Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01233/13
Data do Acordão:01/29/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
PRINCIPIO DA TUTELA DA CONFIANÇA
CONVOLAÇÃO
PRESSUPOSTOS
PRINCÍPIO PRO FAVORITATE INSTANCIAE
ERRO NO MEIO PROCESSUAL
Sumário:I – O princípio pro actione é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.”
II – No âmbito de um acção administrativa especial de valor superior, tendo sido expressamente invocado pelo Mmº Juiz “a quo”, os poderes que lhe são conferidos pelo art. 27º, nº1, alínea i), do CPTA, incluindo a faculdade de dispensa de vistos, nos termos do disposto no art. 92º, nº 1, do CPTA, o ora recorrido não podia ignorar que, o nº 2 do art.27º do CPTA impõe que dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência e não recurso para o TCA.
III – Atentas as circunstâncias do caso, não se pode dizer que tenha havido qualquer circunstancialismo, quer relativo às normas jurídicas aplicáveis, quer ao desenrolar do processo, incluindo a actuação do Mmº Juiz, que seja susceptível de gerar dúvida relevante, ou afectar de tal modo a posição processual do interessado, em termos de justificar que a apresentação da petição de reclamação para a conferência em vez de recurso jurisdicional para o TAC não era exigível a um cidadão normalmente diligente.
IV – Assim sendo, não se vislumbram razões que, num juízo de ponderação dos interesses em presença, justifique qualquer interpretação das regras sobre a convolação, em especial, as relativas à tempestividade, em conformidade com o princípio da tutela judicial efectiva e do princípio pro actione.
Nº Convencional:JSTA00068575
Nº do Documento:SA12014012901233
Data de Entrada:11/04/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:INST DE SEGURANÇA SOCIAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCA NORTE
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPTA02 ART29 N1 ART7.
CPC13 ART130 N1.
CPTA02 ART27 N1 I N2 ART92 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0420/12 DE 2012/06/05.; AC STA PROC01064/13 DE 2013/10/10.; AC STA PROC01360/13 DE 2013/12/05.; AC STA PROC0787/06 DE 2007/02/28.; AC STA PROC045390 DE 2000/11/09.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I - RELATÓRIO

1. O Instituto da Segurança Social IP, identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional no TCA Norte, da sentença do TAF do Porto que julgou procedente a acção administrativa especial intentada por A…………………. e o condenou a promover a equiparação da então recorrida, para efeitos remuneratórios, a director de unidade, desde a data de produção de efeitos da Deliberação nº 142/2010, ou seja, desde 03/01/2010, bem como a proceder ao pagamento das diferenças salariais, anulando-se a referida deliberação, na parte em que se refere à equiparação para efeitos remuneratórios da recorrida ao nível 32, bem como o acto de indeferimento de 25/05/2010 e de indeferimento tácito referente ao recurso hierárquico apresentado.

2. O TCA Norte, por Acórdão de 7/3/2013, foi decidido, em conformidade com o Acórdão do STA uniformizador de jurisprudência nº 420/12, de 5/6/2012, “não tomar conhecimento do recurso jurisdicional e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância a fim de o objecto do mesmo ser apreciado, a título de “reclamação”, pelo colectivo de juízes a quem competiria proceder ao julgamento da matéria de facto e de direito, nesta acção administrativa especial.”

3. A…………………., não se conformando com o conteúdo deste acórdão, veio dele interpor recurso de revista para este STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:
“A - Atento o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA de 05/06/2012 e como bem decide o acórdão em crise, não pode ser apreciado o recurso jurisdicional intentado pelo aqui Recorrido ISS, IP, pelo facto de o meio próprio de reagir quanto à sentença proferida pelo juiz relator ao abrigo do artigo 27°, n°. 1 alínea i) do CPTA ser a reclamação para a conferência e não o recurso.
B - Não obstante o princípio antiformalista previsto no artigo 7° do CPTA, no caso em concreto, não é admissível a convolação do recurso em reclamação por intempestividade.
C - A convolação do recurso em reclamação só é possível se respeitado o prazo de 10 dias estabelecido no artigo 29°, nº. 1 do CPTA.
