Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02342/12.3BELRS 0400/18
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:OBJECTO DO RECURSO
PRÉMIO DE PRODUTIVIDADE
SEGURANÇA SOCIAL
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I – As conclusões das alegações podem ser interpretadas como densificando os termos do requerimento de interposição do recurso, para efeitos da fixação do respectivo objeto.
II – À luz do regime anterior, a tributação em Segurança Social dos prémios de rendimento ou produtividade é feita depender de, simultaneamente, serem: i) devidos por força do contrato de trabalho ou lei e ii) regulares.
III - São devidos juros indemnizatórios em situações de auto-liquidação e retenção na fonte quando ocorra eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte em reclamação graciosa, passando o erro a ser, deste modo, imputável à AT.
Nº Convencional:JSTA000P26782
Nº do Documento:SA22020111802342/12
Data de Entrada:04/18/2018
Recorrente:IGFSS-INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Recorrido 1:A.........., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
O Instituto da Segurança, Social, I.P. (ISS, I.P.), vem recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A……………, SA, com os demais sinais dos autos, contra o indeferimento das reclamações graciosas relativas as autoliquidações de contribuições, à Segurança Social no âmbito de Planos de Incentivos dos anos de 2009/2010 e 2010/2011 no valor global de 2 984 684,80 euros.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.º- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgando procedente a impugnação o despacho proferido pelo competente Vogal do Conselho Directivo do ISS, I.P., indeferiu as reclamações graciosas apresentadas pela ora recorrida na sequência da autoliquidação de contribuições em divida á segurança social, no montante global de €:1 .894.442,82, por referencia ao ano de 2009 e reclamação apresentada a 18/05/2012, na sequência da autoliquidação de contribuições em dívida no período compreendido entre 01/04/2010 e 31/03/2011, no montante global de €:1.090.241,9, em virtude da atribuição de prémios de desempenho a alguns dos seus trabalhadores no âmbito dos Planos de Incentivos referentes aos anos de 2009/2010 e 2010/2011, anulou “…o acto Impugnado, com as legais consequências, em termos de restituição dos valores indevidamente pagos”, mais condenando “O ISS no pagamento dos juros indemnizatórios respectivos, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de reposição.”
2.º- Coloca-se assim, primacialmente, nos presentes autos, a questão de saber se os atos impugnados padecem de erro sobre os pressupostos, nomeadamente, se os montantes pagos a título de bónus de desempenho devem, como entende o ora Recorrente, constituir base de incidência para efeitos de contribuições para a segurança social ou se, pelo contrário, como defendido na douta sentença de que ora se recorre, não constituem tais montantes base de incidência contributiva para a segurança social ou melhor dizendo, a questão de saber se, os pagamentos que a ora recorrida efectuou aos seus trabalhadores ao abrigo do Plano de Incentivos Anual, com a designação genérica de prémios de desempenho têm um carácter remuneratório ou meramente liberatório e nesta medida devem ou não ser alvo de incidência contributiva.
3.º- Sendo certo ser tal problemática jurídica precisamente a mesma que constitui objecto da impugnação judicial que sob o n.º 918/10.2 BELRS, corre termos na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, com excepção do facto de, naqueles autos, estar em causa o período de Janeiro de 2004 e Dezembro de 2008, e nos presentes o de 2009 a Março de 2011, impugnação aquela, interposta na sequência de uma acção inspectiva conduzida pelos Serviços de Fiscalização do ora recorrente (processo de averiguações (Proave n.º 200803035418) e que, por despacho da Directora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Sector de Lisboa II dos então designados Serviços de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo, proferido a 22-12-2009, foi considerado que as gratificações e prémios especiais pagos pela impugnante aos seus trabalhadores nos anos de 2004 a 2008, por referência aos exercícios de 2003 a 2007, estavam efectivamente sujeitos a contribuições para a Segurança Social, porque subsumíveis ao conceito de remuneração previsto no Decreto Regulamentar n.º 12/83, em vigor à data dos factos.
4º- Entendeu o Mmº Juiz do tribunal a quo, atenta toda a matéria de facto dada como provada com relevância para a decisão da causa, e que por razões de economia processual, se nos for permitido, nos dispensamos de reproduzir, que: «(...) verifica-se que os valores pagos aos colaboradores da impugnante e em causa nos presentes autos enquadram-se em planos de incentivos, cujas regras foram definidas nos documentos mencionados em 3) e 8) do probatório.” para concluir de seguida que “Afastando-se pois do conceito de remuneração, não se encontram preenchidos os pressupostos de facto inerentes à liquidação, motivo pelo qual procede o alegado pela impugnante.”
5.º- Ora, salvo o devido respeito, que é muito, e embora, não ignorando toda a fundamentação aduzida na douta sentença recorrida, não podemos concordar com a subsunção, efetuada pelo Mmº Juiz, ao quadro legal aplicável na situação em apreço, não assistindo razão ao Mmº Juiz nos fundamentos que invoca, para decidir da forma como o fez, senão vejamos:
6.º- Na supra referida acção inspectiva conduzida pelos Serviços de Fiscalização, cujas conclusões se encontram condensadas no Relatório Final que aqui se dá por integralmente reproduzido, reuniram-se provas suficientes (constantes do processo administrativo junto ao proc. n.º 918/10.2 BELRS) de que a política salarial da empresa, ora recorrida, inclui uma componente de gestão/retribuição por objectivos, concretizada através de um plano de incentivos anualmente definido, que a atribuição de prémios, aprovada no quadro dos planos de incentivos anuais, tem por base o cumprimento dos objectivos fixados, tanto ao nível do desempenho da empresa como dos seus colaboradores, e que os prémios revelam um carácter estável e permanente, quer quanto à sua periodicidade, quer quanto aos destinatários.
7.º- E, nesta medida, são passíveis de contribuições para a Segurança Social, de acordo com o disposto no artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º53/83, de 22 de Junho, em vigor à data dos factos.
8.º- Pois, como se pode ler no Relatório Final elaborado pelos Serviços de Fiscalização, da inspeção conduzida resultou provada a regularidade da atribuição de montantes a título de “prémio especial” e “gratificação” ainda que condicionada ao cumprimento de determinados objectivos, com base numa política de incentivos instituída pela empresa ora recorrida que, pela sua periodicidade, regularidade e continuidade, se revelava, no mínimo, como um uso da empresa, o que constituía a entidade na obrigação legal de entregar as respectivas declarações de remunerações alvo de incidência contributiva.
9.º- Fazendo uma análise dos elementos constitutivos da noção legal de retribuição constante do Código do Trabalho, CT (quer do actual artigo 258º, quer do artigo 249.º da versão de 2003), permite-nos concluir que se trata de uma prestação com valor patrimonial, paga de forma regular e periódica, devida pela entidade patronal aos trabalhadores como contrapartida da sua força de trabalho.
10.º - O carácter regular e periódico da retribuição justifica-se pela própria natureza do contrato de trabalho, como contrato de execução duradoura ou continuada, dai que as atribuições patrimoniais tenham carácter de permanência e se vençam regularmente, criando no trabalhador uma expectativa de ganho relativamente às mesmas.
11.º- Em suma, toda e qualquer prestação periódica, certa e obrigatória, que o trabalhador receba em razão do seu vínculo laboral, deve ser considerada retribuição, porquanto o trabalhador criou legítimas expectativas em relação ao seu recebimento.
12.º- Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 9-6-2010, proc. 1907/07, inwww.jusnet.coimbraeditora.pt: “Como assinala Monteiro Fernandes (“Direito do Trabalho”, Almedina, pág. 439), deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida. Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o principio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global - no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas - engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisites de regularidade e periodicidade.”
13.º- Por outro lado, estabelece o artigo 2.º do Decreto Regulamentar nº 12/83, na sua redacção actual, na parte que interessa para o efeito, que são consideradas remunerações “as prestações a que, nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito pela prestação de trabalho e pela cessação do contrato, designadamente: d) os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de economia e outros de natureza análoga, que tenham carácter de regularidade”.
14.º- E, nos termos do artigo 260.º do CT (2009), são consideradas retribuição (artigo 260º, n.º 1 b a contrario, ex vi 260.º, n.º 3), as gratificações ou prestações extraordinárias concedidas como prémio ou recompensa dos bons resultados obtidos pela empresa que apela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante”.
15.º- Serão, portanto, dois os critérios utilizados pelo legislador para determinar a qualificação de certa quantia como retribuição, o primeiro, sublinha a ideia de correlatividade ou contrapartida negocial - é retribuição tudo o que as partes contratarem (ou resultar dos usos ou da lei para o tipo de relação laboral em causa) como contrapartida da disponibilidade da força do trabalho, o segundo critério assenta numa presunção: considera-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente pressupõem uma vinculação prévia do empregador e suscitam uma expectativa de ganho por parte do trabalhador, ainda que tais prestações se não encontrem expressamente consignadas no contrato (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11.ª edição, Coimbra).
16.º- Em suma, constituirão retribuição todas as gratificações que o trabalhador tem legítima e fundada expectativa de receber, quer porque a sua atribuição está prevista no contrato ou nas normas que o regem, quer em virtude da regularidade com que são atribuídas durante um período significativo (Abílio Neto, Contrato de Trabalho. Notas Práticas, 8.ª edição, Lisboa).
“Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei instrumento de regulamentação colectiva de trabalho) contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante, não seja a prestação da actividade pelo trabalhador - ou a sua disponibilidade para o trabalho -, mas sim causa especifica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este. “— cfr. já citado Acórdão da Relação de Lisboa de 9-6-2010.
17.º- É verdade que os chamados prémios de produtividade ou desempenho, na medida em que se destinem a recompensar ou premiar o trabalhador pelo seu desempenho ou mérito profissional, em regra não constituem retribuição, mas o entendimento já deverá ser diferente quando estivermos perante uma prestação obrigatória, por constar do respectivo clausulado contratual ou por ser exigível â luz do usos laborais aplicáveis, ou ainda por constituir uma atribuição patrimonial regular e permanente (cfr., entre outros, Bernardo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 1992).
18.º- De acordo com Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Almedina, 2008, pág. 579), “Apesar de as prestações relacionadas com o desempenho ou mérito profissionais do trabalhador não se considerarem retribuição (artigo 261. º, n.º 1 alínea b) do CT) poderá a solução ser diversa no caso de estes pagamentos se encontrarem antecipadamente garantidos. (...) A garantia antecipada de pagamento de tais prestações deverá resultar de acordo entre as partes. Tal acordo não tem de constar necessariamente da versão inicial do contrato de trabalho, nem sequer de um acordo escrito entre empregador e trabalhador; neste âmbito valem as regras gerais, pelo que basta um acordo informal entre as partes ajustado a qualquer momento. Eventualmente, a garantia antecipada de pagamento de tais prestações pode resultar dos usos, relacionados com a regularidade do pagamento de tais prestações.”
19.º- E conclui afirmando que “Estarem antecipadamente garantidas significa que estas prestações são devidas desde que se verifiquem os respectivos pressupostos, não dependendo de uma apreciação discricionária do empregador.”
20.º- Ainda neste sentido, veja-se com atenção o Acórdão da Relação de Lisboa, Secção Social, de 19-11-2008, proc. 9369/08-4, in www.jusnet.coimbraeditora.pt “Em face deste quadro normativo, é de considerar que as quantias efectivamente pagas ao autor por virtude do trabalho prestado a título de prémio de desempenho, atento o seu carácter de regularidade e periodicidade, são, em abstracto, susceptíveis de se integrar no “padrão retributivo” ou “retribuição modular” a que fizemos referência, não podendo afirmar-se, perante a matéria de facto apurada, que aquelas quantias tenham, em concreto, uma causa especifica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho. Na verdade, mostra-se assente nos autos que o prémio de desempenho era atribuído, normalmente em Fevereiro de cada ano, mediante avaliação das chefias e os resultados operacionais da empresa, dependendo sempre a atribuição do prémio de uma apreciação individual que feita caso a caso, onde eram tidos em conta diversos factos, tais como a função efectivamente exercida, a avaliação de desempenho efectuada pela chefia, a avaliação da actividade departamental e os resultados globais da empresa.”
21.º - Donde ainda que se admita, tal como o faz a douta sentença recorrida que “... o pagamento de quaisquer valores a titulo de incentivo dependia sempre não só da performance individual do trabalhador, mas também dos resultados da impugnante ou do seu grupo e da própria decisão da impugnante” o que no seu entendimento “ afasta estes pagamentos do conceito de remuneração, designadamente quanto á obrigatoriedade e ao carácter de regularidade.. .“ concluindo a seguir que « Atentas estas carateristicas, não se pode afirmar que haja uma expectativa de recebimento dos valores por parte dos trabalhadores, dada a dependência de factores externos que lhes são alheios, certo é que, a ora recorrida, tinha definidos de forma objectiva, critérios de atribuição de tais valores aos seus trabalhadores que levava que os mesmos pudessem contar com o seu recebimento desde que atingissem os objectivos fixados.
22.º- Por outro lado, sendo certo que a definição dos critérios era anual, também é verdade que ao longo de vários anos foram sempre pagos, independentemente dos factores externos, pelo que é legítimo concluir que tais pagamentos passassem a criar expectativas nos trabalhadores quanto ao seu recebimento, conforme os mesmos assumiram em declarações que constam do processo instrutor.
