Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:033/13
Data do Acordão:05/08/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PAGAMENTO INDEVIDO
IMPOSTOS
JUROS DE MORA
TAXA DE JUROS
Sumário:I – Conforme jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, não é legalmente admissível a incidência de juros de mora sobre os juros indemnizatórios devidos ao contribuinte, ao abrigo do disposto no artº 43º da LGT, pois que, visando estes ressarcir os prejuízos pela privação da importância indevidamente paga, não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade daquela quantia.
II – No caso de não ser a mesma a taxa legal de juros indemnizatórios durante todo o período de contagem, aplica-se cada uma delas relativamente ao período da sua vigência.
Nº Convencional:JSTA000P15708
Nº do Documento:SA220130508033
Data de Entrada:01/11/2013
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I- “A…………….., Ldª”, com os demais sinais dos autos, veio recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, absolvendo a Fazenda Publica do pagamento de juros moratórios, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A) Nos termos do n.º 10 do artigo 35.º da LGT, a taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil;

B) Os juros indemnizatórios a favor da ora Recorrente devem ser contados sobre a quantia do imposto indevidamente pago, desde a data do seu pagamento indevido i.e., 21.01.1994, até à data da emissão da respetiva nota de crédito, i.e., 06.07.2006;

C) A Direção de Serviços de Justiça Tributária emitiu em 5 de janeiro de 1999, o Ofício Circulado n.º 108/99, tendo em vista dissipar eventuais dúvidas, contribuir para a absoluta uniformização de procedimentos em todos os Serviços e garantir os direitos do Estado e dos contribuintes;

D) Administração Tributária definiu que a taxa de juros compensatórios passou a ser a que resulta do nº 10 do artigo 25.º da LGT, que, à data se cifrava nos 10% - de acordo com a Portaria n.º 1171/95, de 25 de setembro, a partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei 398/98, de 17 de dezembro;

E) A liquidação de juros compensatórios diferenciada, apenas tem eficácia a partir de 1 de janeiro de 1999, pelo que apenas será de observar em relação às situações cujo início de retardamento ocorra a partir de 1 de janeiro de 1999;

F) Em relação às situações cujo início de retardamento seja anterior a 1 de janeiro de 1999 tem de ser aplicada exclusivamente a taxa em vigor no início do retardamento;

G) A data do pagamento indevido do imposto e a partir da qual se inicia a contagem dos juros indemnizatórios devidos i.e., do retardamento, é 21.01.1994, pelo que, nos termos da Tabela dos juros compensatórios e juros de mora, ao período de 21.01.1994 até 30.09.1994, aplica-se aos juros indemnizatórios devidos, exclusivamente a taxa de 17%;

H) Termos em que a ora Recorrente tem direito a que seja aplicada a taxa única de 17%, aos juros indemnizatórios vencidos;

I) Não é possível contar juros indemnizatórios e moratórios relativos ao mesmo período temporal;

J) Os juros de mora destinam-se a reparar os prejuízos presumivelmente sofridos pelo credor de uma obrigação pecuniária, derivados da indisponibilidade de uma quantia não paga pontualmente, sendo estes também devidos, mesmo em situações não abrangidas por aquele artigo 102.º da LGT e pelas normas que preveem dever de pagamento de juros indemnizatórios;

K) Seria intolerável, em face do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, que a Administração Tributária, colocada em situação em que deve efetuar a entrega de uma quantia, em prazo determinado na lei, pudesse sem qualquer possibilidade de compensação para o particular que vê ilegalmente protelado o período de tempo em que se encontra privado da quantia a que tem direito;

L) Os juros compensatórios e os juros indemnizatórios têm a mesma natureza e, como tal, estão sujeitos ao mesmo regime jurídico;

M) Sendo pacífico que os juros de mora incidam sobre os juros compensatórios, devem também aqueles incidir sobre juros indemnizatórios;

N) Nestes termos e sob pena de estarmos perante um tratamento mais favorável e privilegiado da Administração, que reportamos de inadmissível num Estado de Direito, deverá ser reconhecido à Recorrente o direito aos juros moratórios peticionados.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, alterada a decisão do Tribunal a quo, condenando-se a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios à taxa única de 17%, desde 21.01.1994 até 06.07.2006, bem como ao pagamento dos juros moratórios às taxas legais sucessivamente em vigor.

