Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/20.1BALSB
Data do Acordão:07/08/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
DEDUÇÕES
Sumário:I - As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
II - Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, está excluída a possibilidade de dedução dos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010.
III - Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime legal do SIFIDE II não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016.
Nº Convencional:JSTA000P26193
Nº do Documento:SAP20200708010/20
Data de Entrada:01/16/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ S.A.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A Fazenda Pública vem, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral n.º 8/2017-T, proferida em 3 de Dezembro de 2019 [no seguimento da declaração de nulidade do acórdão do TCA Sul, de 11 de Julho de 2019, proc, 147/17.4BCLSB], pelo Centro de Arbitragem Administrativa, por considerar que esta decisão colide com o decidido na decisão arbitral n.º 473/2017-T, de 8 de Abril de 2018, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e nº 2 do art.º 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no processo nº 8/2017 – T CAAD pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por se encontrar em contradição com a decisão fundamento, proferida pelo Tribunal Arbitral CAAD no Processo nº 473/2017 – T CAAD, no segmento decisório que se reporta ao entendimento que à colecta produzida pelas tributações autónomas, são insusceptíveis de serem deduzidos os créditos gerados por benefícios fiscais, em concreto o SIFIDE II.
B. Ora, a decisão arbitral sob recurso entendeu que:



C. Por seu turno, na Decisão arbitral proferida no Processo nº 473/2017-T, convocado como fundamento, entendeu o seguinte:
«…conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à colecta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC, nos termos do qual “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”
Assim sendo, deixa de fazer sentido a invocada inconstitucionalidade do nº 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de Março, por violação do princípio da retroactividade da lei, proibida pelo artigo 103.º, nº3, da CRP, na medida em que tal normativo não é convocado sequer na resolução do caso em apreço.
Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente, pelos fundamentos acima invocados, no que respeita à possibilidade de dedução do benefício fiscal relativo ao “SIFIDE” à colecta das tributações autónomas relativas ao exercício de IRC de 2011.
Termos em que, improcedem os pedidos da Requerente (principal e subsidiário), sendo de manter o indeferimento da revisão oficiosa ora impugnada.»
D. Os dois arestos divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão:
É, sobre a colecta produzida pelas tributações autónomas, suspectível [sic] de efectuar qualquer dedução, em concreto dos créditos gerados pelos benefícios fiscais - SIFIDE II?.
E. O entendimento vertido na Decisão recorrida colide com a Decisão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito que se prende com saber se é admissível tal dedutibilidade à coleta das tributações autónomas.
F. Como tem sido afirmado de forma constante pela jurisprudência do STA, a identidade da questão fundamental de direito reporta-se, concomitantemente, aos preceitos ou princípios jurídicos aplicados e às situações de facto que eles concretamente disciplinaram. E que essa identidade não necessita de ser formal ou absoluta, mas uma identidade essencial.
O que se verifica in casu.
G. Ambas as decisões se reportam ao art.º 88.º e art.º 90.º do CIRC, com as posteriores alterações.
H. Sendo que a identidade da questão de direito passa, necessariamente, e antes do mais, pela identidade da questão de facto subjacente, na exacta medida em que aquela pressupõe que as situações de facto em que assentaram as soluções jurídicas contenham elementos que as identifiquem como “questões” merecedoras de tratamento jurídico semelhante, conforme refere o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo número 0485/02 de 08-05-2003.
I. A decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas e discutidas sob as mesmas normas legais, conforme salienta Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, Volume IV, p.475 809.
J. Está em causa a decisão da mesma questão em ambos as decisões e os factos também são substancialmente idênticos, pois tratam-se de saber se é admissível quaisquer deduções – nomeadamente benefícios fiscais, in casu, SIFIDE II - à colecta produzida por tributações autónomas.
K. Enquanto na Decisão recorrida se considerou que é admissível a dedutibilidade dos benefícios fiscais à colecta produzida pelas tributações autónomas na decisão fundamento o entendimento foi exactamente o contrário, ou seja, considerou-se sobre a colecta das tributações autónomas não são suspectíveis [sic] de operar quaisquer deduções.
L. O que caracteriza e confere identidade às duas situações é que os factos são em tudo semelhantes e as normas jurídicas também.
M. Nessa medida mostram-se verificados os pressupostos previstos no art.º 152.º do CPTA, para admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
N. Desde já adiante-se que, desde a criação das Tributações Autónomas, no início da década de 90, e a sua evolução legislativa, sempre foi pacífico por parte de todos os operadores no mundo fiscal que as tributações autónomas não admitiam qualquer dedução.
O. Ora, na temática que aqui nos ocupa, estamos perante uma controvérsia que nunca existiu, aliás, só passou a existir a partir do momento em que diversos sujeito passivos, promoveram junto do CAAD teses que desafiavam a estabilidade interpretativa que sempre existiu em torno do tema, teses às quais o CAAD, embora muito minoritariamente, deu acolhimento.
P. Veja-se que desde o nascimento das Tributações Autónomas, não foi questionada a não dedutibilidade das mesmas à colecta de IRC, até que desde finais de 2013, começaram a surgir massivamente interpretações que punham em causa uma estabilidade de décadas, e não consta que tenham havido contribuintes que impugnassem a interpretação vigente e pacífica até àquela data (2013).
Q. Altura em que, foi ensaiada a interpretação de que os valores pagos a título de tributação autónoma seriam dedutíveis à colecta do IRC. Pretensão que falhou por unanimidade, pois que o CAAD não acolheu tal interpretação.
R. Neste ensejo, e vetada ao insucesso de que as tributações autónomas não poderiam ser dedutíveis à colecta do IRC, novamente com a intervenção do tribunal arbitral (não há conhecimento destas temáticas serem discutidas junto dos tribunais judiciais) é que surgiu uma nova leva de processos, pugnando então, desta feita, pela dedução do PEC e dos benefícios fiscais à coleta produzida por tributações autónomas, o que levou a que em 2014 e 2015 - decisões do CAAD, umas no sentido de que o PEC e os benefícios fiscais podiam ser deduzidos à colecta das tributações autónomas e outras em sentido contrário.
S. No processo de cuja decisão se recorre (processo n.º 8/2017 – T CAAD), O tribunal arbitral entendeu que a questão a apreciar era a seguinte:
«podem os créditos fiscais atinentes ao SIFIDE II ser deduzidos às tributações autónomas»?
T. Entendeu o tribunal arbitral que



U. Por seu turno, a decisão fundamento, vertida no processo n.º 473-2017-T CAAD, decide em sentido diametralmente oposto:

“Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente, pelos fundamentos acima invocados, no que respeita à possibilidade de dedução do benefício fiscal relativo ao “SIFIDE” à colecta das tributações autónomas relativas ao exercício de IRC de 2011.”
V. Tal como foi referido na Decisão fundamento
«(…) tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à coleta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente pretende, porquanto essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho, ou seja, de um lado poderia, no limite, eliminar a coleta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso em concreto, está em causa o “SIFIDE”, pelo cumprimento dos objetivos ou adoção das condutas fixadas na norma consagradora do direito ao benefício fiscal) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.
Da conjugação destas possibilidades resultaria um resultado contraditório, ilegal e antiético, justamente porque a mesma lei fiscal permitiria, no quadro do mesmo sistema fiscal, desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adoção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88.º do Código do IRC).»
W. Salvo melhor entendimento, é o entendimento expendido na decisão fundamento suportado nas mesmas normas jurídicas da decisão recorrida, i.e., art.º 88.º e art.º 90.º (incluindo o n.º 2) do CIRC.
X. Razão por que o entendimento da Recorrente deverá prevalecer, na medida em que à colecta produzida pelas tributações autónomas, são insusceptíveis de serem deduzidos os créditos gerados por benefícios fiscais, em concreto o SIFIDE II.
Y. Porém, perpassemos, com a atenção devida pelo entendimento propugnado pela Requerente e que vem vertido noa decisão fundamento:
Z. impõe-se desde já fazer 3 ressalvas,
1) Não obstante a convergência na forma de liquidação regulada nos artigos 89.º e 90.º do CIRC, a montante as tributações autónomas e o IRC stricto sensu provêm de geografias profundamente distintas;
2) Divergências que se reflectem nas soluções a jusante ou seja a de inexistência de unicidade de IRC e TA;
3) As tributações autónomas evidenciam disparidade teleológica e funcional.
AA. Os erros de julgamento apontados à decisão recorrida assentam em premissas inquinadas por erros ao nível dos conceitos, mormente de benefício fiscal, e erros de interpretação das normas fiscais relevantes e da interacção entre o regime do SIFIDE II e o Código do IRC.
BB. Da concatenação do estabelecido nestes normativos resulta que a dedução a que se refere o citado normativo opera nos termos em que as deduções, previstas no n.º 2 do art.º 90.º operam, atenta a subsunção dos créditos de imposto por benefícios fiscais, como é o caso do SIFIDE II, na alínea b) – anterior alínea c) - desta norma
CC. com a inserção das tributações autónomas no Código do IRC, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, mediante o aditamento do art.º 69.º-A (actual art.º 88.º) passaram a coexistir, neste Código, dois sistemas de tributação com natureza e finalidades distintas, sem que o legislador haja introduzido as necessárias adaptações que tais diferenças impunham, não obstante tal inclusão ter constituído, “um entorse à luz das características próprias do IRC, enquanto imposto direto que incide sobre o rendimento das pessoas coletivas” (cfr., HELENA MARTINS, “O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, in Lições de Fiscalidade, Almedina, 2012, pág. 280). Negrito nosso
DD. Ou seja, a transmutação do regime legal do IRC numa realidade jurídica complexa e multifacetada acabou por relegar para o intérprete a tarefa de indagar quais as normas do CIRC que contendem com a especial forma de incidência e finalidades das tributações autónomas, socorrendo-se das normas sobre interpretação e aplicação das leis, conforme prescreve o n.º 1 do art.º 11.º da LGT ao fazer uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.
EE. A assunção de propósito é expressa na decisão fundamento, porquanto, em ordem a obter aquilo que seja a leitura juridicamente mais correcta do texto, seja necessário realizar determinados testes ao nível do edifício sistemático onde a norma interpretanda se enquadra, de modo a validar, face ao mesmo, e à luz dos critérios de racionalidade, congruência e razoabilidade que necessariamente norteiam aquela estrutura normativa, a interpretação literalmente sugerida.
FF. Sendo as tributações autónomas, uma forma especial de tributação, especialidade que advém da delimitação dos factores geradores, regras de quantificação, taxas aplicáveis, e finalidades associadas, é redutor concluir, como base numa interpretação meramente literal e simplificadora, como sucede na decisão arbitral fundamento, que, por partilharem as regras de liquidação, definidas no art.º 89.º e n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, as respectivas colectas devem ter o mesmo destino da colecta do IRC stricto sensu.
GG. Enquanto a liquidação da colecta do IRC consiste na aplicação das taxas previstas no art.º 87.º à matéria colectável determinada segundo as regras constantes do Capítulo III do CIRC, a liquidação das tributações autónomas assenta nas taxas e nos valores tributáveis das diversas realidades contempladas no art.º 88.º do mesmo Código, dualidade que reflecte necessariamente a diferente natureza e finalidades do IRC stricto sensu e das tributações autónomas.
HH. Ou seja, embora integrando o mesmo edifício legislativo - o CIRC – e partilhando de algumas regras comuns, a unicidade não é completa, conforme, aliás, afirma o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 197/2016.
II. A coexistência do IRC stricto sensu e das tributações autónomas no mesmo Código conduziu à edificação de uma estrutura de natureza dual ou híbrida, compreendendo um núcleo principal correspondente ao IRC tradicional, e uma parte adjacente, conexionada com aquele e fazendo parte da mesma realidade normativa global, com especificidades próprias das quais resulta um afastamento, em vários e substanciais aspectos, do regime principal, em termos de os princípios e soluções gerais, não obstante, por vezes, se aplicarem, por outras vezes, serem contraditórios, e como tal, inaplicáveis, com a natureza própria dessa tal “normação adjacente” que se consubstancia nas designadas tributações autónomas.
JJ. Estrutura dual da qual decorre o afastamento da aplicação às tributações autónomas das normas próprias do sistema base, sempre que tal se justifique à luz da coerência do próprio sistema e das razões que justificam o seu tratamento autónomo e que, leva a qualificar as tributações autónomas como IRC, mas apenas em sentido lato, constituindo um sistema periférico da tributação do rendimento das pessoas colectivas, com teleologia, finalidades e mecânicas próprias, que justificam, em determinadas situações, a sua autonomia, em relação ao referido sistema de IRC stricto sensu.
KK. Finalidades que manifestamente são inconciliáveis com a natureza das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º, mormente com as referentes aos benefícios fiscais em geral e ao SIFIDE em particular, senão vejamos.
LL. O n.º 1 do art.º 2.º do EBF, define benefícios fiscais como «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem», conceito que encerra como características essenciais a derrogação de natureza excepcional à tributação-regra e a prossecução de finalidade extrafiscal com relevante interesse público.
MM. Deste modo, deve estar subjacente a qualquer benefício fiscal ao investimento – como o SIFIDE II – o reconhecimento económico e social justificativo da perda de receita fiscal que o mesmo implica, in casu, as despesas de investimento em I&D estão associados à prossecução do objectivo de incremento da produtividade e consequente reforço da competividade [sic] das empresas.
NN. Existe, portanto, uma ligação indissociável entre o benefício fiscal – SIFIDE – e as regras de determinação da matéria colectável do IRC, pelo método directo, que tomam como base o lucro revelado pela contabilidade e para cuja formação concorrem as chamadas “despesas elegíveis”.
OO. Com efeito, cabe lembrar que estão afastados deste benefício fiscal, pelo art.º 5.º do Regime do SIFIDE II, aprovado pelo art.º 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (e art.º 39.º do Código Fiscal do Investimento) os sujeitos passivos cujo lucro tributável seja determinado por métodos indirectos, regra que denuncia bem que se o legislador tivesse concebido o SIFIDE por forma a que o crédito de imposto fosse deduzido às colectas das tributações autónomas, não faria qualquer sentido esta regra de exclusão.
PP. Sendo de acrescentar que o próprio legislador extraiu consequências a jusante do apuramento de duas colectas distintas, em diversos normativos que remetem para o «montante apurado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º” ou para o “o imposto liquidado nos termos do art.º 90.» sinalizando sempre de forma forma explícita ou implícita que a referência abrangia apenas a colecta do IRC stricto sensu, o que, aliás, só suscitou controvérsia desde há meia dúzia de anos, na sequência de pronúncias dos tribunais arbitrais sobre a não dedutibilidade ao lucro tributável das colectas das tributações autónomas.
QQ. Uma leitura holística das normas do CIRC revela a coexistência de um sistema de tributação com base no rendimento com o regime especial das tributações autónomas, como já antes referido, circunstância que coloca um esforço exigente ao legislador para destrinçar os normativos que regulam aspectos que colidem com a antureza [sic] e características das tributações autónomas.
RR. Na verdade, o próprio CIRC fornece pistas orientadoras que auxiliam nesse esforço interpretativo, como se dará conta de seguida.
SS. É assim, no n.º 1 do art.º 92.º, ao reportar-se ao imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais (...)» indica de modo expresso que se refere à colecta do IRC stricto sensu, porquanto as deduções das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º, por força do disposto no número 1 dos artigos 91.º e 91.º-A que impõem a inclusão dos rendimentos obtidos no estrangeiro na matéria colectável que serve de base à liquidação.
TT. Igualmente, o n.º 1 do art.º 105.º do CIRC estabelece que «Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (…)», Ora, é consabido que o cálculo dos pagamentos por conta não pode senão ter por referência o apuramento do IRC baseado nas regras de determinação do lucro tributável e da matéria colectável (do Capítulo III do CIRC) e, nunca, o apuramento feito com base nas regras de incidência das taxas de tributação autónoma (do art.º 88.º do CIRC).
UU. A norma do n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC. Uma vez que as entidades transparentes estão sujeitas a tributações autónomas (cf. art.º 12.º do Código do IRC) e apenas imputam aos respectivos sócios a matéria colectável determinada com base no lucro, o entendimento adoptado pela Decisão fundamento de que as deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º são efectuadas à colecta do IRC que inclui as tributações autónomas, então os sócios ou membros das entidades transparentes estariam impedidos, por via do referido artigo 90.º, n.º 5, de deduzir aos montantes liquidados a título de tributação autónoma, as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, limitação que não resulta da lei.
VV. Faz sentido aludir também ao disposto no n.º 6 do art.º 90.º, ora, o «montante apurado relativamente ao grupo» só pode respeitar à colecta determinada com base na matéria colectável do grupo em conformidade com o disposto nos artigos 70.º e 71.º do CIRC, porquanto as tributações autónomas são apuradas, individualmente, por cada sociedade do grupo na declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 6 do art.º 120.º, ainda que o cálculo possa ser corrigido por força do n.º 20 do art.º 88.º.
WW. Os exemplos apresentados bastariam para sustentar a conclusão de que a expressão contida no corpo do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC «o montante apurado nos termos do número anterior» a que reportam as deduções enunciadas nas alíneas deste número, em que se inclui a dedução por benefícios fiscais (alínea b), actual alínea c)) e expressões equivalentes utilizadas noutros artigos quer do Código do IRC, quer de outros institutos legais (e.g., art.º 4.º do Regime do SIFIDE II ou Código Fiscal do Investimento) devem ter um sentido unívoco e coerente, que é o do corresponder à colecta do IRC stricto sensu apurada com base na matéria colectável que tem como ponto de partida o lucro.
XX. Por conseguinte, a interpretação literal propugnada pela decisão recorrida encerra em si mesma uma limitação insanável, porquanto, aparentemente, apenas seria válida para as deduções previstas no art.º 4.º do Regime do SIFIDE II, bem como na alínea b) (ou alínea c)) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, abstraindo por completo de uma análise de todas as consequências sistemáticas decorrentes de tal entendimento.
YY. O que vale por dizer que, à luz dos critérios de interpretação que convocam os elementos de interpretação histórico, sistemático e teleológico, as expressões «Ao montante apurado nos termos do número anterior», ou «o montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» a que faz referência o n.º 2 do art.º 90.º e o n.º 1 e o n.º 3 do art.º 4.º do Regime do SIFIDE, só pode ser entendido como respeitando ao IRC liquidado mediante a aplicação das taxas previstas nos números 1 e 2 do art.º 87.º à matéria colectável determinada segundo as regras enunciadas no capítulo III do CIRC e não ao montante apurado a título de tributações autónomas, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redacção textual antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.
ZZ. A interpretação estritamente literal daquela expressão conduziria a resultados absurdos e preversos [sic], do ponto de vista da natureza e objectivos associados a um benefício fiscal, porquanto abriria a porta a que sujeitos passivos com prejuízos fiscais mas com tributações autónomas sobre despesas não documentadas ou despesas com veículos de elevado valor ou despesas de representação, usufruíssem da dedução a título do SIFIDE.
AAA. Sendo, assim, de rejeitar a tese interpretativa vertida na decisão recorrida porque se atém em exclusivo ao elemento literal das normas e abstrai das repercussões da mesma no quadro mais amplo da relação entre o IRC stricto sensu e as tributações autónomas nesse imposto.
BBB. Posto isto, e porque a arquitectura do sistema de apuramento do IRC não sofreu alterações significativas desde a sua criação em 1989, impõe-se concluir que a norma clarificadora aditada ao artigo 88.º pela Lei n.º 7-A/2016, de 30/03 e alterada pela lei n.º 114/2017, de 29/12, veio no fundo explicitar o que já resultava da interpretação da lei, e que foi objecto de entendimento pacificamente aceite até à litigância em sede de arbitral, sobre a não dedutibilidade das tributações autónomas ao lucro tributável, conforme, aliás, tem sido reconhecido por várias decisões arbitrais.
CCC. Sintetizando, que da interpretação da expressão contida no corpo do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC à luz dos critérios gerais enunciados no art.º 9.º do Código Civil, resulta a não dedução às colectas das tributações autónomas de benefícios fiscais, incluindo a título do crédito de imposto do SIFIDE II, porquanto aquelas colectas de tributações autónomas não admitem outras deduções que não sejam a prevista no n.º 12 do art.º 88.º do CIRC.
DDD. Importa ainda, e quanto ao efeito interpretativo conferido pelo artigo 135.º constante da Lei do Orçamento de Estado para 2016, apelemos à boa jurisprudência exarada, entre inúmeros outros, nos processos arbitrais n.ºs 722/2015 –T CAAD; 727/2015 – T CAAD; 785/2016 T CAAD e, bem assim, no voto vencido lavrado pela insigne Conselheira Fernanda Maçãs no processo n.º 5/2016 T CAAD.
EEE. E mais importante ao Acórdão do TC n.º 107/2018 de 22 de Fevereiro que se pronuncia, manifesta e esclarece sobre esta temática e sobre entendimento vertido no Acórdão do TC n.º 267/2017 sobre o carácter interpretativo atribuído pelo art.º 135.º da Lei n.º 7-A/2016 ao disposto no n.º 21 do art.º 88.º.
FFF. Posto isto, resulta que o próprio efeito interpretativo conferido por aquela Lei é, per si, desnecessário, porquanto, conforme se demonstrou, nenhuma outra interpretação seria passível de ser efectuada tendo em consideração a teleologia e hermenêutica jurídica das normas em apreço,
GGG. como aliás resulta expressamente dos acórdãos supra citados.
HHH. Por fim, liste-se, novamente, a título meramente exemplificativo, as decisões arbitrais que à questão que ora nos ocupa, i.e., se são admissíveis quaisquer deduções à colecta produzida pelas tributações autónomas? decidiram em sentido negativo e, por conseguinte, diverso da decisão que ora se recorre 697/2014-T; 113/2015-T; 669/2015-T; 535/2015-T; 781/2015-T; 736/2015-T; 745/2015-T; 780/2015-T; 722/2015-T; 767/2015-T; 769/2015-T; 783/2015-T; 670/2015-T; 750/2015-T; 779/2015-T; 785/2015-T; 746/2015-T; 752/2015-T; 639/2015-T; 34/2016-T; 727/2015-T; 19/2016-T 774/2015-T; 122/2016-T; 174/2016-T; 443/2016-T; 567/2016-T; 629/2016-T; 504/2016-T; 524/2016-T; 302/2016-T; 506/2016-T; 612/2016-T; 587/2016-T; 670/2016-T; 575/2016-T; 627/2016-T 638/2016-T; 578/2016-T; 605/2016-T; 749/2016-T; 505/2016-T; 668/2016-T; 704/2016-T; 671/2016-T; 733/2016-T; 83/2017-T; 66/2017-T; 99/2017-T; 384/2017-T; 203/2017-T; 241/2017-T; 192/2017-T; 385/2017-T; 473/2017-T; 511/2017-T; 641/2017-T; 525/2017-T; 542/2017-T; 7/2018-T; 13/2018-T; 41/2018-T; 124/2018-T; 9/2018-T; 229/2018-T; 111/2018-T; 242/2018-T; 402/2018-T; 353/2018-T; 363/2018-T e 406/2018-T.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada contradição entre a decisão arbitral proferida no processo n.º 8/2017-T e a decisão arbitral fundamento proferida no processo nº 473/2017-T, quanto ao segmento decisório julga inadmissíveis quais deduções à colecta produzida pelas tributações autónomas – nomeadamente o SIFIDE II, devendo o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser anulada a decisão arbitral (processo n.º 8/2017-T), e substituída por Acórdão consentâneo com o disposto nos preceitos acima citados, à luz da doutrina da decisão fundamento».

