Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0312/08.5BEALM
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
DEMOLIÇÃO
Sumário:Deve admitir-se revista de acórdão do TCA relativamente à validade de um acto do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas IP que ordenou a demolição de uma moradia e de uma habitação de caseiro que tinham sido licenciadas pela entidade competente.
Nº Convencional:JSTA000P23972
Nº do Documento:SA1201812180312/08
Recorrente:A...
Recorrido 1:INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DAS FLORESTAS, IP E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar - art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A…………., devidamente identificado nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, do acórdão do TCA Sul, proferido em 24-5-2018, que manteve a decisão proferida pelo TAF de Almada, que por seu turno julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si intentada contra o INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DA BIODIVERSIDADE IP e o MUNlCÍPIO DE SETÚBAL, onde impugna o despacho de 29-11-2007, que declarou a nulidade da licença de construção e ordenou a demolição de uma moradia e de uma habitação para caseiro.

1.2. Justifica a admissão da revista pela relevância jurídica e social das questões suscitadas, a complexidade das mesmas e previsibilidade da sua repetição no futuro. As questões apreciadas e que justificam, a seu ver, a admissão da revista, são as seguintes:

(i) nulidade do licenciamento camarário em resultado da nulidade do fraccionamento da propriedade, por aplicação do art. 19º, n.º 5, do Decreto Regulamentar 23/98 de 14 de Outubro.

(ii) apreciação da validade de actos jurídicos de fracionamento, a montante do licenciamento pela Administração e pelos Tribunais Administrativos;

(iii) nulidade do licenciamento camarário em resultado da falta de parecer expresso favorável do PNA.

(iv) nulidade do licenciamento camarário por violação do plano preliminar do PNA.

(v) invalidade do licenciamento camarário por violação do Regime da Rede Natura.

As referidas questões – idênticas, porque relativas ao fraccionamento do mesmo imóvel - estão colocadas em três processos, actualmente pendentes no TCA Sul.

1.3. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas IP pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. Em termos muito sintéticos, o presente recurso emerge das seguintes circunstâncias:

- foi emitido um alvará de licenciamento, em 1-4-2005, pelo Município de Setúbal;

- todavia, em 20-12-2005, foi determinado o embargo das obras de construção, com o fundamento de que o acto que deferiu a operação urbanística era nulo;

- por sentença de 2-7-2007, foi declarada a caducidade do embargo, e foram retomados os trabalhos.

- em 4-10-2007, foi o autor notificado de um projecto de decisão no sentido de que as construções eram insusceptíveis de legalização, não restando outra solução, senão a sua demolição, por as mesmas violarem o disposto nos artigos 16º, 17º, 18º, 19º e 50º, n.º 1, al. b) do POPNA (RCM n.º 14/2005, de 23/08);

- o autor apresentou a sua resposta e, em 29-11-2007, foi proferido o despacho, ora impugnado, ordenando a demolição da obra que o autor construiu na ……….., ………..

- o despacho impugnado, manteve a ordem de demolição, após refutar a alegação do autor, no âmbito da audiência prévia, com os seguintes fundamentos:

"(...)

1. Quanto à questão da validade do fraccionamento da propriedade estar pendente no Tribunal Judicial de Setúbal, tal facto não obsta à tomada de decisão final de demolição;

2. O referido fraccionamento não foi precedido da autorização exigível nos termos do art. 11º, al. a) do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14/10.

3. Tal questão não releva das relações jurídico-privadas, mas do foro administrativo, pois tal exigência deriva do regulamento que procedeu à reclassificação do Parque Natural da Arrábida (art. 1º do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14/10, e art.s 13º e 32º do DL n.º 19/93, de 23/01).

4. Aliás, a participação efectuada pelo PNA ao Ministério Público, constituiu o cumprimento do dever de participação previsto no art. 69º do RJUE.

5. Quanto à falta de parecer expresso do PNA, o interessado não aponta facto diverso, isto é, a aprovação do projecto de arquitectura do Interessado, pela entidade licenciadora, não foi precedida de parecer expresso favorável, sendo as razões apontadas pelo interessado de qualificação jurídica do facto.

6. Ou seja, segundo a tese expendida nos pontos 17 a 27 das alegações do interessado, o silencia do PNA significa "haver concordância daquelas entidades com a pretensão formulada se os respectivos pareceres, autorizações ou aprovações não forem recebidas dentro do prazo fixado (...)" (art. 19º, n.º 9 do RJUE).

7. Esta tese não deverá proceder, porquanto: na esteira do Acórdão de 20-12-2006 do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo 2133/06, o licenciamento das obras em causa, na ausência de parecer favorável expresso do Parque Natural da Arrábida, determina a nulidade: "1 – Estando perante um plano de ordenamento do território, qualquer acto contrário a este plano é nulo. 2 – O licenciamento de obras dentro dos limites do Parque Natural da Arrábida, depende de parecer vinculativo da comissão directiva de tal parque, visto que a lei, atentos os interesses públicos em causa, exige autorização do referido licenciamento, pelo que não pode haver deferimento tácito sendo sempre obrigatório que o Parque Natural se pronuncie".

8. A nulidade dos actos que violem o plano preliminar de ordenamento do Parque Natural é cominada pelo art. 9º, n.º 2 do DL 622/76, de 28/07, vício esse que continuou a ser cominado para os actos que não se conformem com os planos especiais de ordenamento do território (art. 103º do RJIGT).

9. Mesmo admitindo, o que só em tese se aceita, que o plano preliminar do Parque Natural da Arrábida (Portaria n.º 26-F/80, de 9/01) deva ser reconduzido a plano sectorial a sua violação é cominada com a nulidade (art. 103º do RJIGT), não se convalidando na ordem jurídica por força do decurso do prazo de um ano, conforme pretende o interessado. Pois "são nulos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável" (art. 103º do RJIGT e art. 134º do CPA).

10. Quanto à alegada emissão de parecer favorável, nos termos da Rede Natura, a verdade é que falta o pressuposto da consulta do órgão competente para a emissão de parecer (art. 9º, n.º 2 do DL n.º 140/99, de 24/04), sem o que não se formará parecer tácito favorável.

11. E caso se formasse, seria acto tácito manifestamente ilegal por violação do DL n.º 140/99, de 24/04.

(...)".

3.3. A primeira instância e o TCA Sul julgaram improcedente a acção impugnatória. As questões suscitadas neste recurso são, no essencial, as questões da validade ou exactidão dos fundamentos do acto, acima descritos.

Como decorre da respectiva fundamentação e das questões que o recorrente coloca justifica-se a admissão da revista.

Em primeiro lugar está em causa a demolição de uma moradia e de uma habitação para caseiro, que foi licenciada pela entidade competente, situação que pela gravidade da medida é de grande relevância social. Relevância que, no caso, é mais evidente por estarem em discussão outros três casos idênticos, resultantes do fraccionamento do mesmo imóvel.

Em segundo lugar as questões jurídicas suscitadas – para além de contornos específicos – colocam questões de ordem mais geral em matéria de urbanismo que podem vir a colocar-se no futuro, como seja, por exemplo, as questões sobre a formação ou não de deferimento tácito, no âmbito do Dec. Lei 140/99, de 24/04 e, na ausência de parecer do Parque Natural da Arrábida, bem como, as questões relativas às consequências jurídicas de uma operação de fraccionamento não autorizada pelo Parque Natural da Arrábida.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Porto, 18 de Dezembro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.