II. Não foram apresentadas contra alegações.

III. O MP emitiu parecer de fls. 153/156, no sentido de que deveria ser negado provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida aduzindo que “…não são devidos juros de mora sobre os juros indemnizatórios e ao aplicar as várias taxas de juro legais relativamente ao período da sua vigência fez uma correta interpretação e aplicação dos atinentes normativos…”.

IV. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

V. Com interesse para a decisão, foram dados como provados no acórdão recorrido os seguintes factos:

A) Em 22.11.1993, a ora Impugnante deduziu, junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, impugnação judicial contra o ato de liquidação adicional de IRC de 1989, n° 8310010595, efetuada na sequência de correção da matéria coletável, da qual resultou imposto a pagar na quantia de Esc.: 18.583.348$00 (€ 92.693,18). (Docs. nºs 1 e 2 juntos com a PI)

B) Em 21.01.1994 a Impugnante pagou o imposto apurado na liquidação adicional a que se refere a alínea que antecede, tendo-lhe sido liquidados juros de mora no montante de Esc. 743.334$00 / € 5.707,73, em dívida no processo de execução fiscal. (Doc. n° 4 junto com a P1)

C) Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa em 20.02.2003, e transitada em julgado em 11.06.2003, foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial referida na al. A) do probatório, que correu termos sob o nº 93/94, pelo 1a Secção do 3° Juízo, na qual se determinou a anulação parcial da liquidação de IRC de 1989, «quanto à não aceitação como custo das importâncias referentes às comissões e respetivas diferenças cambiais», com fundamento em «estarem devidamente justificados os custos referentes aos comissionistas da impugnante». (Doc. nº 6 junto com a PI)

D) A Fazenda Pública apresentou recurso da decisão que antecede, que veio a ser julgado deserto em 11.06.2003, por não terem sido apresentadas as alegações de recurso no prazo legal. (Doc. nº 7 junto com a PI)
E) Em 31.12.2003 deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra 1, por Guia nº 361/03, de 18.12.2003, o processo de impugnação judicial identificado nas alíneas A) e C) do probatório. (Doc. fls. 89 do processo administrativo tributário (PAT).

F) Em 02.07.2004 a Impugnante requereu, junto do Serviço de Finanças de Sintra 1, a execução da sentença a que alude a al. C) do probatório, pedindo, a final:
«a) Reconhecimento da nulidade parcial da liquidação adicional em IRC do exercício de 1989 na medida da invalidade das correções à matéria coletável declarada por adicionamento de Esc. 45.673.772$30 /€ 227.819,41 e de Esc. 3.729.511$00/€18.602,69, num total de Esc. 49.403.284$00/€ 246.422,10;
b) Restituição à Requerente dos montantes de Esc. 18.082.199$00 / € 89.944,07 relativo a imposto indevidamente pago em resultado dos atos nulos de liquidação adicional.
c) Pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto (21 de janeiro de 1994) até à data da emissão da respetiva nota de crédito (juros esses que até 23.06,2004 somam aproximadamente, a quantia de € 159.481,93).» (Doc. nº 8 junto com a P1)

G) Em 06.07.2006 foi emitido o cheque do Tesouro nº 4240536240, a favor da Impugnante, no valor de € 89.944,23, relativo a IRC do período de 1989-01-01 a 1989-12-31, em cuja descrição consta «Restituição de Liq. 1993 8310010595», tendo o mesmo sido remetido por via postal com registo de 12.07.2006 e rececionado pela Impugnante em 14.07.2006, (Doc. n° 9 junto com a P1)
H) Em 12.10.2006 foi remetida a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a presente impugnação judicial (cfr. fls. 3 dos autos).

VI. São duas as questões suscitadas nas conclusões das alegações da recorrente:
a) A de saber se sobre juros indemnizatórios podem incidir juros de mora:
b) A de saber qual a taxa de juro aplicável aos juros indemnizatórios a que a recorrente teve direito.

Comecemos por conhecer da 1ª questão.

