Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0802/17.9BALSB
Data do Acordão:12/13/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:JULGAMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
AUDIÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - O artigo 665º, nº3, do CPC, ordena que antes de proferir decisão substitutiva nos termos do anterior nº2, o tribunal de recurso - através do Relator - «ouve cada uma das partes pelo prazo de 10 dias»;
II - A omissão deste dever de audição consubstancia uma nulidade processual.
Nº Convencional:JSTA000P23962
Nº do Documento:SA1201812130802/17
Data de Entrada:06/29/2017
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A……………, LDA - identificada nos autos - vem «reclamar para a conferência», ao abrigo do artigo 9º, nº2, da LPTA, do despacho proferido pelo Relator, em 11.10.2018, e pelo qual foi rejeitada reclamação para a conferência por ela apresentada no seguimento do acórdão de 07.06.2018 deste STA.

Defende ser errado o entendimento jurídico vertido no despacho reclamado, e, a não ser assim, sempre se deveria ter procedido à «convolação da reclamação em recurso jurisdicional». Ao não o fazer, ocorreu uma nulidade processual, por omissão de acto que a lei prescreve, e fez-se uma interpretação e aplicação das normas legais violadora do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do direito de acesso à justiça [artigos 20º, nº4, e 268º, nº4, da CRP].

O Ministério Público - em representação do Estado Português - pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, e, de todo o modo, no sentido do «julgamento de improcedência» das nulidades processuais e inconstitucionalidades invocadas.

II. Despacho reclamado

É do seguinte teor o despacho reclamado, proferido pelo Relator a 11.10.2018:

«Notificada a 15.06.2018 - por ofício datado de 12.06.2018 - do «acórdão» proferido nesta Secção, e ínsito a folhas 1930 a 2008 dos autos, a aí recorrente A………… veio a ele reagir mediante peça processual que apelida de Reclamação para a Conferência.

Fá-lo, por entender que do dito acórdão «não é admissível recurso ordinário», e entende serem-lhe aplicáveis as normas legais relativas a «vícios e reforma da sentença» - artigos 613º a 617º, ex vi 666º, do CPC.

Alega a ora «reclamante», em síntese, que face ao provimento que concedeu ao recurso interposto do despacho saneador - com subida a final - o acórdão não poderia ter avançado para o conhecimento integral, em parte substitutivo, do mérito da acção. Antes devia mandar baixar os autos à 1ª instância, ou quando muito dar a palavra às partes.

Assim não tendo sido feito, foram cometidas nulidades processuais [195º nº1 do CPC], e foi violado o contraditório, o direito à prova, e o duplo grau de jurisdição, com as correspondentes inconstitucionalidades na interpretação e aplicação da lei.

Como resulta desta síntese, e melhor emerge do conteúdo da reclamação [a folhas 2014 a 2021 dos presentes autos], apesar de se ter aludido ao regime dos vícios e reforma da sentença, a sociedade reclamante limita-se a alegar nulidades processuais e erros de julgamento que contaminam o acórdão. Aliás, nunca é referida, sequer, qualquer das alíneas do nº1 do artigo 615º do CPC.

Os recorridos pronunciaram-se no sentido ou da rejeição ou do indeferimento da presente «reclamação».

Vejamos.

Face às datas de instauração da acção [Março de 2002] e da prolação da sentença de 1ª instância, é aplicável à fase recursiva destes autos o ETAF de 1984, a LPTA, e o CPC de 2013 - ver artigos 5º e 7º da Lei nº41/2013 de 26.06, e 102º da LPTA.

Isto significa que o STA foi acertadamente considerado tribunal competente para apreciar o recurso de apelação da sentença proferida pela 1ª instância, e que do acórdão proferido pela «Secção Administrativa» há recurso jurisdicional para o «Pleno» da mesma - ver artigo 24º, alínea a), do ETAF aplicável.

