Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0270/17 |
Data do Acordão: | 07/05/2017 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANA PAULA LOBO |
Descritores: | TAXA DIREITO DE AUDIÇÃO |
Sumário: | I - O tributo foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora sem que tivesse sido concedido ao contribuinte o direito de audição em desconformidade com o art.º 60.º da Lei Geral Tributária. II - Apesar de poder ser censurável a omissão do contribuinte de declarar a área, o legislador não a sanciona com a retirada do seu direito de audição antes da liquidação, pelo que não pode a entidade liquidadora aplicar tal sanção por não se encontrar prevista na lei. III - É um dever legal liquidar o tributo a quem deva ser exigido, nos termos da lei, mas esse dever não se preenche sempre que se apura uma taxa, ele só se cumpre quando se liquida a taxa devida. |
Nº Convencional: | JSTA000P22091 |
Nº do Documento: | SA2201707050270 |
Data de Entrada: | 03/09/2017 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A... SA |
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC |
Aditamento: | |
Texto Integral: | RECURSO JURISDICIONAL DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga . de 13 de Dezembro de 2016 Julgou a impugnação procedente, determinando a anulação da liquidação, com todas as consequências legais, designadamente a restituição da quantia que a Impugnante pagou a esse título. Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no processo n.º 2952/14.4 BEBRG de impugnação instaurado por A……………. S.A., contra o acto de liquidação da primeira e segunda prestações relativas ao ano 2014 da “Taxa de Segurança Alimentar Mais” (TSAM), criada pelo Decreto-Lei nº 119/2012, de 15 de Junho, no montante total de € 20.984,25, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: 1. Se, como se afirma na decisão recorrida, a AT se limitou a aplicar as normas legais vigentes e não se vislumbra qualquer possibilidade de alteração do decidido no caso concreto se tivesse sido concedido o direito de audiência prévia”, a ilação a tirar deveria ser a de que a formalidade supostamente omitida se degradada em formalidade não essencial o que, por sua vez, determinaria, por via do princípio do aproveitamento do ato, a «manutenção» da liquidação impugnada; 2. E não, como se decidiu, a anulação da mesma; 3. Por outro lado se, como afirma a sentença recorrida, não existiu comunicação do contribuinte no que concerne à área e esta foi determinada pela Administração de acordo com o disposto na lei, não se entende como se pode concluir pela existência da apontada invalidade; 4. Adiante-se, contudo, que não foi omitida nenhuma formalidade na liquidação impugnada e muito menos a apontada falta de audiência prévia; 5. De facto, nos termos da Portaria n.º 215/2012, a área tributável apura-se ou por recurso aos dados fornecidos pelo contribuinte ou, na sua ausência, àqueles de que disponha a entidade liquidadora; 6. No caso, a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012); 7. Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento; 8. O procedimento de liquidação da TSAM é relativamente simples: na ausência de comunicação do contribuinte prevista no n.º 4 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012 (ou da comunicação prevista no n.º 3 do art.º 10.º) a DGAV procede ao apuramento da área socorrendo-se dos elementos que lhe foram comunicados nos ternos do n.º 2 do art. 9.º pela DGAE; 9. Aplicando depois às áreas assim comunicadas os coeficientes da Portaria n.º 200/2013, determinando a base tributária que multiplicada pelo valor da taxa para o ano de 2013 (art.º 4º da Portaria n.º 215/2012), resulta no montante a cobrar, resultado que comunica ao contribuinte nos termos do n.º 3 do art.º 5.º; 10. O procedimento desenrolou-se, pois, de acordo com as regras aplicáveis e designadamente de acordo com o que se dispõe nos artigos 54.º e ss. da LGT, não ocorrendo qualquer situação que demandasse a chamada da ora Impugnante ao procedimento para nele ser ouvida antes da liquidação da Taxa; 11. O facto de a Impugnante ter indicado, agora e apenas neste processo, a área tributável, não torna a liquidação ilegal nem, por esta via, se lhe pode atribuir postumamente qualquer invalidade e muito menos aquela que resultaria da omissão de uma formalidade que não era, nesse procedimento, necessária; 12. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5.º, 9.º e 10.º da Portaria n.