Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01308/09.5BELRA 0213/18
Data do Acordão:04/24/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:DOAÇÃO
MAIS VALIAS
VENDA
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Tendo os bens sido doados no ano de 2006, e, por força do disposto no art.º 28.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro todas as normas legais referentes ao imposto sobre sucessões e doações passarem a referir-se ao imposto de selo desde 2003, não há qualquer legítima expectativa dos contribuintes a proteger na medida em que três anos antes da doação já sabiam, ou pressupõe-se que soubessem, por a ignorância da lei os não poder beneficiar, que o art.º 45.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares teria de ler-se imposto de selo onde se dizia imposto sobre sucessões e doações.
II - Não tendo sido questão colocada ao Tribunal recorrido, nem este a tendo decidido, pese embora a inconstitucionalidade das normas ser matéria de conhecimento oficioso dela só pode tomar-se conhecimento quanto a normas que no processo tenham sido aplicadas.
Nº Convencional:JSTA000P24475
Nº do Documento:SA22019042401308/09
Data de Entrada:02/28/2018
Recorrente:A....... E OUTRO
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria
. de 31 de Maio de 2017
Julgou a impugnação improcedente e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.


Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo
Tribunal Administrativo:

A…….. e B……. vieram interpor o presente recurso da sentença supramencionada, proferida no processo impugnação judicial que deduziram contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios (JC) n.º 2009 5000052655, relativa ao ano de 2006, no valor de € 244.468,69, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A. No presente recurso, interposto da sentença proferida a fls. … dos autos, as conclusões divergem com o decidido pelo Tribunal a quo quanto à interpretação e aplicação da lei, assim como quanto à solução dada à questão jurídica.

B. O Tribunal a quo deu como provada a factualidade com relevância para a decisão referida no Ponto III.1. De facto;

C. Compulsadas as alegações vertidas na petição inicial de impugnação, o Tribunal a quo entendeu que a questão a decidir nos presentes autos, consistia em saber se a impugnação deveria ser anulada com fundamento em algum dos vícios apontados na impugnação, a saber: - Falta de apreciação da AT sobre os argumentos em sede de Audição Prévia; - Erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que a tributação não pode ser realizada de forma retroactiva; e - Falta de fundamentação da liquidação de JC.

D. Relativamente ao primeiro vício, o Tribunal a quo considerou que a AT apreciou as alegações produzidas em sede de Audição Prévia [AP], porquanto explicou as razões pelas quais entende que não se verifica a aplicação retroactiva da redacção do art.º 45.º CIRS introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29/12, concluindo que desde a entrada em vigor do Decreto Lei 287/2003, de 12/11, todas as remissões em textos legais, em que se enquadra o art.º 45.º do CIRS, ao imposto sobre sucessões e doações, se referem ao imposto de selo.

Do primeiro vício
E. Divergimos com o decidido quanto à interpretação que faz relativamente ao primeiro vício identificado, porquanto, os argumentos expressos em AP, questionam a o conteúdo da redacção desactualizada da lei expressa nesse PRIT.

F. De facto e de direito, o PRIT antecede o RIT e aquele fundamentou a sua proposta de decisão de direito no art.º 45.º do CIRS, não com a redacção à data da factualidade, mas à data da inspecção de 2009, conforme se pode ler da pág. 4 PRIT.

G. Na medida em que a Lei vigente à data da efectiva alienação, era o art.º 45.º do CIRS na redacção anterior à redacção dada pelo artigo 46.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12, o qual previa, no seu n.º 1, que para a determinação de ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição a título gratuito, o valor que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações e não sobre o imposto de selo.

H. É apenas legítimo e expectável que os impugnantes tenham reagido contra a redacção expressa no PRIT e que tenham suscitado a questão da inconstitucionalidade da aplicação da nova redacção da lei.

I. Não colhe assim a interpretação expressa pelo Tribunal a quo que os impugnantes não abordaram em AP a questão quanto ao n.º 1 e 2 do art.º 45.º do CIRS, mas antes que o PRIT não informou os contribuintes;

J. No RIT, a AT responde aos argumentos suscitados pelos contribuintes afirmando, em síntese, que: Quanto aos pontos 5, 6 e 7 da audição prévia "… Não existiu qualquer aplicação retroactiva da lei. As normas legais referentes ao imposto sobre sucessões e doações referem-se ao imposto de selo desde 2003. Nestes termos não acolhem os argumentos do sujeito passivo."

