Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:087/16.4BEFUN
Data do Acordão:02/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:MANDATÁRIO
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - Os actos de liquidação praticados no seguimento de um procedimento de inspecção tributária em que tenha sido constituído mandatário tributário são actos intrinsecamente ligados àquele procedimento, mas que gozam de autonomia jurídico-procedimental em relação ao mesmo, uma vez que o procedimento de inspecção tributária termina com a assinatura do relatório final da inspecção, onde são sistematizados os factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária, e o sancionamento superior das suas conclusões.
II - A referida autonomia jurídico-procedimental daqueles actos de liquidação adicional determina que a sua eficácia, nos casos em que tenha sido constituído mandatário tributário no âmbito do procedimento de inspecção tributária, dependa apenas de notificação dos mesmos segundo a regra geral da notificação dos actos tributários do artigo 36.º, n.º 1 do CPPT, e não de notificação ao mandatário tributário nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 40.º do CPPT.
III – A falta dessa notificação não afecta a eficácia do acto de liquidação, nem pode, à luz do actual quadro legal, consubstanciar uma irregularidade.
Nº Convencional:JSTA000P27269
Nº do Documento:SAP20210224087/16
Data de Entrada:06/01/2020
Recorrente:R…………..
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

***


1. RELATÓRIO

1.1. R……………. veio, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão que nestes autos foi proferido a 16 de Setembro de 2019, pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt), invocando oposição com o acórdão da mesma Secção de Contencioso e Tribunal Central, proferido a 11 de Outubro de 2018 no processo n.º 418/15.4BEFUN (Acórdão integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.), identificando como questão jurídica fundamental decidida nos referidos arestos em sentido divergente a da ineficácia da notificação da liquidação realizada aos Impugnantes nas situações em que, tendo sido constituído mandatário no procedimento inspectivo, a notificação não seja realizada na pessoa deste último.

1.2. Admitido o recurso no Tribunal Central Administrativo Sul e verificada a invocada oposição pela Excelentíssima Desembargadora Relatora (com os fundamentos exarados no processo em suporte físico, de fls. 210 e 211), foi ordenada a notificação das partes para alegarem nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do CPPT, o que ambas fizeram.

1.3. Para a Recorrente, este Supremo Tribunal deve revogar o acórdão recorrido e julgar exigível a notificação da liquidação ao Mandatário constituído no procedimento e, consequentemente, caduco o direito à liquidação, uma vez que, conclui:

«No entender do Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao ter feito uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta do Direito aqui aplicável, uma vez que:

a) o exercício do direito à liquidação e a notificação do seu conteúdo ao contribuinte têm que ocorrer dentro do prazo de quatro anos contados do facto tributário, nos termos do artigo 45.º da LGT, sob pena de operar a caducidade de tal direito;

b) nos termos do artigo 268.º n.º 3 da CRP, os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei;

c) a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia;

d) a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no art. 204.º n°.1, al. i) do CPPT;

e) tendo sido constituído mandatário no âmbito do procedimento inspetivo é obrigatória a notificação deste do subsequente acto de liquidação que pôs termo ao mesmo procedimento gracioso, de acordo com o estabelecido no art. 40.º n°.1 do CPPT, não sendo tal formalidade substituível pela notificação do próprio sujeito passivo;

f) o acto de notificação da liquidação tributária não é um acto pessoal;

g) o art. 40.º n.° 1 do CPPT aplica-se às notificações a mandatários tanto no procedimento tributário como em processos judiciais tributários;

h) sendo constitucionalmente imposta a notificação dos actos administrativos aos interessados, na forma prevista na lei (cfr. art. 266, n°.3, da Constituição da República), e impondo a lei tributária a notificação aos mandatários constituídos no procedimento dos actos lesivos nele praticados como condição de eficácia do acto notificando (art°.36, n°.1, do C.P.P.T.), ter-se-á de concluir que a notificação feita somente na pessoa do sujeito passivo é ineficaz, nomeadamente para fazer operar o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação;

i) o valor da procuração junta a procedimento gracioso de inspecção mantém-se no consequente procedimento de liquidação;

j) o procedimento de inspecção não existe por si mesmo, antes devendo visualizar-se como preparatório da liquidação dos tributos, tendo como objectivo verificar a regularidade da situação tributária do contribuinte;

k) da regulamentação autónoma - R.C.P.I.T. - da inspecção tributária não resulta que ela seja mais que uma acção preparatória ou complementar da liquidação dos tributos e faça parte do procedimento tributário em geral;

l) sendo legal o relevo dado a procuração passada/apresentada por contribuinte em processo administrativo/tributário de natureza graciosa, aquando da instauração de consequente processo de natureza contenciosa, por maioria de razão se deve relevar a existência de procuração face a dois procedimentos de natureza graciosa;

m) nos termos do artigo 66.º do Estatuto da Ordem dos Advogados: «O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza;

n) nos termos do art. 20, n°.2 da CRP: "Todos têm direito, nos termos da lei, (...) a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”;

o) face à liquidação que teve suporte na acção inspectiva não é possível considerar que a procuração foi emitida apenas para a representação do contribuinte na mesma acção inspectiva e não, também, para o procedimento de liquidação de imposto em que ela se integra quando, entre o termo da inspecção e a estruturação da liquidação não há qualquer outro acto administrativo;

p) não parece ser razoável que a constituição de mandatário, durante um procedimento de inspecção, não releve para o acto de liquidação que é o único acto impugnável e, por outro lado, o único para o qual parece ser impossível constituir mandatário, no pressuposto, consensual, de que a notificação de acto de liquidação não configura um acto pessoal;

q) a interpretação restritiva dada ao art.40, n°.1 do CPPT, no sentido de que a constituição de mandatário durante o procedimento de inspecção não impõe que lhe seja notificado o acto de liquidação que se fundamenta na decisão final de tal procedimento enferma de vício de inconstitucionalidade;

r) a resposta legal só pode ser dada pelo Código de Processo Civil, pois só esta codificação contém a chave do problema, já que o CPPT e o CPTA — que precede o CPC na integração de lacunas daquele, como resulta do artigo 2.° do CPPT — nada referem a respeito desta questão;

s) o CPC contém, em concreto, no seu artigo 44.º n.° 1, duas soluções abstractamente possíveis para a questão da validade extraprocessual ou heteroprocessual da procuração;

t) a primeira solução, numa interpretação estritamente literal da norma, aponta no sentido da procuração valer, não só no processo em que foi e para o qual foi apresentada — função endoprocessual — mas também nos respectivos incidentes de instância;

u) os incidentes da instância são “relações processuais secundárias, intercorrentes no processo principal;

v) é intuitivo que não faria sentido que a lei exigisse, para cada uma dessas "intercorrências" a apresentação de uma nova procuração, valendo, portanto, a que foi apresentada no processo;

w) a procuração é válida para o processo em que é apresentada e respectivos incidentes;

x) o artigo 44.º n.° 1, do CPC, só pode ser interpretado no sentido da procuração conferir poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respetivos incidentes, incluindo aqueles que, tendo a estrutura de uma causa, devam correr por apenso aos autos principais e vice-versa;

y) embora constituindo dois procedimentos autónomos, a inspecção e a liquidação tributárias são como irmãos siameses, que tendo a sua própria identidade partilham órgãos comuns;

z) a liquidação consequente a uma fiscalização/inspecção baseia-se nos resultados desta, que de resto constitui o seu discurso fundamentador;

aa) há uma "correlação e interdependência entre o procedimento de inspeção tributária e o procedimento de liquidação;