º 215/2012 e no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012. Requereu que seja concedido provimento ao recurso, com a consequente revogação da sentença, considerando-se improcedente a impugnação. *** O objecto do presente recurso cinge-se à definição de ser ou não necessária a audiência prévia à liquidação no procedimento em causa, e as consequências da sua omissão.Como se diz na sentença recorrida: «A entidade Impugnada reconhece que o tributo incide, em regra, apenas sobre a área de comércio dos produtos alimentares em causa (que no caso terá a área de 2.073,50 m2), que relevará quando for cumprido o dever declarativo a que alude o artigo 5º, nº4, em conjugação com o artigo 10º, nº3, da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho. Pelo que só nos casos de incumprimento desse dever declarativo, como no caso dos autos, a AT recorre à aplicação do critério de quantificação previsto no artigo 1º da Portaria nº 200/2013, de 31 de maio, nos termos do artigo 5º, nº5, da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho. Pelo que o sujeito passivo pode ilidir essa “presunção” se cumprisse “o dever de declaração, que sobre si impende (artigo 5º e 10º da Portaria nº 215/2012) ou se, mesmo omitindo-o num primeiro momento, o viesse a corrigir posteriormente”. Ora atento o supra expendido conclui-se ter se verificado a preterição de formalidades legais invocada, resulta necessariamente que o ato praticado com esse vício tem de ser anulado.» A Taxa de segurança alimentar mais, encontra-se definida no art.º 9.º do DL Decreto-Lei 119/2012, como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devida pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura». Estão isentos do pagamento dessa taxa os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas em certas situações para aqui sem relevo. A fixação anual da taxa mostra-se regulamentada pela Portaria 215/2012 de 17 de Julho que no seu artigo 5.º define as regras de liquidação do seguinte modo: «Artigo 5.º Liquidação e cobrança 1 - Para efeitos de aplicação da taxa, é considerada a situação dos estabelecimentos comerciais à data de 31 de dezembro do ano anterior ao que respeita a liquidação. 2 - A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) elabora, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, uma lista atualizada dos estabelecimentos abrangidos, e da qual constam, designadamente, os seguintes elementos: a) Nome ou denominação social; b) NIF; c) Morada do estabelecimento; d) Área de venda do estabelecimento. 3 - A liquidação da taxa é notificada ao sujeito passivo, por via eletrónica para a caixa postal eletrónica a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da lei geral tributária ou por carta registada, até ao final do mês de março de cada ano, com a indicação do montante da taxa a pagar. 4 - Os sujeitos passivos devem comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no n.º 2 relativos aos respetivos estabelecimentos comerciais. 5 - Em caso de omissão ou inexatidão dos elementos comunicados, a liquidação é efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do n.º 2 do artigo 9.º» A Portaria 200/2013 de 31 de Maio veio, como dela consta, esclarecer o critério de apuramento da área relevante e o modo da sua determinação. Como decorre de todo o processo e, é mesmo confirmado pelas alegações de recurso, dúvidas não há de que o tributo aqui em discussão foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora sem que tivesse sido concedido ao contribuinte o direito de audição. Bem certo que o contribuinte tinha obrigação de comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no n.º 2 relativos aos respetivos estabelecimentos comerciais. Não consta da matéria provada que haja omitido tal obrigação, como não consta que a haja cumprido, nem se esclarece que dados dispunha a entidade liquidadora sobre a área do estabelecimento com relevância para a determinação da taxa. A recorrente considera que:« (…) a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012); Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento». Este entendimento expresso pela recorrente considera que, havendo elementos que permitam a liquidação da taxa, certos ou errados, não importa, liquida-se a taxa sem mais e exige-se o pagamento. Trata-se de uma visão estreita do cumprimento dos deveres públicos, mesmo tributários quando se foca toda a energia e atenção em liquidar para cobrar, sem olhar a quê, e sem curar dos custos para o erário público que decorrem de liquidações ilegais. É um dever legal liquidar este tributo a quem deva ser exigido, nos termos da lei, mas esse dever não se preenche sempre que se apura uma taxa, ele só se cumpre quando se liquida a taxa devida, nem mais, nem menos, pelo que, mesmo que não existisse a obrigação legal de a administração fazer os contribuintes participarem no procedimento de liquidação de tributos, sempre o dever público que impende sobre a entidade liquidadora era de liquidar apenas o que era devido, devendo, neste caso, assegurar-se de que estava a ter em conta a área correcta. Essa cautela quanto ao apuramento dos elementos que integram o cálculo para apuramento do tributo tem que atravessar de forma consistente todos os procedimentos para evitar o desperdício de recursos públicos com que aqui nos deparamos. Para além disso, impõe o art.