K. Quanto ao ponto 8, em que o contribuinte questionou a falta de avaliação ou reavaliação dos bens pela AT, "Foram seguidas na fundamentação das correcções as normas legais aplicáveis em termos de imposto do selo e do IRS".

L. Ora, também aqui divergimos da sentença com o decidido, pois:

M. A explicação do RIT confessa a desactualização do art.º 45.º utilizada no PRIT e referencia a lei aplicável, em concreto o citado art.º 28.º, mas não explica ao contribuinte as questões concretamente colocadas em sede de AP, ou seja: como se explica que a lei vigente à data da factualidade considera valor de aquisição a título gratuito, o valor que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações, que foi revogado, mas afinal aplicar-se-ia na mesma o imposto de selo.

N. Por outro lado, o RIT pronuncia-se em sentido oposto ao defendido pela aplicação remissiva do art.º 28.º, quanto afirma que quanto à falta de avaliação ou reavaliação dos bens, seguiu na fundamentação das correcções as normas legais aplicáveis em termos de imposto do selo e do IRS, quando deveria ter seguido a do CIMI e CIMT.

O. Recebida a liquidação, os impugnantes, ora recorrentes, procuraram e pediram a Douta opinião Académica neste assunto, juntando na impugnação um Parecer do Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Doutor em Direito, Jorge Bacelar Gouveia o qual é, para todos efeitos legais, parte integrante da impugnação;

P. Em sede de recurso, foi solicitada uma actualização do parecer que se junta ao presente recurso, fazendo parte integrante do mesmo.

Q. A leitura atenta do parecer junto à impugnação, evidencia que, ao contrário do que afirma a sentença do Tribunal a quo, a impugnação se refere à aplicação do art.º 28.º do Decreto Lei 287/2003, de 12 de Novembro, especificamente à aplicação (des)contextualizada desta questão nos pontos 6.3 e 6.4 do Grupo III do parecer.

R. Em conclusão, novamente divergimos da sentença com o decidido quanto à interpretação que faz relativamente ao primeiro vício identificado pela sentença, porquanto, existiu omissão de pronúncia quanto às concretas questões colocadas pelo contribuinte.

S. Não se trata de refutar o principio da imutabilidade das leis, nem impedir, o funcionamento do princípio da livre revisibilidade das leis, mas antes da falta de fundamentação que permita a clara apreensão do destinatário.

T. A fundamentação tem uma importante função de garantia, pois é através dela que o impugnante fica a conhecer as razões que determinam a prática do acto, conduta que se afigura essencial para que possa lançar-se mão dos adequados meios para defesa dos seus direitos.

U. A fundamentação dos actos administrativos deve ser entendida como a exposição descritiva das razões do acto (da decisão), compreendendo a matéria de facto e a matéria de direito que determinaram à prática do referido acto.

V. A fundamentação tem de ser explícita, não bastando que resulte implicitamente do procedimento administrativo - sendo que, neste caso, nem isso acontece.

W. Apenas assim serão obtidas as vantagens visadas pelo dever de fundamentação: transparência e racionalidade do procedimento administrativo; garantias para o contribuinte; controlo hierárquico e judicial do acto.

X. "O direito ao recurso contencioso dos actos tributários praticados no exercício de poderes discricionários requer, para ser eficaz, a fundamentação minimamente adequada desses actos, pelo que tal fundamentação é uma garantia do próprio direito ao recurso contencioso, fazendo parte integrante do seu âmbito de protecção constitucional" (veja-se o Acórdão 109/85, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 360-S - 466).

Y. Só assim se dará cabal cumprimento ao disposto nos artigos 36.º, n.º 2 do CPPT, 77.º da LGT e 124.º do CPA - máxime ao disposto no artigo 268.º, n.º 3 da nossa Lei Fundamental.


Do segundo vício

Z. No que respeita ao segundo vício identificado pela sentença - erro sobre os pressupostos de direito, concluímos, antes de mais, que existe clara violação do princípio da capacidade contributiva.

