Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01289/15.6BELRA
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:INSOLVÊNCIA
REVERSÃO
Sumário:O conhecimento pelo órgão da execução fiscal da declaração de insolvência da sociedade originária devedora é fundamento bastante para que considere haver fundada insuficiência do património daquela, a justificar a reversão contra o responsável subsidiário pela dívida exequenda (art. 23.º nºs 2 e 7 LGT).
Nº Convencional:JSTA000P27672
Nº do Documento:SA22021051201289/15
Data de Entrada:02/10/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


O/A representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, em 16 de novembro de 2020, que julgou totalmente procedente oposição a execução fiscal (e apensos), apresentada por A………… (executado por reversão), …, para cobrança de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente aos exercícios de 2010 e 2011, no montante, global, de € 35.449,28.
A recorrente (rte) apresentou alegação, rematada com as seguintes conclusões: «

A. Contra a sociedade B…………, Lda., devedora originária do imposto, NIF ………, foi instaurado o processo de execução fiscal 1392201101041061 e apenso, no Serviço de Finanças de Marinha Grande por dívidas de IRC do ano 2010 e 2011, no montante de € 46.575,15.
B. Por sentença proferida em 04/04/2014 foi declarada a insolvência da sociedade devedora originária B…………, Ld.ª, no âmbito do Proc. n.º 375/14.4TBMGR.
C. Em 16/05/2014 face à insuficiência de bens da devedora originária susceptíveis de garantir a dívida exequenda, por despacho do Chefe de Finanças, após notificação para o exercício do direito de audição prévia, foi revertida a execução contra o aqui recorrido, verificados que se consideraram estar os fundamentos para a reversão e os pressupostos da responsabilidade fiscal subsidiária.
D. Em 19/05/2014 o OEF emitiu citação de reversão dirigida contra o oponente, onde se pode ler:

“Fundamentos da Reversão:
Fundamentos de emissão central.
Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial
Simplificadas (IES) e /ou em face da Insolvência declaradas pelo Tribunal.”

E. A douta sentença proferida pela M.ª Juiz a quo considerou que a alusão constante do despacho de reversão quanto à fundada insuficiência de bens de bens não se mostra devidamente fundamentada e destarte não cumpre o desígnio legal previsto para a fundamentação dos actos administrativos.
F. No caso dos presentes autos, a reversão da execução contra o oponente e aqui recorrido decorreu da conclusão e certeza de que o acervo patrimonial conhecido à devedora originária eram insuficientes para o pagamento integral da quantia exequenda, o que, incontestavelmente se encontrava demonstrado mediante a declaração de insolvência decretada.
G. O juízo de fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário para responder pela dívida exequenda, legalmente requerido para que seja proferido despacho de reversão, deve ter como base a recolha de elementos de facto que permitam concluir que o património do devedor originário susceptível de penhora não é bastante para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
H. Nos casos em que foi declarada a insolvência do devedor originário, o conhecimento dessa declaração, por si só, preenche aquele requisito.
I. E conforme consta dos autos a devedora originária foi declarada insolvente.
J. Neste trecho o conhecimento pelo órgão da execução fiscal da declaração de insolvência da sociedade originária devedora é fundamento bastante para que o órgão da execução fiscal considere haver fundada insuficiência do património da sociedade originária devedora, a justificar a reversão contra o responsável subsidiário pela dívida exequenda.
K. Connosco, sempre com a devida vénia, citamos aqui a jurisprudência provinda do Pleno do STA tirada no recurso n.º 0484/15.2BESNT, de 8/7/2020, disponível para consulta em www.dgsi.pt, onde se sumariou o seguinte:
I - O conhecimento pelo órgão da execução fiscal da declaração de insolvência da sociedade originária devedora é fundamento bastante para que considere haver fundada insuficiência do património daquela, a justificar a reversão contra o responsável subsidiário pela dívida exequenda (art. 23.º nºs 2 e 7 LGT).

L. Nestes termos, a douta sentença proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento, fazendo desacertada e errónea interpretação dos normativos legais aplicáveis, violando, por conseguinte, o disposto no artigo 22º, 23º, 24º e 77º da LGT e 153º do CPPT, devendo ser revogada.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo acórdão que julgue improcedente a oposição, com o que se fará, como sempre, a tão costumada JUSTIÇA»
*

O recorrido (rdo) contra-alegou e concluiu, que deve o recurso interposto ser julgado improcedente, confirmando-se e mantendo-se a sentença recorrida.

