Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01456/10.9BELRS
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).
III – Não é de admitir a revista para melhoria do direito se, contrariamente ao alegado, não é patente que o acórdão tenha incorrido em erro de julgamento e, pelo contrário, se encontra fundamentado numa interpretação coerente e razoável das normas aplicáveis e em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
IV - As questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio dos recursos de revista, já que podem ser autonomamente colocadas junto do Tribunal Constitucional.
Nº Convencional:JSTA000P26927
Nº do Documento:SA22020121601456/10
Data de Entrada:11/13/2020
Recorrente:A................., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LOURES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1456/10.9BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 9 de Julho de 2020 – que manteve a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição por ela deduzida à execução fiscal que lhe foi movida pela Câmara Municipal de Loures para cobrança de dívidas por taxas urbanísticas –, dele interpôs recurso excepcional de revista, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentado com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A – DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO

1ª. No presente processo a ora recorrente peticionou que fossem apreciadas e decididas as seguintes questões jurídicas essenciais:
a) Força vinculativa e autoridade do caso julgado do Acórdão Arbitral, de 2011.01.06, que decidiu definitivamente que as normas dos RMTL de 2002 e de 2007, que integram a base e fundamento da cobrança da pretensa dívida exequenda pelo ML, são inaplicáveis in casu (v. alegações complementares apresentadas, em 2014.09.12, a fls. 493 e segs. do SITAF, e peças processuais subsequentes);
b) Inaplicabilidade e inconstitucionalidade dos RMTL, de 2002 e de 2007, e consequente “falta de suporte legal para a cobrança da dívida”, expressamente suscitadas nos arts. 137º a 142º da oposição à execução, de 2010.05.19 (v. fls. 1 e segs. do SITAF), e em todas as peças processuais subsequentes;
c) Nulidade do título executivo, por falta de requisitos essenciais, dado que nada refere quanto aos juros de mora exigidos à ora recorrente, suscitada nos arts. 111º a 125º da oposição à execução, de 2010.05.19 (v. fls. 1 e segs. do SITAF), e em todas as peças processuais subsequentes - cfr. texto n.ºs 1 a 4;

2ª. O conhecimento pelo Tribunal de apenas parte das questões de ilegalidade expressa e concretamente suscitadas pela ora recorrente na presente oposição à execução e a violação da autoridade, força vinculativa e eficácia preclusiva do caso julgado de anterior decisão arbitral, põem em causa os postulados expressamente consagrados nos arts. 2º, 20º, 205º e 268º/4 da CRP e o princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, que resulta dos arts. 205º/2, e 282º/3 da CRP (v. art. 285º do CPPT e art. 150º do CPTA) - cfr. texto nºs. 3 e 4;

3ª. As referidas questões revestem-se de importância fundamental, sendo a admissão do presente recurso necessária para se garantir boa administração da Justiça e melhor aplicação do Direito (v. art. 285º do CPPT e art. 150º do CPTA), face à relevância jurídica e social da violação de regras e princípios processuais estruturantes e fundamentais:
a) Direito de acesso aos tribunais e tutela judicial efectiva e plena, garantindo-se o conhecimento de todas as questões de ilegalidade suscitadas pela ora recorrente (v. arts. 20º e 268º/4 da CRP);
b) Força obrigatória e autoridade do caso julgado (art. 205º/2 da CRP) - cfr. texto nºs. 4 e 5;

4ª. É assim manifesta a admissibilidade do presente recurso, verificando-se todos os pressupostos da revista excepcional fixados no art. 285º do CPPT (v. art. 150º do CPTA; cfr. Acs. STA de 2020.09.02, Proc. 03517/15.9BESNT 0278/17; de 2016.11.10, Proc. 01210/16; de 2016.01.17, Proc. 1376/15; de 2011.04.13, Proc. 01032/10; e de 2010.03.17, Proc. 45899-A, todos in www.dgsi.pt) - cfr. texto nºs. 1 a 6;

B – DAS QUESTÕES JURÍDICAS

BA – DA FORÇA VINCULATIVA E AUTORIDADE DO CASO JULGADO

5ª. O douto acórdão recorrido enferma de ostensivos erros de julgamento e violou frontalmente o disposto no art. 205º/2 da CRP, nos arts. 619º e segs. do NCPC e no art. 42º/7 da LAV 2011 (v. art. 26º da LAV 1986), pois não podia deixar de respeitar a força vinculativa e autoridade do caso julgado do douto Acórdão Arbitral, de 2011.01.06, no qual se determinou a inaplicabilidade in casu dos RMTL de 2002 e de 2007, que integram a base e fundamento da cobrança da pretensa dívida exequenda pelo ML - cfr. texto nºs. 8 a 10;