AA. As mais-valias não constituem verdadeiramente uma contrapartida de um esforço de trabalho, de uma assunção de riscos ou de uma aplicação de capital, são antes ganhos inesperados, são windfalls.

BB. O Dr. José Guilherme Xavier de Basto, aderiu a um conceito económico, designando-as como aumentos inesperados do valor dos activos patrimoniais.

CC. Assim, um contribuinte que adquire onerosamente um bem imóvel há de ter tanta maior capacidade contributiva, quanto maior for o valor que pagou por esse bem.

DD. Da mesma forma, um adquirente a título gratuito não será tributado a esse respeito, pois não demonstrou capacidade contributiva alguma, o que não invalida que não lhe seja cobrado Imposto de Selo, mas que no caso estava isento pela redacção da lei à data dos factos.

EE. Em conclusão, quando há lugar ao pagamento de mais valias, na essência, o objecto de tributação é a capacidade contributiva de que dispõe o contribuinte em causa. Importa, pois, liquidar o imposto pelo valor real pelo qual entrou.

FF. Como tal, se é esse, para o efeito, o valor representativo da Capacidade Contributiva do sujeito para aquele negócio, há de sê-lo também, e não outro, na liquidação de todos os impostos que se lhe seguirem (nomeadamente, em sede de IRS, na categoria G).

GG. Os impugnantes, ora recorrentes, receptores de uma doação, não podem ser prejudicados por uma mais valia calculada sobre uma capacidade contributiva de que não dispõe.

HH. Em conclusão, divergimos da sentença com o decidido quanto à interpretação que faz relativamente ao segundo vício identificado pela sentença, porquanto, entendemos que existe clara violação do princípio da capacidade contributiva.

Da ausência de base legal

II. Na data da doação - 2 de Junho de 2006 - e sem qualquer alteração desde 2003, o precito normativo do art.º 45.º CIRS, não permitia base legal para justificar a incidência em sede de IRS, porquanto aquele normativo manteve-se desde 2003 constante no sentido de determinar que, nos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de aquisição a título gratuito, o valor que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações e não sobre o imposto de selo.

Da disposição no art.º 28.º do Decreto Lei 287/2003, de 12 de Novembro
JJ. O tribunal a quo entendeu que, apesar dos n. 1 e 2 do art.º 45.º CIRS, na redacção aplicável à data dos factos, se reportar ao Imposto sobre Sucessões e Doações, o disposto no art.º 28.º do Decreto Lei 287/2003, de 12 de Novembro, assim como uma interpretação actualista da Lei, impõe que se releve a reforma da tributação do património introduzida por aquele diploma, pelo que se deverá entender a alusão àquele imposto como sendo ao Imposto de Selo, tal como referido no RIT.

KK. A entrada em vigor de uma nova lei, em particular uma que reforma o património e que extingue o muito antigo imposto sobre sucessões e doações, tem um efeito público de criação de expectativas jurídicas, que não pode ser defraudado com uma remissão que afinal defrauda as legitimas expectativas.

LL. Essas expectativas são de certeza e segurança jurídica do estado "Pai" quando anuncia uma nova legislação que, no caso, extingue o imposto sobre sucessões e doações.

MM. Citando o Acórdão n.º287/90 do Tribunal constitucional, de 30 de Outubro, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da protecção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de "retroactividade inautêntica, retrospectiva".

NN. Neste caso, à semelhança do que sucede agora, tratava-se da aplicação de uma lei nova a factos novos havendo, todavia, um contexto anterior à ocorrência do facto que criava, eventualmente, expectativas jurídicas. Foi neste aresto ainda que o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que deveria ser dado aos casos de "retroactividade autêntica" e o tratamento a conferir aos casos de "retroactividade inautêntica" que seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição.

OO. De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:
a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).

PP. Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou "testes". Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da "confiança" é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados "expectativas" de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do "comportamento "estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

QQ. Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção.

RR. No caso, parece-nos inadmissível a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, porque constitui uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não podiam contar; e ainda

SS. Porque não foi ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, pois no caso estava em causa a anunciada revogação do imposto sobre sucessões e doações.