bb) o mandato forense destina-se ao exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas coletivas públicas ou respetivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto, nos termos do artigo 67.°, n.° 1, al. c), do EOA;

cc) quando o contribuinte visado num procedimento de inspecção confere mandato a advogado pretende a defesa de todos os seus interesses, os quais são indissociáveis da liquidação a praticar posteriormente;

dd) pela natureza das coisas o mandato conferido num procedimento de inspecção não tem em vista, primordialmente, os actos que nesse procedimento sejam praticados mas sim o acto final que verdadeiramente é lesivo do contribuinte: a liquidação cujo procedimento constitui, verdadeiramente, um apenso do procedimento de inspeção;

ee) o mandato forense conferido em procedimento de inspecção abrange não só todos os actos praticados nesse procedimento mas também todos os actos consequentes praticados no procedimento de liquidação, dada a reconhecida relação de proximidade, "correlação e interdependência" que entre ambos existe e que justifica que a procuração conferida no primeiro releve também para o segundo;

ff) qualquer interpretação contrária violaria o direito de defesa consagrado no artigo 20.° n.°s 1 e 2 da CRP, uma vez que, tendo sido constituído mandatário no procedimento de inspeção, com vista à defesa do contribuinte perante actos da administração tributária lesivos da sua esfera jurídica, tal mandato forense abrange necessariamente, o procedimento e o acto de liquidação;

gg) quando o mandante confere mandato ao advogado no procedimento de inspecção, está a perspectivar a sua defesa no sentido mais amplo, ou seja, em relação a todos os actos que, próprios desse procedimento ou nele ancorados, possam afectar a sua esfera jurídica;

hh) é inconstitucional a interpretação que exige uma procuração específica para cada um dos procedimentos em causa;

ii) o douto Tribunal a quo errou no seu julgamento, ao ter feito uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta do Direito aqui aplicável, valoração essa que deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente à improcedência do recurso interposto pela Fazenda Pública e à manutenção da sentença proferida em 1ª instância que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 3450201501148370».

1.3. Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

«1. Reitera-se na íntegra a posição exarada no douto acórdão proferido nos autos pelo Tribunal Central Administrativo ora recorrido,

2. e, assim sendo, pugna-se pela manutenção do mesmo e improcedência do recurso jurisdicional, com todas as legais consequências».

1.4. Recebido o processo neste Supremo Tribunal Administrativo e apresentado com “Termo de Vista” ao Ministério Público, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do recurso não ser admitido por resultar da «matéria conclusiva das alegações feitas ao abrigo do disposto no artigo 284.º, n.º 3 do CPPT não são de molde a satisfazer o aí estatuído, mas antes pretendem ver a reapreciação da matéria em discussão».


1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Pretende o Recorrente com a interposição do presente recurso que se uniformize jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito que em seu entender foi decidida em sentido oposto nos acórdãos recorrido e fundamento, qual seja, a de saber se a não notificação de um acto de liquidação ao mandatário constituído no âmbito de um procedimento de inspecção obsta a que esse acto produza efeitos e, consequentemente, se mantenha em curso o prazo de caducidade do direito à liquidação.

2.2. Face ao que ficou exposto, são duas as questões que importa decidir.

A primeira prende-se com a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, cujos pressupostos, à data da sua instauração, se encontravam plasmados no artigo 284.º do CPPT, que ambas as partes julgam estar preenchidos, entendimento de que se afasta a Excelentíssima Procuradora-Geral-Adjunta junto deste Supremo Tribunal.

A segunda com o fundo da questão enunciada no ponto 2.1., que apenas será objecto de análise se àquela primeira questão for dada resposta afirmativa, ou seja, este Supremo Tribunal só apreciará e decidirá qual a solução jurídica que deve vingar no ordenamento jurídico quanto à questão fundamental de direito se previamente confirmar que os pressupostos substantivos de admissibilidade do recurso estão verificados.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. A matéria de facto do acórdão recorrido é a seguinte:

«1. Pela ordem de serviço n°OI201400021, datada de 07 de janeiro de 2014, com o Código de Atividade 1221210228 (Anàlise às Declarações), foi realizada ação inspetiva ao ora Oponente, R…………., e a P……………, de âmbito geral, reportada ao exercício de 2011 — cfr. fls. 73 a 91 dos autos (suporte digital).

2. A ação de inspeção referida no ponto antecedente iniciou-se em 09 de abril de 2015 - cfr. fls. 73 a 91 dos autos (suporte digital).

3. O ora Oponente, R…………., e P………….. constituíram mandatárias no procedimento inspetivo, as advogadas D…………. e M…………. - cfr. fls. 30 a 32 e 73 a 91 dos autos (suporte digital).

4. O Oponente, R……………, e P……….., foram notificados pelo ofício n°6.488, datado de 27 de julho de 2015, do projeto de relatório de inspeção tributária efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.° OI201400021, para efeitos do exercício do direito de audição prévia - cfr. fls. 56 a 74 do PEF apenso.

5. Em 17 de novembro de 2014, as mandatárias referidas em 3. substabeleceram os "poderes que lhe foram conferidos por R…………. e P………." no âmbito do procedimento inspetivo no "Ilustre Colega, Dr. C…………., Advogado, com escritório na Rua Dr. A………….., n°17, 2.° Andar, no Funchal" - cfr. fls. 30 a 32 dos autos (suporte digital).

6. O mandatário substabelecido, subscreveu a resposta dada em audição prévia ao projeto de relatório inspetivo, a qual foi apresentada em 10 de agosto de 2015 - cfr. fls. 23 a 29 dos autos (suporte digital).

7. No dia 28 de agosto de 2015, foi proferido "RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA", relativo ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n° OI201400021, no qual foram efetuadas correções à matéria tributável de IRS referente a 2011, no montante de € 173.709,46 - cfr. fls. 73 a 91 dos autos (suporte digital), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância do Diretor de Serviços da Inspeção Tributária, datado de 31 de agosto de 2015 - cfr. fls. 74 dos autos (suporte digital).

9. Em 03 de setembro de 2015, foi expedido ofício de notificação do aduzido relatório de inspeção tributária, por carta registada com aviso de receção (registo CTT RD 4255 3271 2 PT), dirigido ao mandatário substabelecido "na qualidade de mandatário de R………….. e P………….", para o respetivo escritório — cfr. fls. 20, 21 e 64 a 66 dos autos (suporte digital).

10. O aviso de receção referente ao registo CTT RD 4255 3271 2 PT foi assinado em 07 de maio de 2015 — cfr. fls. 66 dos autos (suporte digital).

11. Em 23 de setembro de 2015, foi expedido ofício de notificação do aduzido relatório de inspeção tributária, por carta registada com aviso de receção (registo CTT RD 4255 3330 7 PT), dirigido ao ora Oponente, R…………., e P……………., para o respetivo domicílio — cfr. fls.70 a 72 dos autos (suporte digital).

12. O aviso de receção referente ao registo CTT RD 4255 3330 7 PT foi assinado em data não concretamente apurada por "…………." — cfr. fls. 72 dos autos (suporte digital).

13. Com base nas correções efetuadas em sede inspetiva, foi emitida, em 17 de setembro de 2015, a liquidação de IRS n°2015 5005458871 e correspetivos juros compensatórios, no montante de € 72.842,22, com data limite de pagamento em 26 de outubro de 2015 — cfr. fls. 50 e 52 dos autos (suporte digital).