6ª. O douto acórdão recorrido apreciou e decidiu o presente processo “como se o sistema admitisse, sem limites, a discussão eterna de questões jurídicas e como se, contrariando as sábias palavras de Manuel de Andrade, nem sequer as sentenças transitadas em julgado conferissem aos seus beneficiários direitos efectivos” (v. Ac. STJ de 2012.10.10, Proc. 1999/11.7), sendo inquestionável que no caso sub judice se verifica falta de suporte legal para a cobrança da dívida (v. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 6ª ed., Vol. III, p.p. 446), pelo que o processo de execução n.º 21/2010 da CML não podia deixar de ter sido declarado extinto (v. art. 204º/1/a) do CPPT) - cfr. texto nºs. 9 a 11;

7ª. O artigo 204º/1/a) do CPPT, interpretado com o âmbito e alcance que lhe foram erradamente atribuídos no douto acórdão recorrido, no sentido de que não há que atender ao efeito vinculativo de decisão arbitral anterior transitada em julgado, para efeito de ser considerada a inexistência da dívida exequenda, viola o princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado consagrado nos arts. 2º e 205º da CRP (cfr. art. 204º da CRP) - cfr. texto nºs. 11 e 12;

BB – DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS

8ª. No presente processo a ora recorrente suscitou expressamente os seguintes vícios ou questões de ilegalidade:
a) Força vinculativa e autoridade do caso julgado do Acórdão Arbitral, de 2011.01.06, que decidiu definitivamente que as normas dos RMTL de 2002 e de 2007, que integram a base e fundamento da cobrança da pretensa dívida exequenda pelo ML, são inaplicáveis in casu (v. fls. 390 e segs. do SITAF);
b) Inaplicabilidade e inconstitucionalidade dos RMTL, de 2002 e de 2007, e consequente “falta de suporte legal para a cobrança da dívida” (v. fls. 493 e segs. do SITAF);
c) Nulidade do título executivo, por falta de requisitos essenciais (v. fls. 1 e segs. do SITAF) - cfr. texto nºs. 13 a 16;

9ª. O douto acórdão recorrido julgou improcedente a oposição à execução deduzida pela ora recorrente, tendo, além do mais, desconsiderado por completo:
a) A apreciação e decisão das referidas questões de ilegalidade (v. arts. 124º e 204º do CPPT e art. 608º/2 do NCPC), violando o direito à tutela judicial efectiva da ora recorrente (arts. 20º, 205º, 212º/3 e 268º/4 da CRP; cfr. Ac. TC nº. 135/2009, in www.tribunalconstitucional.pt);
b) A força vinculativa e autoridade do caso julgado do douto Acórdão Arbitral, de 2011.01.06 (v. fls. 390 e segs. do SITAF) - cfr. texto nºs. 15 e 16;

10ª. Ao apreciar apenas parte dos vícios ou questões de ilegalidade suscitadas pela ora recorrente, o acórdão recorrido violou regras e princípios processuais estruturantes, bem como direitos fundamentais da ora recorrente, nomeadamente os direitos de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (v. arts. 20º, 103º, 204º, 205º, 212º/3 e 268º/4 da CRP; cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., p.p. 938; Cardoso da Costa, A Tutela dos Direitos Fundamentares, in BMJ – Documentação e Direito Comparado, 5/209) - cfr. texto nºs. 15 e 16;

11ª. No caso sub judice sempre deverá ser declarada a inconstitucionalidade e ser recusada a aplicação das normas dos citados arts. 124º e 204º do CPPT e 608º/2 do NCPC, com o inovatório âmbito normativo restritivo que lhe foi atribuído pelo acórdão recorrido, no sentido de não garantirem a apreciação das concretas questões de ilegalidade oportunamente invocadas pela impugnante, violando o princípio da tutela jurisdicional efectiva e os arts. 20º, 205º/2 e 268º/4 da CRP - cfr. texto nºs. 13 a 17;

BC – DA NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO

12ª. Os “juros de mora” exigidos à ora recorrente não constam do pretenso título executivo, pelo que é manifesta a respectiva insuficiência e inexigibilidade (v. arts. 162º e segs. do CPPT; cfr. art. 10º/5 do NCPC) - cfr. texto nºs. 18 e 19;

