Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:085/19.6BALSB
Data do Acordão:11/04/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA
Sumário:I - Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso com base na oposição de acórdãos a que alude o art. 25º nº 2 do RJAT que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - Para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam: - Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica; - Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
III - No acórdão recorrido estão em causa rendimentos de capitais consubstanciados no pagamento de obras feitas em armazém de sócio-gerente que foram pagas pela recorrente, no ano de 2015, sendo que no acórdão fundamento estavam, também, em causa rendimentos de capitais consubstanciados em obras feitas na moradia de sócios de sociedade que procedeu ao seu pagamento, mas relativamente ao ano de 2013 e embora a factualidade seja similar em ambas as situações, a verdade é que houve uma alteração substancial da norma do artigo 71º do CIRS que regula as taxas liberatória (operada pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12), o que significa que, no ano de 2013, os rendimentos em causa não estavam sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, o que já não acontecia no ano de 2015, em que estavam, efectivamente sujeitos a retenção.
Nº Convencional:JSTA000P26695
Nº do Documento:SAP20201104085/19
Data de Entrada:03/06/2020
Recorrente:Z……………, LDA
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

“Z…………., Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. nº 623/2018-T - que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida relacionada com a liquidação de Retenções na Fonte de IRS e juros compensatórios, referente ao ano 2015, no valor total de € 77.586,40, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, com base em oposição de acórdãos, apontando como acórdão fundamento, o Acórdão do S.T.A. de 11-09-2019, proferido no processo nº 0203/17.9BEVIS, disponível em www.dgsi.pt.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A - Vem o presente recurso interposto do Acórdão arbitral proferido no processo nº 623/2018-T, que correu termos no CAAD, que julgou improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da RGraciosa e anulação da liquidação de IRS/Retenção na Fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e inerentes juros compensatórios, referente ao ano 2015.

B - A decisão arbitral proferida, (Acórdão Recorrido), julgou improcedente a pretensão da Recorrente, adotando uma solução jurídica que, no seu entendimento, se encontra em oposição frontal e direta com a solução jurídica adotada no anterior Acórdão deste STA, já referido, (Acórdão/Fundamento).

C - Em ambos os processos subjacentes ao Acórdão Recorrido e ao Acórdão/Fundamento, estão em causa supostos rendimentos/benefícios, que assim foram considerados por terem sido realizado obras e produzido benfeitorias em imóveis dos sócios pagos pela empresa.

Tais rendimentos foram considerados em ambos os casos como rendimentos de capitais, nos termos do art. 5.º do Código do IRS.

D - Ao contrário do que a Requerente sustentava - não haver base de incidência para tributação - no Acórdão Recorrido considerou-se correta e legal a liquidação/retenção da fonte avançada pela AT. Enquanto, que no Acórdão/Fundamento, se conclui pela efetiva falta de norma de incidência que estabelecesse essa retenção, referindo que os mesmos rendimentos deviam ser englobados nos termos gerais.

F - Encontra-se, pois, justificada a intervenção uniformizadora deste Tribunal para dirimir a questão fundamental de direito: existe (ou não) norma ou base de incidência para tributação/retenção na fonte à taxa legal ou devem ser englobados na tributação global do contribuinte, os supostos rendimentos, (considerados como “de capitais”), quando se entende ter havido uma valorização dos imóveis dos sócios a custo de obras efetuadas e pagas pelas empresas respetivas.

G - A solução adotada pelo Acórdão Recorrido, encontra-se em oposição frontal e direta com a solução jurídica adotada no Acórdão/Fundamento e não deverá manter-se, pois, neste último, está consagrada a interpretação jurídica que se afigura mais consentânea com o entendimento que deve ser admitido.

H - O suposto acréscimo patrimonial dos sócios resultante do pagamento dos encargos suportados pelas empresas na produção de benfeitorias em bens próprios, ainda que sejam subsumidos ao conceito de rendimentos de capitais, previsto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, não integram o conceito jurídico-fiscal de substituição tributária entendida como uma obrigação de retenção de tributo devido por um determinado sujeito passivo e praticada/efectivada por outro distinto …uma vez que não há efectivamente qualquer distribuição de lucros a qualquer título, sendo pois irrelevantes os conceitos de manutenção de capital seja financeiro ou físico para a solução do presente pleito.