*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, onde conclui dever ser negado provimento ao recurso, porque a decisão recorrida não padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, consta: «


1. Em 28.05.1999 foi constituída a sociedade comercial B…………, Ld.ª (cf. certidão de fls. 10 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Em 29.09.2011 o SF da Marinha Grande instaurou contra a sociedade comercial B…………, Ld.ª o PEF n.º 1392201101041061 para cobrança coerciva de dívidas de IRC referentes ao exercício de 2010, no valor de € 26.000,00, e com data limite de pagamento voluntário em 31.08.2011 (cf. auto e certidão de fls. 34 e 35 do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. Em 21.10.2011 a sociedade comercial B…………, Ld.ª ofereceu garantia idónea de penhor sobre uma central de betão Sipe Torre 1500, à ordem do PEF n.º 1392201101041061 (cf. requerimento de fls. 78 do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Em 23.12.2011 o SF da Marinha Grande procedeu à penhora de “uma central de betão «SIPE» «Torre 1500» com capacidade para 1000 litros/hora de 24 a 29 m³, com a correspondente misturadora e competente quadro elétrico, 1 alcatruz de rotação hidráulica p/ 2 inertes, balança, descarga elétrica e quadro de comando (manual, automático e autónomo), display de controlo p/ 4 inertes, 2 cimento (12 programas) e ainda um sem (…) p/ cimento com doseador e balança com célula eletrónica, em funcionamento e razoável estado de conservação”, ao que foi atribuído o valor de €35.000,00, à ordem do PEF n.º 1392201101041061 (cf. auto de penhora de fls. 68 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 06.06.2012 a sociedade comercial B…………, Ld.ª remeteu à Autoridade Tributária e Aduaneira comunicação acerca do início de processo especial de revitalização, informando que “deverá reclamar o seu crédito diretamente ao administrador provisório nomeado” (cf. exposição de fls. 67 do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. Em 21.10.2012 o SF da Marinha Grande instaurou contra a sociedade comercial B…………, Ld.ª o PEF n.º 1392201201049801 para cobrança coerciva de dívidas de IRC referentes ao exercício de 2011, no valor de € 20.575,15, e com data limite de pagamento voluntário em 20.09.2012 (cf. auto e certidão de fls. 36 e 37 do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. Em 27.03.2014 foi proposta a ação de declaração de insolvência da sociedade comercial B…………, Ld.ª, que no Tribunal Judicial da Marinha Grande correu termos sob o Proc. n.º 375/14.4TBMGR (cf. portal público disponível em https://citius.mj.pt/portal, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. Em 04.04.2014 foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade comercial B…………, Ld.ª, no âmbito do Proc. n.º 375/14.4TBMGR (cf. portal público disponível em https://citius.mj.pt/portal, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. Em 02.05.2014, foram inventariados, no âmbito e para efeitos do processo de insolvência n.º 375/14.4TBMGR, um bem imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8122, freguesia de Silves, com o valor patrimonial de € 25.636,10, três veículos automóveis e um conjunto de bens móveis e equipamentos, a que foi atribuído o valor total de avaliação em liquidação de € 9.075,00 conforme inventário (cf. inventário de bens móveis e imóvel de fls. 16 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Em 16.05.2014 o Chefe do SF da Marinha Grande emitiu Despacho de Reversão no âmbito do PEF n.º 1392201101041061 e apensos, no qual pode ler-se, com relevo, o seguinte (cf. despacho de fls. 41 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