13ª. Contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, “a falta de requisitos essenciais do título executivo (…), determinando a inexequibilidade do título e a extinção da execução, constitui fundamento de oposição à execução fiscal subsumível à (…) alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT” (v. Ac. TCAS de 2005.01.25, Proc. 05531/01; cfr. Acs. TCAS de 2015.12.16, Proc. 07804/14; e de 2003.06.24, Proc. 00360/03, todos in Proc. 05531/01, www.dgsi.pt; Jorge de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 6ª ed., Vol III, p.p. 125 e segs.), pelo que não podia deixar de ser apreciada e julgada procedente - cfr. texto nºs. 20 e 21;

BD – DA INCONSTITUCIONALIDADE DOS REGULAMENTOS DE TAXAS E LICENÇAS DO ML, DE 2002 E DE 2007

14ª. A inconstitucionalidade das normas regulamentares que integram a base e fundamento da cobrança da pretensa dívida exequenda pelo ML, constitui fundamento de oposição à respectiva execução (v. art. 204º da CRP e art. 204º/1/a) do CPPT; cfr. Ac. STA de 2011.01.12, Proc. 0752/10, in www.dgsi.pt) - cfr. texto nº. 22;

15ª. Contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido e conforme foi expressamente invocado pela ora recorrente, as normas dos RTML de 2002 e de 2007 não são aplicáveis in casu, pois “a data da apresentação do pedido inicial do loteamento é que assume relevância jurídica na medida em que só a aplicação da lei em vigor nessa data, pode assegurar a coesão da operação urbanística no seu conjunto” (v. Ac. STA, de 1992.04.07), e tal aplicação sempre integraria frontal violação do disposto nos arts. 2º, 9º, 18º, 62º, 103º e 266º da CRP, traduzindo-se na exigência e cobrança retroactiva de tributos (cfr. art. 204º/1/a) do CPPT, art. 103º/2 da CRP e arts. 12º e 23º do C. Civil) - cfr. texto nº. 23;

16ª. As referidas normas são claramente inconstitucionais e inaplicáveis in casu (v. arts. 103º, 112º, 165º/1/i), 166º, 204º, 241º e 266º da CRP; cfr. art. 1º/2 do ETAF), pelo que não podia deixar de ser declarada extinta a execução instaurada contra a ora recorrente (v. art. 204º/1/a) do CPPT) - cfr. texto nº. 23.

Nestes termos,

Deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso excepcional de revista, revogando-se o acórdão recorrido, com as legais consequências.

Só assim se decidindo será cumprido o direito e feita Justiça».

1.2 O Recorrido apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1ª. Não se verificam “in casu” os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excepcional previsto nos artigos 285º do CPPT e 150º do CPTA, isto é, estamos perante uma situação pontual que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico, nem reveste uma importância fundamental do ponto de vista social.

2ª. “In casu” não se coloca a questão da força vinculativa, eficácia, autoridade e intangibilidade do caso julgado, já que o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Comercial não deve ter qualquer efeito relativamente aos presentes autos.

3ª. Porque não se verificam as três identidades cumulativamente (quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir – cfr. Ac. STJ de 07/04/2005, proc.º n.º 437/05 in SASTJ, Ano de 2005), não se verifica a repetição de causas nos termos dos artigos 580º e 581º do CPC.

4ª. O objecto processual (pedido e causa de pedir da acção que correu termos na C. Arbitral não é condição para apreciação do objecto processual da presente acção (Ac. STJ, de 23/09/1998, proc.º 601/98, in SASTJ, Ano de 1998), não podendo a decisão da C. Arbitral estender os seus efeitos à presente acção.

5ª. “ Não há que apreciar na presente sede dos efeitos e consequências jurídicas da decisão arbitral nas liquidações concretamente emitidas e que deram origem à dívida exequenda, porquanto tais consequências, a existirem, reflectem-se na liquidação em concreto e esta, como referido, é passível de apreciação em sede própria, sendo nessa mesma sede salvaguardados todos os direitos e garantias constitucionalmente consagrados em termos de tutela jurisdicional efectiva e, bem assim, em termos de aferição do respeito pelo princípio da intangibilidade do caso julgado”.