D - Só é viável a convolação quando o direito à dedução do meio competente não tiver caducado, sob pena de se estar a defraudar a lei que estabelece prazos para o exercício dos direitos e sob pena de se estarem a praticar actos inúteis, não permitidos em geral, nos termos do disposto no artigo 137°. do CPC.
E - No caso dos autos, o aqui Recorrido intentou o recurso em data em que havia muito já estava esgotado o prazo peremptório de 10 dias estabelecido no artigo 29°, n°. 1 do CPTA para a instauração de reclamação.
F - Pelo que atenta a manifesta intempestividade da reclamação para a conferência, não é admissível a convolação do recurso para aquele meio (reclamação).
G - O acórdão recorrido viola a lei processual, designadamente o disposto nos artigos 29°, nº. 1 do CPTA, 145°, n°. 3 e 137° do CPC, fazendo uma errada interpretação e aplicação do artigo 7° do CPTA.
Termos em que revogando o acórdão recorrido na parte em que convolou o recurso em reclamação pelo Colectivo de Juízes e ordenou a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância para esse fim, V. Exas. farão JUSTIÇA”.

4. Não foram apresentadas contra-alegações.

5. O recurso foi admitido pelo Acórdão de fls. 333 e segs., onde se conclui:
“(…) No caso em apreço, ponderou o TCA Norte, nomeadamente:
“Atentos, porém, ao doutamente decidido no Ac. do STA de 5.06.2012, rec. 0420/12 para uniformização de jurisprudência e sabendo que o despacho que admite o recurso jurisdicional não vincula o tribunal superior, constata o Colectivo de Desembargadores incumbido de decidir este recurso jurisdicional que a sentença recorrida foi proferida por juiz singular no âmbito de uma acção administrativa especial cujo valor da acção é de 36.000,00 € (cfr. fls. 17), urge, assim, resolver a questão prévia colocada no citado douto Acórdão do STA.
[…] Chamado a pronunciar-se sobre a questão de saber se, no caso de a decisão ter sido tomada pelo juiz relator ao abrigo do artigo 27°, n° 1 alínea i), haverá lugar a «reclamação para a conferência», por força do seu n° 2, ou a «recurso jurisdicional», nos termos gerais do artigo 142° do CPTA, o «Pleno da Secção de Contencioso Administrativo» do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão tirado em «recurso para uniformização de jurisprudência», datado de 05.06.2012 (R° 0420/12), fixou jurisprudência no sentido de que «Das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27°, n° 1 alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n° 2, não recurso».
Deverá ser interpretada e aplicada a lei, da forma fixada pelo acórdão uniformizador do STA, sem prejuízo das partes, e de modo consentâneo com o princípio antiformalista, pro actione ou in dubio pro habilitate instantiae (artigo 7° do CPTA), o que exigirá, no caso, que o «recurso jurisdicional» interposto para este tribunal seja tido como «reclamação para a conferência», para a competente formação de três juízes, à qual competirá abordar e decidir, em sede de reclamação, o objecto vertido nas actuais alegações de recursos jurisdicionais, constituído pelos erros de julgamento apontados à sentença do Juiz Relator.
[…]”.
“(…) O acórdão recorrido invocou, como se viu, a doutrina do acórdão n.º 3/2012 do Supremo Tribunal Administrativo, publicado no Diário da República de 19/9/2012, para também ele julgar que da decisão do juiz relator do TAF do Porto, com expressa invocação do art. 27º, n.º 1, alínea i), do CPTA (e no caso, também, com expressa indicação de dispensa de vistos, no quadro do art. 92.º, 1, do CPTA) cabia reclamação para a conferência, não recurso.
Esse segmento do julgado não mereceu qualquer impugnação.
O que a ora recorrente vem impugnar, e para isso, pretende a admissão de revista, é o segmento do mesmo acórdão que determina a convolação do recurso em reclamação.
Segundo a recorrente, não é admissível a convolação, por na data em que o recurso foi interposto já ter decorrido o prazo peremptório para a instauração de reclamação.
Os termos do acórdão recorrido parecem significar, tal como interpretou a recorrente, decisão definitiva de convolação; e não mera determinação para que o TAF aprecie o requerimento de recurso como reclamação para a conferência, reunidos que estejam os seus pressupostos, designadamente de tempestividade.