º 60.º da Lei Geral Tributária o direito de audição dos contribuintes antes da liquidação, salvo quando a lei estabelecer em sentido diverso, o que nesta situação não acontece, de resto como concretização do princípio do contraditório plasmado no art.º 5.º do Código de Processo e Procedimento Tributário. Esta formalidade foi frontalmente preterida. Apesar de poder ser censurável a omissão do contribuinte de declarar a área, o legislador não a sanciona com a retirada do seu direito de audição antes da liquidação, pelo que não pode a entidade liquidadora aplicar tal sanção por não prevista na lei. Se cumprido o direito de audição o contribuinte nada tivesse dito quanto à área do estabelecimento, então teria que funcionar o «tal mecanismo substitutivo» a que se refere a recorrente de «a liquidação ser efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do n.º 2 do artigo 9.º». Se tal tivesse acontecido e a taxa tivesse sido erradamente liquidada, então a entidade liquidadora haveria dado cumprimento a todos os preceitos legais e só ao contribuinte poderia ser imputado qualquer erro que ainda pudesse estar contido na liquidação. A entidade liquidadora tem que ter no procedimento uma conduta exemplar de rigoroso cumprimento da lei sejam os contribuintes cumpridores ou relapsos. Muitas, ou pelo menos algumas das omissões dos contribuintes devem-se a situações particulares de cada um que muitas vezes estão longe de condutas dolosas ou de evasão fiscal. Mas, em todo o caso, o poder sancionatório dessas condutas que num primeiro olhar parecem de incumprimento, reside no legislador e só ele pode definir sanções para cada incumprimento que, são diversos da liquidação dos tributos. Estamos perante a preterição de uma formalidade essencial, porque prevista na lei e, tão essencial quanto pode determinar alterações no montante da taxa a liquidar, com a correspondente afectação do património do contribuinte, com consequências sobre a validade do acto subsequente de liquidação cuja conformação só foi possível com base em tal omissão de formalidade essencial do procedimento com violação de direitos fundamentais dos contribuintes, art.º 267.º da Constituição da República Portuguesa. A sentença recorrida não enferma, pois, do erro de julgamento que lhe era apontado tendo feito uma adequada aplicação dos preceitos legais ao caso concreto, a determinar a sua confirmação. Deliberação Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente.(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário). Lisboa, 5 de Julho de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – Ascensão Lopes – António Pimpão (vencido nos termos do voto anexo tal como no processo 216/15). Proc. 270/17 Votei vencido pois entendo que se deveria anular a sentença recorrida para ampliação da matéria de facto. Do probatório e da decisão recorrida não consta se a liquidação se fundou na declaração do contribuinte ou em omissão ou inexatidão dos elementos comunicados. É que estabelece o n° 4 do artigo 5° da Portaria 215/2012, de 17 de julho, que "os sujeitos passivos devem comunicar a DGAV ... a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no nº 2 ..." onde se inclui a área do estabelecimento. E acrescenta o nº 5 do mesmo preceito que em caso de omissão ou inexatidão dos elementos comunicados, a liquidação é efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha. Naquela situação encontra-se dispensado a audiência do contribuinte existindo neste caso o direito de audiência. Importava, por isso, fixar os fatos para determinar se a liquidação da "taxa de segurança alimentar mais" foi efetuada com base em comunicação do contribuinte a contar do início da atividade ou de qualquer alteração referente à área do estabelecimento, caso em que não haveria lugar à questionada audiência, ou com base na informação relevante de que a DGAV disponha, caso em que haveria lugar a tal audiência. António José Pimpão |