6ª. A recorrente, o que pretende é trazer à discussão um problema de legalidade em concreto de liquidações, que não se enquadra, em absoluto, no disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 204º do CPPT, devendo improceder a sua pretensão, já que a (i)legalidade em concreto das liquidações não constitui um meio de oposição à execução fiscal, antes sendo invocável em sede de impugnação judicial.

7ª. Como é invocado na douta sentença recorrida e, igualmente, afirmado no Acórdão do TCASul, de 23/02/2010, proc.º n.º 03755/10, “A nulidade do título executivo e/ou a falta dos seus requisitos essenciais referidos no artigo 163º e prevista no artigo 165º, ambos do CPPT, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, por não incluída em qualquer das alíneas, nomeadamente, na i), do n.º 1, do artigo 204º do mesmo diploma legal, devendo, antes, invocar-se no próprio processo de execução”.

8ª. O pagamento previsto na alínea f) do n.º 1, do artigo 204º, do CPPT, só releva se for efectuado pela totalidade da dívida e antes da instauração da execução, pois só nesta hipótese se pode considerar que a execução não tinha fundamento, o que não é, seguramente, o caso dos autos.

9ª. Os regulamentos de taxas e licenças do Município de Loures de 2002 e 2007 são aplicáveis “in casu” e não padecem de qualquer inconstitucionalidade.

10ª. Como refere o douto acórdão n.º 2174/08, do TCASul de 17/02/2009, onde se analisa a impugnação de tributos liquidados pela CMLoures relativa a taxas de urbanização.
“(…)
3. Está desde logo em causa saber se estamos perante uma taxa ou perante um imposto. Tratamos a questão no acórdão de 26/6/2002 (rec. n.º 25809) em termos que obviamente merecem a nossa concordância, e que não foram contraditados em sede de apreciação de inconstitucionalidade. Diremos desde já, e encurtando razões, que a denominada taxa de urbanização, prevista no n.º 1 da Taxa Municipal de Infra-Estruturas Urbanísticas da CML, é uma taxa e não um imposto.
(…)
Em suma, temos como elementos essenciais do conceito de taxa: prestação pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente pelo Estado ou outro ente público, sem carácter sancionatório; utilização individualizada, pelo contribuinte, solicitada ou não, de bens públicos ou semi-públicos, em contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte – Acórdão do STA de 2/03/94 – rec. 17.363 – in Ap. DR de 28/11/96, pág. 794 e ss. (…)”.

11ª. Estamos, assim perante “taxas”, como a Lei das Finanças Locais assim as classifica, porquanto têm natureza sinalagmática, sendo tal “sinalagmaticidade construída juridicamente”, (como se lê no Ac. TC, de 3/10/2000, in DR, 2ª Série, n.º 270, de 22/11/2000); ainda que esta relação sinalagmática entre benefício recebido e a quantia paga não implique uma equivalência rigorosa entre ambos.

12ª. No caso da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas está em causa a compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo, sendo que o aumento da construção urbana implica a necessidade presente ou futura de criação ou reforço e manutenção das infra-estruturas urbanísticas, que é um encargo para os Municípios, pelo que esta prestação a cargo dos municípios é a contraprestação da taxa em causa (V. Acs. TC n.º 357/99, in Acs, TC, 44º Vol., pág. 251, e n.º 410/00, in Acs, TC, 48º vol. Pág. 141).

13ª. Os Regulamentos de Taxas e Licenças do Município de Loures de 2002 e de 2007 contém a Lei Habilitante, já que basta compulsar o teor dos referidos regulamentos para verificar que ambos indicam, no artigo 1º, as respectivas Leis habilitantes, carecendo, por isso, de razão, a Recorrente.

14ª. Face a todo o exposto, e pelos fundamentos já referidos, e também constantes do douto acórdão recorrido, resulta que, ao contrário do que pretende a recorrente, os Regulamentos de Taxas e Licenças do Município de Loures de 2002 e 2007 não padecem de qualquer inconstitucionalidade, não tendo sido violadas as alegadas disposições legais e constitucionais, designadamente, os artigos 2º, 9º, 18º, 62º, 103º, 112º, 165º, n.º 1, alínea i), 166º, 204º, 241º e 266º, da CRP

Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., não deve o presente recurso de revista excepcional ser admitido por não se verificarem os respectivos pressupostos, e, caso assim não se entenda, deve improceder o presente recurso, mantendo-se o douto acórdão recorrido na Ordem Jurídica, com o que se fará a costumada e inteira Justiça!».