“(…)
De acordo com o disposto no art.º 153.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e al. b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da ocorrência de pressupostos como:
(01) – Inexistência de bens penhoráveis do devedor ou dos seus sucessores ou
(02) – Insuficiência do património do devedor originário para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
A situação fiscal da identificada sociedade, devedora originária, é assim caracterizada:
(03) - O volume contado da quantia exequenda em relaxe ascende, presentemente, a € 35.449,28, referente a impostos. Acrescem juros de mora e demais custas processuais:
(04) - Conforme consta dos presentes autos constata-se a insuficiência de bens penhoráveis;
(05) - A sociedade regista falta de pagamento de IRC, referente aos anos de 2010 e 2011 (…).
C
A partir de 01.01.99, início da vigência da Lei Geral Tributária (LGT), e de acordo com o seu artigo 24.º, n.º 1, al. a) e al. b), n.º 2 e n.º 3, passaram a ser factos geradores da responsabilidade subsidiária:
(06) - A existência de dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, desde que
(07) - Por culpa das pessoas com funções de administração ou gestão o património do devedor se tornou insuficiente para solver as dívidas:
(08) - A existência de dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, desde que:
(09) - Não exista prova da inimputabilidade da falta de pagamento;
(10) - A partir de 01.01.2001, data de entrada em vigor da Lei 30-G/2000, de 29.12, essa responsabilidade, que quanto ao exercício, somente de facto, abrangia a função de administração estende-se também à função de gestão,
(11) - Tal responsabilidade é uma responsabilidade ex lege cujos pressupostos assentam na gerência / administração de direito e de facto;
(12) - Demonstrada a gerência/administração de direito é de presumir a gerência/administração de facto, por a ausência desta apenas poder advir da inércia ou falta de vontade do agente e de uma violação dos seus deveres para com a sociedade;
(13) - E, expressando o gerente a vontade da sociedade (artigos n.º 248.º, 249.° e 250.° do Código Comercial; artigos n.º 26.°, 29.°, 30 ° e 31.° da Lei das Sociedades por Quotas e artigos n.º 252.°, 259.°, 260.° e 261.° do Código das Sociedades Comerciais) é licito que seja responsabilizado pelo incumprimento das obrigações públicas da sociedade, pois esta age através dele e
(14) - A partir de 01.01.2006, data de entrada em vigor da Lei 60-A/2005, de 30.12, a responsabilidade subsidiária, até aí aplicada em caso de violação dolosa dos deveres pelos técnicos de contas, passou a aplicar-se-lhes desde que se demonstre a violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.
A dívida respeita a factos tributários ocorridos no âmbito da Lei Geral Tributária (LGT) e do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT)
Em abono do dever de boa prática tributária, atualmente consagrado no art.º 32.º da Lei Geral Tributária, incumbe aos gerentes/administradores o cumprimento dos deveres tributários da executada.
De conformidade com os elementos constantes neste S.F e da Gestão de contribuintes e da certidão emitida pela Conservatória de Registo Comercial, bem como da informação constante no processo de Insolvência n.º 375/14.4TBMGR, exerceu funções de gerente/administrador os sócios infra, responsáveis subsidiários;
C…………, NIF. ………, com domicilio fiscal na Rua ………, Lote ……, Amieira, 2430-…… Marinha Grande, gerente desde 19 09 2009 tendo renunciado à mesma em 01.08.2011 que com a fundamentação expressa nos itens: (02) do A, (03) e (05) do B, (06) a (13) do C, é minha intenção ordenar a reversão por responsabilidade subsidiária (…).
A…………, NIF. ………: com domicilio fiscal na Rua ………, Lote ……, Amieira, 2430-…… Marinha Grande, gerente desde 02.05.2003, que com a fundamentação expressa nos itens: (02) do A, (03) e (05) do B, (06) a (13) do C, é minha intenção ordenar a reversão por responsabilidade subsidiária (…).
Documentos probatórios da gerência de facto;
A…………, assina os seguintes documentos como gerente da sociedade:
Requerimento a solicitar o pagamento em prestações, conforme pág 4;
Requerimento no qual oferece garantia idónea de penhor, pág 5;
Requerimento a solicitar certidão de dívidas do devedor originário, pág. 71
Procuração na qual constitui C………… procuradora da sociedade, pág. 19 a 24;
C…………,
Assinatura no requerimento no qual é solicitado a aplicação de € 26.388,27 penhorado para garante da dívida, pág 18;
Devidamente notificados, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 60.° da Lei Geral Tributária, não vieram junto aos autos os aludidos gerentes exercer o direito de audição. Ora, relativamente às dívidas de impostos, a prova de que a gerência de facto não foi exercida, de que o património da pessoa coletiva se tornou insuficiente para pagamento das dívidas tributárias relativas ao período de exercício do seu cargo de gerência ou para pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício a seu cargo de gerência (LGT, artigo 24.º, n.º 1, al. b)), terá de ser apreciada e decidida em sede de oposição judicial.
Assim sendo, ao abrigo do disposto ns artigos 22.º e 23.º da LGT, artigos 153.º e 160.º do CPPT, e nos precisos termos da alínea b) do nº 1 do artº 24 da LGT (…), reverto a execução contra os gerentes:
C………… (…) e A………… (…).
(…)”