14. Em 21 de setembro de 2015, foram expedidos ofícios de notificação da liquidação mencionadas no ponto antecedente, por via postal registada (Registo CTT n.° RY698662400PT), da demonstração de liquidação de juros (Registo CTT RY698665321PT) e da demonstração de acerto de contas (Registo CTT RY698604248PT), dirigidos ao ora Oponente, R………, e a P…………, para o respetivo domicílio - cfr. fls. 45 a 62 dos autos (suporte digital).

15. Os ofícios titulados pelos registos postais referidos no ponto anterior foram entregues no dia 23 de setembro de 2015 — cfr. fls. 57 a 62 dos autos (suporte digital).

16. Em 13 de novembro de 2015, foi instaurado no Serviço de Finanças do Funchal -2 o processo de execução fiscal n°3450201501148370, contra o ora Oponente, R……………, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRS de 2011 (liquidação mencionada em 13.), e acrescido, no montante global de € 73.210,04 — cfr. fls. 01 a 03 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso.

17. O Oponente foi citado para a execução fiscal n°3450201501148370, no dia 23 de novembro de 2015 — cfr. fls. 04 a 06 do PEF apenso e fls. 18 dos autos (suporte digital).

18. A presente oposição foi apresentada junto do Serviço de Finanças do Funchal - 2, em 21 de dezembro de 2015 — cfr. fls. 03 dos autos (suporte digital).»

19. No âmbito do procedimento de liquidação não foi apresentada qualquer procuração (facto não controvertido)».

3.1.2. Por sua vez, o probatório fixado no acórdão fundamento tem o seguinte teor:

«1-Pela ordem de serviço n.º OI2…., datada de 07 de janeiro de 2014, com o Código de Atividade 122…. (Análise às Declarações), foi realizada ação inspetiva ao ora oponente, R……, e a P…., de âmbito geral, reportada ao exercício de 2010 (cfr. documentos juntos a fls. 56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);

2- A ação de inspeção referida no ponto antecedente iniciou-se em 20 de junho de 2014 (cfr. documentos juntos a fls. 56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);

3-O ora oponente, R……, e P…… constituíram mandatárias no procedimento inspetivo, as advogadas D…. e M…. (cfr. documentos juntos a fls. 56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);

4- O oponente, R....., e P.....,, foram notificados pelo ofício n.º …, datado de 27 de outubro de 2014, do projeto de relatório de inspeção tributária efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2…., para efeitos do exercício do direito de audição prévia (cfr.documentos juntos a fls. 56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);

5- As mandatárias constituídas foram notificadas pelo ofício n.º …, datado de 27 de outubro de 2014, do projeto de relatório de inspeção tributária efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2…, para efeitos do exercício do direito de audição prévia (cfr.documentos juntos a fls. 56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);

6- Em 17 de novembro de 2014, as mandatárias referidas no nº.3 substabeleceram os “poderes que lhe foram conferidos por R…… e P….” no âmbito do procedimento inspetivo no “Ilustre Colega, Dr. C…, Advogado, com escritório na Rua Dr. A…., n.º 17, 2.º Andar, no Funchal” (cfr.documento junto a fls. 13 dos presentes autos);

7- O mandatário substabelecido, subscreveu a resposta dada em audição prévia ao projeto de relatório inspetivo, a qual foi apresentada em 18 de novembro de 2014 (cfr. documento junto a fls. 36 a 43 dos presentes autos);

8- No dia 18 de novembro de 2014, foi estruturado “RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA”, relativo ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI20…., no qual se apurou IVA em falta no montante de € 54.011,64 (cfr. documentos juntos a fls. 56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);

9- Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância do D.S.I… Tributária, datado de 21 de novembro de 2014 (cfr. documento junto a fls. 57 do processo de execução fiscal apenso);

10- Em 25 de novembro de 2014, foi expedido ofício de notificação do aduzido relatório de inspeção tributária, por carta registada com aviso de receção (registo CTT RD 4255 5699 1 PT), dirigido ao mandatário substabelecido “na qualidade de mandatário de R….. e P…..”, para o respetivo escritório (cfr.documentos juntos a fls. 52 e 53 do processo de execução fiscal apenso);

11- O aviso de receção referente ao registo CTT RD 4255 5699 1 PT foi assinado em 26 de novembro de 2014 (cfr. documentos juntos a fls. 52 e 53 do processo de execução fiscal apenso);

12- Em 25 de novembro de 2014, foi expedido ofício de notificação do aduzido relatório de inspeção tributária, por carta registada com aviso de receção (registo CTT RD 4255 5692 6 PT), dirigido ao ora oponente, R....., e P.....,, para o respetivo domicílio (cfr. documentos juntos a fls. 52 e 53 do processo de execução fiscal apenso);

13- O aviso de receção referente ao registo CTT RD 4255 5692 6 PT foi assinado em 01 de dezembro de 2014 (cfr.documentos juntos a fls. 52 e 53 do processo de execução fiscal apenso);

14- Com base nas correções efetuadas em sede inspetiva, foram emitidas, em 06 de dezembro de 2014, as seguintes liquidações com data limite de pagamento em 28 de fevereiro de 2015 (cfr. documentos juntos a fls. 79 a 84 dos presentes autos; documentos juntos a fls. 2 a 17 do processo de execução fiscal apenso):

a)Liquidação de IVA n.º 14…., referente ao período 10/03, no montante de € 7.666,14;

b)Liquidação de juros compensatórios n.º 14…, referente ao período 10/03, no montante de 1.382,85;

c)Liquidação de IVA n.º 14…, referente ao período 10/06, no montante de € 8.669,83;

d)Liquidação de juros compensatórios n.º 14…., referente ao período 10/06, no montante de € 1.477,43;

e)Liquidação de IVA n.º 14…, referente ao período 10/09, no montante de € 7.255,97;

f)Liquidação de juros compensatórios n.º 14…., referente ao período 10/09, no montante de € 1.164,14;

g)Liquidação de IVA n.º 140…., referente ao período 10/12, no montante de € 3.413,88;

h)Liquidação de juros compensatórios n.º 14….., referente ao período 10/12, no montante de € 513,30;

15- Em 16 de dezembro de 2014, foram expedidos ofícios de notificação das liquidações mencionadas no ponto antecedente, por via postal registada (designadamente, sob os Registos CTT n.ºs RY952396706PT, RY952397074PT, RY952397423PT, RY952397848PT, RY952399764PT, RY952400079PT, RY952400391PT e RY952400771PT), dirigidos ao ora oponente, R…., e a P….., para o respetivo domicílio (cfr.documentos juntos a fls. 54 a 78 dos presentes autos);

16- Os ofícios titulados pelos registos postais referidos no ponto anterior foram entregues no dia 24 de dezembro de 2014 (cfr.documentos juntos a fls. 54 a 78 dos presentes autos);

17- Em 30 de março de 2015, foi instaurado no 2º. Serviço de Finanças do Funchal o processo de execução fiscal n.º…-2015/…., contra o ora oponente, R….., para cobrança coerciva de dívidas provenientes das liquidações identificadas no nº… supra, no montante global de € 31.543,54 (cfr. documentos juntos a fls. 1 a 17 do processo de execução fiscal apenso);

18- O oponente foi citado na execução fiscal nº….-2015/…., no dia 04 de junho de 2015 (cfr.documentos juntos a fls.18 e 19 do processo de execução fiscal apenso; factualidade admitida pelo opoente no artº.1 do articulado inicial);

19- A presente oposição foi apresentada junto do 2º. Serviço de Finanças do Funchal em 03 de julho de 2015 (cfr. data aposta a fls. 3 dos presentes autos).

4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. No ponto 2 deste acórdão ficaram já enunciadas as questões que este recurso suscita e sobre as quais nos temos que pronunciar, registando-se, então, que a apreciação da questão identificada em segundo lugar só ocorreria se à primeira fosse dada resposta afirmativa.

