Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0506/19.8BEPRT
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IMPOSTO DE SELO
EDIFICAÇÃO
AUTORIZAÇÃO
HABITAÇÃO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
Sumário:I -Na verba 28 verba n.º 28 da TGIS, na redacção introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, não se institui qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.
II - A Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro clarificou que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
III - Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação.
IV - Reportando-se a presente situação aos anos de 2014 e 2015, como ao tempo não existia qualquer elemento que apontasse para a potencial utilização mista do prédio em causa pois só em certidão de 18.11.2019 é lavrado o despacho, em que foi licenciada a construção de um edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, sem dar conta da percentagem de utilização para cada uma dessas finalidades, a sua tributação foi efetuada de acordo com a finalidade prevista e declarada - a habitacional - em conformidade com verba n.º 28 da TGIS, na redacção introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Nº Convencional:JSTA000P27200
Nº do Documento:SA2202102170506/19
Data de Entrada:11/06/2020
Recorrente:A…………..
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A……………, melhor sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 23-06-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação do acto de indeferimento do pedido de revisão das liquidações de imposto de selo referentes a 2014 e 2015, cada uma delas no montante de €11.427,44, relativas ao imóvel inscrito na matriz predial de Vila do Conde sob o artigo 9015º e julgando improcedente o pedido de devolução das quantias pagas acrescidas de juros.

Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente A…………., as seguintes conclusões:

a- Vem o presente recurso interposto da sentença do TAFPorto que considerou não existir, no caso, vicio de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto ou direito do ato tributário, concluindo pela improcedência da Impugnação.
b- Não se conforma o Recorrente com a decisão proferida.
c- O Mº Juiz, sancionando a procedimento, alegação e fundamentos da AT, bastou-se, com os elementos, mencionados nos pontos 4 e 9 da factualidade assente - modelo 1 de avaliação e descrição do imóvel na matriz- para fundamentar a decisão que proferiu.
d- Sendo certo que tal consideração das inscrições na matriz e modelo para avaliação, não são idóneos e decisivos para a procedência do fundamento invocado, com entendeu o Tribunal recorrido.
d- Era à AT que incumbia provar que o prédio em causa se destinava exclusivamente à habitação, já que, sendo esse o fundamento da liquidação, sobre ela recai o ónus da prova desse facto, como se conclui do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
e- No caso concreto, não se logrou apurar a existência de qualquer ato definindo as características do edifício que poderá ser construído no terreno para construção em apreço, designadamente o concreto e rigoroso fim a que se destina.
f- Uma vez que o ónus da prova desse facto recaía sobre a AT (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT, a dúvida sobre a existência ou não da possibilidade de construção de edifício exclusivamente destinado a habitação no terreno em apreço tem de ser valorada processualmente em favor da Requerente (cf. artigo 100.º, n.º 1, do CPPT)
g- Tendo presente a realidade que envolve a situação descrita nos autos, deve considerar-se anulável o ato de liquidação, por ilegal, dado que a interpretação dada à verba 28.1 da TGIS pela AT não pode ser acolhida, na medida em que não atende às concretas afectações habitacionais e não habitacionais que possam estar previstas para o prédio a edificar..
h- Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.
i- A sentença recorrida que adoptou diversa interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, aplicável a estes autos, enferma, pois, de erro de direito a determinar a sua revogação..
j- Ressalta, assim, a ilegalidade do acto tributário praticado, devendo ser anulado, por procedência do presente recurso que deverá ordenar a revogação da douta sentença proferida.
NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, com o douto suprimento de V/Ex.ªs Senhores Doutores Juízes Conselheiros, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, por consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, nos termos e fundamentos invocados, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a Impugnação.

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, com a seguinte fundamentação:

