Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0417/18.4BALSB
Data do Acordão:01/30/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REQUISITOS
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - De harmonia com o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo requisito para a sua admissibilidade a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.
III - Não pode prosseguir recurso com fundamento em oposição de julgados se a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento não contêm decisões opostas sobre a questão de direito sobre a qual se invocava existir oposição de julgados.
Nº Convencional:JSTA00070854
Nº do Documento:SAP201901300417/18
Data de Entrada:04/26/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Objecto:DECISÃO DO CAAD
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO
Área Temática 1:PROCESSO TRIBUTÁRIO
Legislação Nacional:ARTIGO 25º, N.º 2 DO RJAT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão arbitral de 14.03.2018 proferida nos autos que correram termos no CAAD, sob o nº 116/2014-T, a qual julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IUC e juros compensatórios deduzido pela recorrida A………., S.A, veio ao abrigo do nºs 2 e 3 do artigo 25.º do RJAT e do nº2 do artº 152º CPTA, interpor recurso para o Pleno do Contencioso deste Tribunal por considerar que a referida decisão arbitral está em oposição com o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.03.2015, proferido no âmbito do recurso nº 08300/14.

2 - Por despacho de 20.06.2018 foi admitido o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artº 27º, nº1, al. b) do ETAF, 152º, nº4 do CPTA e 26º, nº1 do RJAT.

3 - A recorrente veio apresentar no seu requerimento de recurso alegação tendente a demonstrar alegada oposição de julgados com o seguinte quadro conclusivo:

«i) Em face de tudo o exposto supra, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

ii) Vem o presente Recurso por Oposição de Acórdãos interposto da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Singular, constituído sob a égide do CAAD, no âmbito do processo n.º 116/2014- T, a qual julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, entendendo que as facturas por si só são suficientes a ilidir a presunção de propriedade estabelecida no Art.º 3.º do CIUC e, por esse facto, aptas a demonstrar a efectiva transmissão de propriedade dos veículos automóveis;

iii) A decisão arbitral recorrida colide frontalmente com o acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo TCAS, a 2015.03.19, no âmbito do Proc. N.º 08300/14 ("acórdão fundamento"), encontrando-se irremediavelmente inquinado, do ponto de vista jurídico, por errada interpretação do Art.º 3.° do CIUC;

iv) Assim, enquanto o Tribunal Arbitral Singular entendeu que as facturas, por si só, são suficientes a ilidir a presunção estabelecida no Artº 3.º do CIUC e, por esse facto, aptas a demonstrar a efectiva transmissão de propriedade dos veículos, em sentido totalmente oposto se pronunciou o "acórdão fundamento", no qual estava igualmente em causa a ilisão da presunção de propriedade através de facturas, tendo considerado que estas últimas são manifestamente insuficientes para ilidir a presunção do Art.º3.º do CIUC, porquanto, quer as facturas quer as notas de débito, consubstanciam documentos particulares e unilaterais com valor insuficiente para, à luz do probatório material, negar a validade dos factos - a propriedade dos veículos - sobre os quais existe uma prova legal- presunção legal- que isenta a Recorrente de qualquer ónus probatórios e que não é contrariável através de uma mera contraprova;

v) Verifica-se uma evidente e inarredável contradição entre a decisão recorrida e o "acórdão fundamento" quanto ao valor probatório das facturas e à ilisão da presunção estabelecida no Artº 3.º do CIUC, isto é, existe uma manifesta contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida;

vi) A infracção a que se refere o Artº 152.º n.º 2 do CPTA consiste num erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o Tribunal Arbitral Singular adoptou uma interpretação da referida norma do CIUC em patente desconformidade com o quadro jurídico vigente;

vii) Todavia ficou devidamente demonstrado que a linha de raciocínio adoptada pelo Tribunal Arbitral Singular é ilegal, na medida em que as facturas são manifestamente insuficientes para ilidir a presunção estabelecida no Art.º 3.° do CIUC, porquanto, quer as facturas quer as notas de débito, consubstanciam documentos particulares e unilaterais com valor insuficiente para, à luz do probatório material, negar a validade dos factos - a propriedade dos veículos -, sobre os quais existe uma prova legal - presunção legal- que isenta a Recorrente de qualquer ónus probatório e que não é contrariável através de uma mera contraprova;