Será, pois, essa a ordem que seguiremos na nossa apreciação.

4.2. Dos pressupostos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos e da sua verificação no caso concreto

4.2.1. O presente processo de oposição à execução fiscal iniciou-se no ano de 2015 – facto que é relevante, pois, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo têm reiteradamente afirmado, a existência de uma tramitação autónoma no que respeita à oposição à execução fiscal determina que para efeitos de determinação do quadro legal à luz do qual se identificarão e apreciarão os pressupostos, relevante é a data em que a oposição foi deduzida e não a da instauração da execução – pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro, dos quais decorre que a data da entrada em vigor do novo Estatuto ocorreu em 1 de Janeiro de 2004.

Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Vejamos.

Quanto ao primeiro dos citados requisitos, há muito que o Pleno desta Secção firmou o entendimento que relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;

ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;

iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta». (Cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-2-2016, proferido no processo n.º 122/15, integramente disponível para consulta em www.dgsi.pt)

4.2.2. Começamos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.

No acórdão recorrido, a sentença de 1ª instância - que julgara procedente a Oposição no pressuposto de que, tendo resultado apurado que a liquidação apenas tinha sido notificada aos Impugnantes e não ao mandatário constituído no procedimento de inspecção, como se impunha por força do preceituado no artigo 40.º, n.º 1 do CPPT, não era eficaz e, consequentemente, caducara o direito à liquidação – foi revogada, remetendo-se para a doutrina do acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Maio de 2018, proferida no processo n.º 167/18 (Acórdão integralmente disponível em www.dgsi.pt), nos seguintes termos:

«3.2. Concorda-se com a sentença recorrida quando afirma que o acto de notificação de uma liquidação tributária não pode considerar-se como um acto pessoal para efeitos do n.º 2 do artigo 40.º do C.P.P.T., uma vez que não se trata de qualquer notificação do interessado para comparecer ou praticar qualquer acto.

E concorda-se também que a notificação de actos de liquidação aos interessados que tenham constituído mandatário no procedimento de liquidação serão obrigatoriamente feitas na pessoa deste e no seu escritório nos termos do n.º 1 do mesmo artigo.

Contudo torna-se necessário que o mandatário tenha sido constituído neste procedimento de liquidação.

Como refere a recorrente, no caso dos autos, o sujeito passivo constituiu mandatária no procedimento de inspeção tributária, tendo a mesma sido regularmente notificada do relatório final do procedimento de inspeção tributária, pelo que, se considera concluído o procedimento inspetivo com a notificação do referido relatório à mandatária.

Com efeito estabelece o artigo 62.º, n.º 1, do RCPITA, sob o título conclusão do procedimento de inspeção, que para a conclusão do procedimento de comprovação e verificação é elaborado um relatório final, acrescentando o nº 2 que o relatório referido no nº 1 deve ser notificado ao contribuinte “considerando-se concluído o procedimento na data da notificação”.

Parece claro que o procedimento de inspeção se encontra concluído nesta data e com o fim deste procedimento terminou o mandato conferido no âmbito de tal procedimento de inspeção.

Concorda-se, por isso, com a recorrente quando afirma que inexiste obrigação legal de notificar o mandatário da liquidação do ato tributário.

Acompanha-se, por isso, o acórdão deste STA, em 2017-09-13, no processo n.º 01356, quando afirmou que «contrariamente ao que se verifica no instituto da representação fiscal (artigos 19.º/6 da LGT; 130.º CIRS; 126.º CIRC e 30.º CIVA), no domínio do mandato tributário o domicílio fiscal não passa a ser o do representante, sendo certo que, não se encontra norma legal vigente que imponha à AT qualquer dever de arquivar as procurações passadas pelos contribuintes a conferir mandato tributário no respetivo cadastro. Na verdade, atento o disposto nos artigos 44.º e 45.º do CPC e 67.º 1 do CPA, as procurações passadas a conferir o mandato tributário devem ser juntas a cada um dos processos ou procedimentos em que seja interveniente o mandante …”.

Acompanha-se, ainda, o mesmo acórdão quando afirma que “não recai sobre a Administração Tributária a obrigação de associar uma procuração, que exclui a representação fiscal, passada a mandatário, ao cadastro dos contribuintes com a inerente obrigação de, no futuro, proceder a todas as notificações dos atos procedimentais da sua iniciativa na pessoa do mandatário constituído, permitindo a intervenção deste em todos os atos, sem necessidade de apresentação de uma procuração em cada procedimento.”.

Concorda-se, ainda, com a recorrente quando afirma que, no caso dos autos, o mandato tributário conferido pelo sujeito passivo a advogado, não se confunde com a representação fiscal, pelo que não ficou a respetiva mandatária, por aquele instrumento, habilitada a receber as notificações das liquidações do sujeito passivo.

Ocorre, por isso, incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, geradora de errado julgamento o que conduz à revogação da sentença recorrida».

No acórdão fundamento, por sua vez, a sentença de 1ª instância - que decidira no mesmo sentido de ineficácia da notificação do acto de liquidação por não ter sido notificada ao mandatário constituído no procedimento - foi confirmada, transcrevendo-se aqui o juízo em que se louvou esta decisão:

«In casu, deve concluir-se, com o Tribunal “a quo”, que tendo sido constituído mandatário no âmbito do procedimento inspetivo, a notificação do subsequente acto de liquidação tem de ser efectivada na pessoa do mandatário, e remetida para o respectivo escritório, de acordo com o estabelecido no artº.40, nº.1, do C.P.P.T., não sendo tal formalidade substituível pela notificação do próprio sujeito passivo. Apenas assim não sucederia se o acto de notificação da liquidação tributária se devesse considerar como um acto pessoal, mas tal não se verifica, mais não sendo tal notificação enquadrável no artº.40, nº.2, do C.P.P.T.

Contrariamente, o recorrente defende que a liquidação é um acto pessoal, pelo que a Administração Tributária tinha a obrigação legal de notificar o opoente/recorrido, conforme o fez e para o seu domicílio fiscal.

O recorrente carece de razão.

Expliquemos porquê.

Consagra o artº.40, nº.1, do C.P.P.T., a obrigatoriedade de a notificação dos interessados que tenham constituído mandatário ser feita na pessoa do seu mandatário, sendo que tal normativo se aplica às notificações a mandatários tanto no procedimento tributário como em processos judiciais tributários.

No artº.40, nº.2, do mesmo diploma, prevê-se uma excepção à regra formulada no nº.1, nos termos da qual as notificações dos contribuintes para assistência ou participação em actos ou diligências com cariz pessoal são feitas através de carta dirigida também ao próprio interessado, para além da notificação que deve ser feita ao mandatário.

Da exegese do regime acabado de mencionar se deve concluir que tendo sido constituído mandatário judicial no procedimento tributário é obrigatória a notificação deste do acto de liquidação que pôs termo ao mesmo procedimento gracioso, não sendo esta notificação substituível pela notificação do próprio sujeito passivo. É que sendo constitucionalmente imposta a notificação dos actos administrativos aos interessados, na forma prevista na lei (cfr.artº.266, nº.3, da Constituição da República), e impondo a lei tributária a notificação aos mandatários constituídos no procedimento dos actos lesivos nele praticados como condição de eficácia do acto notificando (artº.36, nº.1, do C.P.P.T.), ter-se-á de concluir que a notificação feita somente na pessoa do sujeito passivo é ineficaz, nomeadamente para fazer operar o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.927/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7443/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.394 e seg.).