2. A recorrida A………. S.A., com os sinais dos autos, contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
a. Por intermédio do presente recurso, o Supremo Tribunal Administrativo é chamado a responder à questão de saber se os créditos fiscais relativos aos benefícios fiscais reconhecidos no âmbito do SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, podem ser deduzidos à coleta apurada em sede de tributações autónomas (no caso, relativa aos exercícios de 2011 e 2012), uniformizando em definitivo a jurisprudência arbitral que sobre esta matéria se tem vindo a pronunciar.
b. Pese embora o argumento aritmético não seja decisivo, não se pode deixar de referir que existem, pelo menos, 37 (trinta e sete) acórdãos do CAAD no sentido propugnado pela Recorrida e na mesma linha da decisão arbitral proferida nos autos do Processo n.º 8/2017-T e que está na origem do presente recurso, jurisprudência essa que criou expectativas legítimas da sua continuidade no ordenamento jurídico e que deve ser protegida ao abrigo do princípio da segurança ou da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (cf. artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).
c. A resposta à questão em discussão nos presentes autos tem de ser no sentido de admissibilidade da dedução à coleta dos créditos fiscais relativos aos benefícios fiscais reconhecidos no âmbito do SIFIDE II, como é, aliás, a posição assumida no Parecer do Ilustre Representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, à qual a Recorrida acrescenta um conjunto de argumentos melhor sintetizados nas conclusões que seguem.
d. O primeiro argumento – desenvolvido nos parágrafos 27 a 49 das alegações de recurso - resulta da interpretação do disposto no artigo 90º do Código do IRC e pode ser resumido do seguinte modo: o artigo 90.º do Código do IRC, com a redação em vigor à data dos factos, é aplicável às tributações autónomas.
e. De facto, o artigo 90.º do Código do IRC refere-se às formas de liquidação do IRC, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas neste Código, incluindo a liquidação do montante das tributações autónomas.
f. Sendo a coleta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, devem ser aplicáveis a tal coleta as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, sem qualquer distinção sobre a natureza dos tipos de coleta em causa.
g. Considerando que o Código do IRC não contém outra norma que estabeleça um procedimento específico de liquidação aplicável às tributações autónomas, a utilização de qualquer outro procedimento ou forma de liquidação para as mesmas seria sempre ilegal, por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
h. O segundo argumento – desenvolvido nos parágrafos 50 a 66 das alegações de recurso – resulta da correta interpretação do disposto no artigo 4.º do diploma legal que criou o SIFIDE II. Entende a Recorrida que sendo a coleta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, devem ser aplicáveis a essa coleta as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, em especial as relativas a benefícios fiscais, nos termos expressamente impostos pela referida norma.
i. Adicionalmente, a norma constante do artigo 4.º do SIFIDE II, por ser uma norma que cria um benefício fiscal, é uma norma de natureza excecional que, por força do disposto no artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não pode ser alvo de uma interpretação restritiva como defende a Recorrente.
j. Por fim, e como terceiro argumento - desenvolvido nos e parágrafos 68 a 84 das alegações de recurso - apenas com a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aditou o número 21 ao artigo 88.º do Código do IRC, subsequentemente alterado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, é que passou a existir uma norma em que expressamente se afasta a possibilidade de aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante apurado com tributações autónomas.
k. A nova redação do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, ao afastar a possibilidade de deduções ao montante global das tributações autónomas, ainda que essas deduções resultem de legislação especial, reconhece, com a autoridade legislativa de uma interpretação autêntica, o entendimento reiteradamente assumido pela jurisprudência arbitral maioritária de que até então existia legislação especial (SIFIDE II) da qual resultava que fossem feitas deduções ao montante das tributações autónomas.
l. Por outro lado, a natureza interpretativa conferida à norma em apreço teve por objetivo único limitar para o passado, em especial para os exercícios em causa nos presentes autos, a possibilidade de serem efetuadas deduções ao montante apurado com tributações autónomas nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, objetivo esse que o Tribunal Constitucional se encarregou de rejeitar nos Acórdãos n.º 267/2017 e 1430/17.
m. Assim, outro entendimento não poderá proceder senão o sufragado nos Acórdãos emanados do Tribunal Constitucional, a saber, que a natureza interpretativa conferida à norma legal em apreciação tende a agravar o quantum devido a título de IRC e que a pretensa aplicação dos seus efeitos a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da nova lei se mostra incompatível com a proibição constitucional de impostos retroativos (em particular, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1430/17).
n. Por todo o exposto, a Recorrida adere in totom [sic] à jurisprudência arbitral firmada no Acórdão do CAAD n.º 8/2017-T que é objeto do presente recurso e, segundo a qual, os créditos fiscais relativos aos benefícios fiscais reconhecidos no âmbito do SIFIDE II podem ser deduzidos à coleta apurada em sede de tributações autónomas relativa aos exercícios de 2011 e 2012.
Termos em que, sendo o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência admitido, deverá o seu segmento decisório uniformizar a jurisprudência arbitral, adotando-se o entendimento sufragado na decisão recorrida, nos seguintes termos: Os créditos fiscais relativos aos benefícios fiscais reconhecidos no âmbito do Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento (SIFIDE II), aprovado pelo artigo 133º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, podem ser deduzidos à coleta apurada em sede de tributações autónomas relativa aos exercícios de 2011 e 2012».


3. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser admitido e de que se deve uniformizar jurisprudência no seguinte sentido: “- Os créditos fiscais relativos aos benefícios fiscais reconhecidos no âmbito do Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento (SIFIDE II), aprovado pelo artigo 133º da Lei nº 55-A /2010, de 31 de Dezembro, podem ser deduzidos à coleta apurada em sede de tributações autónomas relativa aos exercícios de 2011 e 2012”.


4 – Cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na decisão arbitral recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. A Requerente é uma sociedade anónima que possui como objeto social a atividade de engenharia e fabrico de aparelhos e de equipamentos para comunicações, encontrando-se enquadrada no regime geral de tributação em IRC;
B. No dia 31 de Maio de 2012, a Requerente entregou a sua declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2011, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação das tributações autónomas no montante de € 19.613,86.
C. No dia 31-05-2013, a Requerente entregou a sua declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2012, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação das tributações autónomas no montante de € 38.073,48.
D. Nas autoliquidações de 2011 e 2012, a Requerente apurou, a título de despesas realizadas no âmbito do SIFIDE II, os montantes de € 377.814,33 e €397.461,88, respectivamente.
E. Os valores não utilizados no final de cada exercício, disponíveis a título de SIFIDE II para dedução à coleta de IRC, ascenderam a € 974.954,29 e € 1.372.416,17, respetivamente;
F. Do saldo acumulado e da dotação dos períodos só foi deduzido o valor de € 13.733,03, apenas em 2011;
G. No exercício de 2012 não foi deduzido qualquer montante por insuficiência da coleta de IRC;
H. A programação do site da AT não permitia, aquando da autoliquidação de IRC, a dedução daquelas verbas de SIFIDE aos montantes apurados a título de coleta das tributações autónomas;
I. Respetivamente nos exercícios de 2011 e 2012, a Requerente possuía coleta de tributações autónomas no valor de € 19.613,86 em 2011 e € 38.073,48;
J. O pedido arbitral foi apresentado em 4 de janeiro de 2017 na sequência do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
K. Este último foi apresentado pela Requerente a 25 de maio de 2016, tendo visado a anulação dos seguintes atos tributários:
(i) Autoliquidação de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2011, com o código de validação n.º BKT5CS2KQT5J;
(ii) Autoliquidação de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2012, com o código de validação n.º VSGMA9SSVF7J;
L. Sobre o pedido de revisão oficiosa não foi proferida qualquer decisão expressa;
M. Nos exercícios de 2011 e 2012 foram apurados créditos fiscais em sede de SIFIDE II nos montantes acima referidos;
N. Os ditos créditos fiscais não foram deduzidos à coleta das tributações autónomas;
O. O IRC apurado nos exercícios de 2011 e 2012, o qual se restringiu à coleta das tributações autónomas, encontra-se inteiramente pago;
P. Nos exercícios de 2011 e 2012, o lucro tributável da Requerente não foi apurado pela AT com base em métodos indiretos;
Q. Em tais exercícios, a Requerente não era devedora ao Estado ou à Segurança Social de quaisquer impostos ou contribuições».