O problema colocado pela recorrente, a necessidade de limitar o relevo do princípio da promoção do acesso à justiça (art. 7.º do CPTA), invocado pelo acórdão recorrido, nos casos de ter já decorrido o prazo para a apresentação de reclamação, é susceptível de colocar-se em múltiplos processos.
Há todo o interesse na intervenção deste Supremo, de modo que a sua pronúncia possa servir de referente para as instâncias neste tipo de situações, assim se contribuindo para a melhor aplicação do direito.”

6. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTOS

1. DE DIREITO

1.1. O artº 40º, nº 3, do ETAF, estabelece que “Nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.
Por sua vez, sob a epígrafe “Poderes do relator”, o artº 27°, nº. 1, alínea i), do CPTA, dispõe que compete ao relator, além do mais, “Proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada”.
O n°2 do mesmo preceito estabelece que “Dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com excepção dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos desse tribunal”.
No Acórdão recorrido foi decidido não tomar conhecimento do recurso jurisdicional interposto pelo recorrido Instituto de Segurança Social, IP., da decisão proferida pelo TAF do Porto, por a sentença recorrida, que julgou procedente a acção administrativa especial contra o mesmo intentada, sido proferida pelo juiz relator, ao abrigo do disposto no artº 27º, nº 1, alínea i), do CPTA,
O Acórdão recorrido entendeu que tendo a sentença recorrida sido proferida por juiz singular, no âmbito de uma acção administrativa especial de valor superior à alçada, caberia, previamente ao recurso, reclamação para a respectiva conferência, ou seja, para a respectiva formação de três juízes (art.40º, nº 3, do ETAF).
Para tanto, o Acórdão recorrido tomou por base o decidido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, em recurso para uniformização de jurisprudência, de 5/6/2012, proc nº 420/12, que, chamado a pronunciar-se sobre a questão de saber se, no caso de a decisão ter sido tomada pelo juiz relator ao abrigo do artigo 27°, n°1 alínea i), haverá lugar a «reclamação para a conferência», por força do seu n°2, ou a «recurso jurisdicional», nos termos gerais do artigo 142° do CPTA, fixou jurisprudência no sentido de que «Das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27°, n°1 alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n°2, não recurso».
Sobre a aplicação do art. 27º, nº 2, do CPTA, mesmo que o juiz não tenha invocado o disposto no art. 27º, 1, i), debruçou-se o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 10/10/2013, proferido no proc nº 1064/13, tendo-se concluído que “o art. 27º, 2, é aplicável quer o relator tenha, ou não, invocado os poderes a que alude o art. 27º, 1, i) do CPTA, sendo certo que o regime jurídico aplicado não sofre de qualquer inconstitucionalidade (máxime a violação do direito ao recurso) (…)”.
Para tanto, ponderou-se, entre o mais, que a “razão que justifica a reclamação para a conferência, no caso do juiz dispensar a intervenção da formação de três juízes, é a mesma que justifica essa reclamação se não houver essa dispensa: sendo a competência originária da formação cabe-lhe a si a decisão final. A justificação da atribuição da competência a três juízes (maior ponderação e objectividade do julgamento) também é mesma, quer o juiz diga que vai dispensar a conferência, quer a dispense sem dizer nada. Aliás, é desnecessária a proclamação expressa do juiz dizendo que vai decidir sozinho, nos casos em que efectivamente o faz.
“Por outro lado, tal como se decidiu no acórdão para fixação de jurisprudência (de 5-6-2012, proc. 0420/12) é irrelevante a distinção entre despachos e sentenças, tal como é “(…) irrelevante que em ambos os casos se lhe possa ter chamado “sentença” pois aquilo que foi emitido foi sempre e só a “decisão” a que alude a referida alínea i), alínea que foi invocada, desde o início, como fundamento para decidir por juiz singular aquilo que estava previsto na lei, como regra geral (art. 40º, n.º 3, do ETAF), para ser adoptado por tribunal colectivo. É, pois, a invocação desse preceito que captura definitivamente a regra contida no n.º 2. Das decisões proferidas por juiz singular que, nos termos da lei, devam ser apreciadas por tribunal colectivo, há sempre, e apenas, reclamação para a conferência. Nunca recurso. Acresce, ainda, que não é o nome dado aos actos pelos participantes processuais que altera a sua essência. Cada acto processual ou instituto jurídico é o que é em consequência do modo como a lei os caracteriza, das suas qualidades próprias, e não por virtude do nome que lhes atribuímos. Se assim não fosse, e seguindo a perspectiva da recorrente, qualquer despacho de um relator deixaria de o ser se lhe chamasse sentença, ficando sujeito a recurso jurisdicional e não à reclamação para a conferência que o legislador desenhou para essa situação.”