TT. Em conclusão, a reforma do património operada em 2003, direccionou as expectativas dos contribuintes no sentido de se ter revogado o imposto sobre sucessões e doações e a natureza remissiva do citado art.º 28.º nunca foi entendida, anunciada ou perspectivada como uma excepção aquela teleologia normativa.

Da interpretação actualista da Lei

UU. Nem mesmo quanto à interpretação actualista da lei, concordamos com o Tribunal a quo, pois o actual normativo do n.º 3 do art.º 45.º CIRS mantem a isenção, mas precisando-a.
VV. No caso de doações entre conjugue ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral, as mesmas mantêm-se isentas, mas, clarificando que se considera valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos 2 anos anteriores à doação.

WW. No que respeita ao imposto de selo mantem-se vigentes as redacções do n.º 1 e 2 do art.º 13.º e que precisamente para transmissões gratuitas, diz-nos o n.º 1 que, nestes casos, o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI, à data da transmissão, avaliação esta que deve ser feita pela AT e que, regra geral, está desactualizada.

XX. Mas diz o n.º 2 deste artigo que, no caso de imóveis e direitos sobre eles incidentes, cujo valor não seja determinado por aplicação do disposto neste artigo (13.º) e no caso do artigo 14.º do CIMT, é o valor declarado, ou o resultante de avaliação, consoante o que for maior e foi justamente o que aconteceu no caso, pois os contribuintes avaliaram e declararam o maior dos valores.

YY. A actual tabela geral de imposto de selo (TGIS) tributa a aquisição gratuita de bens à taxa de 10%, (ponto 1.2.), acrescida cumulativamente com a taxa de 0,8% (ponto 1.1.), aceitando como valor de aquisição aquele que for declarada pelos contribuintes.

ZZ. Não pode a AT vir depois usar um contraditório dualismo, no qual tributa as aquisições gratuitas para efeitos de IS a estas taxas e, se estiver em causa o IRS, utiliza o critério que está na matriz, genericamente desactualizado e fora do valor de mercado.


Do n.º 3 do art.º 45.º do CIRS

AAA. Atendendo à fundamentação da sentença do tribunal équo, não nos importa aqui discutir a inconstitucionalidade deste normativo.

BBB. A introdução deste normativo deixou bem claro que, no caso de doações entre conjugue ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral, as mesmas mantêm-se isentas, mas, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos 2 anos anteriores à doação.

CCC. Esta definição é clara e precisa para o contribuinte destinatário e, se dúvidas não existissem, não teria sido feita a alteração.


Do n.º 2 do art.º 45.º CIRS

DDD. Do mesmo modo, a alteração à redacção do n.º 2 do art.º 45.º do CIRS, em 29/12/2006, substituindo a designação de imposto sobre sucessões e doações por imposto de selo, só se justifica pelo facto de não existir certeza e segurança jurídica naquela redacção.

EEE. A alteração criou a legítima expectativa de que até aquela data, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considerava-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações.


Da falta de fundamentação dos juros compensatórios

FFF. O estabelecimento de uma regra de contabilização de juros de mora sem qualquer limite temporal, relativamente às dívidas tributárias, face à regra de limitação temporal de contagem de juros de mora, de cinco anos, para as demais dívidas ao Estado, é violadora dos princípios da proporcionalidade e igualdade.

GGG. Nos termos supra expostos, está em causa a inconstitucionalidade material dos artigos 43.º n.º 5 e 44.º n.º 2 e 3 da LGT e do artigo 151.º n.ºs 2, 3 e 4 da LOE 2012, por violação dos seguintes princípios constitucionais: do estado de direito democrático (art.º 2.º da CRP); da protecção da confiança e boa-fé (art.º 2.º e 266.º n.ºs 1 e 2 da CRP); da proporcionalidade (art.º 18.º n.º 2 da CRP); da igualdade (art.º 13.º da CRP); da não retroactividade (art.º 18.º n.º 3 da CRP); e do acesso ao direito e aos tribunais (art.º 20.º n.º 2 da CRP).


Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se o mesmo procedente e revogando-se a sentença recorrida em conformidade, substituindo-se por outro que conceda ao Apelante razão nas conclusões apresentadas.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

A. Em 02.06.2006, os imóveis inscritos na matriz predial rústica sob os artigos n.ºs 4629, 4630 e 4637 foram doados ao Impugnante B……… pelos seus pais, não tendo sido liquidado Imposto do Selo (IS) – cf. fls. 11 a 14 e 15 a 22 do PAT;

B. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI200900084, de 16.01.2009, foi iniciada uma acção de inspecção interna aos Impugnantes, em sede do IRS, relativa ao ano de 2006 – cf. pág. 3 do relatório de inspecção tributária (RIT) que consta de fls. 1 a 10 do PAT;

C. Em 16.02.2009, os Impugnantes foram notificados para, querendo, exercerem o direito de audição relativamente ao projecto de RIT elaborado na sequência da realização da acção de inspecção referida no ponto B. que antecede – cf. fls. 23 a 27 do PAT;

D. Em 23.02.2009, os Impugnantes apresentaram junto da Direcção de Finanças de Leiria requerimento relativo ao exercício do direito de audição quanto ao projecto de RIT referido no ponto C. que antecede, no qual, além do mais, é alegado que a correcção proposta enferma de erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que se funda na aplicação retroactiva da redacção do artigo 45.º do Código do IRS que lhe foi dada pelo artigo 46.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro – cf. fls. 23 a 27 do PAT;

E. Em 03.03.2009, foi concluído o RIT elaborado na sequência da realização da acção de inspecção referida no ponto B. supra, no qual, além do mais, consta o seguinte:
“(…)

III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas
III.1 – IRS – 2006
III.1.1 – IRS – 2006 – Cat. G do IRS

O sujeito passivo efectuou alienação de imóveis, no ano de 2006, tendo apresentado o anexo G da Mod. 3 de IRS, com os seguintes valores:
(…)
Podemos verificar que o sujeito passivo indicou no anexo G da Mod. 3 de IRS, o valor atribuído na escritura como valor de aquisição dos referidos prédios.
O art.º 45 do Código do IRS (CIRS), define o valor de aquisição a título gratuito, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS na categoria G.
(…)
Consultado o processo de Imposto do Selo (IS), que se anexa (anexo 2) e se considera reproduzido para os devidos efeitos, verifica-se que o sujeito passivo recebeu os referidos prédios rústicos por doação de seus pais, não tendo sido liquidado IS em virtude de tal doação ser isenta.
(…)
Temos então que deveria ter sido o valor liquidado para imposto do selo a ser indicado como valor de aquisição dos prédios rústicos atrás referenciados, no anexo G da Mod. 3 de IRS do ano de 2006, valor este igual ao liquidado para IMT.
(…)
IX – Direito de Audição
O sujeito passivo foi notificado em 16 de Fevereiro de 2009, para exercer o seu direito de audição no prazo de 10 dias.
Decorrido o prazo fixado, o sujeito passivo exerceu o seu direito de audição, enviando a carta anexa (anexo 3).
(…)
No tocante a estes pontos, cabe-nos referir o seguinte:
- No tocante à intenção de alienação, tal facto não influencia o enquadramento legal da tributação da alienação dos imóveis em causa;
- Quanto às redacções do art.º 45 do CIRS, a versão dada pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro foi a seguinte:
“Artigo 45.º
Valor de aquisição a título gratuito 1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto do selo.” (…) As operações de aquisição e alienação dos imóveis em causa, ocorreram no ano de 2006. Neste ano a versão do art.º 45 em vigor era de facto a que referida o imposto sobre as sucessões e doações. No entanto, o n.º 2 do artº. 28 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, refere o seguinte:
“Artigo 28.º Remissões
1 - Todos os Textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).
2 - Todos os Textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente.”
Temos assim que desde a entrada em vigor deste Decreto-Lei todas as remissões em textos legais, em que se enquadra o art.º 45 do CIRS, ao imposto sobre as sucessões e doações se referem ao imposto do selo.
Nestes termos os argumentos apresentados pelo sujeito passivo não acolhem e todas as fundamentações apresentadas no Projecto de Correcções serão correctas.
(…)
No tocante a estes pontos, cabe-nos referir o seguinte:
- Conforme referido e concluído no ponto anterior, não existiu aplicação retroactiva da lei. As normas legais referentes ao imposto sobre sucessões e doações referem-se ao imposto do selo desde 2003.
Nestes termos, não acolhem os argumentos do sujeito passivo.
(…)
No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:
- Foram seguidas na fundamentação das correcções as normas legais aplicáveis em termos de imposto do selo e do IRS.
(…)” – cf. RIT que consta de fls. 1 a 10 do PAT;