23.º- Donde, a ora recorrida, ao definir os critérios de atribuição dos referidos prémios ficou vinculada ao seu pagamento, nas condições que ela própria definiu, sendo-lhe exigível o pagamento de tais verbas sempre que os objectivos fixados fossem concretizados.
24.º- Por outro lado, ficou provado, que os prémios de desempenho foram pagos durante vários anos consecutivos, sendo portanto razoável admitir que existia da parte dos trabalhadores uma expectativa legítima no recebimento dos mesmos, resultante não só da regularidade do pagamento.
25.º- De facto, o que é eventual é o preenchimento concreto dessas condições, mas esta eventualidade não afasta a legítima expectativa dos trabalhadores no pagamento dos prémios de desempenho, uma vez verificados os pressupostos de atribuição, considerando que essa atribuição se tem verificado ininterruptamente, pelo menos, desde 2003, e que, nesse período, podendo alegadamente tomar decisão diferente, a recorrida optou sempre por proceder ao mencionado pagamento.
26.º- Aliás, tem a jurisprudência entendido que, apesar de a atribuição dos chamados prémios de desempenho estar sujeita ao cumprimento de determinadas condições, como é defendido, essa característica não afasta, por si só, o carácter de regularidade e permanência de tal prestação.
27.º- Nesta linha, veja-se Acórdão do STJ de 24M5.2006, proc. 05S2 134: “III - A remuneração variável mensal - prémio de produção atribuído face aos resultados mensais obtidos pelos trabalhadores comerciais em produtos definidos pela empresa e conforme o grau de cumprimento dos objectivos, pretendendo constituir um incentivo de animação às redes comerciais - paga regular e periodicamente ao trabalhador (entre 1996 e 2001, com excepção de 13 meses num total de 65), subsume-se á previsão do art. 88. º, n.º 2, 2.º parte da LCT e integra a retribuição devida ao trabalhador (…) O facto de ambas as atribuições dependerem do cumprimento de determinados objectivos individuais não infirma esta conclusão na medida em que o carácter regular e periódico do seu pagamento é, por si só, apto a conferir-lhes natureza retributiva”.
28.º- A este propósito refere Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. 1, pág. 772): “Relativamente às retribuições a que o trabalhador tem direito, mesmo que condicional, compreende-se que integrem a retribuição. Com efeito, se o objectivo a que estão condicionadas foi atingido, tais gratificações serão obrigatórias. Na parte final do n.º 2 do artigo 261.º contempla-se um fenómeno muito frequente na prática: uma entidade patronal que, num certo momento, criou um prémio com natureza excepcional (por exemplo, um prémio de fim de ano, em função do desempenho do trabalhador) acaba por repetir de tal modo esse prémio que gera nos trabalhadores a expectativa razoável, face ao uso criado, de que tal prémio se manterá. Nesse caso, a lei permite que a obrigatoriedade resulte do uso e das expectativas por ele geradas. E permite-o mesmo quando, sendo o prémio dependente dos resultados da empresa, a existência desse prémio se revela uma constante, ainda que o montante possa variai; como resulta do nº 3 do preceito.”
29.º- No Acórdão proferido no recurso jurisdicional n.º 6812/02, do Tribunal Central Administrativo Sul, que aprecia uma situação em que se verificou, durante cinco anos, o pagamento anual de valores aos trabalhadores com várias designações nomeadamente vários tipos de prémios e gratificações de balanço, considera-se “inócua a qualificação que lhes é dada pela empresa ou o tratamento contabilístico a que as sujeita; do mesmo modo é irrelevante que os trabalhadores conheçam ou não a “ratio” da sua atribuição, bem como as circunstâncias de estarem assentes em deliberações sociais. ‘ “Tais quantias” prossegue-se, “pagas aos trabalhadores, anualmente, durante cinco anos seguidos (1994 a 1998), não se podem subsumir ao conceito de gratificações, desde logo por falta do carácter extraordinário, de eventual, ocasional, dessas prestações, que antes assumem uma feição regular, ordinária...”
30.º- Veja-se ainda acórdão de 20-10-2008, do Tribunal da Relação do Porto, proc. n.º 0845025:
“Por outro lado, se é verdade que nos termos do n.º 1, do artigo 261.º, do CT, as gratificações, por regra, não se consideram retribuição, também é certo que nos termos dos nºs 2 e 3 do mesmo artigo, têm natureza retributiva as gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, ou aquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição”, bem como as prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.”
31.º- Em sentido idêntico “A gratificação estatutária, resultante da distribuição anual dos lucros, prevista nos próprios estatutos da empresa, concedida regular e permanentemente pela entidade patronal a todos os seus trabalhadores, deve considerar-se elemento integrante da retribuição dos trabalhadores por ter criado, neles uma fundada e legitima expectativa de a receber como complemento do seu salário. Em vez de concedida transitória e excepcionalmente, foi atribuída com regularidade”, Acórdão do STJ de 10-01-1986, Processo n.º 1186, bem como, ”A gratificação anual com carácter de regularidade e continuidade, criando no espírito do trabalhador a convicção de que é complemento da sua remuneração, integra o conceito de retribuição” Acórdão da Relação de Lisboa, de 02-12-1987.
32.º - Sendo por demais evidente, por tudo exposto, o acerto do apuramento oficioso efectuado pelos Serviços de Fiscalização do ora Recorrente.
33.º - No que se refere aos peticionados juros indemnizatórios considerou o Mmº Juiz do tribunal a quo que, verificando-se no caso sub judice, um erro sobre os pressupostos”…tem a impugnante direito à reposição da situação actual e hipotética.” Com a consequente condenação, a final, no pagamento de juros indemnizatórios.
34.º - Também, salvo o devido respeito, que é muito, por tal decisão, diremos que, não estando nós atento a tudo quanto supra exposto, perante qualquer erro sobre os pressupostos que conduziram ao apuramento oficioso efetuado pelos Serviços de Fiscalização do ora Recorrente, não existindo efectivamente, qualquer erro vício, consequentemente, não poderá ser aplicável à situação em apreço o disposto em tal preceito legal.
35.º - Acrescendo que os actos de autoliquidação, não há qualquer actuação lesiva por parte da administração, na medida em que, na situação concreta gerada pelo contribuinte ao autoliquidar o tributo, não existe uma tomada de posição da administração.
36.º - Nestas situações, poderá suceder que o contribuinte “que efectuou as operações referidas, constate mais tarde que não as efetuou convenientemente, seja porque omitiu determinados proveitos ou custos, seja porque avaliou mal a situação de facto em que estava integrado ou até porque, pura e simplesmente, fez mal as contas” (Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra Editora, 2ª Edição,pág.190).
37.º - Importando notar que, a ora recorrida procedeu às autoliquidações em causa porque assim o entendeu, e não porque tenha sido orientada ou instruída nesse sentido pelos serviços do impugnado, sendo certo que, a acção de fiscalização levada a cabo pelo recorrente teve como único objeto o período compreendido entre Janeiro de 2004 a Dezembro de 2008, e não produziu efeitos para o futuro.
38.º - Se a entidade procedeu à auto liquidação dessas quantias no período posterior ao objecto do apuramento oficioso conduzido pelos Serviços de Fiscalização, foi porque optou assumir esse encargo, consciente de que a qualificação jurídica em causa não era ainda definitiva, na medida em que impugnou judicialmente aquele apuramento oficioso, como era seu legitimo direito.
39.º- Portanto, haverá que considerar que a recorrida não foi induzida em erro “ nos casos de autoliquidação, tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação são levadas a cabo pelo próprio sujeito passivo, pelo que estará afastada, em regra, a possibilidade de existir erro imputável aos serviços.” Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, Áreas Editora, I volume, pág. 474.
40.º - .Pelo que, ao contrário do decidido pela douta sentença recorrida, não devera haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios conforme previsto no art.º43º da LGT.
41.º - Atento ao supra exposto, aplicando tal quadro legal, interpretado nos termos acabados de explanar e que nos parece ser a única consentida pelas citadas disposições legais, à matéria fática dada por provada, ao contrario do entendimento propugnado pelo Mmº Juiz na douta sentença recorrida, haverá que concluir que os prémios de desempenho pagos pela impugnante no período de 2004 a 2008 constituem verdadeiras prestações retributivas, nesta medida, são passiveis de contribuições para a Segurança Social, de acordo com o disposto no artigo 2º do Decreto Regulamentar nº 12/83, de 12 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar nº 53/83, de 22 de Junho pelo que, se a recorrida procedeu voluntariamente à sua autoliquidação, actuou como lhe era devido, optando por assumir tal encargo, não tendo sido induzida em erro, ficando desta forma prejudicado o pagamento de juros moratórios, sendo o ato impugnado absolutamente válido, legal, eficaz e isento de qualquer vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo, assim, o mesmo ser mantido “qua tale “.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso com o seguinte quadro conclusivo:
1ª O Recorrente tem na sua disponibilidade o objecto do recurso, podendo limitar tal objecto a priori desde (e sempre) que o manifeste expressamente no respectivo requerimento de interposição ou, no limite, nas alegações que apresenta.
2ª A inversa, porém, não é verdadeira: circunscrito o objecto do recurso no respectivo requerimento de interposição, não pode tal objecto ser alargado em sede de alegações.
3ª No caso presente, do requerimento de interposição do Recurso apresentado pelo Recorrente, resulta clara a sua intenção de recorrer, apenas e só, na parte com a qual expressamente não se conformou, qual seja a condenação referente aos Juros Indemnizatórios. Deste modo, o Recorrente circunscreveu a essa parte da condenação o objecto do presente recurso.
4ª Estando definido o objecto do presente Recurso, afigura-se claro à Recorrida que o mesmo não merece provimento. Aliás, é evidente mesmo através de uma leitura perfunctória da douta Sentença recorrida, que a mesma não merece qualquer censura, porquanto tendo o Tribunal Recorrido anulado os actos tributários objecto da Impugnação Judicial, com fundamento na sua — já incontestada — ilegalidade, não restam, pois, dúvidas que os juros indemnizatórios peticionados pela Recorrida são devidos.
5ª Com efeito, nos termos do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios sempre que, por decisão judicial ou decisão administrativa, se venha a apurar que foi pago tributo em montante superior àquele que seria (legalmente) devido, quando que o erro verificado se deva considerar imputável aos serviços.
6ª Como bem sustenta a Decisão recorrida, existe erro imputável aos Serviços não apenas quando dão origem a uma liquidação ilegal (de tributos), mas ainda quando, confrontados com essa mesma liquidação ilegal, não determinam a respectiva anulação, permitindo a sua manutenção na ordem jurídica e assim, violando um poder-dever legal que se impõe à Administração Pública.
7ª No caso em presença, sendo certo que os tributos foram autoliquidados pela Recorrida (seguindo, aliás, e por cautela, uma orientação expressa pelo Recorrente em acto inspectivo efectuado sobre esta mesma matéria), também é assente que aquelas autoliquidações foram submetidas à apreciação expressa do Recorrente, tendo aquele indeferido as Reclamações Graciosas apresentadas — não obstante a ilegalidade dos montantes autoliquidados, como se veio a comprovar.
8ª Deste modo é imputável aos serviços do Recorrente a ilegalidade das liquidações anuladas apenas em sede judicial, o que determina o pagamento de juros indemnizatórios a favor da Recorrida.
9ª Dito isto, não obstante ter circunscrito o objecto do presente Recurso à parte da Sentença em que o condenou ao pagamento de Juros Indemnizatórios, o Recorrente discorre ainda sobre a (no seu entender) incidência contributiva sobre os montantes pagos pela Recorrida ao abrigo dos Planos de Incentivos em causa nos autos de Impugnação Judicial. Por essa razão, e não querendo a Recorrida repetir tudo quanto sustentou e provou nos autos de Impugnação, não pode, em resposta, deixar de tecer breves considerações a este respeito — o que apenas faz por prudente dever de patrocínio.
10ª Intrínseco ao conceito de remuneração é a noção da obrigatoriedade no seu pagamento. Quanto aos prémios ou bónus, era (no Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro) e é (no Código Contributivo) clara a lei a esclarecer ainda que os mesmos só integram, o conceito de remuneração quando tenham carácter de regularidade.
11ª Regularidade, porém, não se confunde com periodicidade (como bem esclareceu o Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão citado na Sentença Recorrida); o facto de um prémio ser pago em mais do que um ano não significa que o seu pagamento seja regular. Por outro lado, o conceito de regularidade integra intrínseca e indissociavelmente uma legítima expectativa que, repetindo-se determinados pressupostos, repetir-se-á, também o pagamento do prémio.
12ª E tal como resulta dos factos provados nos autos de Impugnação, tal expectativa inexistia, porquanto, como também resulta provado na Douta decisão em crise, a Recorrida considerava no seu Plano de Incentivos vários critérios e pressupostos para considerar a possibilidade de efectuar o pagamento de quaisquer montantes, a saber: (i) os resultados do Grupo, que são conjunturais e dependentes de diversos factores; (ii) os resultados da Recorrida, também estes dependentes de diversos factores; e, final e cumulativamente com os demais (iii) o desempenho dos funcionários potencialmente elegíveis.
13ª Ao que acrescia uma decisão específica e puramente discricionária da Administração da Recorrente que, mesmo verificados todos os pressupostos acima referidos, podia decidir não pagar qualquer bónus num determinado ano. Pelo que o pagamento dos incentivos não era automático — e muito menos obrigatório —, estando sempre, sujeito a uma ponderação e decisão específica e discricionária da Administração da Recorrida. Assim, não existia qualquer expectativa tutelada por parte dos trabalhadores da Recorrida no recebimento de quaisquer montantes ao abrigo dos planos de incentivos em causa nos autos.
14ª Faltando àquelas prestações as características essenciais para que estivessem sujeitas a contribuições para a Segurança Social — não eram obrigatórios nem regulares, tendo um carácter eventual e de liberalidade por parte da Recorrente —, improcedeu assim tudo o alegado pelo Recorrente em 1ª Instância, como certamente improcederia neste Tribunal, fosse esta matéria objecto do presente Recurso.