11. Em 19.05.2014 o SF da Marinha Grande emitiu Citação (Reversão) contra o Oponente, no âmbito do PEF n.º 1392201101041061 e apensos (cf. citação de fls. 46 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

*
De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força da al. e) do artigo 2.º do CPPT, na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Para a prova dos factos acima elencados sob os números 1. a 11., foi determinante a análise da prova documental constante do processo instrutor, além daquela que foi retirada do portal de consulta pública de insolvências e processos de revitalização, conforme supra se encontra devidamente identificado em frente a cada um dos pontos do probatório - cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil.
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.»
***

Sem delongas, por ser manifesto, a sentença recorrida padece do erro de julgamento, coligido pela rte, derivado de não ter atentado e feito uso da jurisprudência, totalmente cabida à situação julganda, vertida no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso tributário, do STA, datado de 8 de julho de 2020, no processo n.º 484/15.2BESNT.

No ponto da abordagem, pela decisão sob crítica, da matéria “De direito”, encontramos assumido o seguinte: «

(…).

Ora, no caso concreto, está em causa a fundamentação do despacho de reversão, especialmente na parte que se refere à insuficiência patrimonial da devedora originária. Efetivamente, a insuficiência patrimonial do executado originário é um pressuposto da reversão, podendo expressamente ler-se no artigo 23.º da LGT que “a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”.

