Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0621/10
Data do Acordão:11/15/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:CARREIRA DIPLOMÁTICA
EMBAIXADOR
PROMOÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - De acordo com o preceituado no art. 20º, n.º 2, do ECD (DL 40-A/98, de 27.2), artigo que trata da promoção à categoria de Embaixador, “As promoções são realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o secretário-geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria”.
II - Assim, verificados os requisitos vinculados ali previstos, o Ministro do Negócios Estrangeiros realiza as promoções a Embaixador com base nas “qualidades do funcionário e dos serviços prestados”, o que significa exigência de fundamentação.
Nº Convencional:JSTA00067927
Nº do Documento:SAP201211150621
Data de Entrada:06/14/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS E MNE
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA DE 2012/02/23.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBLICA / ESTATUTARIO.
Legislação Nacional:DL 40-A/98 DE 1998/02/27 ART20 N2.
DL 204/06 DE 2006/11/27 ART24 N2.
CRP76 ART201 N3 ART266 N4.
CPA91 ART5 ART6.
DL 121/11 DE 2011/12/29 ART21 N2.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A……. vem recorrer para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Acórdão da 1.ª Secção do Contencioso Administrativo, proferido em 23 de Fevereiro de 2012.

O acórdão sob recurso julgou improcedente a ação administrativa especial intentada contra a Presidência do Conselho de Ministros e Ministério dos Negócios Estrangeiros e, por conseguinte, determinou a validade dos quatro actos de promoção à categoria de embaixador da carreira diplomática dos Ministros Plenipotenciários B……, C……, D…… e E…… .

Terminou a sua motivação com as seguintes conclusões:

1. O aqui Recorrente intentou no Supremo Tribunal Administrativo - Secção do Contencioso Administrativo (STA) acção administrativa especial, na qual impugnou quatro actos administrativos, sob forma de decreto, que determinaram a promoção de quatro ministros plenipotenciários à categoria de embaixador.

2. Como causa de pedir, o ora Recorrente invocou a invalidade dos actos impugnados, por falta absoluta de fundamentação e, também, por desvio de poder e ofensa dos princípios constitucionais da igualdade e da imparcialidade.

3. A decisão do STA considerou improcedente a impugnação, louvando-se na suposta natureza política, ou equiparada, dos actos de promoção, que seria confirmada pela circunstância de serem praticados por decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos actos políticos (sic).

4. E, em resultado desta peculiar natureza, estes actos seriam praticados pelo MNE no exercício de discricionariedade pura, dispondo o ministro de total liberdade de escolha (sic). Assim sendo, não integrariam o universo dos actos administrativos sujeitos a fundamentação (sic).

5. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de tais actos, apesar dos espaços de valoração próprias da Administração, não podem ser subtraídos ao princípio da legalidade nem ao controlo dos tribunais, tendo emitido parecer no sentido da Acção ser julgada procedente.

6. Na decisão recorrida, estão em causa actos que procederam à promoção à categoria de embaixador de diplomatas de carreira titulares da categoria de ministro plenipotenciário.

7. Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Estatuto da Carreira Diplomática, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, o acesso à categoria de embaixador é aberto a todos os ministros plenipotenciários que tiverem cumprido quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos.

8. O Autor aqui recorrente cumpre estes requisitos.

9. Trata-se, pois, de actos integrados na normal progressão na carreira profissional dos diplomatas, como reconhece o próprio STA, ao acentuar que a sua prática se encontra dependente daquilo a que a doutrina jus-administrativa designa por pressuposto de facto da prática do acto administrativo: a existência de vaga na categoria a que se acede.

10. O termo «embaixador» não é unívoco quanto ao seu significado e esta dualidade é importante porque é ela que ajuda a bem caracterizar os actos impugnados no processo.

11. Aquele termo pode designar o diplomata que já foi promovido à categoria de embaixador.

12. Mas também pode designar aquele que, ainda que não detendo tal categoria profissional, foi efectivamente nomeado representante do Estado português num Estado estrangeiro.