A decisão arbitral na qual a recorrente se apoia, como fundamento do recurso de uniformização de jurisprudência, deu como assente a seguinte factualidade concreta:
«[…]
a. A Requerente entregou no dia 23 de Maio de 2012 a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2011, tendo apurado um montante de tributações autónomas em IRC de € 96.158,38 (cfr. Doc. 1 junto com o pedido arbitral).
b. A Requerente apresentou, posteriormente, em 28 de Maio de 2013 declaração de rendimentos Modelo 22, de substituição, que em nada altera o que aqui se discute (cfr. Doc. 2 junto com o pedido arbitral).
c. A declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC e respectiva articulação com a programação do sistema informático da AT impediram a dedução à colecta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração de rendimentos, do SIFIDE ainda por deduzir.
d. O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização no final do exercício de 2011 ascendia a € 5.651.708,02 conforme certificação acompanhada de Declarações da Comissão Certificadora do SIFIDE (Docs. n.º 4 e nº 5, juntos com o pedido arbitral).
e. A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC em causa, que a AT indeferiu por entender que não se encontravam preenchidos os requisitos para a admissibilidade da revisão dos actos tributários previstos no art. 78º da LGT (Doc. nº 3 junto com o pedido arbitral).
f. A Requerente foi notificada desse indeferimento a 23 de Junho de 2017 (Doc. nº 3 junto com o pedido arbitral).
Factos não provados
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado
[…]».

3. De Direito
3.1. Da admissibilidade do recurso

3.1.1. Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso à data em que o mesmo foi interposto:
1.º que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);
2.º que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);
3.º que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].
4.º que o acórdão fundamento (neste caso, a decisão arbitral fundamento) tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do 281.º do CPPT).
Entende-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando:
i) as situações fácticas em ambas as decisões arbitrais sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;
ii) o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
Finalmente, entende-se que as duas decisões arbitrais estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas (e já não será assim quando apenas se oponham os seus fundamentos).
Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT (e que reproduz o que actualmente consta do n.º 2 do artigo 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).

3.1.2. A primeira questão que há que apreciar prende-se com a admissibilidade ou não do recurso, atendendo a que a decisão arbitral recorrida foi notificada à Recorrente em 3 de Dezembro de 2019 (v. certidão junta aos autos, fls. 96 do processo no SITAF), a alteração legislativa que veio dar nova redacção ao n.º 2 do artigo 25.º do regime jurídico da arbitragem tributária (RJAT) (Referimo-nos aos Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que regula o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, entretanto actualizado por diversas vezes, a última pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro.), o qual passou a prever o recurso por oposição de julgados também entre duas decisões arbitrais, foi aprovada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, e este regime jurídico, segundo o artigo 26.º da referida lei, entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 2019 e o presente recurso foi interposto no dia 15 de Janeiro de 20120. Ora, devendo aplicar-se, in casu, a regra prevista no n.º 3 do artigo 12.º da LGT, de que as normas sobre processo são de aplicação imediata, e considerando que
A notificação da decisão recorrida teve lugar após a entrada em vigor da nova redacção do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, nada obsta a que o recurso seja admitido com fundamento em oposição entre decisões arbitrais. Vejamos, então, se estão verificados os requisitos de admissibilidade deste recurso.

3.1.3. Da leitura das alegações de recurso verifica-se que a Recorrente cumpriu o ónus de identificação precisa e circunstanciada dos aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e que existe uma efectiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento no que respeita à questão da admissibilidade ou não da dedução dos benefícios fiscais previstos no SIFIDE II à colecta de IRC derivada de tributações autónomas. Senão vejamos.
A oposição refere-se à mesma questão fundamental de direito, uma vez que em ambos os arestos estamos perante: i) a admissibilidade de dedução à colecta (resultado da liquidação) de tributações autónomas de montantes provenientes de benefícios fiscais de SIFIDE-Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II; e ii) a redacção das normas aplicáveis era a mesma, na data dos factos da decisão arbitral fundamento (exercício de IRC de 2011) e no que respeita à liquidação do exercício de IRC de 2011 e 2012 da decisão arbitral recorrida, uma vez que ambos se regem, no que interessa para este efeito, pela mesma redacção do disposto nos artigos 88.º e 90.º do CIRC, isto é, pela redacção prévia à modificação introduzida pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016 e ambos são abrangidos pela alegada norma interpretativa do artigo 135.º da mesma lei (existe, nesta parte, identidade quanto ao quadro legislativo aplicado).

E, sobre a questão da dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II ao montante global apurado em sede de tributações autónomas decidiu-se e fundamentou-se assim na decisão arbitral recorrida (decisão arbitral do CAAD n.º 8/2017-T):
«[…]

. […]».

E de este outro modo na decisão arbitral fundamento (decisão arbitral do CAAD n.º 473/2017-T):
«[…] Em suma, ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretenderam alcançar legislativamente com a criação do SIFIDE, justificam uma interpretação restritiva dos preceitos em causa do CIRC, sendo que a interpretação restritiva é admissível quando haja precisamente “razões ponderosas para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar” (cfr., entre outros, o Acórdão Arbitral n.º 673/2015-T).
O entendimento arbitral ora sufragado, no sentido da orientação seguida nos Acórdãos Arbitrais n.ºs 722/2015-T e 443/2016-T, encontra-se em sintonia com o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao estabelecer que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efetuadas quaisquer deduções».
Também neste caso, o legislador se limitou a acolher, clarificando-o, uma solução que os tribunais, com recurso às regras vigentes e por aplicação dos critérios de hermenêutica jurídica estavam em condições de extrair do regime a aplicar, o que se limitou a fazer este colectivo, no caso dos autos.
Atento o acima exposto, conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à colecta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC, nos termos do qual “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”
Assim sendo, deixa de fazer sentido a invocada inconstitucionalidade do nº 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de Março, por violação do princípio da retroactividade da lei, proibida pelo artigo 103.º, nº3, da CRP, na medida em que tal normativo não é convocado sequer na resolução do caso em apreço.
Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente, pelos fundamentos acima invocados, no que respeita à possibilidade de dedução do benefício fiscal relativo ao “SIFIDE” à colecta das tributações autónomas relativas ao exercício de IRC de 2011.».