“Finalmente, a exigência de reclamação para a formação de três juízes não viola o direito ao recurso, como se decidiu no citado acórdão para fixação de jurisprudência (de 5-6-2012, proc. 0420/12): “(…) E, como é óbvio, esta posição não viola qualquer preceito constitucional, designadamente os invocados pela recorrente, pois a reclamação para a conferência é uma forma como outra qualquer de reagir contra decisões desfavoráveis que não limita – antes acrescenta – as formas de reacção. (…)”.
A jurisprudência mencionada no Acórdão recorrido foi confirmada pelo Acórdão do STA de 5/12/2013, proc nº 1360, emitido nos termos e para os efeitos do disposto no art. 148º do CPTA.
Note-se, porém, que, no caso dos autos, o Acórdão recorrido não se limitou a concluir pela necessidade de reclamação para a conferência, nos termos das disposições conjugadas constantes dos arts. 27º, nº 1, alínea i), e nº 2, do CPTA, tendo acrescentado ainda o seguinte:
“(…) Deverá ser interpretada e aplicada a lei, da forma fixada pelo acórdão uniformizador do STA, sem prejuízo das partes, e de modo consentâneo com o princípio antiformalista, pro actione ou in dubio pro habilitate instantiae (artigo 7° do CPTA), o que exigirá, no caso, que o «recurso jurisdicional» interposto para este tribunal seja tido como «reclamação para a conferência», para a competente formação de três juízes, à qual competirá abordar e decidir, em sede de reclamação, o objecto vertido nas actuais alegações de recursos jurisdicionais, constituído pelos erros de julgamento apontados à sentença do Juiz Relator.
Nestes termos, e com fundamento no aresto de uniformização de jurisprudência supra citado, acordam em não tomar conhecimento do recurso jurisdicional, e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância a fim de o objecto do mesmo ser apreciado, a título de «reclamação», pelo Colectivo de Juízes a quem competiria proceder ao julgamento da matéria de facto e de direito nesta acção administrativa especial.”
É precisamente deste segmento decisório que vem a presente revista, alegando a recorrente, entre o mais, que é manifesta a intempestividade da reclamação para a conferência, porquanto “(…) Só é viável a convolação quando o direito à dedução do meio competente não tiver caducado, sob pena de se estar a defraudar a lei que estabelece prazos para o exercício dos direitos e sob pena de se estarem a praticar actos inúteis, não permitidos em geral, nos termos do disposto no artigo 137°. Do CPC.”, sendo que, no caso dos autos, o Recorrido intentou o recurso em data em que havia muito já estava esgotado o prazo peremptório de 10 dias estabelecido no artigo 29º, nº. 1 do CPTA para a instauração de reclamação (pontos D a F das Conclusões).
Assim sendo, a questão a decidir reconduz-se apenas ao problema de saber se o Acórdão recorrido incorreu ou não em erro quando ordenou a convolação do recurso jurisdicional interposto para o TCA em reclamação para a conferência, em homenagem ao princípio da promoção do acesso à justiça.
Vejamos.
1.1.1. Constitui jurisprudência reiterada deste STA que a convolação está dependente da verificação de dois pressupostos, a saber: i) Que a petição tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual; ii) Que o pedido formulado seja compaginável com a forma de processo adequado.
Por outro lado, justificando-se a convolação por razões de economia processual, a mesma não deve ser admitida quando se verifique a falta de tempestividade do meio processual objecto de convolação. Neste sentido, ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28/2/2007, proc nº 787/06, “não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei (artigo 137º CPC), a convolação da oposição em impugnação judicial se a petição é intempestiva para o efeito, pois logo haveria lugar a indeferimento liminar por extemporaneidade”(No mesmo sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos do STA (secção do contencioso tributário) de: 8/3/2006, proc nº 124/9/05; e 11/4/2007, proc nº 172/07; e, da Secção do Contencioso Administrativo, cfr. o Acórdão de 27/11/2013, proc nº 1421/12.).