viii) Nesse sentido, aponta o "acórdão fundamento", bem como diversa jurisprudência supra citada do CAAD (cfr. decisões arbitrais nº 63/2014- T, nº 150/2014- T e nº 220/2014- T), ao considerar que «tanto a factura como a nota de débito constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e que se destinam ao exterior. A factura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada. Por sua vez, a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr.artº. 787, do C.Civil; António Borges e Outros, Elementos de Contabilidade Geral, 14ª. edição, Editora Rei dos Livros, pág.62 e seg). Assim sendo, deve concluir-se que a sociedade recorrida nem sequer produziu prova relativa à alegada venda dos veículos, sendo que: teria que provar que não era proprietária das viaturas à data a que dizem respeito as liquidações, o que: implicaria, no caso concreto, provar quem era o actual proprietário. E recorde-se que esta prova seria fácil de fazer, bastando à recorrida actualizar o registo, para o que tem a legitimidade como vendedor e de forma unilateral, promovendo o registo dos veículos em nome dos compradores, através de um simples requerimento, nos termos do artº 25, nº 1, al.d), do Regulamento do Registo Automóvel, tudo conforme já mencionado acima. Resumindo, a prova apresentada pela recorrida é constituída, exclusivamente, por documentos particulares e unilaterais, com um valor insuficiente para, à luz do direito probatório material, negar a validade de factos - a propriedade de veículos - sobre os quais existe uma prova legal- presunção legal – que isenta a A. Fiscal de qualquer ónus probatório, e que não é contrariável através de mera contraprova, que lance dúvida sobre os factos provados pela presunção»;

ix) Do resumo jurisprudencial citado podemos retirar com razoável certeza que, quer os tribunais arbitrais quer o "acórdão fundamento", concluem inevitavelmente, em face das razões apontadas, para que as facturas não sejam, por si só, susceptíveis para ilidir a presunção estabelecida no Art.º 3.° do CIUC, na medida em que consubstanciam meros documentos particulares e unilaterais, com valor insuficiente à luz do direito probatório para ilidir uma presunção legal, como aquela que goza a Recorrente no caso vertente.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deve o presente Recurso por Oposição de Acórdão ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, devendo, em consequência e nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser proferido acórdão que decida no sentido preconizado no "acórdão fundamento".

3 –A recorrida não apresentou contra – alegações.

4 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer com a seguinte fundamentação que, na parte relevante, se transcreve:
(….), crê-se não resultar reunido o previsto no art. 25.º n.º 2 do R.J.A.T., existência de oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com acórdão proferido pelo T.C.A. ou pelo S.T.A..
Com efeito, tal tem sido entendido nos mesmos termos dos demais recursos de uniformização, pressupondo, nomeadamente, contradição com pronúncia expressa quanto a idêntica questão fundamental de direito, no quadro de idêntica regulamentação jurídica aplicável e idênticas situações de facto, tendo ainda a decisão proferida de não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada – artigos 27.°, n.º 1, al. b) do E.T.A.F. vigente, e art. 152.°, n.°s 1, al. a) e 3 do C.P.T.A. - assim, entre outros, acórdãos do S.T.A. de 26-9-07 no processo 0452/07, de 12-12-12 no processo 0483/12 e de 27-6-2018 no processo 0165/18 (semelhante ao presente caso), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Na versão do C.I.U.C. vigente à data dos factos que são todos anteriores a 2012, é entendimento constante de jurisprudência que a presunção do mesmo constante admite prova em contrário, de acordo com o previsto no artigo 73.º da L.G.T., conforme decidido já pelo S.T.A. em vários arestos, em que sobressai o de 25-1-17, proferido no processo n.º 0589/16, pelo Pleno, o que não foi posteriormente alterado, pelo decidido nos acórdãos de 18-4-2018 nos processos n.ºs 0206/17 e 01341/17, tratando-se, pois, de jurisprudência consolidada.
Acresce que o circunstancialismo de facto das decisões em confronto é diverso, pois a decisão proferida no C.A.A.D. assenta em sociedade emitente se dedicar a locação financeira e a aluguer de longa duração (ALD), enquanto a do acórdão fundamento se dedica a gestão de frota e a aluguer.
E o dito contrato de locação financeira tem regulamentação específica, nomeadamente, no Decreto-Lei n.º 14/95, de 24/6, à mesma se equiparando o A.L.D. em aspetos como a opção de compra.
Não é, pois, de reconhecer que exista a dita oposição quanto à mesma questão fundamental de direito.
Concluindo:
Não é de conhecer do mérito do recurso.»

5 – Cumprido o disposto no artº 92º, nº 1 do CPTA - vista dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos - cumpre apreciar em conferência do Pleno da Secção.

6 – Na decisão arbitral sob recurso encontram-se fixados os seguintes factos:
«A Requerente é uma instituição financeira de crédito que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos;
No âmbito da sua actividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de ALD e contratos de locação financeira tendo por objecto veículos automóveis;
Os 45 documentos de pagamento de IUC referem-se a veículos em relação aos quais, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, havia sido emitida, pela Requerente, uma factura de venda a terceiro;
A Requerente pagou o imposto e os juros compensatórios que ora se discutem.»