I.3 – Parecer do Ministério Público
O Ministério Público veio emitir parecer com o seguinte conteúdo:
Inconformado, veio o Impugnado ISS, I.P. interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 28/09/2017, pela M.ma Juíza de Direito do Tribunal Tributário de Lisboa, recurso expressamente circunscrito ao segmento que o condenou no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data em que foi indeferida a reclamação graciosa, até à data em que vier a ser emitida a respetiva nota de crédito, nos termos do disposto no artigo 61.º; n.º 3, do CPPT (cfr. a sentença recorrida, constante de fls. 842 a 872 e, ainda, as alegações juntas de fls. 888 a 898 do processo em suporte físico, de ora em diante designado como p. f.)
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice e, obviamente, das respetivas conclusões, que fixam e delimitam o thema decidendum submetido ao escrutínio deste Colendo Supremo Tribunal, a ora Recorrente veio assacar à decisão judicial recorrida erros de julgamento que incidiram sobre a matéria de direito, mormente sobre o específico direito, reconhecido à Impugnante A…………., S.A., a perceber os juros indemnizatórios, com o que se mostraria violado o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT) (v. as Conclusões alegatórias, mormente, as enunciadas como 33.ª a 41.ª), insertas de fls. 893 verso a 898 verso do p. f.)
Vejamos, pois, se assiste razão ao ora Recorrente ISS, I.P., nestas suas alegações.
II. DO OBJECTO DO RECURSO
II.1 Ab. initio, o Ministério Público irá debruçar-se sobre a questão do objeto do presente recurso jurisdicional, questão que a Recorrida A……………, S.A. versou, expressa e detalhadamente, no âmbito das contra-alegações que apresentou (assim, cfr. fls. 900 a 903 e, ainda, as conclusões 1.ª a 3.ª constantes de fls.907 do p.f.)
Efetivamente, analisado o requerimento de interposição do presente recurso, constata-se que o Recorrente ISS, I.P. veio atacar a sentença recorrida “na parte em que condenou, nos termos e com os fundamentos nela constantes, o impugnado no pagamento de juros indemnizatórios à impugnante” (v. fls. 880 do p. f.)
Todavia, examinados o texto alegatório e, outrossim, as respetivas conclusões, verifica-se que, aparentemente, o Recorrente veio também insurgir-se contra a sentença recorrida, no que tange à julgada inverificação dos pressupostos de facto inerentes às autoliquidações e à consequente anulação do ato impugnado.
Ora, como bem enfatizou a Recorrida, o requerimento de interposição do recurso delimitou inexoravelmente o thema decidendum, atendendo a que a parte dispositiva da sentença recorrida contém duas decisões distintas e autónomas e o Recorrente foi perentório e assertivo em especificar que a sua inconformação com o decidido radicava, tão-somente, no segmento que a condenara “no pagamento dos juros indemnizatórios respetivos, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data em que vier a ser emitida a respetiva nota de crédito” (v. fls. 880 do p. f.)
Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 635.º do CPC, aqui aplicável ex vi artigos 2.º alínea e) e 281.º, ambos do CPPT, “Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre”.
A ser assim, à data em que apresentou a motivação do presente recurso, já transitara em julgado o segmento dispositivo enunciado sob a alínea a), que “anulou ato impugnado, com as legais consequências, em termos de restituição dos valores indevidamente pago? (v. fls. 872 do p. f.)
Destarte, imperativo se torna concluir que a única questão decidenda consiste em dilucidar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, na parte em que condenou o Impugnado ISS, I.P. no pagamento de juros indemnizatórios.
Nesta conformidade, mostrando-se agora definido e delimitado o objeto do presente recurso jurisdicional, o Ministério Público passará, de imediato, a emitir parecer sobre a temática da condenação do Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios.
II 2. Versando, pois, sobre a única questão decidenda, consubstanciada em apurar se a Impugnante/Recorrida A…………., S.A. detém o direito, a que se arrogou, à perceção dos juros indemnizatórios, o Ministério Público vem enfatizar que é abundante, pacífica e reiterada a jurisprudência que tem versado sobre a interpretação e aplicação do artigo 43º da LGT (Vide, por todos, os doutos arestos do STA, de 03/05/2018, no Processo n. 0250/17, de 10/05/2017, nos Processos n. 049/16 e 0170/14 e de 30/11/2004, no Processo n. 01052/04, todos disponíveis iv www.dgsi.pt/jsta.)
Assim, na esteira do entendimento consolidado neste Supremo Tribunal, assinala-se que o Ministério Público não divisa os alegados erros de julgamento no tratamento jurídico desta problemática, efetuado na sentença recorrida.
Com efeito, a decisão judicial em crise julgou a impugnação procedente, anulando o ato sindicado, por considerar que ocorreu erro nos pressupostos de facto em que assentaram as autoliquidações de contribuições à Segurança Social no âmbito de Planos de Incentivos, com referência aos anos de 2009/2010 e 2010/2011.
Como já foi assinalado supra, este segmento decisório transitou oportunamente em julgado, sendo, pois, insuscetível de ser revogado ou alterado por este Colendo STA.
A ser assim, a procedência da impugnação, por vício substancial, vício esse concernente à relação jurídica tributária, é per se elucidativa da ocorrência de erro nas autoliquidações em causa, subsumível ao disposto no artigo 43,Q da LGT, que regula o pagamento indevido da prestação tributária, designadamente, prevendo os casos em que são devidos juros indemnizatórios.
Ora, é inegável que, no âmbito dos presentes autos, se cura de autoliquidações efetuadas pela própria Impugnante, ora Recorrida e, nessa exata medida, o erro atinente a essas liquidações não pode ser imputável ao Recorrente.
Todavia, a partir do momento em que lhe foram fornecidos os elementos que lhe permitiam conhecer do erro quanto aos pressupostos de facto, de que enfermavam as autoliquidações em causa, não pode deixar de ser imputável ao Recorrente ISS, I.P. a persistência dessa situação de ilegalidade, que perdurou até à data da prolação da sentença recorrida.
Assim, conforme acentua, lapidarmente, JORGE LOPES DE SOUSA, (...) Nas situações em que a prática do ato que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte, e pagamentos por conta), bem como naqueles em que o ato é praticado pela Administração Tributária com base em informações eiradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto 6 a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos.” (in “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Atos Ilegais Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52).
Revertendo, de novo, ao caso em presença, tendo a impugnante apresentado reclamações graciosas, que foram indeferidas por despacho do Recorrente ISS, I.P, proferido em 12/07/2012, impõe-se a asserção de que, a partir dessa data, o erro das autoliquidações passou a ser imputável ao Recorrente, materializando a obrigação de indemnizar a Recorrida A……………….., S.A., nos termos e na medida do que dispõe o citado artigo 43.º da LGT.
Nesta conformidade, na perspetiva do Ministério Público, por se mostrarem inverificados os assacados erros de julgamento de direito, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, como decorrência, manter-se inteiramente a sentença recorrida
III. CONCLUSÃO
Nos termos e com os fundamentos acima sucintamente expostos, o Ministério Público emite o parecer de que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, deverá ser confirmada a sentença sob o escrutínio deste Venerando STA no específico segmento decisório ora em crise.