13. O próprio MNE, na sua intervenção processual, sublinha esta dualidade, confirmando que o interessado é embaixador de Portugal em …… e acrescentando que existem muitos outros países em que o Estado português é representado por ministros plenipotenciários ou, até, por embaixadores fora da carreira (sic).

14. Ora, no processo judicial em causa impugnaram-se actos de promoção à categoria de embaixador e não actos de nomeação de embaixadores de Portugal neste ou naquele país.

15. A hipotética exclusão da jurisdição administrativa poderia justificar-se para estes último, mas nunca para aqueles, ou seja para o caso do Recorrente.

16. Não é aceitável banalizar o recurso à qualificação de um acto como político ou equiparado, com o objectivo de excluir da jurisdição administrativa actos cuja apreciação possa causar maior incómodo ao Poder.

17. Em suma: os actos de promoção à categoria de embaixador não merecem a qualificação de actos políticos ou equiparados, não podendo o seu julgamento ser excluído da jurisdição administrativa.

18. Trata-se de verdadeiros actos administrativos, como tais devendo ser apreciados judicialmente.

19. E no que respeita ao argumento do STA de que a promoção à categoria de embaixador é efectuada através de decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos actos políticos ou actos administrativos do Governo, associada a actos de poder, a actos de autoridade (sic), limitamo-nos aqui a indicar dois exemplos de actos praticados sob forma de decreto:
a. A classificação de um bem como de interesse nacional, nos termos do artigo 28,°, n.º 1, da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro;
b. A classificação de um imóvel como monumento nacional - de que é exemplo o Decreto n.º 18/2010, de 28 de Dezembro, que procede à classificação como monumento nacional da igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa.

20. Não estamos perante actos políticos - nomeadamente para efeitos da exclusão da impugnabilidade contenciosa - mas antes perante verdadeiros actos administrativos do Governo, actos de poder, actos de autoridade, que, sem qualquer dúvida, são impugnáveis.

21. Quanto ao disposto na Lei Orgânica do MNE, cujo n.º 2 do artigo 21.° dispõe que a promoção à categoria de embaixador é efectuada por decreto do Governo, no exercício da função política, nos termos da Constituição e da lei, esta norma é muito posterior aos actos impugnados e não foi, nem poderia ser, dotada de aplicação retroactiva.

22. O próprio tribunal o reconhece, ao referir que a expressão no exercício da função política não existia na lei anterior, vigente à data da prática dos actos impugnados.

23. As coisas são o que resulta da sua natureza e regulamentação e não aquilo que o legislador afirma serem.

24. O facto de o legislador lhes chamar actos praticados no exercício da função política é irrelevante.

25. Fê-lo, seguramente, para iludir o controlo contencioso, mas tal qualificação não vincula o aplicador, nomeadamente o tribunal, sendo perfeitamente legítimo discutir a natureza de tais actos e chegar a um resultado diverso: a de que se trata de verdadeiros actos administrativos, perfeitamente susceptíveis de apreciação jurisdicional.

26. Fossem os embaixadores promovidos por decreto-lei e, nem assim, deixaríamos de estar perante um acto administrativo contenciosamente impugnável.

27. Não podem, assim, restar dúvidas de que se trata de verdadeiros actos administrativos, impugnáveis contenciosamente.

28. Relativamente à questão da fundamentação, na decisão recorrida é defendido que, uma vez que os ministros plenipotenciários - nem os promovidos, nem os impugnantes - não teriam um direito subjectivo ou, sequer, um interesse legítimo, na promoção à categoria de embaixador, os actos de promoção não estariam sujeitos ao dever de fundamentar.

29. Nos termos do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição, desenvolvidos e concretizados pelo artigo 124.º, n.º1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo (CPA), devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.

30. O dever de fundamentação é uma das mais relevantes garantias dos particulares, permitindo o controlo da legalidade dos actos, sendo mesmo imprescindível para que a fiscalização contenciosa possa efectivamente ocorrer.

31. Não há dúvidas, assim, quanto ao sentido do imperativo constitucional-legal, de que devem ser fundamentados os actos lesivos de interesse de terceiros.