7 – No acórdão fundamento de 19.03.2015, proferido no recurso 08300/14, do Tribunal Central Administrativo Sul, foi fixado o seguinte probatório:
«1-A firma impugnante é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis, no âmbito da qual celebrou vários contratos de aluguer com os respectivos locatários, tendo estes últimos adquirido as viaturas ao abrigo do direito de opção de compra, no termo final dos respectivos contratos (cfr.documentos de facturação aos clientes juntos a folhas não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso);
2-As viaturas em causa encontravam-se registadas no registo automóvel, à data do respectivo aniversário da data de matrícula relativo ao ano de 2008, em nome da impugnante (cfr.factualidade admitida pela impugnante no artº.51 da p.i.; informação da A. Fiscal constante de fls.65 e 66 dos presentes autos; projecto de decisão junto a fls.16 e 17 do processo de reclamação graciosa apenso);
3-Foi efectuada a liquidação oficiosa do imposto pelos serviços competentes da DGI por falta de liquidação do mesmo por parte do s.p., da qual foi deduzida reclamação graciosa que mereceu decisão de indeferimento de 28/02/2013, com fundamento na informação dimanada dos serviços, tudo conforme consta de fls.20 e 21 do processo de reclamação graciosa apenso (cfr.relação dos actos tributários relativos ao ano de 2008 constante de fls.14 e 15 do processo de reclamação graciosa apenso);
4-A reclamação graciosa referida supra foi fundamentada na caducidade do direito de liquidação do imposto, o qual mereceu projecto de decisão de indeferimento, tendo o reclamante apresentado requerimento no exercício do direito de audição em que sustenta que já não era o s.p. do tributo em relação às viaturas aí identificadas, por já não ser proprietário dos veículos a que a mesma dizia respeito no ano a que se reporta a exigibilidade do imposto e por força dos contratos de aluguer que havia celebrado com os locatários e em cujo termo foi exercido a opção de compra das viaturas, assim como da declaração de perda de dois veículos por sinistro e furto (cfr.requerimentos apresentados pela reclamante constantes do processo de reclamação graciosa apenso).»


8. Da admissibilidade do recurso de uniformização
O presente recurso vem interposto, ao abrigo do art.º 25.º, nº2, do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (regime da arbitragem Tributária), da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo nº 116/2014-T, a qual julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IUC e juros compensatórios deduzido pela recorrida A…………, S.A.
Invoca a recorrente que tal decisão arbitral está em alegada oposição com a doutrina do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.03.2015, proferido no âmbito do processo nº 08300/14.
Neste Supremo Tribunal o Ministério Público sustenta que não se verifica um dos requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA: contradição de julgados relativamente à mesma questão fundamental de direito.
Por isso, e perante o circunstancialismo fáctico-jurídico supra descrito cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1)

8.1 De harmonia com o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral. (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º)
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste âmbito serão de assim de manter os critérios jurisprudenciais já firmados no domínio da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposições de julgados.

Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

No que concerne à existência da oposição, exige-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser detectada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá decorrer de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que implica que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, pags. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pag. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, todos in www.dgsi.pt.
Note-se, em todo o caso, que, conforme determina o n.° 3 do artigo 152.°, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.


8.2 No caso vertente, tanto quanto se depreende das alegações de recurso, a entidade recorrente sustenta existir contradição de julgados quanto à mesma questão fundamental de direito, ou seja, a questão de saber se a presunção constante do art. 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), na redacção então aplicável (da Lei n.º 82-B/2004, de 31 de Dezembro (Que foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto.) pode ou não considerar-se ilidida em face dos documentos apresentados nos autos, alegando que a sindicada decisão arbitral incorre em oposição de julgados com o que, sobre tal questão, foi decidido pelo acórdão de 19.03.2015, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul âmbito do processo nº 08300/14 (acórdão fundamento).

Alega a entidade recorrente que «enquanto o Tribunal Arbitral Singular entendeu que as facturas, por si só, são suficientes a ilidir a presunção estabelecida no Artº 3.º do CIUC e, por esse facto, aptas a demonstrar a efectiva transmissão de propriedade dos veículos, em sentido totalmente oposto se pronunciou o "acórdão fundamento", no qual estava igualmente em causa a ilisão da presunção de propriedade através de facturas, tendo considerado que estas últimas são manifestamente insuficientes para ilidir a presunção do Art.º 3.º do CIUC, porquanto, quer as facturas quer as notas de débito, consubstanciam documentos particulares e unilaterais com valor insuficiente para, à luz do probatório material, negar a validade dos factos - a propriedade dos veículos - sobre os quais existe uma prova legal- presunção legal- que isenta a Recorrente de qualquer ónus probatórios e que não é contrariável através de uma mera contraprova».

Entendemos, porém, que não se verifica a aventada oposição.
Vejamos.

