de valores ou por razões aritméticas, i.e., em ambas as situações erros menores e evidentes”, ou seja, “estarão abrangidos por estes conceitos de erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se engana a efectuar uma operação aritmética, nomeadamente, quando pretende apurar o imposto dedutível contido numa factura (com IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de cálculo), ou, ainda que efectuando correctamente o cálculo, comete lapso na inscrição do montante do imposto a deduzir na declaração periódica (erro material)”, o que significa que estão, pois, abrangidas pelo erro de facto “as situações em que o sujeito passivo efectua uma incorrecta representação da realidade factual (a qual determina a sua subsunção a uma norma incorrecta)”, mais referindo que “O erro de facto que não origine um consequente erro de direito, não terá qualquer relevância para estes efeitos, porquanto o mesmo não terá qualquer influência no quantum do imposto a deduzir ou a liquidar”.
Por contraposição, o erro de direito verifica-se nas “situações em que, não obstante a correta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável”, ou seja, em que se verifica um erro de enquadramento, por o sujeito passivo ter feito uma incorrecta interpretação da situação fática ou uma errada aplicação do direito e, consequentemente, liquida ou deduz imposto a mais ou a menos.
Assim sendo, e voltando ao caso em análise, e ponderando os dados postos em evidência, tal como se aponta no parecer subscrito pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público, resulta claro que estamos perante erro de direito, como aliás parece reconhecer a própria Recorrente, na medida em que a questão da inclusão do valor do desconto na matéria tributável do IVA contende com a interpretação de normas jurídicas e o quadro jurídico aplicável, pelo que não restam dúvidas que estamos perante erro de direito e não perante erro material (situação seria diversa se a situação não oferecesse dúvidas e a falta de dedução do imposto se devesse a falha ocasional dos serviços de contabilidade do sujeito passivo no preenchimento das declarações), impondo-se aqui sublinhar que, como ficou dito, só o erro material (erro no registo ou declaração) está abrangido pela previsão do nº 6 do artigo 78º do CIVA (O nº6 do artigo 78º do CIVA “refere-se expressamente ao erro material ou de cálculo, como o erro na soma, a inscrição, na transcrição das facturas para o registo ou dos registos para as declarações, incluindo ainda a duplicação, a omissão; excluindo, assim, o erro de direito resultante de uma aplicação indevida de normas” - Patrícia Noiret Cunha, Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Anotações ao CIVA, ISG, 2004, pág.461).
Além disso, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como apontado na decisão recorrida, na resposta ao pedido de informação vinculativa solicitado por várias empresas do Grupo B……………….. [alínea E)] a opção por excluir do valor tributável os descontos, abatimentos e bónus concedidos resulta, não só da legislação nacional, mas também do entendimento da União Europeia consubstanciada na decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no processo C-126/88, de 27 de março de 1990 (Caso Boots Company, PLC) onde entendeu que a expressão “descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento que a operação se realiza”, constante do artigo 11.º A) 3 b) da Sexta Diretiva abrange a diferença entre o preço normal de venda ao público dos bens fornecidos e o montante de dinheiro efetivamente recebido pelo retalhista por aqueles bens no momento em que este aceita do cliente um voucher (ou talão de desconto), dado ao cliente numa compra anterior efetuada ao preço normal de venda ao público”. Esta temática veio ainda a ser discutida e clarificada pelo TJUE nos Acórdãos relativos aos processos C-566/07, C-489/09 e C-588/10, o que evidencia bem a complexidade da matéria e as dúvidas que se suscitam quanto à sua interpretação.
Sobre esta matéria, cabe ainda ter presente o Ac. deste Tribunal de 28-06-2017, Proc. nº 01427/14, www.dgsi.pt, no qual, perante situação similar, ainda que relativa ao apuramento do “pro-rata”, se deixou exarado:
“…
É de concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira, através da Direção de Serviços do Imposto sobre o valor Acrescentado (O aresto refere-se ao ofício circulado nº 30.082/2005 de 17/11, em cujo ponto 9.3 se adoptou o seguinte entendimento: «Regularizações previstas no nº 6 do artº 71º Trata-se da correcção de erros materiais ou de cálculo efectuados nos registos ou nas declarações periódicas. Consideram-se erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição das facturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo os que estão assinalados no ponto 8 do presente ofício-circulado. A regularização deste tipo de erros é facultativa se for a favor do sujeito passivo e só pode ser efectuada no prazo de dois anos».), separou, nitidamente, o que considerou serem erros materiais ou de cálculo circunscrevendo-os, basicamente, a operações mecânicas (erros de transcrição ou de registo na declaração periódica) das não mecânicas, ou seja, das que implicam interpretação da lei para a utilização dos métodos de dedução do IVA (designadamente alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos, ou apuramento pro rata).
(…)
Como já se referiu a situação em apreciação não se enquadra no denominado erro material ou de cálculo mas diversamente no denominado erro de direito como sustenta o impugnante. Por isso o prazo para formular o pedido de revisão, em sede de IVA, a que se referem os presentes autos era de quatro anos e não de dois pelo que o presente recurso merece provimento. Do exposto resulta que procede a argumentação do recorrente quando sustenta que o prazo aplicável para reclamar da dedução do imposto entregue em excesso é o previsto no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, ou seja, quatro anos e não o prazo de dois anos, previsto no artigo 78.º, n.º 6 do mesmo diploma, dado que este se circunscreve à correcção de erros materiais ou de cálculo”.
Em suma, tendo presente que a AT nem sequer chegou a apreciar a legalidade da liquidação, indeferindo ab initio o pedido formulado, com base na sua extemporaneidade e na impossibilidade de, in casu, o sujeito passivo poder lançar mão do pedido de revisão oficiosa do ato tributário e bem assim que o erro de onde deriva a liquidação de IVA em excesso relaciona-se com uma errada interpretação, por parte da ora Recorrida do disposto no artigo 16.º, n.º 6, alínea b) onde expressamente se consagra a exclusão do valor tributável dos descontos, abatimentos e bónus concedidos, pois que o lapso em apreço não se enquadra no denominado erro material ou de cálculo (nomeadamente, erro na inscrição do montante de imposto ou falha numa operação aritmética), mas diversamente, como se referiu, no denominado erro de direito (de facto, não restam dúvidas de que a ora Recorrida fez uma errada aplicação do direito, nomeadamente, em sede do IVA, na determinação do valor tributável nas operações em que aplicava descontos em talões de vendas junto de consumidores finais), temos que concluir que será sempre aplicável o limite máximo para reembolso liquidado e entregue em excesso previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA como se entendeu no Ac. deste Tribunal de 28-06-2017, Proc. nº 01427/14, acima apontado, assiste ao sujeito passivo o prazo de 4 anos para a revisão do ato tributário (auto-liquidação), pelo que a decisão da AT de indeferir o pedido de revisão não podia manter-se, tal como se entendeu na sentença recorrida, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, ainda que com a especificidade de a anulação da decisão de recurso hierárquico abranger a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão, por ser este o objecto mediato da impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida.”
Nada havendo a acrescentar ao que distintamente ficou explanado no acórdão citado, ao recurso terá de ser negado provimento.

4- Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 02 de dezembro de 2020. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.