Concluímos, portanto, que existe identidade substancial entre as questões fácticas, uma vez que em ambos os arestos está em causa a admissibilidade (ou não) da dedução à colecta das tributações autónomas de montantes respeitantes ao benefício fiscal SIFIDE II e que o quadro legislativo aplicado é o mesmo, bem como que existe contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento.
Com efeito, na decisão arbitral fundamento o direito à referida dedução à colecta foi rejeitado com o fundamento de que tais deduções nunca poderiam ser admitidas, atendendo à própria natureza jurídica (“autónoma”) das tributações autónomas, que é diversa do IRC, o que determina, no entender daquela decisão arbitral, que
«[…] a ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à colecta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC (…) Assim sendo, deixa de fazer sentido a invocada inconstitucionalidade do nº 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de Março, por violação do princípio da retroactividade da lei, proibida pelo artigo 103.º, nº3, da CRP, na medida em que tal normativo não é convocado sequer na resolução do caso em apreço […]».
Contrariamente, na decisão arbitral recorrida admite-se a referida dedução dos benefícios fiscais SIFIDE II à colecta das tributações autónomas, por considerar que o artigo 90.º do CIRC se aplica
«[…] ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no CIRC, incluindo tributações autónomas […]».

3.1.4. Antes, porém, de concluir pela admissibilidade ou não do recurso importa ainda verificar se se encontra preenchido, in casu, o requisito do artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi do n.º 3 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (e hoje igualmente consagrado no n.º 3 do artigo 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário), ou seja, importa verificar se existe ou não jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que seja coincidente com a decisão arbitral impugnada. Um requisito que, quando está em causa a divergência entre duas decisões arbitrais adquire especial relevância, pois visa assegurar a uniformidade da jurisprudência em matéria tributária a partir do parâmetro fixado por este Supremo Tribunal Administrativo (artigo 284.º, n.º 3 do CPPT e artigo 8.º, n.º 3 do C. Civ.), o que é, também, pedra angular da igualdade tributária, rectius, da igualdade perante os encargos públicos.
Ora, apesar de a questão que está subjacente à divergência das decisões arbitrais aqui em apreço – a qual se reconduz, em última instância, à determinação da natureza jurídica das tributações autónomas em IRC e da respectiva colecta – ter um amplo lastro de jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo [v., por todos, os acórdãos de 6 de Julho de 2011 (proc. 281/11), de 27 de Setembro de 2017 (proc. 146/16)], na qual sempre se afirmou que “[E]stas tributações autónomas (…) embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste”, a verdade é que a questão concreta da admissibilidade de dedução ou não à colecta das tributações autónomas de montantes apurados a título de benefícios fiscais, em especial do SIFIDE II, não foi ainda tratada, de forma expressa, por este Tribunal, razão pela qual concluímos pela admissibilidade do presente recurso.
Assim, verificados que estão todos os pressupostos da admissibilidade do recurso, importa agora conhecer da questão de fundo.

3.2. Da dedução à colecta das tributações autónomas de montantes de benefícios fiscais do SIFIDE II

3.2.1. O pressuposto material em que repousa a decisão arbitral fundamento baseia-se, como dissemos, em jurisprudência consolidada do STA quanto à qualificação das tributações autónomas como imposição fiscal diversa do IRC e, nessa medida, não subordinadas às regras gerais da liquidação daquele imposto, designadamente à regra da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que estabelece a dedução dos benefícios fiscais (neste caso os valores apurados segundo as regras do SIFIDE II) à colecta do IRC no âmbito das operações de liquidação do mesmo.
Com base neste pressuposto, conclui a decisão arbitral fundamento que o disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE/2011), ao estipular que “[…] Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português (…) podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação […]” , não autoriza a dedução daqueles valores à colecta das tributações autónomas apuradas conjuntamente com os exercícios fiscais.
Segundo a decisão arbitral fundamento, a pretendida dedução afigura-se substancialmente incompatível com o próprio conceito normativo de tributações autónomas e o seu respectivo regime jurídico. Já para a decisão arbitral recorrida não existe um fundamento jurídico válido para subtrair a colecta das tributações autónomas da referida dedução.
Em sentido contrário, para a decisão arbitral fundamento o direito à dedução dos montantes apurados em sede daqueles benefícios fiscais apenas é possível no âmbito da colecta de IRC. Se não existir colecta daquele imposto (se a mesma for nula por não ter saldo positivo) ou se o respectivo montante se revelar insuficiente para permitir a dedução da totalidade dos valores apurados em sede de benefícios fiscais, essa dedução (total ou parcial) não pode ter lugar. Em outras palavras, não sendo possível promover a dedução dos montantes apurados a título de benefício fiscal SIFIDE II à colecta de IRC, como determina o artigo 4.º, n.º 1 do SIFIDE II, também não é possível promover a respectiva dedução a uma realidade tributária substancialmente diversa, como é o caso da colecta das tributações autónomas, apenas pela circunstância de a mesma se apurar conjuntamente com o IRC.

3.2.1.1. E na circunstância de o montante apurado do benefício fiscal SIFIDE II “exceder” a colecta de IRC e, por essa razão, não ter objecto a que poder ser deduzido, uma vez que nesta operação não pode entrar a colecta das tributações autónomas, tal não consubstancia, qualquer “restrição” ou “interpretação restritiva” do artigo 4.º do SIFIDE II na redacção aprovada pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro. Estamos apenas – repita-se – perante o regime geral do imposto do IRC relativamente ao qual as tributações autónomas constituem realidade tributária substancialmente diversa, sendo este o fundamento para a inadmissibilidade da dedução. Não estamos ante nenhuma interpretação restritiva da norma, uma vez que a colecta das tributações autónomas não integra aquela previsão normativa.

3.2.2. É também com base neste pressuposto de qualificação jurídico-tributária das tributações autónomas como tributação de natureza jurídica diversa do IRC que a decisão arbitral fundamento conclui pelo não direito à dedução do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta daquelas tributações e pela irrelevância da questão de constitucionalidade do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, uma vez que a “nova redacção” do artigo 88.º do CIRC aprovada em 2016, a que o legislador veio atribuir “natureza interpretativa” e que num acórdão do Tribunal Constitucional surge qualificada (como veremos) como norma com conteúdo inovador, é, no entendimento daquela decisão, irrelevante para a decisão do caso.
Uma solução que resulta expressamente do seguinte trecho da decisão arbitral fundamento:
«[…] Atento o acima exposto, conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à colecta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC, nos termos do qual “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”
Assim sendo, deixa de fazer sentido a invocada inconstitucionalidade do nº 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de Março, por violação do princípio da retroactividade da lei, proibida pelo artigo 103.º, nº3, da CRP, na medida em que tal normativo não é convocado sequer na resolução do caso em apreço.
Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente, pelos fundamentos acima invocados, no que respeita à possibilidade de dedução do benefício fiscal relativo ao “SIFIDE” à colecta das tributações autónomas relativas ao exercício de IRC de 2011 […]».

E é contra este entendimento que a Recorrida se insurge nas suas contra-alegações, ao afirmar que a interpretação do artigo 90.º do CIRC em que repousa a decisão arbitral fundamento viola o sentido do que foi decidido no acórdão n.º 267/2017 do Tribunal Constitucional.

3.2.3. Do que vimos de dizer depreende-se que para a decisão do presente caso importa compulsar a orientação perfilhada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017 e o que sobre ela se explicita no acórdão n.º 107/2018. Decisões pelas quais aquele Tribunal, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, julgou inconstitucional o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, com fundamento em violação da regra consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição de proibição de criação de imposto com natureza retroactiva. Apesar de decidirem de forma coincidente, não há, como veremos, total coincidência entre estes acórdãos, sendo a respectiva diferença que se deve interpretar como complementaridade muito significativa.
O acórdão n.º 267/2017 conclui pela inconstitucionalidade do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 por entender que a alteração da redacção do artigo 88.º do CIRC (em especial o aditamento do n.º 21) assume conteúdo inovador quanto à proibição de dedução à colecta das tributações autónomas do montante apurado em sede de pagamento especial por conta.
Este aresto, embora com eficácia limitada ao processo em que foi proferido (artigo 80.º, n.º 1 da LTC (Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actualizada.)), parece, numa primeira leitura, revelar que o Tribunal Constitucional, em linha, de resto, com um pendor já assinalado ao acórdão n.º 18/2011, vem, pela via da “constitucionalização material das questões”, “interferir metodologicamente” com a competência deste Supremo Tribunal Administrativo no que respeita à “última palavras” quanto à interpretação jurídico-legal das normas tributárias e à qualificação dos respectivos conceitos jurídicos. Vejamos.