Pode, na mesma linha de pensamento, ler-se no n.º 2 do artigo 153.º do CPPT que a responsabilização subsidiária dos gerentes da sociedade comercial depende da inexistência de bens penhoráveis do devedor e respetivos sucessores, ou da sua fundada insuficiência, de acordo com os elementos de que disponha o órgão da execução fiscal.
Assim, o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária, em primeiro lugar, ao devedor originário, e apenas pode exigir a mesma prestação do devedor subsidiário no caso de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daquele e, assim, o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiverem sido excutidos os bens daquele.
Impõe-se, assim, que o n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, seja lido em conjugação com o artigo 23.º da LGT e, deste modo, a inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores, ou a “fundada insuficiência”, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido, constituem pressuposto legal para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários.
Do regime legal supra explicitado, para o que aqui importa decidir, resulta o seguinte - quando existem bens do devedor que não são suficientes para pagar a dívida exequenda e acrescido, resulta da interpretação conjugada do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 23.º da LGT que é possível emitir o despacho de reversão em momento prévio à excussão dos bens do devedor originário, todavia, para não se ultrapassar os parâmetros ditados pelo princípio da proporcionalidade, a reversão apenas pode ocorrer ante um juízo de fundada insuficiência, atendendo aos valores constantes do auto de penhora e outros elementos que a administração tributária disponha, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 23.º da LGT e da alínea b) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, cabendo, naturalmente, à AT demonstrar o direito a que se arroga, por lhe caber, nos termos gerais do artigo 342.º do Código Civil, comprovar os pressupostos da sua atuação.
Regressando ao caso sob apreciação, nos termos da factualidade assente, por despacho de 16.05.2014 foi ordenada a reversão da dívida contra o Oponente no que respeita ao processo executivo n.º 1392201101041061 e apensos, pelo valor da quantia exequenda de € 35.449,28.
Pode ler-se no referido despacho, a título de fundamentação do pressuposto da reversão a que nos vimos referindo, que “conforme consta dos presentes autos, constata-se a insuficiência de bens penhoráveis”, fazendo-se posteriormente referência aos artigos 23.º da LGT e 153.º do CPPT, sem que nada mais se refira a este propósito.
Ora, como vimos, o conceito de fundamentação é algo fluido e de dimensão relativa, devendo ser aferido em função do concreto tipo de ato e assumindo um carácter instrumental em relação à realização do direito em causa e, por isso, a sua suficiência deve ser aferida pelo comprometimento da possibilidade de reação judicial ou graciosa contra o mesmo, reservando-se a declaração da sua insuficiência, com o consequente fulminar da sua anulação, para os casos em que a gravidade seja tal que a um normal destinatário do ato lhe seja difícil ou impossível esgrimir as diretas e imediatas razões de facto e/ou de direito que no seu entender conduzem à respetiva ilegalidade (cf., neste sentido, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 05.06.2012, Proc. n.º 05431/12, do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 08.01.2009, Proc. n.º 432/07, e do STA de 19.03.2009, Proc. n.º 890/08, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem considerado, a este propósito, que “constituindo pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (artigos 23.º, n.º 2, da LGT, e 153.º, n.º 2, do CPPT), bem como o exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (artigo 24.º, n.º 1, da LGT), deve concluir-se que o despacho de reversão está formalmente fundamentado se dele constam a alegação dos referidos pressupostos e a extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada (artigo 23.º, n.º 4, da LGT), não sendo, ainda, de exigir que do mesmo constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a referida alegação” (cf., neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAS de 25.05.2017, no Proc. n.º 192/10.0BEALM, disponível em www.dgsi.pt).
E, sem prejuízo de não ser exigível à Administração Tributária a alegação dos factos concretos nos quais fundamenta a reversão, a verdade é que não pode bastar-se para julgar cumprido o dever de fundamentação que naquele despacho se refira que “conforme consta dos presentes autos constata-se a insuficiência de bens penhoráveis”. Não se reporta o órgão da execução a quaisquer partes específicas do processo instrutor, o que nunca poderia suceder visto que inexistem no processo instrutor diligências que comprovem essa insuficiência. Com efeito, resulta dos autos um auto de penhora aquando da instauração do PEF original, pelo que a executada originária seguramente terá, pelo menos, bens penhoráveis necessários à garantia de parte da dívida exequenda.
Resulta ainda dos autos que a Fazenda Nacional foi notificada para reclamar os créditos que se encontravam vencidos à data das negociações do plano especial de revitalização da executada originária, o que corresponde, mais uma vez, a pelo menos parte da dívida exequenda.
Não se compreende, portanto, o motivo pelo qual a Administração Tributária afirma, sem mais, que se comprova a insuficiência dos bens penhoráveis da executada originária, quando não se reporta a quaisquer elementos concretos do processo instrutor, e quando esses elementos, se bem se vê, apontam em sentido contrário.
Uma vez que o despacho de reversão não se encontra suficientemente fundamentado, impõe-se dar razão ao Oponente a respeito da alegação de que a reversão carece de fundamento de facto, porque, com base na fundamentação expendida à data pela Administração Tributária, não se encontrava demonstrada a fundada insuficiência de bens da sociedade executada, enquanto pressuposto da sua responsabilidade subsidiária.
Atento o que vem sendo exposto, resta julgar a presente oposição totalmente procedente, com a consequente extinção do PEF n.º 1392201101041061 e apensos relativamente ao Oponente, tudo conforme a final se determinará.
(…).»

Ora, perante a prova (ponto 8. dos factos fixados) de que a sociedade originária devedora foi, por sentença, proferida em 4 de abril de 2014, declarada insolvente, impunha-se ao tribunal recorrido, para dirimir a questão da fundamentação do emitido, com data de 16 de maio de 2014 (ponto 10.) despacho de reversão, operar o entendimento segundo o qual o “conhecimento pelo órgão da execução fiscal da declaração de insolvência da sociedade originária devedora é fundamento bastante para que considere haver fundada insuficiência do património daquela, a justificar a reversão contra o responsável subsidiário pela dívida exequenda (art. 23.º nºs 2 e 7 LGT)”. E, se o tivesse feito, óbvia e necessariamente, o sentido da decisão sobre tal aspeto (o único versado na sentença) seria diametralmente oposto.
Uma nota final para fazer menção de que, também, é pronúncia, pretérita e reiterada, deste STA, a que afirma a insuscetibilidade de a execução fiscal ser julgada extinta, nos casos de anulação do despacho de reversão, motivada por falta ou insuficiência de fundamentação legal.
[O processo volta ao tribunal recorrido para, além do mais que se mostre necessário, ser apreciada e decidida a questão envolvendo a alegada falta de respeito do benefício da excussão prévia.]

*******

# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- prover o recurso e revogar a sentença recorrida;

- determinar o regresso dos autos, ao TAF de Leiria, para prosseguirem os pertinentes termos.


*

Custas pelo recorrido.

*****
[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 12 de maio de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.