32. Ora, o ora Recorrente era um dos ministros plenipotenciários que preenchia as condições para ser promovido à categoria de embaixador, a mais elevada da sua carreira, como o próprio MNE reconhece.

33. Não existindo naquela categoria vagas de embaixador suficientes para a promoção de todos os ministros plenipotenciários em condições de o ser, somente alguns poderiam ser promovidos.

34. Qualquer um deles teria, portanto, um interesse particular em que os preceitos legais aplicáveis à promoção, quaisquer que sejam eles, fossem rigorosamente cumpridos.

35. A promoção de alguns ministros plenipotenciários implica a não promoção de outros, que são, assim, lesados nos seus interesses legítimos.

36. A obrigação de fundamentar os actos impugnados é, assim, iniludível.

37. E, não tem de estar em causa que os actos de promoção impugnados hajam prosseguido o interesse público, porque tal intenção só fica satisfeita se o órgão administrativo declare as razões da sua decisão.

38. O MNE sustentou nos autos que o Recorrente não tinha o direito de ser promovido à categoria de embaixador - direito que, de resto, o interessado, que se saiba, não invocou - nem mesmo um interesse legalmente protegido, mas apenas e eventualmente, uma mera expectativa de poder ser escolhido pelo Governo para deter essa categoria.

39. Ora, é assim que se passa na generalidade das promoções na administração pública.

40. Ora, os ministros plenipotenciários têm, efectivamente, uma expectativa a ascender à categoria mais elevada da sua carreira. Como qualquer pessoa normal que se encontra em qualquer outra carreira.

41. Não se trata, porém, de uma "mera" expectativa, mas de uma expectativa jurídica ou juridicamente tutelada.

42. E tal tutela passa, precisamente, pelo direito de todos e de cada um a que nenhum deles seja promovido com ofensa do quadro jurídico aplicável.

43. E, também a inexistência de concurso para a promoção a embaixador, não pode ter qualquer relevância, dado que os actos administrativos devem respeitar sempre a Constituição, não apenas quando forem precedidos de concurso.

44. Os actos de promoção dos diplomatas à categoria de embaixador têm, assim, a natureza de actos administrativos e carecem de fundamentação nos termos constitucionais e legais.

45. Aceitamos que tais actos gozam de uma grande latitude de discricionariedade, traduzida numa ampla margem de apreciação do perfil e das qualidades de cada ministro plenipotenciário que reúna as condições para ser promovido.

46. A vinculação aos princípios constitucionais tem de ser, assim, prudentemente entendida, considerando a formulação do artigo 20.º do Estatuto da Carreira Diplomática e a ausência de procedimento concursal.

47. Assim, são ilegítimas, e judicialmente sindicáveis, as motivações que fundem a preterição de um ministro plenipotenciário em razões constitucionalmente interditas, por consumarem violação dos princípios fundamentais do poder administrativo consignados na Constituição.

48. É, de resto, sabido e pacífico que a amplitude e a intensidade do controlo jurisdicional da legalidade dos actos administrativos depende directamente da latitude da margem de livre decisão.

49. A preterição de um ministro plenipotenciário com menor experiência diplomática por outro que a tenha maior não é objecto de qualquer valoração ou desvaloração jurídica - o juiz administrativo não pode controverter os critérios usados pelo MNE para determinar a «maior experiência diplomática», menos ainda substitui-los pelos seus. O controlo jurisdicional com esta extensão não é possível, pois significaria invadir a margem de livre decisão do MNE.

50. O controlo jurisdicional é limitado - mas existe, ou estaríamos perante "actos livres de direito", algo de inconcebível no Estado de direito.

51. Os actos administrativos impugnados são "pouco" vinculados e, inversamente, "muito" discricionários, mas nunca poderão ser arbitrários.

52. Pelo que, aquilo que o Acórdão recorrido designou de discricionariedade pura não pode existir ou, a existir, tratar-se-á, sempre, de pura arbitrariedade.

