Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0579/17.8BEAVR
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:INSOLVÊNCIA
IRS
Sumário:I - A comunicação de ato de liquidação, efetivado em decorrência do facto (tributário) de terem sido auferidos rendimentos de mais-valias, em cédula de IRS, tem de ser dirigida aos sujeitos passivos do imposto respetivo/contribuintes, no cumprimento, entre outras, da regra inscrita no art. 36.º n.º 1 do CPPT.
II - Tal ato é típico dos que, em matéria tributária, afetam os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, pois, além do mais, impõe ao destinatário (sujeito passivo do tributo), no âmbito da relação jurídico-tributária, a obrigação (principal) de efetuar o pagamento da dívida exequenda. Outrossim, a versada notificação é imperiosa, como elemento capaz de permitir espoletar, atempadamente, as possíveis, legais, formas de reação, graciosas e/ou contenciosas, dos indivíduos notificados.
III - A pessoa singular insolvente tem de ser notificada de qualquer ato de liquidação tributária, emitido, em seu nome, enquanto titular, por exemplo, de rendimento, mesmo depois da declaração, transitada em julgado, de insolvência.
IV - Esta obrigação de notificação decorre da condição (tributária) da(s) pessoa(s) singular(es) insolvente(s), bem como, é a que se adequa à circunstância de não existir (ao invés, das pessoas coletivas) qualquer normativo legal, expressamente, exigente e determinante, da realização dessa notificação na pessoa do administrador da insolvência.
V - O administrador da insolvência, além de assumir poderes de administração e representação (da massa insolvente e do insolvente), não passa, também, a substituir os insolventes no tratamento e resolução dos assuntos das suas esferas pessoais, individuais, nem a representação, para questões de cariz patrimonial, vai ao limite de ter de abranger a notificação de atos, como os de liquidação tributária, que, num momento inicial, se situam, a montante, da produção de concretos efeitos patrimoniais sobre a massa insolvente.
Nº Convencional:JSTA000P27204
Nº do Documento:SA2202102170579/17
Data de Entrada:10/18/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE DE A……… E B…………….
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

O/A representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro, em 3 de julho de 2018, que julgou procedente esta oposição a execução fiscal, para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, do ano de 2012, no montante de € 71.933,34, apresentada pela Massa Insolvente de A………….. e B………………..
A recorrente (rte) alegou e concluiu: «

1 - A presente oposição tem por base uma dívida de IRS respeitante a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de imóveis no âmbito do processo de insolvência dos executados.

2 - Sendo que a subjacente liquidação foi notificada aos insolventes.

3 - A declaração de insolvência determina a apreensão de bens do devedor e a sua entrega ao Administrador de Insolvência, passando os mesmos a constituir um património autónomo designado de Massa Insolvente, conforme decorre da conjugação dos art.s 36° e 46° do CIRE.

4 - A massa insolvente constitui apenas uma parte separada do património da pessoa singular a quem os bens pertencem e a quem não deixam de pertencer por força da declaração de insolvência; o que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas a transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, da pessoa insolvente para o administrador da insolvência (cfr. Art. 81° n° 1 do CIRE). Os bens não deixam de ser propriedade do insolvente; apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles (Ac. STA, de 31/05/2017, proc. 01410/16..)

5 - No caso, o valor da venda dos bens efectuada no âmbito da liquidação da Massa Insolvente, sendo superior ao valor de aquisição, está sujeito a IRS nos termos previstos na al. a) do n° 1 do art. 10° do CIRS.

6 - A pessoa singular não se extingue com a declaração de insolvência, nem pelo facto de ocorrer uma autonomização do seu património.

7 - A Massa insolvente não é sujeito tributário. Esse será sempre o insolvente.

8 - Assim, era aos insolventes, enquanto sujeitos tributários, que competia declarar o rendimento de mais-valias em causa.