Só assim não aconteceria se o acto de notificação de uma liquidação tributária se devesse considerar um acto pessoal, conforme defende o recorrente, mas tal não é verdade.

Actos pessoais para efeitos de enquadramento no artº.40, nº.2, do C.P.P.T., serão aqueles que implicam a participação/assistência pessoal do sujeito passivo em diligências, para tanto devendo comparecer o próprio, tanto em serviços da A.T. como no Tribunal, tudo levando em consideração o conteúdo e alcance do próprio mandato (cfr.artºs.44 a 46 e 452 e seg., do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7443/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.395; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Comentado e anotado, Almedina, 2000, pág.117).

Ora, levando em consideração esta noção de actos pessoais, não pode considerar-se o acto de notificação de uma liquidação tributária como um acto pessoal, assim devendo a mesma notificação seguir a regra prevista no artº.40, nº.1, do C.P.P.T., e, por consequência, sendo mester ser efectuada na pessoa do mandatário e no seu escritório, mais não pressupondo a existência de procuração com poderes especiais para o efeito.

Com estes pressupostos, os actos de liquidação em causa não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes. Em consequência, quando foi instaurada a execução fiscal, os actos de liquidação em cobrança não eram exigíveis, pelo que se está perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável no artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., tudo conforme exposto supra, para onde se remete.

Podemos, pois, afirmar que (i) ambos os acórdãos do Tribunal Central Administrativo (recorrido e o fundamento) foram proferidos no âmbito de processos de oposição à execução fiscal em que estava em causa saber se o direito à liquidação tinha ou não caducado, o que, em caso afirmativo, determinaria a extinção da execução instaurada na sequência da falta de pagamento voluntário da liquidação no prazo legal; (ii) nas duas decisões o único fundamento invocado para sustentar a caducidade foi a falta de notificação do acto de liquidação a advogado com procuração junta ao procedimento gracioso de inspecção que precedeu o procedimento de liquidação; (iii) em ambos os arestos em confronto foi entendido que a solução do litígio passava necessariamente pela resposta que merecesse a questão de saber se a procuração a mandatário constituído no procedimento de inspecção se mantém válida no consequente procedimento de liquidação e, consequentemente, se o acto de liquidação só é eficaz se tiver sido notificado ao mandatário constituído nesse procedimento ou, pelo contrário, se o mandato finda com o fim do procedimento de inspecção e, consequentemente, o acto de liquidação para ser julgado válido e eficaz apenas tem que ser notificado ao sujeito passivo destinatário da liquidação; e, por fim, (iv) em ambos os julgamentos foi dado como apurado que os sujeitos passivos apenas constituíram mandatário no âmbito do procedimento de inspecção, que foi notificado, desde a data que foi constituído de todos os actos de inspecção, incluindo para efeitos de audição prévia quanto ao projecto do relatório final e deste relatório final, não tendo sido notificado do acto de liquidação.

Está, pois, demonstrado, como exige o n.º 3 do artigo 284.º, n.º 3, do CPPT, que num quadro de identidade substancial das situações de facto e no âmbito do mesmo quadro jurídico de referência, os acórdãos decidiram em sentido divergente: o acórdão recorrido, julgando válida e eficaz a notificação da liquidação realizada apenas aos Impugnantes, decidiu não estar verificada a caducidade do direito à liquidação e, consequentemente, declarou improcedente a Oposição; o acórdão fundamento julgando a referida notificação ao mandatário condição de eficácia da liquidação condição, julgou verificada a caducidade do direito à liquidação e, consequentemente, procedente a Oposição.

Diga-se, por fim, que do exposto resulta já suficientemente indiciado que não acompanhamos a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta na parte em que se insurge contra a admissão do recurso com fundamento em que a pretensão do Recorrente é que seja reapreciada a questão.

Na verdade, tal como a Exma. Procuradora Geral Adjunta também nós entendemos que se conclui das alegações e conclusões do recurso jurisdicional que a pretensão do Recorrente é a “reapreciação da matéria em questão”.

Porém, sendo essa, em última instância, a finalidade do recurso com fundamento em Oposição de Acórdãos - que pressupõe, como vimos já, que uma questão tenha já sido apreciada e decidida expressamente em sentidos opostos e que num quadro de facto e direito equivalente seja reapreciada e uniformizada jurisprudência num ou noutro dos apontados sentidos e resultando claro das alegações e conclusões de recurso, quer das primeiramente aduzidas (tendentes em particular a demonstrar a oposição de acórdãos), quer das que sucessivamente foram apresentadas (após verificação de oposição de acórdãos pela Exma. Senhora Juíza Desembargadora, especialmente vocacionadas para demonstrar a tese que deve obter vencimento) que o Recorrente pretende ver reconhecida a oposição de acórdãos e mantida a jurisprudência do acórdão fundamento, com a consequente manutenção na ordem jurídica da sentença de 1ª instância, não cremos que existam razões para fundar no apontado motivo a rejeição deste recurso.

4.2.3. Verificado que está o primeiro requisito de admissibilidade do recurso, cumpre agora indagar da verificação do segundo requisito: que o acórdão recorrido não tenha acolhido jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo.

Desde já se adianta que a orientação perfilhada no acórdão recorrido se insere na corrente jurisprudencial que é actualmente dominante no Supremo Tribunal Administrativo, como se pode constar do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, referido no acórdão recorrido, de 3 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 167/18, mas, especialmente, também nos acórdãos de 22 de Janeiro de 2020, proferido no processo n.º 915/16.4BEBRG e de 16 de Dezembro de 2020, proferido no processo n.º 892/18.7BELRA.

Porém, como este Supremo Tribunal repetidamente já firmou “a exigência legal de que não exista, no sentido da decisão recorrida, jurisprudência recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo para que o recurso seja admitido, não se basta com a existência de vários acórdãos da Secção nesse sentido, pois, se assim fosse, o legislador teria estabelecido que obstava à admissão do recurso a circunstância de a orientação perfilhada no acórdão recorrido estar de acordo com as mais recentes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 122/15, integralmente disponível em www.dgsi.pt)

E embora a doutrina venha adiantando que constitui “jurisprudência consolidada” a que revela estabilidade de julgamento, incluindo nesta quer a que resulte de prolação de um acórdão do Pleno quer a que emerge de uma sequência ininterrupta de decisões obtidas no mesmo sentido pela Secção, por unanimidade ou maioria significativa, também sublinha que é “razoável, no entanto, que o relator, no despacho de admissão do recurso, tenha sobretudo em linha de consideração a jurisprudência uniformizada que tenha sido proferida pela formação com a competência específica nesse âmbito – aquela que seja proveniente do pleno, em julgamento ampliado de revista, ou em anterior recurso para uniformização de jurisprudência(Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4.ª Edição, Tomo II, página 1176, anotação (3), ao artigo 152.º do CPTA.)

Em suma, pese embora a existência de três acórdãos da Secção Tributária em que obteve vencimento posição num mesmo sentido, não é de considerar preenchido o requisito de “jurisprudência consolidada” nas situações em que desses arestos não é possível concluir-se que existe uma “inequívoca estabilidade de julgamento e uma inabalável constância decisória”, “a qual deve transparecer, ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção, como prevê o artigo 17.º, n.º 2, do ETAF («O julgamento no pleno compete ao relator e aos demais juízes em exercício na secção».), ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção”. (Neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo identificado na nota antecedente, bem como os acórdãos do Pleno da mesma Secção de 2 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 307/11 e de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 1075/11 – todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt)

Não sendo o caso, como resulta da inexistência de qualquer acórdão do Pleno sobre a questão em apreço, dos referidos acórdãos não terem sido proferidos por todas as formações da Secção, nem terem sido aprovados por unanimidade, o recurso deve ser admitido.