53. Assim e como conclui no Parecer, O Prof. João Caupers: "Os actos de promoção de ministros plenipotenciários à categoria de embaixador não merecem a qualificação de actos políticos ou equiparados, não podendo o seu julgamento ser excluído da jurisdição administrativa; "

54. "Como verdadeiros actos administrativos que são, podem e devem ser apreciados pelos tribunais administrativos, sendo juridicamente irrelevantes tanto a circunstância de revestirem a forma de decreto, como a qualificação de actos praticados no exercício da função política, que o próprio legislador lhes atribuiu; "

55. "Os actos administrativos de promoção à categoria de embaixador afectam o interesse legítimo de todos os ministros plenipotenciários preteridos que reúnam as condições para serem promovidos a embaixadores em que a tais actos sejam praticados no respeito do quadro constitucional e legal aplicável, nomeadamente no que respeita ao dever de fundamentação; "

56. "Tais actos envolvem uma ampla margem de livre decisão por parte do MNE, mas esta é delimitada pelos princípios constitucionais relativos ao exercício do poder administrativo, nomeadamente os princípios da igualdade e da imparcialidade, cuja violação não está autorizada. "

Nestes termos, nos demais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser revogado o Acórdão sob recurso e anulados os actos impugnados porque ilegais, com todas as legais consequências. Assim decidindo farão Vossas Excelências Venerandos Conselheiros a mui costumada e esperada JUSTIÇA.

O MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS contra-alegou sustentando a manutenção do Acórdão recorrido, formulando as seguintes conclusões:


A. O Douto Acórdão recorrido, proferido pelo 2.º Juízo, 1ª Secção (CA) do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 23 de fevereiro de 2012, julgou improcedente a ação administrativa especial intentada contra a Presidência do Conselho de Ministros e Ministério dos Negócios Estrangeiros por A……, ora Recorrente e, em consequência, determinou a validade dos quatro atos de promoção à categoria de Embaixador da carreira diplomática dos Ministros Plenipotenciários B……., C……, D……. e E…… .

B. O Douto Acórdão ora recorrido, considerou, e bem, que os citados atos de promoção à categoria de Embaixador não enfermam de qualquer vício de forma por falta de fundamentação, dado que a escolha, realizada ao abrigo do artigo 20.º do ECD, é uma escolha livre, assistindo ao MNE o direito de promover livremente, dentro de um grupo de promovíveis, aqueles que entender que em face das suas qualidades e serviços prestados melhor poderão exercer as altas funções diplomáticas de embaixador, tendo, em consequência, considerado a ação totalmente improcedente.

C. Não se conformando, o Recorrente veio, em sede de recurso, contestar as conclusões do Douto Acórdão a quo, sustentando, nas alegações ancoradas no douto Parecer junto, a invalidade dos atos de nomeação de embaixadores praticados, porquanto seriam atos de natureza administrativa e não atos políticos ou equiparáveis a atos políticos, pois:
i. Os atos de promoção deteriam de natureza administrativa, por ser dessa natureza o que releva das carreiras dos funcionários do Estado;
ii. A forma de que reveste o ato de promoção - Decreto - não teria relevância sobre a natureza dos atos de promoção;
iii. A nova lei orgânica do MNE, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 121/2011, de 29 de dezembro, ao passar a estatuir, no artigo 21.°, n.º 2, que a promoção é efetuada por Decreto do Governo, ao abrigo da função política, não poderia ter consequências no caso dos autos, por os atos impugnados terem sido praticados sob outro título legal.

D. No recurso apresentado, o Recorrente manifesta ainda a sua concordância com o Parecer emitido pelo Ministério Público em primeira instância e oportunamente contestado por este Ministério dos Negócios Estrangeiros, por requerimento apresentado aos autos em 07/12/2010, e para o qual se remete para todos os efeitos legais.