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 642 e seguintes do SITAF:
1) Foi instaurado junto dos serviços do ISS processo de averiguações n.º 200803035418, relativo à impugnante e aos anos compreendidos entre 2004 e 2008 (cfr. fls. 72).
2) No âmbito do procedimento mencionado em 1), após projeto de relatório e exercício do direito de audição, foi elaborado, a 15.12.2009, um relatório final, no qual se concluiu pela existência de contribuições em falta no valor total de 9.133.119,37 Eur., constando do mesmo designadamente o seguinte:





















4) A 31.05.2010, o conselho de administração da impugnante procedeu à análise e aprovação das gratificações a conceder aos seus colaboradores, de acordo com os critérios fixados no documento mencionado em 3), por terem sido atingidos os objetivos globais previstos (cfr. ata constante de fls. 315 a 319).
5) A impugnante procedeu à autoliquidação de contribuições para a Segurança Social, no valor de 1.894.442,82 Eur., relativas ao ano de 2010 e a valores pagos no âmbito do Plano de Incentivos, aprovado para o ano fiscal de 2009/2010, num total de 5.451.634,00 Eur. (cfr. documento junto a fls. 299 e 300, não controvertido).
6) O valor mencionado em 5) foi pago a 13.07.2010 (cfr. fls. 298).
7) Através de documento escrito, que deu entrada nos serviços do ISS a 17.11.2010, a impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação referida em 5) (cfr. documentos juntos de fls. 1 a 47, do processo administrativo – Vol. III).
8) A impugnante emitiu documento, designado de “Plano de Incentivos para o ano fiscal 2010/11”, do qual consta designadamente o seguinte:
