3.2.3.1. No acórdão n.º 267/2017, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma em que a AT se baseara para impedir a dedução do valor do pagamento especial por conta à colecta das tributações autónomas de IRC relativas ao exercício fiscal de 2012, com o fundamento de que essa impossibilidade de dedução resultava exclusivamente da alteração da redacção do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, introduzida pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, à qual o artigo 135.º da mesma lei atribuíra a qualificação de norma interpretativa, sendo essa qualificação afastada pelo Tribunal Constitucional, que a classificou, como já dissemos, como norma de conteúdo inovador e, enquanto tal, violadora da regra contida no n.º 3 do artigo 103.º da CRP (proibição de criação de impostos retroactivos) (Sublinhe-se que a decisão arbitral fundamento “afasta” a jurisprudência vertida neste acórdão ao concluir que in casu é desnecessário lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC.).
A questão crítica relativa a esta decisão prende-se com o facto de no exercício hermenêutico que levou a efeito para alcançar o resultado da inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional ter, aparentemente, adentrado metodologicamente no âmbito da qualificação jurídica de conceitos jurídico-tributários, substituindo-se inevitavelmente à interpretação e qualificação jurídica que o Supremo Tribunal Administrativo havia feito das tributações autónomas (Uma “sobreposição” de competência material para a qual expressamente se alerta no voto de vencido que acompanha esta decisão, como, de resto, já havia sucedido no acórdão n.º 18/2011 e na respectiva declaração de voto que o acompanha.), como resulta expressamente do excerto seguinte:
«[…]Em suma, a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico, mas antes desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa. A despesa objeto de tributação constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação, sendo a sua realização assumida pelo legislador como facto revelador da capacidade contributiva.
Porém, a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas […]» (destacados nossos).

Com efeito, a qualificação que este aresto assim, aparentemente, opera da colecta das tributações autónomas como “parte integrante da configuração legislativa do IRC” consubstancia uma pronúncia pouco clara, que está na base de alguma confusão que perpassa nas contra-alegações do presente recurso, e que pode ser interpretado como extrapolando o âmbito da “questão de constitucionalidade”, e assim afectando o âmago da tarefa jurisdicional de interpretação legal da norma fiscal e de qualificação de uma categoria tributária, como são as tributações autónomas.
A admitir-se uma tal interpretação daquela decisão do Tribunal Constitucional, a mesma estaria até em contradição com a orientação que havia sido firmada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 465/2015, em que, chamado a apreciar a conformidade constitucional das tributações autónomas a se com os princípios fundamentais da tributação das empresas pelo rendimento real, da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da proporcionalidade e da protecção do direito de propriedade, aquele Tribunal havia afirmado que:
“[…] a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.
[…]
Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (acórdão do STA de 12 de abril de 2012, Processo n.º 77/12) […]”

Como a dado passo se diz no aresto que vimos de citar, as tributações autónomas revelam capacidade contributiva a partir das despesas (“evitáveis”, porque não, ou não estritamente, ligadas à actividade empresarial) que constituem o respectivo facto tributário, pelo que o contribuinte tem, nos casos em que realiza essas despesas, de estar em condições de suportar o encargo fiscal que elas representam:
“[…] A lógica da tributação autónoma a que se referem as disposições do n.º 13 do artigo 88.º parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas e que não têm direta relação com o desempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.
A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização despesa […]”.

Não ignoramos que, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo também tem admitido, o legislador tem vindo a alargar a categoria das tributações autónomas e a torná-la cada vez mais complexa e difícil de recortar dogmaticamente como categoria unitária – v., por todos, acórdão de 27 de Setembro de 2017 (proc. 146/16), onde se conclui que não obstante as tributações autónomas não constituírem imposto sobre o rendimento, elas também não podem qualificar-se como encargos fiscais dedutíveis, uma vez que o intérprete e primacial aplicador da lei deve assegurar que aquela espécie tributária cumpre integralmente a sua função sistémica no ordenamento jurídico tributária, qual seja, mormente, a de assegurar que despesas não intrinsecamente empresarias possam ser aproveitadas no âmbito da tributação do rendimento empresarial como forma de desagravamento da tributação geral dos rendimentos dessas actividades:
«[…] Tanto mais que, a nosso ver, a teleologia das tributações autónomas impõe a recusa da dedutibilidade dos encargos fiscais suportados com as mesmas. Essa recusa é evidente relativamente àquelas despesas que não são, elas mesmas, dedutíveis para efeitos de determinação da matéria tributável, como é o caso das despesas não documentadas e quanto às importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal privilegiado. Mas também nos casos – como o de que ora nos ocupamos – em que as tributações incidem sobre encargos fiscalmente dedutíveis, mal se compreenderia que a intenção do legislador, que é a de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução, fosse depois contrariada pela dedução dos encargos com essas tributações. Se a tributação autónoma serve, nestes casos, para fazer face à dificuldade de controlo rigoroso de despesas da carácter empresarial e de carácter pessoal, desincentivando a realização das mesmas, e para compensar a perda de receita fiscal decorrente dessa realização, constituindo, ao final, uma redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria tributável, não faria sentido que, depois, fosse permitir a dedução dos encargos com a tributação autónoma […]».

Ora, partindo desta compreensão interpretativa geral das tributações autónomas, que este Supremo Tribunal Administrativo continua a sufragar, admitir que as deduções que não podem ser efectuadas à colecta de IRC por ausência ou insuficiência desta pudessem ser deduzidas à colecta das tributações autónomas, seria frustrar a razão de ser desta categoria tributária autónoma.
Por todas estas razões, nunca poderia resultar da fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017 uma “adulteração” do conceito legal e da racionalidade jurídico-tributária das tributações autónomas, tal como ela é definida por este Supremo Tribunal Administrativo. Sobretudo, porque estamos ante uma questão de interpretação da legalidade tributária (alheia às competências do Tribunal Constitucional) e não uma questão de constitucionalidade.
E, de facto, não foi isso que se pretendeu com aquela jurisprudência, como, de resto, é expressamente dito no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018, quando aí se destrinça a dimensão funcional do exercício judicativo de cada uma das jurisdições, deixando expressamente afirmado o seguinte:
«[…] O Tribunal Constitucional não «sufragou» qualquer interpretação da lei em matéria de deduções dos pagamentos especiais por conta aos montantes das tributações autónomas que integram a colecta do IRC. Não o fez, desde logo, por não lhe compete determinar o sentido da lei, mas apenas apreciar a constitucionalidade da lei com o sentido que lhe foi fixado pelas instâncias. Daí decorre que o facto de certa interpretação da lei ser inconstitucional, no juízo do Tribunal Constitucional, não implica a adesão a qualquer interpretação alternativa da lei, nem sequer o juízo de que tal interpretação, a vir a ocorrer, não é inconstitucional; significa apenas que a interpretação que constitui o objeto do recurso ─ e apenas essa ─ é inconstitucional. Em todo o caso, no Acórdão n.º 267/2017, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC ─ nos termos da qual os pagamentos especiais por conta não podem ser deduzidos aos montantes das tributações autónomas -, mas a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que lhe atribui natureza interpretativa (e, por essa via, nos termos das regras gerais, efeito retroativo). A constitucionalidade da solução consagrada no n.º 21 do artigo 88.º não esteve, nesse ou no presente recurso, em causa. Mais: o que o Tribunal julgou inconstitucional foi a imposição legal de determinado sentido, o que em nada impede que o mesmo sentido seja alcançado através da interpretação jurisdicional da lei, ou seja, não porque o legislador a impôs, mas porque entente o tribunal do caso que essa é a interpretação correta da lei […]».