VI.1. Este Supremo Tribunal vem entendendo que sobre os juros indemnizatórios não incidem juros moratórios, louvando-se em fundamentação espelhada, entre outros, no acórdão de 11.02.2009 -Processo nº. 01003/08, no qual, para além do mais, se escreveu o seguinte:

“4 – No artº. 100.º da LGT estabelece-se que quando ocorre anulação de um ato de liquidação por iniciativa do contribuinte, através de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso, pode haver lugar a pagamento de juros indemnizatórios a favor do contribuinte «a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Para os casos em que a restituição é consequência de uma decisão judicial, está hoje estabelecido de forma explícita, no n.º 2 do artº. 102.º da LGT, que, em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea.
Por sua vez, o artº. 61.º do CPPT, que concretiza o regime dos juros indemnizatórios, estabelece, no seu n.º 3, que eles são contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.
Este artº. 61.º é uma norma do CPPT e este Código, nos termos do seu artº. 1.º, não prejudica o estabelecido na LGT. Na redação inicial daquele Código, a compatibilização do CPPT com a LGT, em matérias inseridas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, era imposta pela lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para o aprovar, que consta do artº. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, que estabeleceu como sentido da autorização a compatibilização das normas do CPT com as da LGT.
No que concerne ao termo final do período de contagem de juros indemnizatórios, a norma do artº. 61.º, n.º 3, da LGT é compatível com o artº. 100.º da LGT, pois nele não se prevê esse termo.
No que respeita ao termo inicial, embora a parte final do artº. 100.º da LGT, ao referir-se ao «pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão» sugira que estes juros apenas são contados a partir do termo do prazo de execução da decisão, a interpretação correta não é essa. Na verdade, na parte inicial da mesma norma, refere-se inequivocamente que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio» e essa reconstituição, para ser plena, não pode deixar de abranger o ressarcimento integral dos danos presumidos e não apenas dos que sobrevierem após o termo do prazo de execução, o que, aliás, está em sintonia com o art. 22.º da CRP, que reconhece aos cidadãos o direito de serem indemnizados pelo Estado e as demais entidades públicas por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício pelos seus órgãos, funcionários e agentes, que lhes causem prejuízos.
Assim, tendo o legislador adotado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um ato de liquidação ilegal, a interpretação do artº. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.

Por isso, o artº. 61.º, n.º 3, ao estabelecer como termo inicial da contagem de juros indemnizatórios o momento do pagamento, está em sintonia com o regime da LGT.
5 – É com este pressuposto de que os juros indemnizatórios abrangem todo o período que vai do pagamento até à emissão de nota de crédito, nos termos do artº. 61.º, n.º 3, do CPPT, que tem de ser analisada a questão dos juros de mora.

É de considerar assente no processo, por ter sido decidido na sentença recorrida e não ser controvertido no presente recurso jurisdicional, que não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga.
Por isso, resultando dos arts. 100.º da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT, que, quando há lugar a juros indemnizatórios, eles cobrem todo o período que vai desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, tem de concluir-se que, nessas situações, não haverá lugar a pagamento de juros de mora, pois, se este fosse efetuado, ocorreria uma cumulação de juros relativamente ao mesmo período de privação da quantia paga.
Isto é, sendo de entender que não pode haver lugar a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, a interpretação que permite compatibilizar o regime do artº. 100.º da LGT, complementado com o do artº. 61.º do CPPT, e o do artº. 102.º da mesma Lei é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de mora previsto no artº. 102.º, pois toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios.
Assim, é de interpretar restritivamente o artº. 102.º, como aplicando-se apenas aos casos em que não há lugar a juros indemnizatórios, isto é, os casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando é esta a razão da anulação há sempre lugar a juros indemnizatórios (art. 43.º, n.º 1, da LGT).”

Este entendimento (não acumulação dos juros moratórios e indemnizatórios) tem vindo a ser expresso, quer em arestos anteriores, quer posteriores ao transcrito, nomeadamente, nos acórdãos de 19.12.2001-Processo nº 026608, de 17/02/2002- Processo n.º 10/02, de 20/11/2002 – Processo nº 1079/02, de 07/03/2007- Processo n.º 1220/06, de 02/07/2008- Processo n.º 303/08, de 14/07/2008 - Processo n.º 304/08, de 31/01/2008 - Processo n.º 839/07, de 02.03.2011-Processo nº 880/08, de 24/10/2007-Processo nº 01095/05 (Pleno), de 17/06/2009 – Processo nº 447/07 (Pleno), de 20.10.2004-Processo nº 0338/04, de 02.05.2007 – Processo nº 9/07, de 02.03.2011-Processo nº 0880/10 e de 06.02.2013-Processo nº 01114/12. (Neste sentido também e com maior desenvolvimento sobre esta questão, V. Jorge Lopes de Sousa – CPPT Anotado e Comentado, 6ª edição 2011, págs. 545/551).