E. Ao Recorrente não lhe assiste razão, sendo manifesto que Douto Acórdão recorrido interpretou e aplicou bem o Direito, devendo, em consequência e salvo o devido respeito, improceder a invocação de erro na aplicação do Direito, porquanto, como se exporá, o Douto Acórdão ora recorrido não padece de qualquer vício na medida em que:
i) Os atos impugnados revestem-se de natureza política;
ii) Os atos de promoção à categoria de Embaixador não carecem de fundamentação, sendo por conseguinte atos válidos e eficazes;
iii) Ainda que se considerassem atos administrativos, o que apenas a benefício de raciocínio se concebe, não existiriam quaisquer interesses legalmente protegidos violados, pelo que sempre inexistiria dever de fundamentação;

I. OS ATOS DE PROMOÇÃO À CATEGORIA DE EMBAIXADOR SÃO VÁLIDOS E REVESTEM-SE DE NATUREZA POLÍTICA

F. O Acórdão ora posto em crise no presente recurso concluiu, de forma fundamentada e consistente, que os atos de nomeação de embaixadores são atos legais, de natureza política e que por conseguinte, não carecem de fundamentação.

G. Um dos aspetos em que se consubstancia a execução de política externa de Portugal é, precisamente, o que decorre das relações diplomáticas entre Estados soberanos (relações oficiais ou relações de Estado para Estado, in Calvet de Magalhães, Manual Diplomático, Bizâncio, p. 21). Cabe ao Ministro dos Negócios Estrangeiros preparar, coordenar e executar a política externa de Portugal (artigo 201.°, n.º 2, alínea a.) da CRP, conjugado com o artigo 1.° do Decreto-Lei n. ° 204/2006, de 27 de outubro, atual artigo 1.° do Decreto-Lei n. ° 121/2011, de 20 de dezembro, que aprovou a Lei Orgânica do MNE). Assim, as funções diplomáticas cometidas ao cargo de Embaixador implicam o exercício de funções de soberania no estrangeiro, já que o Embaixador de Portugal representa a República Portuguesa (e não apenas o Ministério dos Negócios Estrangeiros) no Estado onde se encontrar localmente acreditado como Embaixador pelas autoridades locais.

H. De acordo com o artigo 4.°, n.º 1 do ECD, compete aos funcionários diplomáticos a execução da política externa do Estado, a defesa dos seus interesses no plano internacional e a proteção, no estrangeiro, dos direitos dos cidadãos portugueses. Em especial, refira-se que o exercício das funções de Embaixador fundamenta-se na Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas (a que Portugal aderiu através do DL n.º 48 295, de 27 de março de 1968), a qual determina que cabe ao Embaixador exercer um conjunto de funções políticas,

I. Em regra, as funções diplomáticas bilaterais e, em particular, o cargo de chefe de missão diplomática, são desempenhadas por diplomatas de carreira com a categoria de ministro plenipotenciário (acreditado localmente como embaixador) ou de embaixador (artigo 40.° do ECD). Pelo que a promoção à categoria de Embaixador constitui o reconhecimento no plano interno pelo Governo - através do exercício da competência do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros - da aptidão, da preparação, da capacidade de alguns ministros plenipotenciários para desempenharem os cargos da mais elevada responsabilidade política no Ministério dos Negócios Estrangeiros, no âmbito representação externa de Portugal: os cargos de nomeação política (Secretário-Geral, REPER e ONU).

J. Acresce que a carreira diplomática constitui uma das poucas carreiras da função pública que mantém um regime especial, próprio, regulado em diploma autónomo, por um lado, por outro, constata-se que, percorrendo os diferentes Estatutos que vigoraram, a categoria de Embaixador, foi quase sempre tratada como uma categoria a que se ascendia por livre escolha política. Recorde-se aqui os termos do Artigo 90.°, sobre nomeação de Embaixadores, do Regulamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovado pelo Decreto n.º 47 478, de 31 de dezembro de 1966, e revogada pelo Decreto n.º 34-A/89, de 31 de janeiro:
"Art. 90.º Os embaixadores são nomeados, por livre escolha do Ministro, entre os ministros plenipotenciários de 1.ª classe, conforme as circunstâncias e atendendo aos méritos excepcionais do funcionário.”

K. Assim, do ponto de visto histórico, é possível ver claramente que a nomeação de embaixadores tem correspondido, com exceção de um curto período de uma década, sempre ao exercício de uma competência e escolha políticas e que, por conseguinte, se trata de um ato que não está subordinado ao dever administrativo de fundamentação, porque tais decisões são tomadas no exercício de competências constitucionais, exercidas por órgãos políticos, de definição e prossecução do interesse geral da política externa e não de mera execução do mesmo.