4.3. Posto isto, passamos a apreciar o mérito do recurso.

4.3.1. Está em causa no presente recurso, já o dissemos, saber se a liquidação emitida em procedimento de liquidação deve ser notificada ao mandatário constituído no procedimento de inspecção, sob pena de ineficácia, com a consequente neutralização do efeito interruptivo de contagem do prazo do direito à liquidação.

Vimos já que a esta questão os acórdãos em confronto deram resposta distinta.

O acórdão recorrido, chamando à colação um acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo (o já citado acórdão de 3 de Maio de 2018), julgou que aquela notificação não constituía condição de eficácia do acto de liquidação. O acórdão fundamento, perfilhando o entendimento vertido no voto de vencido do mesmo acórdão, julgou que a falta dessa notificação, particularmente por força do artigo 40.º do CPPT, sendo postergada, acarretaria inexoravelmente o tal efeito invalidante.

Como ficou evidenciado na apreciação que realizamos a propósito da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, mormente da decisão que tivemos que tomar quanto à questão da existência de jurisprudência consolidada, a questão que enfrentamos não é nova nem totalmente pacífica na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.

Em nosso entender a solução que vem obtendo acolhimento na Secção deste Supremo Tribunal é a que se nos afigura mais correcta, razão pela qual seguiremos de perto os julgamentos já realizados nos processos que já identificamos, acolhendo sem reservas os fundamentos nucleares que os suportaram (dispensando o uso das aspas aquando da realização de transcrições por forma a agilizar o discurso, em face das alterações demandadas pelo caso sub judice), sem prejuízo da apreciação que se irá fazer dos argumentos que de forma mais relevante nos autos foram invocados pelo Recorrente.

Começando por estes últimos, importa salientar que não se discute a validade das premissas vertidas nas alíneas a) a d) das conclusões do presente recurso. Ou seja, não se discute, e confirma-se, que o exercício do direito à liquidação e a notificação do seu conteúdo ao contribuinte têm que ocorrer dentro do prazo de quatro anos contados do facto tributário, nos termos do artigo 45.º da LGT, sob pena de operar a caducidade de tal direito, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei por força, designadamente, do preceituado no artigo 268.º n.º 3 da CRP, que a notificação do acto tributário constitui mera condição da sua eficácia e que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, constitui fundamento de oposição a enquadrar no artigo 204.º n°.1, al. i) do CPPT.

Também se acompanha as alegações do Recorrente vertidas na al. f) das suas conclusões de recurso no sentido de que o acto de notificação de uma liquidação tributária não deve considerar-se um acto pessoal para efeitos do n.º 2 do artigo 40.º do CPPT, uma vez que não se trata de qualquer notificação do interessado para comparecer ou praticar qualquer acto.

E, por fim, não nos afastamos da tese do Recorrente, acolhida no acórdão fundamento, na parte em que, partindo do preceituado no n.º 1 do artigo 40.º do CPPT – que, na redacção então em vigor, determinava que “As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório” – defende a aplicabilidade desta disciplina quer às situações de constituição de mandatário em procedimentos inspectivos quer em processos judiciais tributários [al. g) das conclusões de recurso].

Aliás, em ambos os arestos em confronto esta imposição legal foi observada, uma vez que, como resulta dos factos apurados, o mandatário constituído no procedimento inspectivo foi notificado de todos os actos aí praticados desde a sua constituição, incluindo para efeitos de audição prévia e do relatório final de inspecção, o que demonstra bem que a questão nunca foi a da inaplicabilidade do artigo 40.º n.º 1 do CPPT aos procedimentos inspectivos.

No que se diverge é quanto à exigibilidade dessa notificação ocorrer no procedimento de liquidação quando neste não foi constituído mandatário. Dito de forma directa, no que divergimos do Recorrente é quanto ao relevo que deve ser atribuído à constituição de mandatário em outros procedimentos para além do procedimento no âmbito do qual foi constituído.

Como se disse no acórdão de 3 de Maio de 2018 da Secção, e vem sendo mantido por parte desta Secção, o procedimento de inspecção conclui-se com a notificação do relatório final de inspecção, nos termos do artigo 62.º, n.º 1 e 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), terminando nessa data a obrigação da Administração Tributária de notificar o mandatário constituído de quaisquer actos que venham a ser praticados no âmbito de outros procedimentos ou processos por o mandato constituído no âmbito deste procedimento não transformar o mandatário em representante fiscal.

Ou seja, há que distinguir, como a doutrina que acolhemos sem reserva vem sublinhando, instituto de representação fiscal e mandato tributário.

O primeiro, previsto nos artigos 19.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária (LGT); 130.º do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIRS); 126.º do Código de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) e 30.º do Código de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIVA), cuja constituição é obrigatória nos casos legalmente previstos, tem em vista assegurar que o contribuinte não residente no país, seja de forma permanente ou temporária, esteja devidamente representado perante a Administração Fiscal, recaindo sobre esta o dever de com ele interagir na sindicância das obrigações que pelo contribuinte devam ser observadas.

O segundo, mandato tributário, cuja constituição, nos termos do artigo 5.º do CPPT, é meramente facultativa, apenas permite que este pratique, em nome do contribuinte, actos de natureza procedimental ou processual tributária que não tenham carácter pessoal, estando esse exercício limitado aos profissionais expressamente indicados pelo legislador no caso em que se suscitem ou discutam questões de direito perante a administração tributária em quaisquer petições, reclamações ou recursos.

Em suma, sendo distintas as qualidades de “mandatário” e “representante fiscal” e devendo as liquidações ser notificados ao sujeito passivo ou ao seu representante fiscal (nas situações em que a lei especialmente prevê que ele possa ser constituído e tendo-o sido), da mera constituição de um mandatário no procedimento inspectivo não decorre legalmente a imposição de que a liquidação, mesmo que emitida com base no resultado alcançado no referido procedimento, seja notificada ao mandatário constituído no procedimento, uma vez que o mandatário, por mor daquele instrumento (procuração) não fica habilitado a receber as notificações das liquidações do sujeito passivo.

Do que vimos dizendo facilmente se conclui que não acompanhamos o Recorrente quanto às alegações vertidas nas conclusões e) e i) das conclusões do presente recurso. Por duas ordens de razões.

Porque a questão não é a de saber se a notificação do mandatário é substituível pela notificação feita ao contribuinte. A questão é a de saber se a notificação que legalmente a este último deva ser feita é substituível pela notificação feita ao primeiro no âmbito de um procedimento em que não foi constituído mandatário ou quando não assuma as vestes de representante fiscal. Questão a que já demos resposta negativa.

Porque não é verdade que o “valor da procuração junta a procedimento gracioso se mantém no consequente procedimento de liquidação”, uma vez que, independentemente de se reconhecer que o resultado do primeiro é determinante na instauração do segundo e nos actos nele praticados, constituem procedimentos autónomos, pelo que, por força do disposto nos artigos 44.º e 45.º do CPC e 67.º 1 do CPA, as procurações passadas a conferir o mandato tributário devem ser juntas a cada um dos processos ou procedimentos em que seja interveniente o mandante. (Acórdão de 13 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 1356/16, integralmente disponível em www.dgsi.pt )

Relevando de novo a linha argumentativa exposta pelo Recorrente e sustentada no acórdão fundamento, importa ainda dizer que também não corresponde à realidade que o procedimento de inspecção não exista por si mesmo.