“A…………, veio interpor o presente recurso da sentença de impugnação proferida pelo TAF do Porto, em relação ao ato de indeferimento do pedido de revisão das liquidações de imposto de selo referentes a 2014 e 2015, cada uma delas no montante de € 11.427,44, relativas ao imóvel inscrito na matriz predial de Vila do Conde sob o artigo 9015º.
O impugnante não se conforma como facto, de o juiz “a quo” se ter bastado com as considerações das inscrições na matriz e modelo para avaliação do imóvel, para ter concluído que o prédio em causa se destinava exclusivamente à habitação, sendo esse o fundamento da liquidação.
Diz o Recorrente que não foi apurada a existência ou não da possibilidade de construção de edifício exclusivamente destinado a habitação no terreno.
Que o ónus dessa prova, competia à Autoridade Tributária e que esta não o fez.
Assim, entende que o ato de liquidação deve ser anulável, “…por ilegal, dado que a interpretação dada à verba 28.1 da TGIS pela AT não pode ser acolhida, na medida em que não atende às concretas afetações habitacionais e não habitacionais que possam estar previstas para o prédio a edificar.”
Vejamos.
Em abono da sua posição apresenta o Recorrente as decisões proferidas no Ac. proferido proc. do STA nº 080/18 de 06.06.2018 e o Ac. proferido no proc nº 02074/15.0BEPRT de 07.06.2018 do TCA Norte, afirmando que as mesmas apresentam decisões opostas à prolatada nos presentes autos.
Não nos parece que os supra referidos acórdãos, possam de algum modo abalar a sentença proferida pelo Tribunal Fiscal do Porto, porque não abordam realidades precisamente iguais.
A sentença recorrida, não põe em causa que tendo sido concedido um alvará de loteamento de acordo com o qual o prédio se destina a habitação coletiva e comércio, não está em causa a desconsideração de que o destino do mesmo seja apenas a habitação. E que o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos constante da matriz relevante para efeitos de tributação em sede de imposto de selo tem de ser alcançado através da avaliação da parte com efetiva afetação habitacional com exclusão da parte destinada a uso não habitacional.
O que a sentença recorrida diz é que sendo o pedido de revisão das liquidações de imposto de selo referentes a 2014 e 2015, nessa data não existia qualquer elemento que apontasse para a potencial utilização mista daquele prédio. Só na certidão de 18.11.2019 é lavrado o despacho, que foi licenciada a construção de um edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, sem dar conta da percentagem de utilização para cada uma dessas finalidades.
Destarte, se tal documento não existindo à data a que se referem as liquidações de imposto de selo, a sua tributação foi efetuada de acordo com a finalidade prevista e declarada - a habitacional.
Em nossa opinião, nada há a apontar à sentença recorrida, por se entender que adotou a interpretação correta da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, aplicável ao caso em apreciação, e consequentemente não enferma, de erro de direito que determine a sua revogação.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.”


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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.


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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A Autoridade Tributária, em 21/5/2015, emitiu a liquidação de imposto de selo nº 2014 363967 relativa ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila do Conde sob o artigo 9015, com os elementos que constam do documento constante do anexo I do processo administrativo apenso que se dá por reproduzido, a saber: verba da TGIS: 28.1; valor patrimonial: € 1.142.744,00, taxa: 1,00 %, colecta: € 11.427,44, mês de pagamento: Abril 2015; valor a pagar: € 3.809,16.
2. A Autoridade Tributária, em 5/4/2016, emitiu a liquidação de imposto de selo nº 2015 391395 relativa ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila do Conde sob o artigo 9015, com os elementos que constam do documento constante do anexo I do processo administrativo apenso que se dá por reproduzido, a saber: verba da TGIS: 28.1; valor patrimonial: € 1.142.744,00, taxa: 1,00 %, colecta: € 11.427,44, mês de pagamento: Abril 2016; valor a pagar: € 3.809,16.

3. O Impugnante pagou os tributos constantes das liquidações mencionadas em 1 e 2.

4. A sociedade comercial “B………………, Lda.”, em 8/5/2009, apresentou a declaração modelo 1 para inscrição de prédio novo, que descreveu como terreno de construção com afectação para habitação, que deu origem ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila do Conde sob o artigo 9015, com o valor patrimonial tributário de € 1.101.440,00, conforme “print” que consta do anexo I do processo administrativo apenso que se dá por reproduzido.

5. Dá-se por reproduzida a certidão que consta do anexo I do processo administrativo, datada de 8/5/2009, emitida pelo Município de Vila do Conde, no processo de licenciamento nº 49/2009, relativa ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila do Conde sob o artigo 9015, da qual consta que “foi deferida a seguinte capacidade construtiva: a área bruta de construção é de sete mil e oitenta metros quadrados, a área das varandas é de quatrocentos e sessenta e dois metros quadrados, a área de aparcamento é de dois mil trezentos e oitenta e um metros quadrados e a área de implantação é de dois mil trezentos e oitenta e um metros quadrados.”.

6. Dá-se por reproduzida a certidão que consta do anexo I do processo administrativo, datada de 7/5/2009, emitida pelo Município de Vila do Conde, da qual consta que “a parcela a destacar se situa em perímetro urbano”.