Nas conclusões das alíneas L) a M), invoca a recorrente o seu direito a juros de mora, uma vez que o regime dos juros indemnizatórios é idêntico ao dos juros compensatórios. Assim, prevendo-se juros de mora sobre os juros compensatórios, o mesmo regime deve ser aplicado ao seu caso, sob pena de um tratamento mais favorável e privilegiado da Administração Tributária, o que é inadmissível num Estado de Direito.

Ora, também esta questão já foi especificamente tratada por este STA em sentido diverso do entendimento da recorrente, tendo, por exemplo, no acórdão de 02.03.2011 – Processo nº 0880/12, ficado escrito o seguinte:

“Por outro lado, são de diferente natureza as dívidas que geram juros indemnizatórios e as dívidas que são fonte de juros compensatórios: no primeiro caso, pretende-se compensar o contribuinte por um desapossamento ilegal - artigo 43.º da Lei Geral Tributária -, sendo indiferente que o devedor seja o Estado ou um particular; e, no segundo, visa-se reparar o dano sofrido pela Administração Tributária que, por facto imputável ao sujeito passivo, se viu privada, nomeadamente através do atraso da liquidação, de dispor de uma receita que lhe era devida - cfr. artigo 35.º do mesmo diploma. Daí que, quando se torna possível a realização da liquidação, os juros compensatórios sejam conjuntamente liquidados com a dívida de imposto, na qual se integram - n.º 8 deste último normativo.
Assim, os juros de mora - a favor da Fazenda Pública -, sendo devidos, vão incidir também, nesta medida, sobre os juros compensatórios, à taxa de 1% ao mês ou fracção - cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março (determina a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas).
Ou seja: se o sujeito passivo não cumprir a obrigação tributária no prazo de pagamento voluntário, passam a ser devidos juros de mora a favor da Fazenda Pública que são calculados sobre a dívida de imposto na qual, nos termos do artigo 35.º, n.º 8, da Lei Geral Tributária, se integram os juros compensatórios (que eventualmente sejam devidos).
Naturalmente, não há, para os juros indemnizatórios, disposição legal semelhante àquele n.º 8 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária. Sendo juros devidos a favor do contribuinte, em virtude de uma liquidação e subsequente desapossamento ilegais, não podem ser integrados numa dívida de imposto.
Do mesmo modo, devido à sua natureza, não podem tais juros moratórios - a favor da Fazenda Pública - incidir sobre juros indemnizatórios a favor do contribuinte.
E também não é possível, nos preditos termos, que os juros de mora - a favor do contribuinte - incidam sobre os juros indemnizatórios, em face da sua idêntica função.
Aliás, tal função reparadora, ainda que atinente a factos geradores distintos, como se viu, é concretizada, nas duas espécies de juros, através da mesma taxa.
Com efeito, a Lei Geral Tributária não determina qual é a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo e o sistema fiscal prevê apenas duas taxas de juro: a taxa de juros legal de 4% ao ano, prevista na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril; e a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas que é de 1% ao mês ou fracção, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março.
Esta taxa mais elevada que a devida nas restantes espécies de juros justifica-se pelo facto de estar em causa a violação da obrigação principal do “dever fundamental” de pagar impostos. (...)
Ora, bem se vê que esta taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado, dada a sua natureza especial, só se aplica aos juros moratórios a favor da Fazenda Pública, que não do contribuinte, em virtude da predita violação da obrigação principal do dever fundamental de pagar impostos.
Pelo que a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo só pode ser a taxa de juros legal de 4% ao ano, uma vez que não há outra prevista no ordenamento. (...) Taxa de 4% que, dada a natureza das dívidas envolvidas, nos preditos termos, é também aplicável aos juros compensatórios (como determina expressamente o artigo 35.º, n.º 10, da Lei Geral Tributária) e aos juros indemnizatórios (por força da remissão expressa do artigo 43.º, n.º 4, do mesmo diploma legal).