Desde logo porque a sua autonomia formal, em termos de regulamentação jurídica, é indiscutível, como resulta da previsão legal de admissibilidade de inspecções e, muito particularmente, da existência de um diploma especial em que esse procedimento está previsto e minuciosamente regulamentado desde o seu início até ao seu encerramento – RCPITA.

De resto, embora seja certo que o procedimento inspectivo visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias (artigo 2.º do RCIPTA), da sua instauração não decorre necessariamente a existência do procedimento de liquidação, o qual, formalmente, apenas existirá se, findo o procedimento de inspecção, neste se houver concluído pela verificação de irregularidades.

No acórdão desta Secção de 22 de Janeiro de 2020, proferido no processo n.º 915/16.4BERBG, convocando a tese que fez vencimento no acórdão de 3 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 167/18, não se ignorou, como diz o Recorrente, e ficou também assumido no acórdão fundamento, que o acto de liquidação adicional está intrinsecamente ligado ao procedimento de inspecção tributária, uma vez que a fundamentação deste se poder fazer por mera remissão para as conclusões daquele, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, 1ª parte do RCPITA. Porém, também cumpre não olvidar que o acto de liquidação, que podendo nesse relatório fundamentar-se, também dele se pode afastar, nos termos que igualmente se mostram previstos no artigo 63.º, n.º 1, 2ª parte do RCPITA.

De todo o modo, mesmo que se baseie integralmente naquele relatório, tal não invalida que goze de autonomia jurídico-procedimental em relação àquele, na medida em que, sendo consequente daquele procedimento, o acto de liquidação é praticado (i) após o acto com o qual culmina o procedimento de inspecção tributária, ou seja, após o acto de aprovação do relatório, (ii) por funcionários de uma área operativa diversa, ainda que dentro da mesma estrutura orgânica (iii) e a Direcção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspecção Tributária é também autónoma das restantes direcções de serviços (tudo, conforme artigos 16.º do RGIT conforme se constata do artigo 16.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira e al. q) do artigo 2.º da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de Dezembro).

Por fim, para que fiquem apreciados todos os argumentos convocados pelo Recorrente em abono da sua pretensão de revogação do acórdão recorrido e repristinação da doutrina do acórdão fundamento, impõe-se sublinhar que que a interpretação que vimos fazendo do quadro legal convocado, em especial a interpretação que fazemos do artigo 41.º do CPPT, não colide com os artigos 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 36.º, n.º 1 do CPPT, nem com o artigo 20.º da CRP e 66.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), nem, por fim, que a solução “cabal” da questão colocada só possa ser encontrada na disciplina consagrada no artigo 44.º do Código de Processo Civil.

Não colide com o artigo 268.º, n.º 3 da CRP nem 36.º n.º 1 do CPPT, porque a liquidação, conforme resulta dos factos apurados no acórdão recorrido, foi notificada “aos interessados” e “pela forma prevista na lei”, já que foi notificada aos contribuintes destinatários dessa liquidação (por carta registada com aviso de recepção, como também o impõe o n.º 1 do artigo 38.º do mesmo diploma legal).

Não colide com os artigos 20.º da CRP e 66.º do EOA, porque da interpretação que se faz do quadro legal, em especial do artigo 41.º do CPPT, não decorre, nem implicitamente, a criação de qualquer obstáculo ou impedimento a que os sujeitos passivos acedam ao direito e aos tribunais ou a qualquer autoridade administrativa representados por mandatários. O que traduz a interpretação que acolhemos é a exigência de que a intervenção do mandatário, incluindo a sua notificação, apenas seja feita nos termos em que a lei a exige, no caso, quando tiver sido constituído como tal no âmbito do procedimento em que os actos e a sua intervenção sejam admitidos ou em que aquela intervenção seja devida.

Donde, tendo sido admitido aos contribuintes visados no procedimento de inspecção a constituição de mandatário para os representar no âmbito do procedimento de inspecção, tendo esse mandato sido integralmente respeitado pela Administração, que notificou o mandatário, a par da notificação aos contribuintes, de todos os actos praticados após essa constituição e o convocou para, querendo, intervir em representação daqueles (como sucedeu quer com a notificação da audição prévia quer com a decisão do relatório final de inspecção), não se logra encontrar fundamento para que se julgue que os direitos constitucionais, processuais ou estatuários invocados tenham sido violados ou se mostrem violados pela interpretação por nós perfilhada.

Por último, não colide com a disciplina legal contida no artigo 44.º do CPC, pelo que não se aceita que a solução a dar à questão da relevância da procuração se deva buscar no mencionado preceito.

Note-se que o artigo 44.º do CPC não regula as situações em que os actos devem ser notificados aos mandatários. Estas situações, que abarcam a questão que apreciamos, encontram-se reguladas nos artigos 247.º e 248.º do mesmo diploma legal, em termos paralelos à consagrada no artigo 41.º do CPPT, sendo que, as exigências legais aí impostas foram observadas, não por referência àqueles preceitos, mas por referência ao normativo de natureza especial citado, que, como tal, se sobrepõe ao regime geral consagrado no Código de Processo Civil e que é apenas de aplicação meramente subsidiária no domínio dos processos da jurisdição fiscal.

Mas a irrelevância do preceituado no artigo 44.º do CPC impõe-se ainda numa outra perspectiva e que tem a ver com o objecto da regulamentação aí consagrada.

Como a leitura do artigo 44.º do CPC permite facilmente alcançar, o legislador processual cuida neste normativo de definir o conteúdo e alcance do mandato no âmbito dos processos judiciais, estendendo os poderes atribuídos pelo mandante no processo principal aos incidentes que nele venham a ser suscitados.

Ora, para além de a distinção, que vimos ser essencial, entre instituto de representação e mandatário judicial, não ter paralelo na regulamentação processual civil, o procedimento de liquidação, contrariamente ao afirmado pelo Recorrente, não constitui nenhum incidente processual do procedimento de inspecção. Incidentes processuais são todos os que se desenvolvem no processo, incluindo os respectivos incidentes da instância, mesmo que devam ser tramitados por apenso ao processo principal, o que, como vimos já não ser o caso por o procedimento de liquidação não constituir, dada a autonomia deste, também já dada por assente, nenhum incidente do procedimento de inspecção.

Por todo o exposto, fazendo nossa, no essencial, a súmula conclusiva realizada no acórdão desta secção de 22 de Janeiro de 2020, há que concluir que:

- O acto de liquidação adicional decorrente de procedimento de inspecção tributária em que tenha sido constituído mandatário tributário só tem legalmente que ser notificado ao contribuinte;

- Os actos de liquidação praticados no seguimento de um procedimento de inspecção tributária em que tenha sido constituído mandatário tributário são actos intrinsecamente ligados àquele procedimento, mas que gozam de autonomia jurídico-procedimental em relação ao mesmo, uma vez que o procedimento de inspecção tributária termina com a assinatura do relatório final da inspecção, onde são sistematizados os factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária, e o sancionamento superior das suas conclusões;

- A referida autonomia jurídico-procedimental daqueles actos de liquidação adicional determina que a sua eficácia, nos casos em que tenha sido constituído mandatário tributário no âmbito do procedimento de inspecção tributária, dependa apenas de notificação dos mesmos segundo a regra geral da notificação dos actos tributários do artigo 36.º, n.º 1 do CPPT, e não de notificação ao mandatário tributário nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 40.º do CPPT;

- A falta dessa notificação não afecta a eficácia do acto de liquidação, nem pode, à luz do actual quadro legal, consubstanciar uma irregularidade.

5. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2021

Anabela Ferreira Alves e Russo (Relatora – que consigna e atesta, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, que têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Senhores Juízes Conselheiros que integram esta Formação de Julgamento - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso (com voto de vencido) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro).

Voto de vencido

Permito-me discordar da deliberação aqui assumida pelo Pleno da Secção com os seguintes fundamentos que passo a enunciar.

Em primeiro lugar, entendo que deveria merecer acolhimento a questão prévia colocada pelo Digno P.G.A., junto deste Tribunal, quando defende que o recurso não devia ser admitido, dado resultar do exame da matéria conclusiva das alegações produzidas pelo apelante que as mesmas não são de molde a satisfazer o estatuído na lei em sede de recurso por oposição de acórdãos, antes visando a reapreciação da matéria em discussão.
Recorde-se que o recorrente, para impugnar adequadamente a decisão recorrida num recurso com fundamento em oposição de acórdãos, tem de apresentar uma alegação em que a ataque quanto aos seus fundamentos de facto ou de direito, não podendo nesta alegação (a prevista no artº.284, nº.5, do C.P.P.T.) limitar-se a repetir o que referiu na alegação preliminar sobre a existência de um conflito de jurisprudência. Se o fizer, tem de concluir-se que, embora possa ter, formalmente, cumprido o ónus de apresentar uma alegação (o que impede que se considere ser caso de o recurso jurisdicional ficar deserto, nos termos do artº.282, nº.4, do C.P.P.T.), não terá apresentado uma alegação que indique os erros que entende terem sido cometidos na decisão recorrida, o que implica a improcedência do recurso, por o S.T.A. não poder apreciar questões sobre as quais o recorrente não manifestou divergência com o decidido (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.T. anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª.Edição, 2011, IV volume, pág.484 e seg.).
No caso concreto, conforme se pode constatar do exame das primeiras e segundas alegações produzidas pelo recorrente (ao abrigo do artº.284, nºs.3 e 5, do C.P.P.T.), elas são praticamente idênticas. Mais, em nenhum momento do respectivo quadro conclusivo o apelante faz o confronto entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, sendo que este nem sequer é citado nas alegações de segundo grau. Em consequência, somos forçados a concluir, como o Digno P.G.A., junto deste Tribunal, que o recorrente pretende a mera reapreciação da matéria de direito pelo Pleno desta Secção do S.T.A., assim não estando reunidos os pressupostos para a admissão do presente recurso por oposição de acórdãos, contrariamente ao deliberado no projecto que mereceu vencimento.

Em segundo lugar, em sede de exame do mérito do recurso, o signatário entende, contrariamente ao projecto que fez vencimento, que a liquidação emitida em "procedimento de liquidação" deve ser notificada ao mandatário constituído no "procedimento de inspecção", sob pena de ineficácia.
Como pressuposto de tal conclusão, desde logo, se vinca que o acto de notificação de uma liquidação tributária não se deve considerar um acto pessoal, para efeitos de enquadramento na previsão do artº.40, nº.2, do C.P.P.T., matéria que não é controvertida nos arestos em confronto.
Por outro lado, o legislador tributário quando alude a "procedimento de liquidação", nomeadamente, no artº.59, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 6ª. Edição, 2018, pág.230 e seg.), utiliza o termo "liquidação" em sentido amplo, como conjunto de actos, juridicamente enquadrados, que têm por objectivo a determinação e quantificação da obrigação tributária, assim abrangendo, quer as actuações da A. Fiscal (v.g.aplicação de métodos indirectos ou indiciários, aplicação das taxas de imposto, cálculo das deduções devidas, etc.), quer as actuações dos contribuintes ou de terceiros (v.g.apresentação de declarações, enquanto obrigação acessória). Ora, com este sentido, o aludido "procedimento de liquidação", enquanto realidade dinâmica, também abarca os eventuais actos de inspecção que visam o objectivo de determinação e quantificação da obrigação tributária.
Com estes pressupostos, a dicotomia "procedimento de inspecção"/ "procedimento de liquidação" deve ser diluída, dado que o segundo também abarca o primeiro, assim sendo questionável a defendida perda de eficácia de uma procuração, junta pelo contribuinte em sede de procedimento gracioso de inspecção, quando surge a necessidade de notificação do acto de liquidação em sentido restrito, acto tributário por excelência.
Também, recorde-se que o artº.40, nº.1, do C.P.P.T., determina a obrigatoriedade de a notificação dos interessados que tenham constituído mandatário ser feita na pessoa deste, sendo que tal normativo se aplica às notificações a mandatários, tanto no procedimento tributário, como em processos judiciais tributários.
Por último, enumero os seguintes argumentos no sentido da manutenção do valor da procuração junta a procedimento gracioso de inspecção, para o consequente procedimento gracioso de liquidação:
1-O procedimento de inspecção não existe por si mesmo, antes devendo visualizar-se como preparatório da liquidação dos tributos, tendo como objectivo verificar a regularidade da situação tributária do contribuinte (cfr.artº.54, nº.1, da L.G.T.);
2-Da regulamentação autónoma - R.C.P.I.T. - da inspecção tributária não resulta que ela seja mais que uma acção preparatória ou complementar da liquidação dos tributos e faça parte do procedimento tributário em geral;
3-Sendo legal o relevo dado a procuração passada/apresentada por contribuinte em processo administrativo/tributário de natureza graciosa, aquando da instauração de consequente processo de natureza contenciosa, por maioria de razão se deve relevar a existência de procuração face a dois procedimentos de natureza graciosa;
4-O Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece, no seu artº.66 que: «O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.» e, nos termos do disposto no artº.20, nº.2, da Constituição da República Portuguesa "Todos têm direito, nos termos da lei, (…) a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade". Tal preceito constitucional, por respeitar a direito fundamental dos cidadãos, é directamente aplicável e vinculativo para as entidades públicas e privadas, só sendo passível de restrição nos casos expressamente previstos na Constituição, e limitado ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, por força do disposto no artº.18, do diploma fundamental;
5-Face às liquidações que tiveram suporte na acção inspectiva não é possível considerar, suportados num argumento razoavelmente lógico, que a procuração foi emitida apenas para a representação do contribuinte somente na acção inspectiva e não, também, no procedimento de liquidação de imposto em que ela se integra quando, entre o termo da inspecção e a estruturação da liquidação não há qualquer outro acto administrativo, pelo que, se se entender que os actos que precedem o acto de liquidação não fazem parte do procedimento de liquidação, terá de se concluir que não há nenhum procedimento (sequência de actos);
6-Não parece ser razoável que a constituição de mandatário, durante um procedimento de inspecção, não releve para o acto de liquidação que é o único acto impugnável e, por outro lado, o único para o qual parece ser impossível constituir mandatário, no pressuposto, consensual, de que a notificação de acto de liquidação não configura um acto pessoal, conforme mencionado supra;
7-A interpretação restritiva dada ao citado artº.40, nº.1, do C.P.P.T., no sentido de que a constituição de mandatário durante o procedimento de inspecção não impõe que lhe seja notificado o acto de liquidação que se fundamenta na decisão final de tal procedimento enferma, de vício de inconstitucionalidade (cfr.artº.20, nº.2, da Constituição da República Portuguesa).
Concluindo, contrariamente à posição que fez vencimento, entendo que a liquidação emitida em "procedimento de liquidação" deve ser notificada ao mandatário constituído no "procedimento de inspecção", sob pena de ineficácia do mesmo acto, assim pugnando pelo provimento do recurso e revogação da decisão recorrida, com as consequências legais.
Joaquim Manuel Charneca Condesso