1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul admitiu o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido da não admissão da revista. Após enunciar os requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional e elaborar sobre os mesmos, concluiu que os mesmos se não encontram verificados, nos seguintes termos:

«[…] a questão em controvérsia nos autos, não nos parece preencher tais requisitos.
Desde logo, a questão em si não reveste uma complexidade ou originalidade de tal modo relevante que justifique um duplo grau de jurisdição, como também não nos parece verificar-se “relevância social”, pois tais pressupostos encerram em si um mais que no caso não se vislumbra e muito menos se mostra “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” a admissão do presente recurso de revista ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA.
Aliás, a decisão sob recurso mostra-se bem fundamentada e mostra-se apoiada em jurisprudência dos tribunais superiores quer deste STA quer do T.C., cuja pronúncia se mostra sobre questões idênticas, não se oferecendo, no caso presente, complexidade ou originalidade relevantes.
Antes, a recorrente mostra-se inconformada com a decisão sob recurso e tem como objectivo a reapreciação da sua pretensão».

1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 O CASO SUB JUDICE

2.1.1 A sociedade ora Recorrente apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa uma oposição à execução fiscal que contra ela foi instaurada pela Câmara Municipal de Loures, para cobrança de dívidas por taxa urbanísticas.
No que ora nos interessa considerar, atento o âmbito com que vem delimitado o recurso de revista, invocou a Opoente, ora Recorrente, perante o Tribunal Tributário de Lisboa:
a) que há «falta de suporte legal para a cobrança da dívida», atenta a força vinculativa, eficácia, autoridade e intangibilidade do caso julgado, resultante da decisão arbitral, o que integra o fundamento de oposição à execução fiscal previsto nas alíneas a) e f) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT;
b) que os Regulamentos da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Loures são inconstitucionais, por violação do disposto nos arts. 103.º, 112.º, 165.º, n.º 1, alínea i), 166.º, 204.º, 241.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), inconstitucionalidade que é subsumível ao fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT;
c) que o título executivo que serve de base à execução fiscal não cumpre os requisitos estabelecidos nos arts. 162.º e seguintes do CPPT, nomeadamente no que se refere aos juros, «sendo manifesta a sua nulidade (v. arts. 162.º, 163.º e 165.º/1/b) do CPPT)»;

2.1.2 A Juíza daquele Tribunal não se pronunciou sobre a questão acima referida sob a alínea a).
Quanto à questão referida sob a alínea c), considerou que a nulidade do título executivo, bem como a falta dos seus requisitos essenciais, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, por não ser subsumível a qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, designadamente à alínea i), devendo ser invocada no próprio processo de execução fiscal.
Quanto à questão supra mencionada sob a alínea b), a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, louvando-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28 de Abril de 2016, proferido no processo com o n.º 9052/15, afastou as invocadas ilegalidade e inconstitucionalidade do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Loures.
Tendo julgados improcedentes os fundamentos invocados pela Opoente, ora Recorrente, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a oposição improcedente.