I - Não pode ter acolhimento a solução jurídica consagrada no Acórdão Recorrido, pois os “rendimentos” referidos não estão sujeitos a retenção na fonte, for falta de base de incidência no sistema juridico-tributário nacional, violando, por isso, de forma notória o princípio da legalidade tributária e de reserva de lei, bem como o estatuído nos artºs 71º do CIRS e 20º da LGT.

NESTES TERMOS, contribuindo para uma melhor e mais uniforme aplicação do Direito, deve o presente Recurso proceder, revogando-se a decisão arbitral recorrida, com as legais consequências, nomeadamente a anulação do ato tributário de liquidação contestado.”

O recurso foi admitido por despacho de 10-03-2020.

Foi cumprido o disposto no artigo 25º nº 5 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

I. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto por Z……….., Lda., tem por base alegada oposição entre decisão proferida por Tribunal Arbitral em matéria Tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo arbitral que correu termos sob o 623/2018-T (adiante designada por Decisão arbitral) e o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de setembro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 0203/17.9BEVIS, (Acórdão fundamento).

II. Estatui o n.º 2 do artigo 25º do RAJT que as decisões arbitrais são passíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo caso estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

III. Recurso que, de acordo com o n.º 3 do aludido artigo, segue com as necessárias adaptações o regime de recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

IV. Relativamente àquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica pertinente.

V. Salvo o devido respeito, o recurso apresentado falha na verificação deste pressuposto.

VI. O Acórdão Fundamento versou sobre factos ocorridos em 2013 e sobre o artigo 71.º n.º 1 al. c) do CIRS, que previa:


Artigo 71.º

Taxas liberatórias


1 - Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, os seguintes rendimentos obtidos em território português: (Redacção da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

c) Os rendimentos a que se referem as alíneas d), e), h), i), l) e q) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 5.º. (Redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro).

VII. Por sua vez, a Decisão Arbitral, versou sobre factos ocorridos em 2015, quando a previsão do artigo 71.º n.º 1 al. a) do CIRS (norma que fundamentou a correcção no RIT) previa:


Artigo 71.º

Taxas liberatórias


1 - Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28 %:

a) Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;

VIII. É assim manifesto que não existe oposição ou contradição entre a Decisão Arbitral Recorrida e a Decisão Fundamento, por se ter verificado uma alteração substancial da regulamentação jurídica pertinente.

IX. Pelo que, não existe divergência na solução legal adoptada relativamente à mesma questão fundamental de direito.

X. Logo, só pode concluir-se não se ter apreciado em ambos os acórdãos a mesma questão fundamental de direito, inexistindo assim qualquer oposição de soluções jurídicas.

XI. Pelo que, o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência não poderá proceder, mantendo-se integralmente a Decisão Arbitral Recorrida.

XII. Destarte, não se vislumbra qualquer ilegalidade na decisão proferida pelo acórdão recorrido quanto à apreciação da matéria de facto e de direito, decisão essa que não merece, pois, qualquer censura.

XIII. Face a todo o exposto, forçoso é concluir que não merece qualquer censura o escopo do vertido no douto aresto prolatado pelo Tribunal Arbitral, pelo que o mesmo deverá permanecer incólume na ordem jurídica.

Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão,

a) Deve ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, nos termos em que foi proferida, por não existir oposição com o Acórdão Fundamento

b) Deve ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, nos termos em que foi proferida, por ser legal.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de não se tomar conhecimento do mérito do recurso.

Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.




2. FUNDAMENTOS

2.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:

“…

1) Z………., LDA., aqui Requerente, é uma sociedade comercial por quotas, que exerce a atividade de comércio por grosso de bens, com incidência na área da cordoaria, destinados ao setor agrícola e construção civil, sob o CAE 46762, desde 22 de abril de 1980 – cf. Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que consta do PA.

2) Em 23 de março de 2017, os Serviços de Inspeção Tributária iniciaram uma ação de fiscalização externa à Requerente, de âmbito geral, abrangendo os exercícios de 2014 e 2015, que veio a ser concluída em 30 de maio de 2017 – cf. RIT.