Ora, as questões da «reclamação» apresentada, na medida em que configuram eventuais «vícios do acórdão», emergentes de nulidades processuais ou de erros de julgamento, constituem assuntos de recurso e não de reclamação, pois que, além do mais, se esgotou o poder jurisdicional da Secção para deles conhecer. E, mesmo que se tratasse de nulidades do acórdão, nos termos do artigo 615º do CPC, apenas poderiam ser arguidas perante o tribunal que o proferiu caso não admitisse recurso ordinário, «podendo o recurso, no caso contrário, ter por fundamento qualquer dessas nulidades» - artigo 615º, nº4, do CPC.

Deste modo, e por ilegal, decidimos rejeitar a presente reclamação.»

III. Apreciação

O cerne da reclamação apresentada pela A……….. do acórdão de 07.06.2018 tem a ver com uma alegada nulidade processual, consubstanciada na falta de audição das partes nos termos do nº3 do artigo 665º, do CPC/2013 [anterior artigo 715º, nº3, do CPC], a que vem acoplada outra «nulidade processual» atinente à necessidade da remessa do processo à 1ª instância para inquirição de testemunhas. Para além disto, a discordância com o acórdão integra hipotéticos erros de julgamento.

Àquelas acrescenta agora a A…………, como vimos, duas outras nulidades processuais sendo que uma delas tem a ver com a alegada omissão de convolação e, a outra, com alegada omissão do contraditório antes da prolação do despacho reclamado.

E tudo deverá ser como a A…………. diz, sob pena de se incorrer em interpretação e aplicação inconstitucional das normas legais, por desrespeito aos «princípios da tutela jurisdicional efectiva, pro actione e do acesso ao direito».

Vejamos.

Estipula o artigo 665º, nº3, do CPC/2013, aqui aplicável [artigos 5º e 7º da Lei nº41/2013 de 26.06, e 102º da LPTA], que antes de proferir «decisão substitutiva» nos termos do anterior nº2, o tribunal de recurso - através do Relator - «ouve cada uma das partes pelo prazo de 10 dias».

É este dever de audição que a ora reclamante considera não ter sido cumprido, já que, tendo revogado o julgamento de procedência da prescrição, feito pela 1ª instância, o acórdão reclamado julgou «em substituição» o mérito do respectivo pedido sem ter dado a palavra às partes.

E, efectivamente, a omissão deste dever legal ocorreu, e é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa [artigo 201º, nº1, do CPC aplicável], pelo que deverão ser retiradas as devidas consequências, que são as de «anulação do acórdão de 07.06.2018 na parte respeitante ao conhecimento do pedido da autora que tem por causa de pedir o instituto da responsabilidade civil extracontratual», e a do «seu cumprimento».

O despacho do Relator, que rejeitou esta fundada reclamação, laborou em erro ao entender que o acórdão da Secção era recorrível para o Pleno da mesma. Ou seja, nele não se atendeu a uma norma legal, aplicável ao caso, que é o artigo 103º, nº1, alínea a), da LPTA, segundo a qual «Salvo por oposição de julgados, só não é admissível recurso dos acórdãos do STA que decidam: - a) Em segundo grau de jurisdição». É o caso.

Daí que, não sendo susceptível de recurso ordinário do acórdão da Secção, era possível suscitar, de forma autónoma, a referida nulidade processual, como fez a ora reclamante, que dela teve conhecimento ao ser notificada do aresto.

Não se pode manter, portanto, o «despacho do Relator».

As demais nulidades processuais e inconstitucionalidade supra referidas, restam prejudicadas pelo sentido da decisão desta reclamação do despacho do Relator.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos julgar procedente a reclamação do despacho do Relator, revogá-lo, e, em conformidade, anular o acórdão de 07.06.2018 «na parte respeitante ao conhecimento do pedido da autora fundado no instituto da responsabilidade civil extracontratual» e ordenar a notificação das partes nos termos e para os efeitos do artigo 665º, nº3, do CPC/2013.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.