9 - Consequentemente a liquidação é emitida em nome dos declarantes, e é aos declarantes que a mesma é, como foi, notificada.

10 - É também aos declarantes, na qualidade de sujeitos tributários, que assiste o direito de reclamar graciosamente ou impugnar a respectiva liquidação.

Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, requer a Vs.ª Exs.ª, seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a presente oposição improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça. »

*

A recorrida (rda) - Massa Insolvente … - apresentou contra-alegação, que termina concluindo: «

1 - A liquidação da divida exequenda foi emitida após a declaração de insolvência.

2 - Por força da declaração de insolvência o administrador de insolvência assumiu a representação dos insolventes para todos os efeitos patrimoniais.

3 - A liquidação deveria ter sido notificada ao administrador de insolvência enquanto representantes da massa insolvente e por força do disposto no artigo 81.º n.º 4 do CIRE, o que não sucedeu.

4 - Atenta a falta de notificação da liquidação a divida é inexigível.

Requer-se a V.ªs Ex.ªs seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, sendo essa a decisão consentânea com o Direito e a Justiça. »

*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, concluindo que deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, mantida in totum a sentença recorrida.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.

Na sentença, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

A) Por sentença proferida em 20/06/2011, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.° 1906/10.4T2AVR, que correu termos pelo Juízo do Comércio da Comarca do Baixo Vouga, A…………, NIF ……….. e B……….. NIF ………….., foram declarados insolventes, tendo sido nomeado Administrador de Insolvência, Dr. …………, com domicílio profissional na Rua ……….., bloco …, ….., apartado …., Anadia - cfr. fls. 6/9 dos autos.

B) Em 19/10/2016 foi emitida a declaração oficiosa de IRS, referente ao ano de 2012, fazendo constar do respetivo anexo G as mais valias obtidas com as alienações de imóveis realizadas nesse ano no âmbito do processo de insolvência - cfr. fls. 17/18 dos autos.

C) Nessa sequência, foi emitida a liquidação n.° 2016 5005311107, referente a IRS do ano de 2012 e respetivos juros compensatórios, da qual resultou um valor a pagar de 71.933,34 € - cfr. fls. 19 dos autos.

D) A liquidação mencionada na alínea anterior foi remetida a A…………… e B……………, por via postal sob o registo RY738332868PT, em 11/11/2016 - cfr. fls. 44/45 dos autos; facto não controvertido.

E) Em 03/01/2017, o Serviço de Finanças de Aveiro-1 instaurou contra A…………. e B………….. o processo de execução fiscal n.° 0051201701000373, para cobrança coerciva da dívida proveniente da liquidação a que se alude na alínea que antecede - cfr. fls. 14 dos autos.

F) Serve de base à execução referida na alínea antecedente a certidão de dívida n.° 2017/10086, da qual consta como data limite para pagamento voluntário o dia 14/12/2016 - cfr. fls. 15/16 dos autos.

G) O ofício de citação para o processo de execução fiscal foi remetido para o domicílio profissional do Sr. Administrador de Insolvência identificado na alínea B) supra, por via postal registada com aviso de receção assinado em 29/03/2017 - cfr. fls. 21/23 dos autos.

H) Em 13/04/2017 foi remetido ao Sr. Administrador de Insolvência o ofício n.° 1180, contendo a advertência ao citando de que a citação não foi efetuada na própria pessoa - cfr. fls. 24/25 dos autos. »

***

Neste recurso jurisdicional, pende, em exclusivo, a questão de saber se foi (ou não) errado o julgamento concretizado, em 1.ª instância, no sentido de ser inexigível a dívida exequenda (em pagamento coercivo no processo de execução fiscal visado pela presente oposição), porque a liquidação, oficiosa, de IRS e juros compensatórios, referente ao ano de 2012, no valor a pagar de € 71.933,34, somente, veio a ser notificada às pessoas singulares, num momento (11 de novembro de 2016) em que, já, haviam sido declaradas (20 de junho de 2011) insolventes e não (“como deveria ter sido”) ao, nomeado, administrador da insolvência “na qualidade de representante da massa insolvente, já que esta, apesar de não ser o sujeito passivo do imposto, é a responsável pelo seu pagamento”. Quid juris?