3) Na sequência desta ação inspetiva, a AT propôs e efetivou, entre outras, correções relativas a Retenções na Fonte de IRS, no valor de € 72.480,93 (a que subsequentemente foram adicionados juros compensatórios de € 5.087,47, perfazendo o montante global de € 77.568,40), referentes ao ano 2015, por falta de retenção em rendimentos de capitais auferidos pelo sócio-gerente (vantagem económica em espécie procedente de elementos patrimoniais de natureza mobiliária), ao abrigo do n.º 1 do artigo 5.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS – cf. RIT e cópia da demonstração de liquidação de retenções na fonte que consta do PA (procedimento de reclamação graciosa).

4) O entendimento dos Serviços de Inspeção Tributária foi posteriormente sufragado pela Direção de Finanças competente – cf. RIT.

5) Como fundamento para as correções efetuadas, refere o RIT, em síntese, que:

a. Durante os anos 2015 e 2016, a sociedade Requerente suportou encargos relativos à construção de um armazém em terreno que é propriedade do sócio-gerente X…………...

b. Circunstância que produziu uma vantagem patrimonial, um aumento do património individual do sócio X……………, integralmente suportado pela sociedade aqui Requerente (da qual aquele é também gerente), cujo montante não corresponde ao novo VPT do prédio em causa, mas antes aos gastos efetivamente suportados na referida construção.

c. Independentemente de a sociedade [aqui Requerente] estar a usufruir do referido armazém no âmbito da sua atividade, a realidade é que o bem não é sua propriedade, nem aquela detém sobre o mesmo qualquer direito.

d. Atendendo a que X…………. não é trabalhador dependente da sociedade Requerente, nem foi registado ou assumido qualquer empréstimo (entre sociedade e sócio) relativamente a esta operação, a situação em apreço não pode merecer outro enquadramento que não seja a da vantagem económica em espécie procedente de elementos patrimoniais de natureza mobiliária, prevista no n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, ou seja, a título de rendimento de capitais. De facto, esta vantagem (aumento do património individual do sócio) decorre diretamente do facto de o mesmo ser titular do capital da sociedade, sendo certo que a sociedade não o faria se estivéssemos perante um terceiro independente.

e. A operacionalidade daquela "vantagem económica" efetivou-se no momento em que a sociedade se substituiu ao sócio, ou seja, em cada pagamento (das obras/construção) efetuado de facto pela Requerente e cujo beneficiário era o sócio X……………

f. Assim sendo, e na justa medida em que tais gastos/pagamentos são atribuíveis à esfera particular do sócio e detentor de metade do capital da Requerente, à luz do n.º 1 (rendimentos em espécie) e da alínea p) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS, são tais verbas de considerar como rendimentos de capitais (categoria E), cuja operacionalidade ocorre na data do pagamento (data da vantagem económica efetiva).

g. Não obstante estarmos perante rendimentos tributáveis na esfera do sócio, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, pelo que estava a Requerente obrigada a fazer retenção na fonte àquela taxa no momento em que os colocou à disposição, no caso em apreço, no momento do pagamento.

h. Assim sendo, em face do exposto, por via deste procedimento (não retenção de IRS relativamente a rendimentos sujeitos) a Requerente deixou de reter e entregar nos cofres do Estado, imposto no montante global de € 72.480,93 no ano de 2015.

6) Durante os anos de 2015 e 2016 a Requerente suportou todos os encargos relativos à construção de um armazém em terreno que é propriedade do sócio-gerente X……………. - cf. RIT, também provado por acordo.

7) O Valor Patrimonial Tributário (VPT) do prédio antes da construção do dito armazém era de € 12,20 (referente ao prédio rústico, artigo matricial R-……….. da freguesia de Maceda, concelho de Ovar) e, após a referida construção e alteração para prédio urbano, passou a ser de € 213.820,00 (referente ao artigo matricial U-………., freguesia de Maceda, concelho de Ovar), mantendo-se o prédio registado a favor do sócio-gerente da Requerente, X……………… - cf. RIT.

8) O VPT do prédio urbano com o artigo U-……. acabado de referir é inferior aos gastos efetivos com a construção do armazém que foram suportados pela Requerente em aproximadamente 260 mil euros - cf. RIT.

9) O armazém em causa, concluído em meados de 2016, foi sendo contabilizado na empresa como Ativo Fixo Tangível em curso e, uma vez concluído, foi transferido para Ativos Fixos Tangíveis - Edifícios e Outras Construções, embora se tratasse de uma construção de edifício em propriedade alheia, não estando registado em nome da Requerente, mas do sócio X…………… - cf. RIT.