F. Em 22.04.2009, a AT emitiu a “demonstração de liquidação de IRS” n.º 2009 5000052655, relativa ao ano de 2006, com o valor a pagar de € 244.468,09, na qual, além do mais, consta que foram liquidados JC no valor de € 16.151,53 – cf. fls. 11 dos autos;

G. Foi emitida pela AT “demonstração de liquidação de juros”, na qual, além do mais, consta o seguinte:


Período de tributaçãoLiquidação/Documento BaseLiquidação de jurosValor BasePeríodo de cálculoTaxa (%)Valor
Juros compensatórios por recebimento indevido
2006-01-01 a 2006-12-31
2009 5000052665, IRS2009 000000649061.090,872007-09-24 a 2009-03-034
TOTAL:
63,00
63,00
Juros compensatórios 2006-01-01 a 2006-12-312009 5000052665, IRS2009 00000064907228.317,162007-05-31 a 2009-03-034
TOTAL:
16.088,53
16.088,53

H. Em 06.08.2009, foi apresentada a presente impugnação judicial no TAF de Leiria – cf. informação a fls. 2 dos autos.
****

Questão objecto de recurso:
1 – Falta de apreciação da AT dos argumentos em sede de Audição Prévia;
2- Erro sobre os pressupostos de direito por violação do princípio da capacidade contributiva
3 - Falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios.


1. Falta de apreciação da AT dos argumentos em sede de Audição Prévia

Referem os recorrentes que apenas se pronunciaram sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária que indicava como fundamento legal para determinação do valor de aquisição do imóvel a título gratuito o n.º 1 do art.º 45.º do CIRS não à data da factualidade, mas à data da inspecção de 2009, conforme se evidencia no seu texto do projecto que transcreve o n.º 1 do referido preceito, isto é, na redacção dada pelo artigo 46º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12:

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto do selo.

À data dos factos sob análise, por força do disposto no art.º 43.º na redacção anterior à revisão do articulado efectuada pelo DL 198/2001, de 3 de Julho o texto do referido normativo era o seguinte:


Artigo 45.º

Valor de aquisição a título gratuito


1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações.

2 - Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

Naquele Projecto de Relatório de Inspecção Tributária não existe qualquer menção ou alusão ao referido art.º 28.º do Decreto Lei 287/2003, de 12 de Novembro, razão pela qual o direito de audição prévia não podia, nem teria como abordar esse fundamento.

Por essa razão foi suscitada em sede de direito de audição a questão de aplicação retroactiva do art.º 45 na redacção introduzida pela da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12.

No Relatório de Inspecção Tributária, e na sequência do exercício do direito de audição veio a ser apresentada uma diversa fundamentação jurídica para determinação do valor de aquisição do imóvel a título gratuito, a saber: art.º 45.º, n.º 1 do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares na redacção da DL 198/2001, de 3 de Julho e art.º 28.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro que determinou que as normas legais referentes ao imposto sobre sucessões e doações se referem ao imposto de selo desde 2003.

Os serviços de Inspecção afastaram ter ocorrido uma aplicação retroactiva do art.º 45.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, mas apresentaram uma diversa fundamentação com a qual foram surpreendidos os contribuintes e não tiveram possibilidade de sobre ela se pronunciar.

Do mesmo modo o relatório de inspecção pronunciou-se sobre a falta de avaliação ou reavaliação dos bens, acabando por só indicar que foram utilizadas as normas legais aplicáveis – que não identificaram – em termos de imposto de selo e de IRS. Trata-se de uma pronúncia sumária que enuncia a questão e indica porque não foram avaliados ou reavaliados os imóveis.