Em suma, como decorre, cristalinamente, do excerto antes transcrito, o decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017 não contende com a interpretação e qualificação que o Supremo Tribunal Administrativo sempre fez das tributações autónomas.

3.2.4. A conclusão que, aparentemente, a Recorrida pretende extrinsecar do acórdão n.º 267/2017 do Tribunal Constitucional é resultante de uma incorrecta compreensão da metodologia do processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, como aqui procuramos esclarecer.
O objecto do controlo na fiscalização concreta “os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restrito à questão da inconstitucionalidade (…) suscitada no âmbito de um processo” (artigo 71.º, n.º 1 da LTC) desencadeia permanentes dificuldades metodológicas, não só na destrinça entre “a norma que serviu de parâmetro de decisão ao caso” (o objecto do controlo) e a “decisão judicial que aplicou essa norma” (a qual não integra o objecto do recurso), mas também quanto ao sentido que as decisões positivas e negativas de constitucionalidade podem assumir. O Tribunal Constitucional atem-se ao parâmetro de decisão mobilizado pelo julgador do Tribunal a quo, ou seja, à interpretação da norma legal em que se fundou a decisão do caso, ignorando o sentido da decisão material recorrida, pois a sua competência é restrita à questão normativa da constitucionalidade da norma aplicada como parâmetro de decisão e não abrange a cassação das decisões recorridas, nem envolve qualquer poder de julgamento em substituição.
Mas a questão pode tornar-se mais complexa quando o parâmetro normativo convocado e aplicado pelo Tribunal a quo envolva, simultaneamente, a qualificação jurídico-material do conceito atinente à área jurídica a que respeita a questão controvertida e a sua interpretação (sua, leia-se, do tribunal a quo) em conformidade com a constituição ou, numa formulação metodológica que nos parece mais correcta, o tribunal constitucional seja chamado a controlar a conformidade constitucional do sentido normativo-conceitual alcançado segundo as regras da hermenêutica jurídica aplicadas à área jurídica a que o conceito pertence a partir da interpretação constitucional do mesmo construída e aplicada pelo Tribunal a quo é neste caso que surgem os aparentes conflitos positivos de competência como aquele que a Recorrida entende que está aqui presente, mas que na realidade não existe.
O que foi decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, e reiterado no acórdão n.º 107/2018, foi apenas a inconstitucionalidade do segmento normativo, consagrado no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, que impunha a interpretação e aplicação aos casos controvertidos anteriores da solução explicitada no novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC. A dimensão inovadora e merecedora de censura constitucional é, no entendimento daqueles arestos, apenas a que resulta da obrigação de aplicação do sentido fixado no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC a factos tributários anteriores à sua entrada em vigor e não o conteúdo dessa norma tributária.
Assim, é evidente que: primeiro não resulta das referidas decisões do Tribunal Constitucional que seja inconstitucional a inadmissibilidade de deduzir à colecta das tributações autónomas o montante do pagamento especial por conta (lembre-se que era esta a questão discutida); segundo o Tribunal a quo que tenha decidido não admitir a dedução à colecta com fundamento na aplicação da norma interpretativa (o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016) julgada inconstitucional, pode, em sede de reforma da sua decisão no âmbito da execução do disposto no n.º 2 do artigo 80.º da LTC, manter a proibição da referida dedução, desde que fundada noutra norma, designadamente, na interpretação de que aquela proibição já resultava, implicitamente, da redacção anterior dos artigos 88.º e 90.º do CIRC, como sucede na decisão arbitral aqui recorrida.

3.2.5. Portanto, é com base nestes pressupostos que se nos afigura correcto enunciar a “questão que é objecto do presente recurso” da seguinte forma:
Primeiro, a possibilidade de dedução ou não dos montantes apurados a título de benefício fiscal SIFIDE II à colecta das tributações autónomas em sede de IRC à luz das disposições legais em vigor em 2011 e 2012 deve considerar-se inadmissível à luz da jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que, independentemente da modificação da redacção do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que teve lugar com a aprovação do artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, as tributações autónomas sempre foram qualificadas por este Tribunal Supremo como tributação materialmente diferente da tributação em IRC ainda que seja uma tributação efectuada conjuntamente com o IRC.
Segundo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional vertida nos acórdãos n.º 267/2017 e n.º 107/2018 não contende com esta interpretação, quer por os efeitos daquelas decisões se circunscreverem aos processos em que foram proferidas, quer por respeitarem a uma dedução à colecta das tributações autónomas de natureza diversa da que está em aqui em apreço, quer ainda por, em rigor, não “responderem” à questão aqui suscitada na conformação metodológica da interpretação em “(des)conformidade com o direito constitucional”.
Explicitando um pouco melhor a última dimensão antes mencionada, queremos destacar que:
i) atendendo a que o Tribunal Constitucional, no já mencionado acórdão n.º 197/2016 não reputou inconstitucionais as tributações autónomas no sentido em que as mesmas têm vindo a ser qualificadas pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo como tributos material e estruturalmente diversos do IRC, assentes numa expressão diversa de capacidade contributiva e que se destinam a realizar, também, objectivos especiais de política fiscal;
ii) atendendo a que, segundo esta qualificação jurídico-normativa das tributações autónomas, não é admissível a dedução à respectiva colecta de valores suportados pelo sujeito passivo a título de benefícios fiscais; e
iii) atendendo ainda a que, nessa medida, o aditamento do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, decorrente da alteração legislativa aprovada pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, não tem conteúdo inovador;
a eventual desconformidade constitucional do segmento normativo que aqui mobilizamos como ratio decidendi ― um segmento normativo que resulta da interpretação legal do disposto nos artigos 88.º e 90.º do CIRC, na redacção em vigor em 2011 e 2012, do qual decorre não serem admissíveis deduções à colecta das tributações autónomas para além daquelas que estavam expressamente previstas no artigo 88.º do CIRC, não sendo admissível, por isso (i. e., em virtude da sua natureza intrínseca e não da norma interpretativa do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2006), a aplicação do disposto na al. c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, nem a dedução à colecta das tributações autónomas dos montantes apurados à luz do artigo 4.º do regime jurídico do SIFIDE II pressuporia uma qualificação jurídico-legal diversa das tributações autónomas ou a demonstração de que a interpretação assim firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo viola regras ou princípios constitucionais.

3.3. Em suma, é ilegal a dedução à colecta das tributações autónomas dos montantes apurados a título de benefícios fiscal SIFIDE II que não possam ser deduzidos à colecta de IRC.


4. Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
I – As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
II – Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, está excluída a possibilidade de dedução dos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010.
III – Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime legal do SIFIDE II não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016, uma vez que já resultava, implicitamente, da redacção anterior daquele preceito legal.


5. Decisão
Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam tomar conhecimento do mérito do recurso, conceder-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, absolver a Fazenda Pública do pedido e fixar jurisprudência no sentido de que não são admitidas deduções à colecta das tributações autónomas relativas aos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010.


Custas pela Recorrida.
Registe-se, notifique-se e comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 8 de Julho de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes (vencido) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia.


Declaração de voto
Vencido, considerando fundamentalmente a redação do art. 45.º n.º 1 a) do CIRC ao tempo vigente não abranger as tributações autónomas, e o decidido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31 de Maio de 2017, no processo n.º 466/16.
Paulo Antunes