10) É a Requerente que está a usufruir do referido armazém no âmbito da sua atividade, sendo certo que o bem não é sua propriedade - cf. RIT.

11) O sócio X…………. não é trabalhador dependente da Requerente, nem foi registado qualquer empréstimo entre esta e aquele sócio relativamente a esta operação - cf. RIT.

12) A AT considerou que todos os gastos suportados pela Requerente, na referida construção do armazém, bem assim como as depreciações registadas na contabilidade daquela, estão corretos e foram contabilisticamente relevados - cf. RIT.

13) Em 31 de julho de 2017, foi emitida à Requerente a liquidação n.º 2017 6410000785 relativa a Retenções na Fonte de IRS e juros compensatórios inerentes, reportada ao ano 2015, no valor de € 72.480,93 [IRS] e de € 5.087,47 [juros compensatórios], perfazendo o total de € 77.568,40, tendo a respetiva demonstração de liquidação, com o n.º 2017 00006504498, fixado como data limite de pagamento (voluntário) 27 de setembro de 2017 - cópia da demonstração de liquidação de retenções na fonte que consta do PA (procedimento de reclamação graciosa).

14) Não se conformando com esta liquidação de retenções na fonte de IRS e juros compensatórios correlativos, a Requerente apresentou reclamação graciosa, que correu termos sob o n.º 0159201804000129, a qual foi apreciada na Direção de Finanças de Aveiro, tendo sido indeferida por despacho de 7 de setembro de 2018, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Aveiro (no uso de competência subdelegada pela Diretora de Finanças Adjunta de Aveiro), notificado pelo ofício n.º 200687, de 10 de setembro de 2018 - cf. PA (procedimento de reclamação graciosa).

15) Em 27 de novembro de 2017, a Requerente procedeu ao pagamento dos valores indicados na liquidação oficiosa e respetivos juros, na importância global de € 77.568,40 – cf. PA (procedimento de reclamação graciosa).

16) Em 10 de dezembro de 2018 a Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, para impugnação da decisão de indeferimento da RG e da liquidação de Retenções na Fonte de IRS e dos juros compensatórios subjacentes.

A.2. Factos não provados

19. Não se provou a constituição de um direito de superfície a favor da Requerente, por ausência absoluta de comprovação registral, sendo o registo predial requisito constitutivo do direito alegado. Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

20. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal atendeu à prova documental junta aos autos pelas partes, concretamente aos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e ao teor do processo administrativo junto pela AT, bem assim como aos factos reconhecidos pelas partes, já que a divergência respeita à interpretação e aplicação do Direito e não à base factual.

21. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

22. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do disposto no n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, de 26 de junho de 2014, proferido no processo n.º 07148/13, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

23. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.”


Por sua vez, o acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto:
“(…)
A) Em 4 de Março de 2013 foi emitida a fatura n.º 14/2013 por «C……………… Lda.» a «D…………….. SA» no valor de EUR 83.800,74 [cfr. fatura anexa ao relatório inspetivo integrante do procedimento administrativo apenso, facto incontrovertido]
B) Em 4 de Março de 2013 foi emitida a fatura n.º 16/2013 por «C……………… Lda.» a «D…………SA» no valor de EUR 65.574,71 [cfr. fatura anexa ao relatório inspetivo integrante do procedimento administrativo apenso, facto incontrovertido]
C) As obras faturadas nas faturas mencionadas nos factos precedentes foram realizadas na habitação dos Impugnantes à data [cfr. emerge da posição das partes]
D) As faturas referidas nos factos precedentes foram pagas pela «D…………….SA» [cfr. emerge da posição das partes]
E) A «D………………… SA» não efetuou qualquer lançamento na contabilidade em conta de terceiros relativa ao débito daquele encargo aos Impugnantes [cfr. se encontra assumido pelo Impugnante marido no auto de declarações anexo ao relatório inspetivo – anexo 1 e consta]
F) Os Impugnantes não ressarciram a «D………….. SA» do pagamento referido no facto precedente [cfr. emerge da posição das partes e se encontra assumido pelo Impugnante marido no auto de declarações anexo ao relatório inspetivo – anexo 1]
G) Os Impugnantes foram objeto de ação inspetiva efetuada a coberto da ordem de serviço OI201600480 e com referência ao exercício fiscal de 2013 [cfr. emerge do introito do relatório inspetivo]
H) No relatório inspetivo foram propostas correções com os seguintes fundamentos:
“(…) Na sequência das ações de inspeção efetuadas à D…………. SA (…) e C…………….. Lda (…) recolhemos prova de que o agregado familiar efetuou obras de remodelação na sua moradia, que foram efetuadas pelas C………….. Lda. e pagas pela D………… SA, de que os mesmos eram administradores ao tempo.
Vejamos:
- Foi inquirido A……………, sujeito passivo e administrador da D…………… SA, sobre as obras realizadas na sua moradia (…)
- Na inspeção efetuada à D………… SA, verificamos que na sua escrita se encontram registadas as seguintes faturas emitidas por C………… Lda (anexo 2)