Por fim, o artigo 560.º do Código Civil proíbe, por regra, o anatocismo.
Há, todavia, três situações em que o anatocismo é permitido, sendo que, em princípio, “só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano” - n.º 2 do dito artigo 560.º.
Assim, “para que os juros vencidos produzam juros [I] é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, [II] a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização” - n.º 1.
Contudo, [III] estas restrições “não são aplicáveis (…) se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio” - n.º 3.
Ora, no domínio do direito fiscal vigora o princípio da legalidade, maxime o princípio da tipicidade, o que veda à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento dos juros ou efectuar a dita notificação judicial, uma vez que estas hipóteses não se encontram previstas nas leis tributárias.
Assim, está totalmente vedada pela lei a possibilidade de os juros indemnizatórios serem fonte de novos juros.
E não se diga que os juros indemnizatórios não são verdadeiros juros.
À míngua de uma definição legal, a doutrina desenvolveu o conceito de juro enquadrando-o na figura dos frutos civis, uma vez que são produzidos periodicamente por uma coisa (a obrigação de capital), sem prejuízo da sua substância, em consequência de uma relação jurídica.
Cfr. o artigo 212.º do Código Civil, Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 10.ª edição, 2006, p. 749, Correia das Neves, Manual dos Juros - Estudo Jurídico de Utilidade Prática, Almedina, 3.ª Edição, 1989, p. 23, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1968, nota 1 ao artigo 559.º.
Concretizando a noção, Correia das Neves, ibidem, define juro “como um rendimento ou remuneração de uma obrigação de capital (previamente cedido ou devido a outro título), vencível pelo decurso do tempo, e que varia em função do valor do capital, da taxa (…) de remuneração e do tempo de privação”, considerando que a obrigação de juros também se encontra prevista na lei para casos em que “não há prévia cedência de um capital, mas simples não cumprimento oportuno de uma obrigação imposta legalmente, embora esta seja ainda uma obrigação de capital pecuniário” (pp. 18-19).
E, ainda nestes últimos casos, se trata, bem vistas as coisas, de uma remuneração de capital, uma vez que é o seu desapossamento que está em causa.
Ora, os juros indemnizatórios gozam destas características e não é pelo facto de terem uma função reparadora que a sua natureza se altera, até porque “rigorosamente, todo o juro é compensatório (do uso legítimo do dinheiro, do atraso da prestação ou de outro facto)” - cfr. Vaz Serra, “Obrigação de Juros e Mora do Devedor”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 55, pp. 111-112.
Não pode, pois, aceitar-se que os juros tenham outra natureza por terem uma função compensatória ou indemnizatória, uma vez que todas as espécies de juros partilham essa função e, se assim se entendesse, o regime do anatocismo seria absolutamente desprezível, já que não teria a que se aplicar (não haveria, então, “juros” sobre juros).
Finalmente, não se objecte, à tese exposta, com uma eventual inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, já que é diversa, como acima se acentuou, a natureza da dívida ao Estado para pagamento de impostos - cfr. Casalta Nabais, ob. cit.- e a da dívida daquele ao contribuinte, situável no plano de qualquer outro débito a este.
Em suma: os juros moratórios não podem incidir sobre os juros indemnizatórios.»
Em conclusão, embora a falta de restituição do montante anulado de imposto e juros compensatórios no prazo legalmente previsto para o cumprimento espontâneo pela Fazenda Pública implique a obrigação de pagamento de juros de mora sobre esse montante se tal for pedido pelo contribuinte, estes não podem incidir sobre a quantia devida ao contribuinte a título de juros indemnizatórios, ainda que esta quantia não lhe tenha sido paga no prazo legal.”