7. A sociedade comercial “B……………., Lda.”, em 15/5/2009, vendeu o imóvel mencionado em 4 ao Impugnante A…………., Contribuinte Fiscal nº ……………. e à sociedade comercial “C……………., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ………………., na proporção de 65/100 e 35/100.

8. O Impugnante, A……………., em 12/10/2011, adquiriu à sociedade comercial “C…………., Lda.”, a quota parte que esta detinha no imóvel mencionado em 7.

9. Da ficha de avaliação do imóvel inscrito na matriz predial da freguesia de Vila do Conde sob o artigo 9015, com viabilidade de construção certificada pelo Município de Vila do Conde, consta: “Área bruta de construção – 7.080,00 m2; Área bruta dependente – 2.843,00 m2 que abarca a área de aparcamento (2.381,00 m2) e área das varandas (462 m2); Área de implantação – 2381,00 m2; Coeficiente de localização correspondente a habitação 1,40”.

10. O Impugnante, em 18/10/2018, apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação nos termos e com os fundamentos exarados no anexo I do processo administrativo apenso por considerar que não se pode concluir pela existência de um terreno para construção e não se “expurgou da base de incidência a afectação não habitacional”.

11. Em 9/11/2018 foi lavrada a informação e projecto de indeferimento da pretensão mencionada em 10 nos termos e com os fundamentos exarados no anexo I do processo administrativo apenso que se dá por reproduzido.

12. Em 4/12/2018 foi lavrada a informação e despacho de indeferimento da pretensão mencionada em 10 nos termos e com os fundamentos exarados no anexo I do processo administrativo apenso que se dá por reproduzido.

13. A Autoridade Tributária remeteu ao Mandatário do Impugnante, sob registo postal, o ofício nº 2018S000276184, datado de 6/12/2018, com vista à notificação de despacho de indeferimento aludido em 12.

14. Dá-se por reproduzida a certidão que consta do sitaf 97, emitida pelo Município de Vila do Conde, datada de 21/11/2019, relativa ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de Vila do Conde sob o artigo 9015, da qual consta que, por despacho de 18/11/2019, foi licenciada a construção de um edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços.