9) A 06.06.2011, o conselho de administração da impugnante procedeu à análise e aprovação das gratificações a conceder aos seus colaboradores, de acordo com os critérios fixados no documento mencionado em 8), por terem sido atingidos os objetivos globais previstos (cfr. ata constante de fls. 320 a 323).
10) A impugnante procedeu à autoliquidação de contribuições para a Segurança Social, no valor de 1.090.241,98 Eur., relativas ao ano de 2011 e a valores pagos no âmbito do Plano de Incentivos, aprovado para o ano fiscal de 2010/2011, num total de 3.137.387,00 Eur. (cfr. documento junto de fls. 302 a 304, não sendo posto em causa).
11) O valor mencionado em 10) foi pago a 18.07.2011 (cfr. fls. 301).
12) Através de documento escrito, que deu entrada nos serviços do ISS a 18.05.2012, a impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação referida em 10) (cfr. documentos juntos de fls. 1 a 53, do processo administrativo – Vol. I).
13) Na sequência do referido em 7) e 12), foram autuados os procedimentos de reclamação graciosa n.ºs 237/2012 e 306/2012 (cfr. fls. 88, do processo administrativo – vol. I).
14) No âmbito dos procedimentos mencionados em 13), foi proferido, a 12.07.2012, despacho de rejeição das reclamações referidas em 7) e 12) do qual consta designadamente o seguinte:













II.1 – De Direito
I. São duas as questões que importa decidir:
a) Qual o âmbito objectivo do presente recurso ?
b) As quantias constantes do Plano de incentivos em causa constam da base de incidência do regime de descontos para a Segurança Social ?
c) Se são devidos ou não juros indemnizatórios desde a data do indeferimento das reclamações graciosas até à emissão da nota de crédito relativa aos actos tributários anulados, nos casos em que o erro teve por base um ato de auto-liquidação?

II. Quanto à primeira questão, importa sublinhar que foi o próprio Recorrente/Impugnante a restringir o respetivo objecto ao segmento decisório da sentença recorrida relativo à questão da condenação da mesma no pagamento de juros indemnizatórios à impugnante.
Com efeito, analisado o requerimento de interposição do recurso, é por demais evidente que o recorrente ISS, I.P, veio insurgir-se unicamente contra tal pagamento de juros indemnizatórios, nos seguintes termos: “não se podendo conformar com a mesma na parte em que condenou… o impugnado no pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, vem interpor recurso…”.
Paradoxalmente, vem o mesmo Recorrente, em sede de alegações, alargar o objecto do mesmo a outros segmentos decisórios da sentença recorrida, designadamente, à questão crucial de saber se as gratificações traduzidas em prémios de desempenho pagas pela Impugnante aos seus trabalhadores constituem ou não em remunerações sujeitas a descontos para a Segurança Social – sendo esta a condição essencial de que depende a condenação (igualmente contestada) do Recorrente em juros indemnizatórios.
Ora, como bem sublinhou a Recorrida – seguida, a este respeito, de perto pelo douto Parecer do Ministério Público junto aos autos – a delimitação negativa do objecto do Recurso deu-se por força do requerimento em que declarou a intenção de recorrer (artigo 282.º, n.º 1 do CPPT, na versão em vigor à respectiva data), deferido pelo Exmo. Juiz do Tribunal a quo, nos termos do n.º 2 daquela versão do artigo 282.º do CPPT.
Foi sobre aquele recurso, nos termos precisamente requeridos quanto ao respectivo objecto, que o Exmo. Juiz do Tribunal a quo tomou posição sobre a questão da respectiva admissibilidade, com isto consolidando os termos em que veio admitido.
No silêncio do Recorrente, até podia entender-se que a mesma estava a impugnar a sentença recorrida em tudo o que, na parte dispositiva da sentença, lhe fosse desfavorável, logrando no momento das alegações e conclusões a respectiva restrição objectiva do recurso assim interposto (nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC – que é cristalino na mera admissão de restrição e, nunca, alargamento do recurso). Mas, não foi isso que sucedeu, como vimos.

III. Todavia, julgamos que será aceitável concluir, por via de interpretação do mencionado requerimento de interposição do recurso, que ao contestar os juros indemnizatórios em que foi condenado, o Recorrente tenha pretendido, implicitamente, ver discutido o pressuposto daquela mesma condenação – interpretação essa corroborada pelo teor das alegações e respectivas conclusões.
Admitimos assim, nestes termos muito excepcionais, apreciar a sentença recorrida integralmente, em função dos termos vertidos nas respectivas conclusões, e não restritos ao segmento decisório dos juros indemnizatórios.

IV. Importa, agora, passar à análise da segunda questão, impondo-se apurar se os quantitativos aqui em causa pagos aos trabalhadores – designados, ora por “prémios de desempenho”, ora por “incentivos”, ora por “gratificações” – integram ou não a base de incidência para efeitos de realização de descontos para a Segurança Social.
Comecemos por recordar que, nos termos do diploma que fixava tal incidência à data dos factos – o Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, na versão então em vigor – entendia-se como base de incidência da Taxa Social Única as remunerações – cfr. artigo 1.º do mencionado diploma – cujos termos se definiam, no subsequente artigo 2.º daquele Decreto Regulamentar, em termos gerais como “as prestações a que, nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito pela prestação de trabalho e pela cessação do contrato, designadamente:

d) os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de economia e outros de natureza análoga, que tenham carácter de regularidade”.
Esta regulação é autónoma e auto-suficiente, não sendo dependente de remissão ou densificação obrigatória para a legislação juslaboral, que prossegue, em princípio, um desiderato próprio e nem sempre sobreponível com aquele visado pelo Direito Tributário.

V. Estão, assim, claramente fixados os termos de que, à data dos factos, dependia a incidência em sede de descontos para a Segurança Social, quando nos encontrássemos diante prémios de rendimento ou produtividade, apenas sendo os mesmos tributados se:
i) forem devidos por força do contrato de trabalho ou lei,
ii) forem regulares.

VI. A primeira condição – as prestações serem devidas por força do contrato ou por lei - está directamente ligada à constituição de um direito ou, ao menos, uma expectativa juridicamente tutelada e encontra-se largamente sufragada na jurisprudência dos tribunais superiores da Jurisdição Fiscal.
É o que se extrai do acórdão proferido no Processo n.º 0646/06, de 10 de Janeiro de 2007, por este Supremo Tribunal: “As gratificações extraordinárias pagas aos trabalhadores, não sendo devidas por força do contrato de trabalho ou das normas que o regem e não tendo natureza análoga às comissões e bónus nem consubstanciando participação nos lucros, não constituem remunerações sujeitas a descontos para a Segurança Social.”; ou do acórdão proferido no Processo n.º 079/09, de 9 de Dezembro de 2009, também deste Supremo Tribunal: “I - Nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 300/89, de 4 de Setembro e da alínea d) do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, integram a base de incidência objectiva de contribuições para a Segurança Social as importâncias efectivamente pagas a jogadores profissionais e treinadores de futebol a título de "prémios de classificação, de permanência e de jogo", previstos nos respectivos contratos como podendo ser pagos, se e quando forem efectivamente pagos” (sublinhados nossos) – acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt.
Ora, vertendo o exposto aos factos provados nos autos, logo se evidencia que a exigibilidade de tais prestações nunca teria fonte jurídica nos contratos de trabalho dos trabalhadores nem nas previsões legais laborais aplicáveis. Ao invés, toda a fundamentação de tais valores assenta em documentos sob a forma de prospectos designados “Planos de Incentivos”, nos termos dos quais se encontram fixados os termos meramente indicativos de tais pagamentos.
E aí se evidencia, em termos especialmente vítreos, que “A elegibilidade para participar neste Plano não constitui um direito dos trabalhadores.” ou que “A participação neste Plano num determinado ano não concede aos colaboradores abrangidos qualquer direito de exigir participação nos anos subsequentes.” – em suma, não há quaisquer indícios de formação de um direito subjectivo àquele valor e até a existência de meras expectativas de base jurídica será sempre muito discutível.