2.2.1.2 Inconformada com essa sentença, a Opoente dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul.
No que ora nos interessa, invocou a omissão de pronúncia quanto à questão acima referida sob a alínea a) e o erro de julgamento quanto às questões enunciadas sob as alíneas b) e c).
O Tribunal Central Administrativo Sul começou por reconhecer a omissão de pronúncia quanto a essa questão, da força vinculativa, eficácia, autoridade e intangibilidade do caso julgado, resultante da decisão arbitral de 6 de Janeiro de 2011 e seus efeitos em sede de execução fiscal.
Depois, conhecendo essa questão, nos termos do art. 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, julgou-a improcedente. Isto, em síntese, com os seguintes fundamentos:
A alegação da Recorrente, no que à questão se refere, nunca seria subsumível à previsão da alínea f) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, «porquanto a decisão arbitral em causa não decidiu (nem poderia, dado não ter sido litígio no âmbito da arbitragem tributária) no sentido da anulação das liquidações que deram origem à dívida exequenda» e também não é subsumível à previsão da alínea a) do mesmo preceito. Louvando-se na doutrina (O acórdão cita JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume III, págs. 443 e 446.) e na jurisprudência (Cita os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 17 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1001/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f4e5cfa3a10aeb3f80257d8d003f2e06;
- de 20 e Março de 2019, proferido no processo n.º 558/15.0BEMDL, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3380128630073692802583c5005ae812)). e após ter delimitado o âmbito do fundamento previsto naquela alínea, o acórdão considerou que «as consequências que a Recorrente extrai, em termos de impacto da decisão arbitral na dívida exequenda, se prendem com a sua ilegalidade em concreto e não em abstracto», na medida em que a Recorrente sustenta que, «atendendo a tal decisão arbitral, as liquidações não deveriam ter sido emitidas por aplicação dos RMTL de 2002 e 2007 – ou seja, as liquidações, na sua perspectiva, são em concreto ilegais, por terem sido emitidas ao abrigo de regimes que não aqueles que deveriam ter sido aplicados». Concluiu que a questão não pode ser conhecida em sede de oposição à execução fiscal, na medida em que respeita à legalidade concreta das liquidações e «existe meio próprio ao alcance da Recorrente (impugnação judicial, que, aliás, foi accionado) para discutir questões de legalidade em concreto», sede em que ficarão «salvaguardados todos os direitos e garantias constitucionalmente consagrados em termos de tutela jurisdicional efectiva e, bem assim, em termos de aferição do respeito pelo princípio da intangibilidade do caso julgado».
Seguidamente, quanto à questão da nulidade do título executivo e da susceptibilidade de a mesma, acolhendo-se à previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, constituir fundamento de oposição à execução fiscal, o acórdão, apoiando-se na doutrina e na jurisprudência (Refere os segs. acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 23 de Fevereiro de 2005, proferido no processo n.º 574/04, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/811cd756e9527e4b80256fbe0040a38e;
- de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 632/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d3a50cb2f056cb64802575bc00524098;
- de 19 de Novembro de 2008, proferido no processo n.º 430/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d13a3595a6c545e28025751b003a2873;
- de 17 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 364/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d31aa8283a494f0080257538005173d9;
- de 15 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 705/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/869f9ddae7c232d8802578b5003a6281;
- de 16 de Novembro 2016, proferido no processo n.º 715/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/895a31f49f0dfc6c802580730051e66a;
e os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 833/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/001611badbeb2b97802581e6004d972a;
- de 11 de Setembro de 2019, proferido no processo n.º 462/15.1BEMDL, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba9ce5638e9fb9c380258479003a1f5b.), deu conta de que esta é unânime no sentido de tal nulidade não constitui fundamento de oposição.
Finalmente, no que respeita à questão da inconstitucionalidade dos Regulamentos de Taxas e Licenças do Município de Loures de 2002 e 2007, o Tribunal Central Administrativo Sul, após admitir que a invocação dessa inconstitucionalidade cabe na previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, remeteu para a fundamentação expendida sobre a questão em anterior acórdão daquele Tribunal (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 9052/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/b4d0b5e8261f583380257fae00556ff2.) – aliás, proferido em decisão de recurso interposto no processo de impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra a liquidação da taxa ora em cobrança –, assim afastando a verificação das invocadas inconstitucionalidades, quer material, quer formal.

2.2.1.3 É desse acórdão que vem interposto o presente recurso de revista.
A Recorrente pretende que este Supremo Tribunal se pronuncie, em sede de recurso de revista, sobre as três seguintes questões, que considera terem sido erradamente decididas pelo Tribunal Central Administrativo Sul:
i) «Força vinculativa e autoridade do caso julgado do Acórdão Arbitral, de 2011.01.06»;
ii) «Inaplicabilidade e inconstitucionalidade dos RMTL [Regulamentos Municipais de Taxas de Loures], de 2002 e de 2007»;
iii) «Nulidade do título executivo, por falta de requisitos essenciais, dado que nada refere quanto aos juros de mora exigidos à ora recorrente».
Em ordem a demonstrar a verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, a Recorrente alegou, em síntese, que «[o] conhecimento pelo Tribunal de apenas parte das questões de ilegalidade expressa e concretamente suscitadas pela ora recorrente na presente oposição à execução e a violação da autoridade, força vinculativa e eficácia preclusiva do caso julgado de anterior decisão arbitral, põem em causa os postulados expressamente consagrados nos arts. 2.º, 20.º, 205.º e 268.º/4 da CRP e o princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, que resulta dos arts. 205.º/2, e 282.º/3 da CRP (v. art. 285.º do CPPT e art. 150.º do CPTA)» e que as enunciadas questões «revestem-se de importância fundamental, sendo a admissão do presente recurso necessária para se garantir boa administração da Justiça e melhor aplicação do Direito (v. art. 285.º do CPPT e art. 150.º do CPTA), face à relevância jurídica e social da violação de regras e princípios processuais estruturantes e fundamentais: a) Direito de acesso aos tribunais e tutela judicial efectiva e plena, garantindo-se o conhecimento de todas as questões de ilegalidade suscitadas pela ora recorrente (v. arts. 20.º e 268.º/4 da CRP); b) Força obrigatória e autoridade do caso julgado (art. 205.º/2 da CRP)».
Vejamos, pois, se estão reunidos os pressupostos legais da admissibilidade do recurso de revista excepcional relativamente a essa questão.