15. A presente impugnação foi apresentada em 6/3/2019.

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º. al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a impugnação do acto de indeferimento do pedido de revisão das liquidações de imposto de selo referentes a 2014 e 2015, padece de erro de direito na interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, “(…) na medida em que não atende às concretas afetações habitacionais e não habitacionais que possam estar previstas para o prédio a edificar”, ao considerar ter aquele imóvel exclusivamente afectação habitacional.
Aquilatando.
A decisão recorrida, sobre a invocada questão, patenteia este conjunto de argumentos/fundamentos:
«As questões suscitadas pela Impugnante prendem-se com a alegada ilegalidade do pedido de revisão das liquidações referentes a 2014 e 2015 relativas ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de Vila do Conde sob o artigo 9015, por se tratar de uma mera expectativa de afectação de um terreno a construção, e não de um prédio com afectação habitacional, e por considerar que o mesmo não é totalmente afecto a habitação.
Dispunha o artigo 1º, nº 1, do Código de Imposto de Selo, na redacção conferida pela Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”.
A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, alterou o preceito e dele passou a constar, “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”, e no artigo 4º, aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, a verba nº 28, com a seguinte redacção, “28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;”.
E, por via da alteração efectuada à Tabela Geral de Imposto de Selo, pelo artigo 194º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro), a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, passou a ter a seguinte redacção, “28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %”.
Assim sendo, passaram a estar abrangidos, além dos “prédios com afectação habitacional” (artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10), os “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI)”, desde que o valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Destarte, é manifesto que, ao contrário do alegado pelo Impugnante, o acto tributário não enferma de ilegalidade quanto aos pressupostos de incidência real objectiva, sendo manifesto que não se trata de uma mera expectativa baseada no licenciamento. Efectivamente, a tributação incide sobre os terrenos para construção, bastando que a edificação prevista seja a habitação, e não há dúvidas de que a finalidade declarada daquele terreno é a habitação, conforme decorre da factualidade levada ao probatório em 4 e 9.
A questão da inconstitucionalidade do preceito em causa mostra-se ultrapassada pelo Acórdão nº 378/2018 do Pleno do Tribunal Constitucional que não julgou inconstitucional a norma constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
O Impugnante, de forma dúbia, alegou que o terreno em causa não se destina exclusivamente a habitação, pois “parte é potencialmente afeta a serviços”.
Todavia, à data das liquidações impugnadas não existia qualquer elemento que apontasse para a potencial utilização mista daquele prédio. E só na certidão levada ao probatório em 14 se refere que, por despacho de 18/11/2019, foi licenciada a construção de um edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, sem dar conta da percentagem de utilização para cada uma dessas finalidades.
Assim sendo, e uma vez que tal documento não existia à data, a finalidade prevista e declarada era a habitacional, e o Impugnante não demonstrou que aquele terreno se destinava a outra finalidade para além da habitação, as liquidações em causa não enfermam do alegado vício de erro nos pressupostos de direito, nem de qualquer outra ilegalidade de que cumpra conhecer.
Consequentemente, sem necessidade de outros considerandos, tem a impugnação de improceder, mantendo-se o despacho que indeferiu o pedido de revisão, bem como as liquidações impugnadas, e com o inerente indeferimento da pretensão de devolução das quantias pagas acrescidas de juros. “
Está, pois, em causa o ato de indeferimento do pedido de revisão das liquidações de imposto de selo referentes a 2014 e 2015, cada uma delas no montante de €11.427,44, relativas ao imóvel inscrito na matriz predial de Vila do Conde sob o artigo 9015º, sustentando o recorrente que o juiz “a quo” se satisfez com os elementos constantes das inscrições na matriz e modelo para avaliação do imóvel, para ter concluir que a destinação do ajuizado prédio era exclusivamente para habitação, sendo esse o fundamento da liquidação.
A insurgência do recorrente radica em que, segundo ele, não foi apurada a existência ou não da possibilidade de construção de edifício exclusivamente destinado a habitação no terreno, sendo que o ónus dessa prova, recaía sobre a AT que o não cumpriu.
Arrimando-se à doutrina que dimana do Ac. deste STA de 06.06.2018, prolatado no Processo nº 080/18, conclui que a sentença deve ser revogada por incorrer em erro de julgamento de direito decorrente de o acto de liquidação ser anulável, por ilegal, dado que a interpretação dada à verba 28.1 da TGIS pela AT não pode ser acolhida, na medida em que não atende às concretas afectações habitacionais e não habitacionais que possam estar previstas para o prédio a edificar.
Quid juris?
Prima facie, não se nos afigura existir identidade de situações factuais entre a tratada nos presentes autos e a versada no Ac. proferido do STA de 06.06.2018 nº 080/18 de 06.06.2018.
É certo que em ambos os casos tudo gira em volta do conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, na redacção introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e de saber se essa incidência abrange os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para a habitação colectiva e comércio/serviços.
A situação de facto em análise no citado aresto do STA reporta-se a abrangidos por Alvará de Loteamento de 2006, de acordo com o qual se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços" sendo a área destinada a habitação, em cada um deles, de 6.750 m2, e de 840 m2 destinada a comércio/serviços.”
Foi partindo dessa realidade que o referido acórdão aduziu a seguinte fundamentação:
“ Como refere o Magistrado do Ministério Público importa ter presente que a opção legislativa de aditar essa verba foi inspirada por razões estritamente economicistas, norteadas pelo objetivo de angariar receitas fiscais, no período de grave crise económica então em curso.