VII. A segunda condição de que dependia, à luz da anterior legislação, a tributação dos quantitativos aqui em causa passava pela demonstração da respectiva regularidade.
Também a este respeito, já se fixou uma razoável conformidade jurisprudencial no sentido de entender este requisito como equivalendo a, na falta de melhor expressão, previsibilidade ou não arbitrariedade.
Nesta leitura, as prestações seriam sujeitas a tributação em Segurança Social quando não fossem imprevisíveis ou arbitrárias, mas antes sujeitas a um evento verificável. Para haver tributação, teria assim de ocorrer um (ou mais) condicionalismos certus an, ainda e mesmo que incertos na formação do quantum concreto e respectivo da prestação a pagar. Mas já nunca ocorrerá a formação de um facto tributário em sede de Segurança Social quando o pagamento de tais remunerações for feito depender de condições que são meramente eventuais ou arbitrárias, portanto feitas depender de um condicionalismo incertus an.
É o que se extrai, por exemplo, do acórdão proferido no Processo n.º 1038/10, de 29 de Novembro de 2013 [inédito], que vem amplamente citado na sentença recorrida: “A regularidade das prestações tem a ver com outra característica das prestações já acima referida: a de que são atribuídas em regra (são ordinárias) e com regras (não arbitrárias).
Quer dizer, a atribuição de tais valores não pode estar, designadamente, sujeita a eventos dependentes, em ultima análise, da vontade do empregador ou de circunstancialismo aleatório; e é assim, porque só em tais circunstâncias se pode falar da formação de “uma expectativa do seu recebimento no ano seguinte e com a repetição dos respectivos pressupostos” (cfr. acórdão proferido no Processo n.º 1038/10, de 29 de Novembro de 2013).
Mais vem esclarecendo aquela jurisprudência que tais prestações não deixam de ser regulares pelo facto de serem variáveis no seu quantitativo, continuando ainda a integrar aquela base de incidência tributária por serem previsíveis quanto à sua verificação. É o caso típico das remunerações variáveis, parcelas remuneratórias contratualmente estabelecidas, e indexadas à verificação de certos objectivos de facturação ou lucro – neste sentido, vd. o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo n.º 00254/11, de 23 de Janeiro de 2020: “3. Constituem remunerações, sujeitas a contribuições para a segurança social, os prémios de produtividade que tenham carácter de regularidade. 4. Deve considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de actividade do ano. A regularidade das prestações que constituem a retribuição exprime o seu carácter não arbitrário, sugerindo que seguem uma regra permanente, que se caracterizam pela sua constância. … Com efeito, ainda que as prestações que configuram prémio de produtividade tenham valores distintos, tal facto, de per se, não afasta o carácter regular do prémio, pois o carácter regular previsto da lei reporta-se às prestações que constituam prémios de produtividade, e não aos montantes destas prestações.”, ou o acórdão proferido no Processo n.º 1872/08, de 8 de Março de 2018: “I. Consideram-se remunerações sujeitas a contribuições para a segurança social, para efeitos do Decreto Regulamentar 12/83 de 12 de Fevereiro, os prémios de produtividade que tenham carácter de regularidade;
II. O carácter de regularidade do prémio de produtividade deverá ser aferido casuisticamente, atendendo às circunstâncias do caso concreto;
III. Uma prestação terá carácter regular quando assume a mesma natureza e se repete num intervalo de tempo (contínuo ou periódico) podendo esses montantes ser constantes ou variáveis;
IV. Assumem carácter regular para os efeitos do Decreto Regulamentar 12/83 de 12 de Fevereiro, os prémios de produtividade com as características dos autos, designadamente, que são contratualizados aquando da admissão do trabalhador com a designação de “remuneração variável anual”, cujos valores são actualizados anualmente, e que são pagos durante vários anos, e em regra, em determinados meses do ano, podendo abranger em alguns casos os 12 meses do ano, sendo pagos por adiantamento. … Os serviços de inspecção fundaram a sua conclusão nos seguintes indícios apurados quanto aos prémios de produtividade:
_ são contratualizados aquando da admissão do trabalhador com a designação de “remuneração variável anual”” – disponível em www.dgsi.pt.

VIII. Ora, também a respeito do requisito da regularidade, os factos consolidados nos presentes autos são claros, não sendo possível vislumbrar a exigida regularidade nos pagamentos aqui em causa.
A este respeito, a decisão recorrida foi absolutamente cabal, ao sublinhar que “Dos mencionados documentos, salienta-se o seguinte:
a) A elegibilidade para participar no plano de incentivos era determinada em cada ano pela administração da impugnante;
b) O pagamento do incentivo estava dependente dos resultados do grupo e/ou da impugnante e/ou do trabalhador;
c) O plano podia ser alterado ou cancelado em qualquer altura;
d) O montante era determinado com base nos resultados do grupo e/ou da impugnante, bem como no desempenho do trabalhador.
Decorre pois destes documentos e surge confirmado pelas decisões do conselho de administração da impugnante, que determinaram a aprovação dos valores, com base no cumprimento dos objetivos previstos, que o pagamento de quaisquer valores a título de incentivo dependia sempre não só da performance individual do trabalhador, mas também dos resultados da impugnante ou do seu grupo e da própria decisão da impugnante.
Ora, estas caraterísticas, pelos motivos já referidos supra, afasta estes pagamentos do conceito de remuneração, designadamente quanto à obrigatoriedade e ao carácter de regularidade (que, como já se deixou referido, não se confunde com a periodicidade, não sendo caraterística decisiva o prémio ser pago em mais do que um ano, sendo certo que no caso concreto eram planos de incentivos distintos, cada um deles objecto de decisão distinta por parte do conselho de administração da impugnante). Bastaria que os resultados da impugnante não atingissem determinado objetivo ou que simplesmente a impugnante decidisse cancelar o plano para não haver pagamento. Atentas estas caraterísticas, não se pode afirmar que haja uma expetativa de recebimento dos valores por parte dos trabalhadores, dada a dependência de fatores externos que lhes são alheios.
Ora, para nos valermos das palavras de um autor citado nas alegações do próprio Recorrente: “Apesar de as prestações relacionadas com o desempenho ou mérito profissionais do trabalhador não se considerarem retribuição (artigo 261. º, n.º 1 alínea b) do CT) poderá a solução ser diversa no caso de estes pagamentos se encontrarem antecipadamente garantidos. …Estarem antecipadamente garantidas significa que estas prestações são devidas desde que se verifiquem os respectivos pressupostos, não dependendo de uma apreciação discricionária do empregador.” - PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Almedina, 2008, pág. 579.
Ora, não pode haver maior discricionariedade (ou arbitrariedade, diríamos nós) do que um documento que – além de declarar que o pagamento dos valores em causa “devido ao seu carácter de não regularidade… integra-se no conceito de gratificação” – condiciona toda e qualquer expectativa do seu pagamento a considerações de mera oportunidade por parte da entidade empregadora ou, mais enfaticamente ainda, do grupo empresarial mundial em que ela se insere: “Este Plano pode ser alterado ou cancelado em qualquer altura, no todo ou parcialmente, por decisão da Administração da A………...” e que “Os Targets acima referidos [de que são feitos depender quaisquer pagamentos] poderão, por razões excepcionais e justificáveis, ser ajustados no decorrer do ano fiscal mediante acordo entre a A……… e o Grupo A………..