2.2.2 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.2.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. art. 285.º, n.º 1, do CPPT e art. 150.º, n.º 1, do CPTA).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.2.2.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).
Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que «[…] o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf. acórdão de 2 de Abril de 2014, proferido no processo com o n.º 1853/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.2.1.3 Em ordem a demonstrar a verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso, a Recorrente invoca quer a elevada relevância jurídica e social, quer a necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito.
Salvo o devido respeito, a argumentação aduzida não cumpre o propósito com que foi alegada, nem permite considerar que a Recorrente deu satisfação ao ónus que sobre ela impende, de alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos de admissibilidade da revista. Vejamos:
A Recorrente alega, por um lado, que o Tribunal Central Administrativo Sul apenas conheceu parte das questões que foram suscitadas pela Recorrente e, por outro lado, que violou a «autoridade, força vinculativa e eficácia preclusiva do caso julgado de anterior decisão arbitral».
No entanto, ambos os argumentos se reconduzem ao não conhecimento em sede de oposição à execução fiscal de várias questões suscitadas pela Recorrente. Ora, o acórdão recorrido fundamentou esse não conhecimento em jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo quanto ao âmbito dos fundamentos da oposição à execução fiscal legalmente admissíveis.
Ao contrário do que a Recorrente parece crer, o não conhecimento dessas questões em sede de oposição à execução fiscal em nada belisca o acesso ao Direito e aos tribunais e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, uma vez que, como o acórdão deixou dito, essas questões podiam ser apreciadas – e algumas foram-no, efectivamente (vide ponto 4 dos factos provados pelo acórdão recorrido) – noutra sede, qual seja a impugnação judicial, no que respeita à legalidade das liquidações que deram origem à dívida exequenda, e o requerimento dirigido à execução fiscal, com ulterior possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável, no que respeita à nulidade do título executivo. Ora, salvo o devido respeito, a Recorrente despreza o que, a esse respeito, ficou dito no acórdão recorrido e limita-se a reiterar as teses que vem sustentando desde a 1.ª instância.
Por outro lado, o acórdão recorrido não aparenta enfermar de erro lógico ou jurídico manifesto, a demandar a admissão da revista para melhor aplicação do direito. Diremos ainda que se trata de questões abundantemente tratadas pela doutrina e pela jurisprudência, sem discrepâncias que possam relevar no tratamento da situação sub judice. Acresce que o acórdão tratou as questões de modo coerente e razoável em face das regras e princípios aplicáveis e em harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que citou profusa e judiciosamente.
Finalmente, quanto à questão da constitucionalidade, relembramos que, como esta formação do n.º 6 do art. 285.º do CPPT tem vindo a dizer, repetida e uniformemente, as questões de constitucionalidade não são um objecto próprio dos recursos de revista, pois podem ser separadamente colocadas junto do Tribunal Constitucional, em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos:
- de 1 de Julho de 2020, proferido no processo com o n.º 167/19.4BEVIS, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c750d745c128841a802585a100464e52;
- de 16 de Setembro de 2020, proferido no processo com o n.º 1854/19.4BELRS, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/826d62a2256ecd7a802585f2003aa1d9.).
Por tudo o que ficou dito, concluímos que não estão verificados os requisitos da admissibilidade da revista.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

II - Cumpre ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).

III - Não é de admitir a revista para melhoria do direito se, contrariamente ao alegado, não é patente que o acórdão tenha incorrido em erro de julgamento e, pelo contrário, se encontra fundamentado numa interpretação coerente e razoável das normas aplicáveis e em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

IV - As questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio dos recursos de revista, já que podem ser autonomamente colocadas junto do Tribunal Constitucional.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pelo Recorrente.


*
Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.