Não existem razões legislativas ou de outra ordem que levem agora a outro entendimento pelo que, nesta parte, o recurso improcede.

VI.2. Relativamente à 2ª questão, refere a recorrente que a liquidação de juros compensatórios diferenciada, apenas tem eficácia a partir de 1 de janeiro de 1999, pelo que apenas será de observar em relação às situações cujo início de retardamento ocorra a partir de 1 de janeiro de 1999;

Em relação às situações cujo início de retardamento seja anterior a 1 de janeiro de 1999 tem de ser aplicada exclusivamente a taxa em vigor no início do retardamento;

A data do pagamento indevido do imposto e a partir da qual se inicia a contagem dos juros indemnizatórios devidos i.e., do retardamento, é 21.01.1994, pelo que, nos termos da Tabela dos juros compensatórios e juros de mora, ao período de 21.01.1994 até 30.09.1994, aplica-se aos juros indemnizatórios devidos, exclusivamente a taxa de 17%;

Assim, a ora Recorrente tem direito a que seja aplicada a taxa única de 17%, aos juros indemnizatórios vencidos.

A decisão recorrida, por sua vez, por aplicação do disposto nos artºs 61º, nº 3 do CPPT, 35º, nº 10 da LGT e 559º, nº 1 do Código Civil (e sucessivas portarias que o regulamentaram), entendeu que a recorrente apenas tinha direito à aplicação das sucessivas taxas de juro legal vigentes a partir de 21.01.1994 até 06.07.2006

Temos então que a divergência entre a decisão recorrida e o entendimento da recorrente se centra em apurar se a taxa de juros indemnizatórios é fixa, sendo aplicável a vigente no momento do pagamento indevido, ou, se pelo contrário, são aplicáveis as taxas vigentes ao longo de todo o período em que a recorrente esteve privado do valor indevidamente pago.

Sobre esta matéria são esclarecedoras as palavras tecidas por Jorge Lopes de Sousa – Ob. acima citada, pág. 557, das quais, com a devida vénia, nos apropriamos:
“No que concerne à aplicação no tempo das normas sobre juros indemnizatórios, coloca-se a questão da alteração das taxas aplicáveis ao longo do período de tempo em que eles são devidos.
No nº 4 do artº 83º do CPT esta questão era eliminada, determinando a aplicação de uma taxa de juro fixa, ao longo de todo o período de contagem dos juros.
Era, decerto, uma solução que, tendo as vantagens da simplicidade, não primava pela razoabilidade e justiça, pois, estando os juros compensatórios vocacionados para a reparação do prejuízo provocado pela indisponibilidade de uma quantia e sendo o montante deste prejuízo variável, presumivelmente, em função das variações das taxas de juros, não se compreendia que durante todo o período de contagem se aplicasse a mesma taxa para o seu cálculo.
Aquele artº. 83.° do CPT foi revogado pelo nº 1 do artº. 2º do DL nº 398/98, de 17 de dezembro, que aprovou a LGT e esta Lei não contém qualquer regra especial sobre esta matéria, pelo que a questão deverá ser resolvida à face dos princípios gerais sobre a aplicação da lei no tempo.
Neste contexto, parece deverá fazer-se aplicação da mesma regra do nº 2 do artº. 12.° da LGT, calculando os juros indemnizatórios, no caso de não ser a mesma a taxa legal durante todo o período de contagem, com base nas várias taxas de juros legais que vigorarem durante esse período, aplicando cada uma delas relativamente ao período da sua vigência”. (Neste sentido v. ainda, do mesmo autor, com referência à taxa de juros compensatórios: Juros nas Relações Tributárias in Problemas fundamentais do Direito Tributário, págs. 154/155).

Conforme ainda refere Lopes de Sousa, CPPT, pág. 557, nota de rodapé nº 961, a conclusão semelhante chega, BATISTA MACHADO - Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, página 115, atendendo às regras gerais sobre a aplicação da lei no tempo que constam do artº. 12º do CC, a propósito da questão paralela da contagem dos juros de mora, com a argumentação de que, estando a taxa este juro em relação com o rendimento médio e normal dos capitais em certo período, o prejuízo do credor que se trata de reparar é aquele que para ele resulta da privação do seu capital e que corresponde à taxa de juro no momento em que essa privação se verifica. Deste modo, se a lei altera a taxa legal de juro durante a mora, ela aplica-se aos juros moratórios que corram desde a sua entrada em vigor, pois trata-se de calcular um prejuízo sofrido continuamente todos os dias, até que o devedor salde a sua dívida.

E também neste sentido se decidiu, no acórdão de 19.12.2001-Processo nº 026 608 deste STA, onde ficou escrito que “A contagem desses juros, cuja taxa é igual à dos juros compensatórios (artº 43º, nº 4 da LGT), bem como dos juros moratórios, deve ser feita tendo em conta as taxas que sucessivamente vigoraram, desde a data do pagamento indevido do tributo, dado que estas exprimem a medida legal considerada idónea para a mensuração do dano respeitante a uma obrigação pecuniária.
Depois, ainda porque essa é a solução que decorre da regra do artº 12º nº 2 da LGT relativo à aplicação das leis no tempo”.

Importa então apurar quais essas taxas de juros desde a data do pagamento indevido.