Aplicando a jurisprudência mencionada ao caso dos autos, assiste razão à recorrente quando alega que tendo o recorrido interposto recurso jurisdicional para o TAC Norte já depois de passado o prazo de 10 dias estabelecido no art. 29º, nº1, do CPTA para reclamação para conferência, não pode haver lugar à convolação, por falta de tempestividade.
A questão dos autos está precisamente em saber se este prazo deve ceder no caso em apreço por força do princípio pro actione ou in dubio pro habilitate instantiae consagrado no art. 7º do CPTA.
O mencionado preceito, sob a epígrafe “Promoção do acesso à justiça” dispõe que para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
Para J. CARLOS VIEIRA DE ANDRADE “[t]rata-se de um corolário normativo ou de uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo” (cfr. Justiça Administrativa, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, p. 436).
Também para MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS CADILHA “(…) o princípio pro actione, que decorre do disposto no art. 7º (…) impõe que, em situações duvidosas, a interpretação das normas seja efectuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito” (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 393 e, em especial sobre o referido princípio, pp. 63/64).
Na verdade, um dos princípios nucleares da reforma de 2002/2004 foi a consagração do princípio da tutela judicial efectiva, que tem expressão em várias soluções com vista a evitar “até ao limite do suportável, decisões formais injustificadas”, pondo desta forma cobro a deficiências normativas já diagnosticadas. A título de exemplo o Autor aponta as normas que admitem a impugnação fora do prazo normal (art. 58º, nº 4, do CPTA) e a admissibilidade de recurso jurisdicional contra decisões formais, independentemente do valor da causa, consagrado no art. 142º, nº 3, alínea d), do CPTA e a baixa oficiosa do processo ao TCA respectivo em caso de interposição indevida do recurso per saltum para o STA (art. 151º, nº 3).
Reportando-nos ao caso especial do nº 4 do art. 58º do CPTA, verifica-se que o legislador, ainda que dentro do prazo limite de um ano, prevê que a impugnação possa ser admitida para além do prazo de três meses, “caso se demonstre que a apresentação tempestiva da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente”, dentro das seguintes circunstâncias: i) “O interessado ter sido induzido em erro pela conduta da administração”; ii) “O atraso dever ser considerado desculpável à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do acto impugnável, ou à sua qualificação como acto administrativo ou como norma”; iii) “Se ter verificado uma situação de justo impedimento”.
No fundo, o preceito permite o exercício do direito de impugnação para além do prazo regra de três meses, “sempre que a posição processual do interessado surja especialmente agravada em consequência da imperfeição do sistema legal ou das incidências do procedimento administrativo em que foi praticado o acto impugnável” (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS CADILHA, ob. cit., p. 392).
Na jurisprudência e sobre aplicação do princípio do favor actione ficou consignado no sumário Acórdão do STA, de 9/11/2000, proc nº 045390, o seguinte:
“(…) V- Não é de aceitar que um erro imputável à administração se voltasse contra o Interessado impossibilitando-o de aceder atempadamente à via administrativa ou contenciosa e, muito menos, a que a própria Administração, por exemplo se servisse desse erro, para com base nele rejeitar um recurso hierárquico interposto pelo interessado apenas depois de vir a saber qual tinha sido o verdadeiro autor do acto, anteriormente erradamente identificado no ofício de notificação.
VI – É o que decorre, desde logo dos princípios da boa fé e da tutela efectiva que impedem que o Interessado sofra as consequências de erro imputável à Administração, em especial, quando não era legalmente exigível que o Interessado adoptasse conduta processual diferente da prosseguida.
VII- O princípio do “favor actione” postula uma interpretação restritiva das causas de inadmissibilidade do recurso hierárquico, tudo isto, visando privilegiar sempre que tal seja processualmente possível o conhecimento da questão de fundo assim se assegurando uma tutela mais efectiva das posições subjectivas dos interessados, possibilitando o exame do mérito das pretensões deduzidas em sede de recurso hierárquico”.
Atentemos na situação dos autos.

1.1.2. O recorrido interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, de 25 de Janeiro de 2012, que julgou procedente a acção administrativa especial intentada pela ora recorrente.