Previamente, ao solucionar desta problemática, importa coligir umas breves notas sobre o processo da insolvência, tendo por base o regime inscrito no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) (Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de março; que iniciou vigência 180 dias, após..)

O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, quando o insolvente/devedor (aquele que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas) é uma pessoa singular, na liquidação do seu património e repartição do produto obtido pelos credores, pelo que, na sentença que declara a insolvência, o juiz, além do mais, “(d)ecreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos”.

Entre os órgãos da insolvência, à cabeça, encontra-se o administrador (da insolvência), que assume, imediatamente, a sua função, após notificado da nomeação pelo juiz, cabendo-lhe, entre outras tarefas, a de “(p)reparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram”. Outrossim, por expressa imposição legal ( Ressalvados os caos em que na massa insolvente esteja compreendida uma empresa e o juiz, na sentença declaratória da insolvência, determine o assegurar, da administração da massa insolvente, pelo devedor.,) a declaração de insolvência priva imediatamente (na hora em que é proferida a sentença) o insolvente, por si ou pelos seus representantes, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente ( Por definição legal, “destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”.,) os quais passam a competir ao administrador da insolvência, que, também, de imediato, “assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”.

Quanto ao devedor insolvente, importa, determinantemente, não esquecer que, na sequência, por efeito, da declaração de insolvência, fica, expressamente, obrigado a, entre o mais, “(f)ornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal”, bem como, “(p)restar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções”. Ora, não temos dúvidas em afirmar, quanto a esta imposição de irrecusável colaboração, que a mesma abarca, não só a que lhe é solicitada pelo administrador da insolvência, como também, aquela que, voluntariamente, na condição de pessoa responsável, cumpridora, bom cidadão, tem de prestar, sobretudo e em particular, com o desiderato de aquele poder, na plenitude, exercer a sua a representação para todos, sem distinção, os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência.

Nesta sequência e porque se vai discutir, em paralelo, a realização de atos de notificação (em matéria tributária), cumpre, ainda, ter presente que esta consubstancia o ato pelo qual, em primeira linha, se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa, sendo incontornável ter, sempre, em mente que “(o)s actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”. Mais, se impõe atentar em que, no procedimento e processo tributários, vigoram normas, específicas, quanto à realização de notificações aos mandatários, das pessoas coletivas ou sociedades e das autarquias locais e dos serviços públicos - cf. artigos (arts.) 40.º, 41.º e 42.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Resta, no âmbito deste último diploma e, portanto, no campo, específico, do direito tributário, não olvidar o disposto no art. 180.º do CPPT, destacadamente, o seu n.º 6 que regula a cobrança coerciva, em execução fiscal, de créditos vencidos após a declaração de falência; leia-se, insolvência.

Com estas linhas orientadoras e, complementarmente, não havendo qualquer dúvida, sobretudo, ao nível da jurisprudência do STA, de que os “bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência continuam a ser propriedade do insolvente até à venda” e que a “diferença entre o valor de aquisição e de venda dos bens imóveis, ainda que esta se faça em processo de insolvência e o respectivo produto fique afecto à satisfação dos credores da insolvência, não deixa de ser um rendimento obtido pelo insolvente, que está obrigado a declará-lo( Cf., v.g., acórdão de 31 de maio de 2017 (01410/16).,) tratando-se de pessoas singulares, a título de rendimentos de mais-valias (anexo G), em cédula de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), como sucedeu, neste caso, com os insolventes, é evidente que a comunicação de qualquer ato de liquidação, efetivado em decorrência desse facto tributário, tem de ser dirigida aos sujeitos passivos do imposto respetivo/contribuintes, no cumprimento, entre outras, da regra, acima identificada, inscrita no art. 36.º n.º 1 do CPPT. Efetivamente, tal ato é típico dos que, em matéria tributária, afetam os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, pois, além do mais, impõe ao destinatário (sujeito passivo do tributo), no âmbito da relação jurídica tributária, a obrigação (principal) de efetuar o pagamento da dívida exequenda ( Cf., art. 31.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT)).. Outrossim, a versada notificação impõe-se, como elemento capaz de permitir espoletar, atempadamente, as possíveis, legais, formas de reação, graciosas e/ou contenciosas, dos indivíduos notificados.