Todavia, com as imperfeições apontadas e sendo desejável que a resposta da Autoridade Tributária relativamente às questões suscitadas no exercício do direito de audição, em sede de relatório de inspecção, seja mais completa e esclarecedora, não cremos que possa considerar-se de tal forma insuficiente que possa ter efeitos invalidantes do acto de liquidação que se lhe seguiu e, se mostra impugnado nos autos, visto estarmos face a uma fundamentação insuficiente, mas aparente e concretizada.

Improcede, pois, este fundamento do recurso.

2. Erro sobre os pressupostos de direito por violação do princípio da capacidade contributiva

No entender dos recorrentes há violação do princípio da capacidade contributiva dado que a Administração Tributária assumiu como valor de aquisição o valor matricial dos bens à data da escritura de doação, o qual não era actualizado há algumas décadas, resultando daqui uma mais-valia muito superior à que seria devida caso o valor matricial estivesse actualizado.

Não tendo esta questão sido suscitada na petição inicial, ou apreciada na sentença recorrida, não pode ser ela objecto de recurso.

A sentença recorrida, em conformidade com o alegado na petição inicial conheceu da questão de erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que a tributação não pode ser realizada através do uso de norma legal com efeitos retroactivos. A este propósito dir-se-á que, tendo os bens em causa nestes autos sido doados no ano de 2006 e por força do disposto no art.º 28.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro todas as normas legais referentes ao imposto sobre sucessões e doações passaram a referir-se ao imposto de selo desde 2003, não há qualquer legítima expectativa dos contribuintes a proteger na medida em que três anos antes da doação já sabiam, ou pressupõe-se que soubessem, por a ignorância da lei os não poder beneficiar, que o art.º 45.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares teria de ler-se imposto de selo onde se dizia imposto sobre sucessões e doações.

Esta constatação não sofre qualquer alteração pela nova redacção dada ao art.º 45 que fez constar do texto a referência a imposto de selo, nem converte em aplicação retroactiva deste preceito a leitura que do anterior era imposta por aquele art.º 28.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro. Não há qualquer aplicação retroactiva da lei pelo que se torna impossível a aferição da constitucionalidade dessa aplicação retroactiva inexistente.
Apenas mais uma nota, em termos de esclarecimento, sobre o disposto no art.º 13.º do Código de imposto de selo onde se determina que não sendo caso de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial, situação em que se não enquadram os prédios doados, o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão. Por os imóveis doados terem um valor constante da matriz não cabem na categoria de imóveis e direitos sobre eles incidentes cujo valor não seja determinado por aplicação do disposto neste artigo (13.º) nem no caso do artigo 14.º do CIMT, e, nessa medida não pode ser tido em conta o valor declarado ou, o resultante de avaliação, consoante o que for maior.
Não está em causa qualquer tributação da transmissão gratuita de bens. A transmissão gratuita de bens, em concreto, como concordam os recorrentes, não foi objecto de qualquer tributação, nem mesmo em sede de imposto de selo.
Mas os recorrentes viram ampliado o valor do seu património que passou a integrar os bens doados e, quando venderam estes concretizaram o aumento da sua capacidade contributiva no valor correspondente ao valor que embolsaram pela venda desses terrenos que obtiveram a custo zero, vindo o valor de aquisição para apuramento de mais valias a ser contabilizado pelo valor constante da matriz, sempre superior a zero euros que foi efectivamente o preço de custo para os recorrentes.
O disposto no art.º 3.º do art.º 45 do Código do IRS foi anunciado como forma de conter tentativas de através de doação entre descendentes se conseguir diminuir a jusante o valor das mais valias tributáveis em sede de IRS, nessa medida se clarificando que sempre teria que ser tido em conta para efeitos de determinação do valor de aquisição em sede de mais valias o valor constante da matriz nos dois anos anteriores à realização do negócio gerador de mais-valias em sede de IRS. Todavia nem esse dispositivo legal foi utilizado como fundamento dos actos de liquidação, nem invocado em sede de audiência prévia ou de petição inicial de impugnação, sendo que a sua vigência é posterior à doação, e, nessa medida a ela não aplicável.


3. Falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios

Mantendo, embora a indicação constante da petição inicial de impugnação relativa à falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios os recorrentes, neste recurso, acabam por apenas invocar, pela primeira vez, que:
«no presente caso, aplica-se a preceito normativo do n.º 2 e 3 do art.º 44.º da LGT, que revogou a regra que estabelecia a limitação de contagem de juros de mora, estabelecendo que os juros de mora se vencem até integral pagamento da dívida, aplicando esta regra às dívidas tributárias vencidas antes da sua entrada em vigor.
A referida alteração legislativa não respeitam à taxa de juro de mora, mas, outrossim, à revogação do seu período máximo de contagem e à aplicação retroactiva desse regime às dívidas tributárias vencidas antes da sua entrada em vigor.
(…) No caso, os impugnantes, ora recorrentes, optaram por prestar uma garantia, sabendo que teriam de contar com o risco de pagar a quantia exequenda e juros de mora com o limite legal de contabilização de três anos.
As novas regras de contagem de juros de mora, até ao integral pagamento, sobre dívidas vencidas ao abrigo de norma que estabelecia um limite temporal de vencimento desses juros, é violador dos princípios da certeza e segurança jurídica, e da proibição da retroactividade.
(…) A norma constante do artigo 44.º n.º 2 da LGT, ao estabelecer um prazo limite de contagem de juros de mora, constitui, inegavelmente, uma garantia do contribuinte vigente no ordenamento jurídico há mais de quarenta e três anos - na medida em que já resultava do regime estabelecido no Decreto-Lei nº 49.168, de 1969, e que veio, inclusivamente, a ser encurtado pela LGT, sendo que, nos termos do artigo 103.º n.º 3 da CRP, as garantias dos contribuintes não devem ser disciplinados de maneira diferente do inicialmente existente, de modo a não iludir as fundadas expectativas do contribuinte.
O estabelecimento de uma regra de contabilização de juros de mora sem qualquer limite temporal, relativamente às dividas tributárias, face à regra de limitação temporal de contagem de juros de mora, de cinco anos, para as demais dívidas ao Estado, é violadora dos princípios da proporcionalidade e igualdade.
Nos termos supra expostos, está em causa a inconstitucionalidade material dos artigos 43.º n.º 5 e 44.º n.º 2 e 3 da LGT e do artigo 151.º n.ºs 2, 3 e 4 da LOE 2012, por violação dos seguintes princípios constitucionais: do estado de direito democrático (art.º 2.º da CRP); da protecção da confiança e boa-fé (art.º 2.º e 266.º n.ºs 1 e 2 da CRP); da proporcionalidade (art.º 18.º n.º 2 da CRP); da igualdade (art.º 13.º da CRP); da não retroactividade (art.º 18.º n.º 3 da CRP); e do acesso ao direito e aos tribunais (art.º 20.º n.º 2 da CRP). ».

A questão alegada na petição inicial era de falta de fundamentação do acto de liquidação de juros compensatórios que foi julgada improcedente por aquele acto de liquidação apresentar fundamentação tida por suficiente segundo jurisprudência indicada do Supremo Tribunal Administrativo.

Não tendo sido questão colocada ao Tribunal recorrido, nem este a tendo decidido, pese embora a inconstitucionalidade das normas ser matéria de conhecimento oficioso dela só pode tomar-se conhecimento quanto a normas que nele tenham sido aplicadas. No caso concreto, pese embora o acto de liquidação de juros de mora se fundamentar no art.º 44.º da Lei Geral Tributária, verifica-se pela matéria provada que os juros de mora foram contabilizados tendo em conta o limite temporal de 2007-09-24 a 2009-03-03, pelo que não pode o Supremo Tribunal Administrativo tomar conhecimento pela primeira vez, da possível inconstitucionalidade da norma que retirou o limite temporal aos juros de mora, aqui não aplicada, como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 663.º, 679,º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto nos art.ºs 2.º e 281.º, ambos do Código de Processo e Procedimento Tributário.

Em conclusão, a sentença recorrida não enferma dos vícios que lhe vinham apontados tendo, ao invés procedido a uma correcta interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, pelo que se impõe a sua confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 24 de Abril de 2019. – Ana Paula Lobo (relatora) – Ascensão Lopes – Francisco Rothes.