Na verdade, na exposição de motivos explicitada na Proposta de Lei n.º 96/XII/2a, que esteve na origem da já citada Lei n.º 55-A/2012, consta que lhe esteve subjacente "o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento".
Todavia esta equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento dirigiu-se unicamente aos prédios habitacionais e terrenos com afectação habitacional, quando poderia ter-se dirigido aos prédios para comércio indústria e serviços em vez dos prédios habitacionais ou terrenos com afectação habitacional que o legislador posteriormente veio esclarecer que seriam aqueles cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. O legislador entendeu que quem é proprietário de uma habitação com valor superior a um milhão de euros, ou de um terreno cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação de valor igualmente superior a um milhão de euros revela uma capacidade contributiva susceptível de ter de contribuir para os esforços tendentes a ultrapassar a austeridade em montante mais que proporcional ao valor do bem num país em que tais situações são ainda excepcionais, e referentes a uma realidade económica que ultrapassa muito o que é manifestamente necessário para ter uma vida economicamente desafogada. O funcionamento deste imposto não é, na sua raiz diverso daquele que informa o IRS e impõe taxas diferenciadas aos diversos escalões de rendimentos de molde a que os contribuintes com mais elevados rendimentos paguem impostos superiores ao que seria se a taxa de imposto fosse igual para todos os contribuintes, fosse qual fosse o seu rendimento e em proporção a esse rendimento.
Mas poderia ter considerado que apenas, ou também, pagariam tal imposto os prédios ou terrenos com afectação de comércio, indústria e serviços. Facilmente uma unidade industrial e as centenas de Centros Comerciais do país estarão instalados em prédios de valor superior a um milhão de euros. Mas essa não foi a sua opção, pese embora a premente necessidade de arrecadar receitas de forma célere e em montante substancial. Provavelmente pretendeu não comprometer neste esforço de debelar a crise económica as empresas, ou aqueles que sendo proprietários de terrenos para construção para comércio e industria os acabassem por colocar no mercado a preços superiores, se tivessem que pagar este imposto, pelos efeitos nefastos que tal poderia ter para a promoção da indústria, do comércio e dos serviços.
A redação da verba 28.1 sofreu alteração, por via da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, passando a estipular a incidência do Imposto do Selo, à taxa de 1 %, “por prédio urbano ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Quando na verba 28 se fala em edificação para habitação autorizada ou prevista, não se reporta apenas à descrição matricial do prédio uma vez que a autorização para edificar uma habitação não tem que ser levada à matriz. Ao inscrever na matriz um prédio pode o seu titular indicar que prevê nele construir habitação, mas a autorização para o fazer, ou para edificar algo de diverso depende não de regras fiscais, mas de regras urbanísticas.
Na presente situação sabemos que foi concedido um alvará de loteamento pelo Alvará de Loteamento n.º 5/2006, de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", o que é diverso de se destinarem a habitação. Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos acompanhar o Magistrado do Ministério Público na desvalorização da qualidade mista da afectação deste prédio dado ser maior a parte destinada a habitação que a destinada a comércio/serviços. Também se desconhece qual a frequência e peso específico no volume edificado para o mercado imobiliário da afetação de certas partes dos edifícios, mormente do respetivo rés-do-chão, a fins diversos da habitação, mormente, o comércio e os serviços, precisamente por força de razões económicas, de estratégia financeira, atinentes à rentabilidade e fruição de todos os espaços disponíveis, de que a norma em apreço não dá qualquer nota ou relevo. Existe, mas não sabemos se é significativa e, não podemos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.
Ao invés, cremos que é uma realidade que não foi tida em conta pelo legislador, como antes não havia devidamente ponderado que a lei estabelece uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, que com a Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.”
Ora, tendo em conta tal elocução jurídica, como enfatiza o EPGA no seu douto Parecer, capta-se claramente da leitura da sentença recorrida que nela não se põe em causa que, tendo sido concedido um alvará de loteamento de acordo com o qual o prédio se destina a habitação colectiva e comércio, não está em causa a desconsideração de que o destino do mesmo seja apenas a habitação. E que o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos constante da matriz relevante para efeitos de tributação em sede de imposto de selo tem de ser alcançado através da avaliação da parte com efectiva afectação habitacional com exclusão da parte destinada a uso não habitacional.
Em sintonia com o Magistrado do Ministério Público e levando em conta o doutrinado no acórdão do STA que vimos referindo e em que se apoia o recorrente, o que a sentença recorrida diz é que sendo o pedido de revisão das liquidações de imposto de selo referentes a 2014 e 2015, nessa data não existia qualquer elemento que apontasse para a potencial utilização mista daquele prédio. E que, só na certidão de 18.11.2019, é lavrado o despacho em que foi licenciada a construção de um edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, sem dar conta da percentagem de utilização para cada uma dessas finalidades.
Por assim ser, em alinhamento com a jurisprudência fixada no aresto em referência mas num raciocínio a contrario, é forçoso concluir que uma vez que tal documento inexista à data a que se reportam as liquidações de imposto de selo, a sua tributação foi efetuada de acordo com a finalidade prevista e declarada - a habitacional.
O que vale por dizer que a sentença recorrida não é merecedora da crítica que lhe dirige o recorrente imputando-lhe erro de direito, já que perfilhou a exegese escrupulosa da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, adequável ao circunstancialismo em análise, devendo ser confirmada na ordem jurídica por via da improcedência do presente recurso.


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3.- Decisão:

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.