Sendo este o cenário geral, importa, agora, determinar se, no caso do ato de liquidação dizer respeito aos rendimentos de pessoa singular, já, insolvente, a notificação do mesmo lhe deve ser dirigida ou não; na negativa, porque tem de ser remetida, somente, ao administrador da insolvência.

A pessoa singular insolvente, por essa condição, não perde a personalidade tributária, detida até então, ou seja, mantém a suscetibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias, pelo que, como in casu, se, por qualquer via, não impedida pela declaração de insolvência, continuar a auferir rendimentos passíveis de IRS, terá de assumir, só por si, na sua pessoa, a condição de sujeito passivo, da correspondente relação tributária, continuando, portanto, vinculado ao cumprimento da competente prestação tributária. Assim sendo, em primeira linha, sem reservas, afirmamos que, tal como os insolventes nestes autos, tem de ser notificada de qualquer ato de liquidação tributária, emitido, em seu nome, enquanto titular, por exemplo, de rendimento, mesmo depois da declaração, transitada em julgado, de insolvência. Só deste modo, por um lado, a autoridade tributária e aduaneira (AT) salvaguarda a sua posição de cobrança, obstando, além do mais, ao funcionamento de institutos como a caducidade do direito de liquidar e/ou a prescrição da prestação tributária e, por outro, o verdadeiro e efetivo, sujeito passivo pode reagir (ou promover a reação) da forma que lhe aprouver, prosseguindo os objetivos queridos.

Neste momento, já, se identifica que perfilhamos o entendimento de que, os, aqui, insolventes, deviam e foram, legalmente, notificados, em novembro de 2016, da liquidação de IRS e juros compensatórios, cujo valor a pagar, voluntariamente, até 14 de dezembro do mesmo ano, corresponde ao da quantia exequenda, de execução fiscal instaurada, contra ambos, no dia 3 de janeiro de 2017 (Problemática diferente e interessante, sobretudo, quanto a determinação de eventuais consequências, mas, que não cabe na discussão em curso, seria a de saber se esta execução fiscal podia, em 2017, ser instaurada contra os insolventes (declarados em 2011) ou se houvera de o ser contra a massa insolvente de ambos..) Este resultado é o que decorre do acabado de referenciar sobre a condição (tributária) da(s) pessoa(s) singular(es) insolvente(s), bem como, é o que se adequa à circunstância de não existir (ao invés, das pessoas coletivas) qualquer normativo legal, expressamente, exigente e determinante da realização dessa notificação na pessoa do administrador da insolvência ( Isto não impede que, no ensaio de uma atuação o mais informativa/transparente possível, os serviços da AT possam optar por, sendo conhecida, há muito, a insolvência e a identidade (com contactos) do respetivo administrador, também, darem conhecimento a este..)

Ademais, além da ausência deste, específico, comando legislativo, a obrigatoriedade de notificar o administrador da insolvência (e não os sujeitos passivos/contribuintes), sob pena de inexigibilidade da dívida exequenda, não pode ser defendida e imposta, a coberto do argumento de que este é que representa a massa insolvente, sendo o responsável pelo seu pagamento.