IX. Pode, por todo o supra exposto, concluir-se que a sentença recorrida interpretou correctamente a lei aplicável e subsumiu devida e rigorosamente os factos provados à mesma, nada se lhe podendo aqui apontar.

X. A respeito da resposta á questão de saber da exigibilidade de juros indemnizatórios, parece sustentar o Recorrente que os atos de auto-liquidação são da exclusiva responsabilidade de quem os pratica, pelo que, por definição (e salvo posição expressa em contrário pela AT ou da SS), nunca seriam devidos aos contribuintes direito a tais juros, por pressuporem erros imputáveis aos serviços daquelas instituições (por natureza, inverificáveis) – cfr. conclusões n.ºs 35.º a 38.º.
É, particularmente, elucidativa deste raciocínio a conclusão 36.º, onde explana os termos em que decorrem tais atos: “Nestas situações, poderá suceder que o contribuinte “que efectuou as operações referidas, constate mais tarde que não as efetuou convenientemente, seja porque omitiu determinados proveitos ou custos, seja porque avaliou mal a situação de facto em que estava integrado ou até porque, pura e simplesmente, fez mal as contas” (Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra Editora, 2ª Edição,pág.190).

XI. Tal posição é, salvo o devido respeito, inaceitável.
O Direito Fiscal e Contributivo contemporâneos (ao menos, no último meio século) estribam-se, quanto aos principais tributos do sistema e em larga medida, em mecanismos de auto-liquidação e de substituição tributária, naquilo que alguns autores designam até por administração privada do Direito Tributário: os contribuintes são envolvidos, eles próprios, no processo de determinação e cobrança dos impostos, cabendo à AT e à SS o papel de meros controladores a posteriori da regularidade daqueles atos.
Perante isto, a aceitação dos argumentos avançados pelo Recorrente equivaleria à simples negação tout court de toda e qualquer tutela indemnizatória nos casos de arrecadação dos tributos por recurso àqueles mecanismos tão generalizadamente utilizados, por evidente falta de escopo aplicativo; tal não se pode, evidentemente, aceitar.

XII. Comecemos por recordar que a função desempenhada por aqueles juros é, como o próprio nome já sugere, indemnizatória, restaurando o contribuinte na posição em que se situaria acaso não tivesse corrido o ato lesivo ilegal.
Nas precisas palavras do Acórdão deste Supremo Tribunal proferido no Processo n.º 01650/10.2BEPRT, de 3 de Junho de 2020: “O pagamento de juros indemnizatórios mais não é do que o pagamento de uma indemnização em função de um prejuízo ilegalmente causado a terceiro fora de qualquer relacionamento contratual, ou seja, o pagamento de juros indemnizatórios traduz-se na efectivação da responsabilidade civil extracontratual.” (disponível em www.dgsi.pt)
Ora, sendo esta a sua função, mal se compreenderia que a lei, por um lado, investisse os contribuintes, directamente ou por substituição, em posições de arrecadação do próprio imposto e que lhes podem ser desfavoráveis e, por outro lado, excluísse de qualquer responsabilidade indemnizatória as entidades credoras responsáveis pelo controlo da legalidade e regularidade de tal arrecadação.
Como se esclarece no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no processo n.º 0843/14, de 25 de Janeiro de 2015, a propósito da natureza da auto-liquidação: “Tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária.” (disponível em www.dgsi.pt)
E do vertido no artigo 43.º, n.º 1 da LGT é possível concluir no sentido da tutela ampla deste direito à indemnização por parte dos contribuintes, quando ali se estabelece que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

XIII. É certo que o n.º 2 de tal artigo 43.º da LGT não é particularmente feliz, parecendo restringir, numa leitura superficial, o pagamento de tais juros aos casos em que a auto-liquidação foi efetuada a partir de orientações genéricas da AT; mas uma leitura mais atenta permite concluir em sentido contrário, identificando a imputação do ilícito com a recusa (por indeferimento, expresso ou tácito, de reclamação do contribuinte) da AT em reconhecer a ilegalidade em que se fundou a auto-liquidação.
A este respeito, as palavras de JORGE LOPES DE SOUSA, já citadas na sentença recorrida, são especialmente incisivas: “Nas situações em que a prática do ato que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte, e pagamentos por conta), bem como naqueles em que o ato é praticado pela Administração Tributária com base em informações eiradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos.” – JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Atos Ilegais, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52.
À mesma conclusão vêm chegando os vários arestos deste Supremo Tribunal que se têm pronunciado a este respeito – cfr., entre outros, os Acórdãos proferidos no processo n.º 0890/16, de 18 de Janeiro de 2017 (“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte.”), no processo n.º 0250/17, de 3 de maio de 2017 (“Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde (passando a constitui um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].”), no processo n.º 0890/16, de 18 de Janeiro de 2017 (“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”), no processo 0601/09, de 28 de Outubro de 2009 (“Deduzida reclamação graciosa contra indevida retenção na fonte, em sede de IRS, por quantias recebidas em resultado de assunção de obrigações de não concorrência, e indeferida também a reclamação, são devidos juros indemnizatórios a partir do indeferimento da reclamação que, assim, constituiu erro de direito imputável aos serviços - cfr. artigos 24º do CPT e 43º e 100º da LGT”), ou no processo n.º 01052/04, de 30 de Novembro de 2004 (“São devidos juros indemnizatórios ao contribuinte que reclamou graciosamente da liquidação e viu atendida essa reclamação, se na liquidação houve erro imputável aos serviços do qual resultou o pagamento de imposto em montante superior ao devido.”) – disponíveis em www.dgsi.pt.

XIV. Assim, conclui-se que, tendo a impugnante apresentado reclamações graciosas, que foram indeferidas por despacho do Recorrente ISS, I.P, proferido em 12/07/2012, o erro das autoliquidações passou a ser imputável à Recorrente a partir de tal data, justificando o dever de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito – cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal proferido no Processo n.º 0462/14, de 19 de Setembro de 2018 (disponível em www.dgsi.pt). Tudo, tal e qual decidido na sentença recorrida.

XV. Não existe, portanto, qualquer erro de julgamento imputável à sentença recorrida.


III. CONCLUSÕES
I – As conclusões das alegações podem ser interpretadas como densificando os termos do requerimento de interposição do recurso, para efeitos da fixação do respectivo objeto.
II – À luz do regime anterior, a tributação em Segurança Social dos prémios de rendimento ou produtividade é feita depender de, simultaneamente, serem: i) devidos por força do contrato de trabalho ou lei e ii) regulares.
III - São devidos juros indemnizatórios em situações de auto-liquidação e retenção na fonte quando ocorra eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte em reclamação graciosa, passando o erro a ser, deste modo, imputável à AT.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.