Conforme se refere ainda no transcrito acórdão de 19.12.2011, “Só com o aditamento feito ao artº 83º do C.P.T. pela Lei nº 7/96, de 7 de fevereiro, onde passou a figurar como o seu nº 4, é que começou a existir, no nosso ordenamento tributário, um preceito que estabeleceu, com caráter geral, para todos os tributos, a taxa dos juros compensatórios, tendo-a feito corresponder “à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor no momento do início do retardamento da liquidação do imposto, acrescida de cinco pontos percentuais”.
Até então essa taxa era prevista nos diplomas que regulavam os diversos tipos de impostos ou tributos. E a mesma atitude generalista veio a ser continuada pelo artº 35º, nº 10 da LGT, tendo-a fixado, todavia, nos termos equivalentes ”à taxa dos juros legais fixados nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil”.

Encontrando-nos então no domínio do IRC, o artº 86º, nº 1 do respetivo Código determinava que os juros a favor do contribuinte por pagamento indevido de imposto eram os correspondentes à taxa básica de desconto do Banco de Portugal, acrescida de cinco pontos percentuais (taxa equivalente à prevista para os juros compensatórios no artº 83º, nº 1 do mesmo Código).

Esta mesma taxa foi sendo mantida até à entrada em vigor da LGT, em 1 de janeiro de 1999, cujo artº 35º, nº 10 veio determinar que a taxa dos juros compensatórios era equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil.

Sendo assim, as taxas a ter em conta até 31.12.1998 hão de ser as taxas básicas de desconto do Banco de Portugal em vigor durante o respetivo período, acrescida de cinco pontos percentuais.

Posteriormente a essa data as taxas hão de ser as dos juros legais fixados nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil.

Então, por aplicação dos artºs 24º, nº 3 do CPT, 86º do CIRC, dos sucessivos Avisos do Banco de Portugal e 35º, nº 10 da LGT, as taxas de juros dos juros indemnizatórios a que a recorrente tem direito, são as seguintes:

-De 21.01.1994 a 30.09.1994 - 17% (Aviso nº 2/94, publicado no DR, II Série, 16º Supl., de 20-01-94)
-De 01-10-1994 a 30-08-1995 - 15,5% (Aviso nº 5/94, publicado no DR, II Série, nº 227, de 30-09-94)
-De 31-08-1995 a 02-02-1996 - 14,5% (Aviso nº 5/95, publicado no DR, II Série, nº 200, de 30-08-95)
-De 03/02/1996 a 23/04/1996: 13,75% - (Aviso n.º 1/96, de 19.01.1996, publicado no D.R. n.º 27, II série, de 01.02.1996);
-De 24/04/1996 a 12/12/1996: 13,25% - (Aviso n.º 2/96, de 04.04.1996, publicado no D.R. n.º 96, II série, de 23.04.l996);
-De 13/12/1996 a 06/05/1997: 12% - (Aviso n.º 5/96, de 22.11.96, publicado no D.R. n.º 287, II série, de 12.12.1996);
-De 07/05/1997 a 25/02/1998: 11% - (Aviso n.º 180/97, de 22.04.97, publicado no D.R. n.º 104, II série, de 06.05.1997);
-De 26/02/1998 a 06/11/1998: 10% - (Aviso n.º 1/98, de 16.02.98, publicado no D.R. n.º 47, I série - B, de 25.02.1998);
-De 07/11/1998 a 19/12/1998: 9,25% - (Aviso n.º 3/98, de 30.10.98, publicado no D.R. n.º 257, I série – B, de 06.11.1998);
-De 20/12/1998 a 31/12/1998: 8,25% - (Aviso n.º 4/98, de 14.12.98, publicado do D.R. n.º 292, I série – B, de 19.12.1998);
-De 01/01/1999 a 16/04/1999: 10% - (Portaria n.º 1171/95, de 25 de setembro);
-De 17/04/1999 a 30/04/2003: 7% - (Portaria n.º 263/99, de 12 de abril).
-A partir de 01/05/2003: 4% - (Portaria n.º 291/03, de 08 de abril)

Pelo que ficou dito, o recurso merece parcial provimento.

VII. Nestes termos e pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e julgando-se parcialmente procedente o pedido nos termos sobreditos, devendo a administração pagar à recorrente os juros apurados nos termos que acima se referiram até efetivo pagamento.

Custas pela recorrente na proporção do que decaiu.

Lisboa, 8 de maio de 2013. – Valente Torrão (relator) – Pedro Delgado – Ascensão Lopes.