Tratando-se de acção administrativa especial de valor superior à alçada, o tribunal deveria ter funcionado em colectivo de três juízes como dispõe o art. 40º, nº 3, do ETAF, a menos que, como vimos, se verificasse o circunstâncialismo previsto na alínea i), do nº1, do art. 27º do CPTA, preceito que comete ao relator poder para decidir quando entenda que a questão a decidir é simples.
Ora, precisamente, no caso dos autos, como já ficou dito, o Juiz relator invocou os poderes que lhe são conferidos por aquele preceito e, ainda, a faculdade prevista no art. 92º do CPTA, cujo nº 1 dispõe que “[c]oncluso o processo ao relator, quando não deva ser julgado por juiz singular, tem lugar a vista simultânea aos juízes-adjuntos, que, no caso de evidente simplicidade da causa, pode ser dispensada pelo relator”.
Neste sentido, pode ler-se na sentença da 1ª instância o seguinte: “Atendendo à simplicidade envolvida na apreciação e julgamento do mérito dos presentes autos, dispensa-se os vistos do Mmºs Juízes-adjuntos, em consonância com o estipulado no artigo 92º nº1 e 27º nº1 alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
Assim sendo, tendo sido expressamente invocado pelo Mmº Juiz “a quo”, os poderes que lhe são conferidos pelo art. 27º, nº1, alínea i), do CPTA, incluindo a faculdade de dispensa de vistos, nos termos do disposto no art. 92º, nº 1, do CPTA, o ora recorrido não podia ignorar que, o nº 2 do art.27º do CPTA impõe que dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência e não recurso para o TCA.
É verdade que o Mmº Juiz “a quo” se refere a “sentença” e, além do mais, admitiu o recurso por despacho de fls. 263. Quanto ao primeiro argumento, sendo invocados os poderes do art. 27º, nº1, alínea d), do CPTA, em rigor, esta sentença vale como “decisão”, nos termos e para os efeitos do estatuído naquele preceito em conjugação com o disposto no nº 2 do art. 27º do CPTA. No que se refere ao segundo argumento, além da falta de vinculatividade do referido despacho, a verdade é que o recurso foi interposto numa data em que há muito tinha sido ultrapassado o prazo para a reclamação.
Neste contexto, atentas as circunstâncias do caso, não se pode dizer que tenha havido qualquer circunstancialismo, quer relativo às normas jurídicas aplicáveis, quer ao desenrolar do processo, incluindo a actuação do Mmº Juiz, que seja susceptível de gerar dúvida relevante, ou afectar de tal modo a posição processual do interessado, em termos de justificar que a apresentação da petição de reclamação para a conferência em vez de recurso jurisdicional para o TAC não era exigível a um cidadão normalmente diligente.
Se nas palavras J. CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (“Os poderes de cognição e de decisão do juiz no quadro do actual processo administrativo de plena jurisdição”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 101, Setembro/Outubro, 2013, p. 42) nos “tempos pós-modernos ou tardo-modernos”, os tribunais são cada vez “mais forçados a decidir com base em princípios”, a verdade é que tal acontece sobretudo em “situações de facto complexas”, que “não encontram resguardo certo nos preceitos legais” e cuja “indefinição e mútua conflitualidade” exige adequada “ponderação concreta de valores e interesses”.
No caso dos autos, perante o quadro legal mencionado e tendo em conta como o mesmo foi aplicado pelo Mmº Juiz relator, não se vislumbram razões que, num juízo de ponderação dos interesses em presença, justifique qualquer interpretação das regras sobre a convolação, em especial, as relativas à tempestividade, em conformidade com o princípio da tutela judicial efectiva e do princípio pro actione.
Termos em que, procedem as alegações e respectivas conclusões da recorrente, pelo que o Acórdão recorrido não pode manter-se, nesta parte.
Nesta sequência, dando-se provimento ao recurso de revista, revoga-se o Acórdão recorrido, na parte em que determinou oficiosamente a convolação do recurso em reclamação para a conferência e ordenou a baixa dos autos à primeira instância.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão recorrido, que determinou oficiosamente a convolação do recurso em reclamação para a conferência e ordenou a baixa dos autos à primeira instância.

Sem custas.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2014. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Políbio Ferreira Henriques.