- Conclui-se que o descritivo das faturas se refere a uma outra obra que não foi realizada pelo emitente;
- E também que estas faturas foram pagas por transferência bancária, pela D………….. SA, conforme se verificou pelos extratos bancários desta firma, que foram apresentados (anexo 3);
- Não consta da escrita da D……………. SA qualquer registo de faturação desta obra aos administradores, nem tão pouco nenhuma conta corrente que evidencie qualquer débito dos administradores a esta sociedade.
- Na inspeção efetuada a C………………… Lda verificamos que a sua contabilidade registou numa conta individualizada, os gastos (compras e subcontratos) referentes à remodelação duma moradia em ………………., em Viseu.
- Os responsáveis pela sociedade identificaram a obra como segue: (…)
Não restam pois dúvidas de que:
- O agregado familiar efetuou obras de remodelação na sua moradia própria, em ……………., Viseu;
- Essas obras foram efetuadas por C…………….. Lda;
- As faturas foram emitidas para a D…………..... SA;
- A D………….. SA nada debitou ao agregado familiar;
- Foi a D………….. que pagou as citadas faturas.
3.2 - Relações dos sujeitos passivos A e B, com a sociedade D………… SA
De referir que A…………….. era presidente do conselho de administração da D………………. SA e B…………….. era vogal do conselho de administração
3.3 – Enquadramento do rendimento
Do relatado verifica-se que os sujeitos passivos realizaram obras na sua habitação, no valor de 151.375,45 relativamente às quais foram emitidas as faturas já referidas e em anexo 2.
Estas faturas foram pagas por transferência bancária, pela D……………, SA, conforme se verificou pelos extratos bancários desta firma (anexo 3).
Não consta da escrita da D………….., SA, qualquer registo de faturação desta obra aos administradores, nem tão pouco nenhuma conta corrente que evidencie qualquer débito dos administradores a esta sociedade.
Sendo certo que os sujeitos passivos obtiveram um rendimento igual ao valor da obra realizada, correspondente ao valor que a D…………., SA pagou em seu lugar, importa enquadrar este facto em sede de IRS.
A D……………, SA pagou uma dívida que era encargo dos sujeitos passivos (obra de remodelação da moradia situada na freguesia ……………., artigo urbano ............, ao tempo propriedade dos sujeitos passivos, pelo que este benefício auferido deve ser considerado como rendimento da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do CIRS, que se transcreve:
«Artigo 5.º
Rendimentos da categoria E
1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliário, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.»
A vantagem económica, remodelação da moradia, resultou do facto de serem detentores do capital da D……………., SA e seus administradores.
Esta detenção de capital permitiu retirar da empresa, a título definitivo, o valor correspondente às referidas obras. Tais rendimentos são enquadráveis no artigo 5º nº 1, do CIRS.
3.4 - Quantificação do rendimento
O valor líquido da obra, conforme se demonstrou atrás (faturas 14 e 16, emitidas em 2013 por C……………, Lda), foi de 151 375,45.
O valor do benefício foi aquele que os sujeitos passivos usufruíram da D………….., SA, correspondente aos montantes que esta sociedade pagou e que eram responsabilidade dos sujeitos passivos, ou seja 151375,45.
3.5 – Conclusão
Os sujeitos passivos não entregaram o anexo E, à declaração referida no artigo 57º do CIRS, omitindo desta forma o rendimento tributável no valor de 151 375,45, igual ao montante que a D………., SA suportou.
O total dos rendimentos do agregado familiar deverá ser corrigido como segue:

(…)
9 - DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo foi notificado, pelo n/ ofício nº 9836, de 23/11/2016, para exercer o direito de audição a que se referem os artigos 60º, da LGT e 60º, do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira, tendo-lhe sido concedido um prazo de 15 dias para exercer este direito.
O direito de audição foi exercido sob a forma escrita, rececionado nesta Direção de Finanças em 09/12/2016.
9.1- Argumentos do direito de audição
9.1.1 - O sujeito passivo entende que «a informação recebida não contém a fundamentação legalmente exigida, sendo também errónea e insuficiente relativamente às disposições legais aplicáveis, à qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como quanto às operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. A titulo exemplificativo dos vícios e ilegalidades do v/projeto de decisão, verificámos que não há qualquer referência às disposições legais que suportam a determinação do rendimento coletável, designadamente quanto ao critério de englobamento utilizado pela AT(?) obrigatório ou opcional(?), havendo também omissão das taxas gerais(?), ou taxas liberatórias(?), ou taxas especiais(?), e respetivas disposições legais, que a AT entende que sejam aplicáveis para apuramento do tributo.»
9.1.2 - Entende «que a Autoridade Tributária deve corrigir os vícios e ilegalidades deste Projeto de Relatório da Inspeção Tributária e notificar os sujeitos passivos para exercer cabalmente o seu direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.»
9.2 -Análise dos argumentos do direito de audição
9.2.1- Quanto aos argumentos do ponto 9.1.1
O projeto de relatório (PR) da Autoridade Tributária é claro quanto aos fundamentos de facto e de direito, que motivaram as correções propostas. No ponto 3.1 do PR encontra-se identificada a situação que constitui o facto tributário (rendimentos omitidos) e no ponto 3.3, o seu enquadramento legal (rendimento da categoria E, artigo 5º, nº 1 do CIRS).
O facto tributário (omissão de rendimentos da categoria E), foi quantificado com objetividade, conforme consta do ponto 3.4 do PR. Do englobamento para determinação do rendimento tributável. Os rendimentos objeto de correção são obrigatoriamente englobados (sem opção), conforme está expresso no ponto 3.5., onde consta a totalidade dos rendimentos (rendimentos declarados e omitidos).
Também consta do ponto 3.5 do PR, por cada sujeito passivo, para além da totalidade dos rendimentos (categoria A e E), as retenções, contribuições, quotizações e as diversas deduções.
De referir que não se fez qualquer referência a taxas liberatórias ou especiais, porque estas não se aplicam aos rendimentos cuja proposta de correção foi feita.
A taxa será a aplicável ao escalão, onde o rendimento tributável/coletável corrigido, couber.
9.3 – Conclusão
Por tudo quanto foi justificado ao longo do projeto de relatório e também na análise do exercício do direito de audição, o PR não padece de qualquer vício ou ilegalidade, estamos convictos de que as correções são efetuadas no respeito pela legislação fiscal, nacional e comunitária, em vigor.
Através do projeto de relatório foi dado aos sujeitos passivos conhecimento das correções efetuadas e seus fundamentos, bem como da fundamentação de facto e de direito, do enquadramento do rendimento corrigido e da sua quantificação, sendo clara a determinação do rendimento tributável corrigido, nos termos previstos no artigo 60º do RCPITA e artigo 60º da LGT, pelo que estando cumpridos os formalismos legais e mantendo-se as correções propostas ao rendimento tributável, não existe motivo para notificar de novo o sujeito passivo tal como este argumenta.” [cfr. emerge do relatório inspetivo]
I) Com fundamento no sancionamento hierárquico das correções propostas no relatório referido no facto precedente foram emitidas as seguintes liquidações: (i) IRS n.º 2017 50007046 no valor de EUR 70.519,86, (ii) juros compensatórios n.º 2017 38301 no valor de EUR 7.442,25 e (iii) juros compensatórios recebimento indevido n.º 2017 38300 no valor de EUR 213,43 [cfr. demonstração de compensação de fls. s/n do procedimento administrativo apenso]
J) A emissão dos atos tributários referidos no facto precedente originou a elaboração da nota de cobrança n.º 2017 840242, em 19 de Janeiro de 2017, no valor de EUR 80.234,33 (ao somatório daquelas liquidações acresceu a restituição do reembolso apurado na liquidação anterior - 2014 400179291 – no valor de EUR 2.058,79) [cfr. demonstração de compensação de fls. s/n do procedimento administrativo apenso]”

«»

2.2. DE DIREITO

2.2.1.- Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente recurso para uniformização de jurisprudência respeita à decisão arbitral proferida no processo n.º 623/2018-T, do CAAD, que decidiu julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relacionado com a liquidação de Retenções na Fonte de IRS e juros compensatórios, referente ao ano 2015, no valor total de € 77.586,40 por alegada oposição com o decidido no Acórdão do S.T.A. de 11-09-2019, proferido no processo nº 0203/17.9BEVIS, disponível em www.dgsi.pt.