Como supra assentamos, não é discutível que, com a declaração de insolvência, os visados perdem, de imediato, os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, que, também, imediatamente, assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. Mas, estas premissas não equivalem a dizer, em primeiro lugar, que o administrador da insolvência passa, também, a substituir os insolventes no tratamento e resolução dos assuntos das suas esferas pessoais, individuais, nem, em segundo lugar, que a representação, para questões de cariz patrimonial, vá ao limite de ter de abranger a notificação de atos, como os de liquidação tributária, que, num momento inicial, se situam, a montante, da produção de concretos efeitos patrimoniais sobre a massa insolvente ( Cogite-se a hipótese de o insolvente (pessoa singular), notificado de ato de liquidação, por intermedio dos seus representantes/mandatários judiciais, o impugnar, graciosamente, obtendo, de imediato, a respetiva anulação e consequente, desaparecimento de quaisquer futuros efeitos de caráter patrimonial sobre a massa insolvente. Pense-se, ainda, nos casos de os créditos, da AT, se vencerem após a declaração de insolvência e no funcionamento do disposto no art. 180.º n.º 6 do CPPT..) Igualmente, esta decretada representação, também, de modo algum, abrange, no sentido de condicionar, a possibilidade de os insolventes poderem (continuarem a poder) decidir sobre e acionar, todos, os mecanismos de impugnação/oposição/recurso, designadamente, contra um ato de liquidação que lhes seja pessoalmente notificado (e não ao administrador da insolvência).

Assim sendo, só resta aludir, para não ficarem pontas soltas e concretizar o que deve ser feito, em situações similares a esta, que à pessoa singular insolvente, notificada de liquidação tributária, respeitante a rendimentos sujeitos a IRS, é exigido, em execução da obrigação, a que se encontra adstrita, de toda a colaboração com o administrador da insolvência (com os contornos acima traçados), comunicar a este o conteúdo integral do ato em causa, para que possa acautelar, na medida do possível e dentro da legalidade, os potenciais efeitos patrimoniais sobre a massa insolvente. Acresce, como, de forma acertada, aconteceu neste processo, que a citação (dos executados), para os termos do processo de execução fiscal, seja efetivada na pessoa do, nomeado, administrador da insolvência (Pontos G) e H) dos factos provados.,) porquanto, neste quadrante, a produção de consequências de cariz patrimonial/financeiro, na massa insolvente, apresenta, já, uma probabilidade bastante elevada e, também, permite a disponibilização de dados, imediatos, para poderem ser equacionadas as hipóteses de ser requerida dação em pagamento e/ou pedido o pagamento em prestações.

Antes de decidir, impõe-se, em ordem a excomungar dúvidas futuras, esclarecer que o entendimento assumido neste aresto não confronta e muito menos, objetiva colocar em causa a jurisprudência, deste STA (Com expressão, recente, no acórdão proferido em 18 de novembro de 2020 (871/19.7BEAVR).,) defensora de que a notificação da liquidação tributária, efetuada a uma sociedade que tenha sido declarada insolvente, deve ser feita na pessoa do administrador da insolvência. É que, nos casos das pessoas coletivas ou sociedades, esta solução é imposta, expressamente, desde sempre, pelo art. 41.º n.º 3 do CPPT ( E, já antes, no art. 68.º n.º 3 do Código de Processo Tributário (CPT)..)

Concluindo, a sentença recorrida encerra errado julgamento, ao defender que a dívida exequenda, do processo de execução fiscal, a que se dirigiu esta oposição, é inexigível (fundamento previsto no art. 204.º n.º 1 al. i) do CPPT), por a liquidação (de IRS e juros), que a suporta, não ter sido notificada ao administrador da insolvência, mas, aos oponentes insolventes.

*******

# III.

Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

- determinar o regresso do processo ao TAF de Aveiro, para conhecimento e decisão das questões que, pela decisão revogada, foram consideradas prejudicadas.

*

Custas pelos recorridos


*****

[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 17 de fevereiro de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (Relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.