No acórdão fundamento estava em causa um recurso interposto pela Fazenda Pública de sentença que julgara procedente impugnação de IUC, revogando a sentença na parte em que julgara procedente a impugnação e anulara as liquidações sindicadas.
O referido aresto concedeu provimento ao recurso ali se deixando consignado que embora o artº.3, nº.1, do C.I.U.C., consagre uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, tal presunção é ilidível, por força do artº.73, da L.G.T.,
Mais se entendeu que a ilisão da presunção obedece à regra constante do artº.347, do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, não bastando à parte contrária opor a mera contraprova, antes lhe cabendo provar que não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas, o que não logrou fazer através dos meios de prova que apresentou – facturas e notas de débito -, dado tratar-se de meros documentos particulares e unilaterais, cuja emissão não supõe a intervenção da contraparte no alegado acordo, assim tendo um reduzido valor para provar a existência de um contrato sinalagmático, como é a compra e venda.

Já na decisão arbitral sindicada estava em causa o pedido de pronúncia arbitral, em que era peticionada a anulação dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos aos vinte e um (21) veículos automóveis identificados no pedido de pronúncia arbitral e correspondentes juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2009 a 2012, no valor total de € 2.333,23, bem como reembolso de igual montante e pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.
Pedido esse que foi julgado procedente, tendo sido condenada a Administração Tributária ao reembolso do imposto pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, no entendimento de que o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, consagra uma presunção ilidível de que os proprietários dos veículos – sujeitos passivos do imposto – são as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, presunção esta que foi julgada ilidida pelos meios de prova apresentados pela Requerente, julgados adequados e capazes de ilidir a presunção decorrente do registo, julgando provado que os veículos haviam sido vendidos pela Requerente em momento anterior ao da exigibilidade do imposto, razão pela qual entendeu que as liquidações de IUC efectuadas à Requerente enfermavam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Na apreciação de tais elementos de prova consignou-se na decisão arbitral recorrida o seguinte:
«É certo, como invoca a Requerida, que muitas situações existem em que as facturas não titulam qualquer negócio jurídico. No caso dos autos, porém, nenhum elemento nos permite concluir que as facturas juntas não titulem nenhum negócio, sendo certo que a sua falsidade não foi sequer arguida pela Requerida, que se limitou a invocar existirem várias situações dessas, sem concretamente referir que a situação dos autos se subsumia a tal.
Assim sendo, à míngua de quaisquer elementos ou fundamentos que nos permitam concluir o contrário, teremos, naturalmente, de aceitar a veracidade dos documentos juntos.»

E foi com base na assunção desse pressuposto fáctico que na decisão arbitral se exarou que «à data do facto gerador do imposto (data da matrícula ou de cada um dos seus aniversários) a Requerente havia alienado todos os 30 veículos, pese embora as referidas alienações não tenham sido espelhadas no competente registo (….) não sendo, por isso, sujeito passivo do IUC liquidado»
Em suma ambas as decisões em confronto consignam que o artigo 3.º, n.º 1 do Código do Imposto Único de Circulação consagra uma presunção legal, ilidível, de que é proprietário do veículo quem como tal figure no registo, radicando os distintos sentidos das decisões em confronto em diferentes valoração da prova produzida nos respectivos processos, no exercício do poder de livre apreciação que ao tribunal é conferido (art.607º, nº 5 CCivil).

Ora como se sublinhou no Acórdão do Pleno desta Secção de Contencioso Tributário de 27.06.2018, proferido no Recurso n.º 165/18 (Em sentido idêntico se pronunciaram os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 06.06.2106, recurso 63/16 e de 14.12.2016, recurso 535/16.) , sobre questão de inequívoca similitude com a dos autos, e cuja fundamentação subscrevemos, «as questões de valoração da prova não podem servir de fundamento ao recurso para uniformização de jurisprudência.
A oposição entre os arestos situa-se num plano simplesmente de facto: o acórdão recorrido julgou que a prova produzida lhe permitia afastar a referida presunção, ou seja, que os elementos de prova juntos aos autos foram suficientes para que o tribunal arbitral formasse a sua convicção quanto à transmissão da propriedade dos veículos automóveis, enquanto o acórdão fundamento entendeu, com base em meios de prova parcialmente idênticos, que a prova produzida não era bastante para ilidir a presunção.
Essa discrepância verifica-se em sede de julgamento de facto, pelo que não afirmar-se que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, divergência essa poderia servir de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência.»

Não se verificam, pois, os requisitos do recurso do recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos arts. 25º, nº 2 do RJAT e no 152º do CPTA, nomeadamente a existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, pelo que o presente recurso não deve ser admitido.

9. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente.
Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2019. - Pedro Manuel Dias Delgado (relator) - Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.