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. nº 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Analisando:

Como já ficou dito, a decisão recorrida contende com a pronúncia do Tribunal Arbitral proferida no processo n.º 623//2018-T CAAD, que julgou improcedente pedido de anulação de acto de indeferimento de reclamação graciosa deduzida contra o acto tributário de liquidação de IRS/Retenção na Fonte do ano de 2015.

Para a Recorrente, a questão fundamental de Direito que o presente Recurso deverá tratar e, pelo melhor decidir, prende-se com o entendimento adoptado no Acórdão Recorrido em oposição com o anteriormente decidido pelo STA no Acórdão/Fundamento e que redunda em saber se existe norma ou base de incidência para tributação/retenção na fonte à taxa legal ou se devem ser englobados na tributação global do contribuinte, os supostos rendimentos, (considerados como “de capitais”), quando se entende ter havido uma valorização dos imóveis dos sócios a custo de obras efetuadas e pagas pelas empresas respectivas, sendo que no Acórdão Recorrido foi apontado, além do mais, o seguinte:

“(…) os pagamentos dos encargos de construção do armazém pela Requerente em terreno da propriedade do sócio-gerente equivalem a rendimentos de capital por representarem uma vantagem económica auferida por uma pessoa singular - o sócio-gerente X……………. - que é detentor de capital social da Requerente e que assumia a função de gerente no momento dos fluxos monetários em apreço, i.e., do dispêndio de verbas, pela Requerente, com a construção do armazém. Consequentemente estamos face a rendimentos que se subsumem ao conceito de rendimentos de capitais, previsto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, atendendo à existência de uma vantagem económica para o sócio-gerente em apreço. Encontrando-se desta forma verificadas as condições que determinam a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, anteriormente enumeradas.

Assim, soçobra o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, imputado à liquidação de IRS (retenções na fonte) e respectivos juros, e, bem assim, à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que confirmou esse ato tributário. (…)”.

Nesta sequência, a Recorrente defende também que, ao abrigo do mesmo quadro legislativo, o Acórdão fundamento concluiu pela efectiva falta de norma de incidência que estabelecesse essa retenção, referindo que os mesmos rendimentos deviam ser englobados nos termos gerais, interpretação jurídica que, na opinião da Recorrente se afigura mais consentânea com o entendimento que deve ser admitido, pelo que a solução adoptada pelo Acórdão Recorrido, que assim não decidiu nos autos, encontra-se em oposição frontal e directa com a solução jurídica adoptada no Acórdão/Fundamento, e não deverá manter-se.

Será assim?

Ora, no acórdão recorrido estão em causa rendimentos de capitais consubstanciados no pagamento de obras feitas em armazém de sócio-gerente que foram pagas pela recorrente, no ano de 2015, sendo que no acórdão fundamento estavam, também, em causa rendimentos de capitais consubstanciados em obras feitas na moradia de sócios de sociedade que procedeu ao seu pagamento, mas relativamente ao ano de 2013.

Assim, embora a factualidade seja similar em ambas as situações, a verdade é que houve uma alteração substancial da norma do artigo 71º do CIRS que regula as taxas liberatória (operada pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12).

Tal significa que, no ano de 2013, os rendimentos em causa não estavam sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, o que já não acontecia no ano de 2015, em que estavam, efectivamente sujeitos a retenção.

Com este pano de fundo, afirmando-se a descrita alteração substancial da regulamentação jurídica, não se mostram, assim também, reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.

Pelo exposto, conclui-se que, no caso dos autos, falham os pressupostos para que possa julgar-se existir entre as decisões contradição juridicamente relevante e como tal não haverá que conhecer do mérito do recurso.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do recurso.




3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..

Comunique ao CAAD.




Lisboa, 4 de Novembro de 2020. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.