L. Note-se ainda que determinadas missões diplomáticas têm legalmente de ser chefiadas por pessoas com a categoria de embaixador dada a importância e relevância política da missão: “A Representação Permanente será chefiada pelo representante permanente de Portugal junto das Comunidades Europeias, que terá a categoria de Embaixador" (Cfr. artigo 3.°, n.º 1, Decreto-Lei 459/85, de 4 de novembro). Nestas missões diplomáticas, como a citada REPER junto da União Europeia ou na Representação Permanente junto da ONU, dada a natureza altamente política do posto, a lei determina que apenas possam ser chefiados por embaixadores - oriundos da carreira diplomática ou por embaixadores fora do quadro, nos termos do art. 42.° do ECD. Ora, se nestes últimos casos de nomeação de embaixadores fora do quadro diplomático o Recorrente admite que se trata de uma nomeação política, deveria aplicar um raciocínio de igualdade de razões para concluir necessariamente que os atos de promoção à categoria que permitem exercer estes cargos também têm a mesma natureza política.

M. Reforça esta ideia, a unidade e especificidade da carreira diplomática mencionadas no artigo 2° do ECD: «Os funcionários diplomáticos constituem um corpo único e especial de funcionários do Estado, sujeito a regras específicas de ingresso, progressão e promoção na respectiva carreira, independentemente das funções que sejam chamados a desempenhar.». De facto, as especiais responsabilidades que são chamados a assumir os diplomatas, conjugadas com o exercício de poderes de autoridade intrinsecamente relacionados com o exercício de funções designadas de soberania (a representação externa do Estado e a colaboração na definição e execução da política externa), determinaram até que a Carreira Diplomática seja uma das poucas em que o legislador mantém o seu regime público de nomeação (Artigo 10.°, alínea b) da LVCR).

N. Revelador da importância constitucional, logo, política, da categoria de Embaixador é a forma como se concretiza a promoção. Na verdade, nos termos da Constituição, os decretos (de promoção a Embaixador) são emanados pelo Governo e assinados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro competente em razão da matéria (artigo 201.°, n.º 3 da CRP) e os decretos, após assinados pelo Governo, são assinados pelo Presidente da República (artigo 134.°, alínea b) da CRP). A tramitação constitucional descrita e a intervenção dos órgãos de soberania identificados revela, novamente, a natureza e a importância política de que se revestem as promoções à categoria de Embaixador. Assim sendo, não existe qualquer dúvida que se tratam de verdadeiros atos de escolha política, livre, revestidos de especial solenidade e formalismo.

SUBSIDIARIAMENTE E À CAUTELA

O. E, ainda que se entendesse que as promoções a Embaixador não são atos políticos, apesar de a norma legal prevista no Decreto-lei nº 121/2011 assim o entender, de forma esclarecedora e com natureza meramente interpretativa, sempre se diga que o ato de promoção é um ato de alta administração e, como tal, não carece de fundamentação (cfr. Vieira de Andrade, in "O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos", p. 131 e ss.).

P. E tais atos de alta administração merecem equiparação a ato político e implicam discricionariedade pura, que resulta da circunstância de se tratar da nomeação política numa categoria (excecional, cuja diferença em relação à categoria anterior de ministro-plenipotenciário reside no facto de permitir o eventual exercício de funções como secretário-geral ou chefe de missão na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) ou na ONU, pois não impede o exercício do cargo de chefe de missão (embaixador) em outros serviços periféricos externos, na medida em que todos os ministros plenipotenciários são sempre acreditados internacionalmente como embaixadores de Portugal).

Q. Tais atos de promoção são, portanto, em tudo equiparados aos atos de nomeação dos diretores-gerais ou dos chefes de missão nos termos previstos no artigo 42.º do ECD - atos em relação aos quais não se questiona a natureza política - com a diferença - importante de salientar - de que os diplomatas estrangeiros acreditados em território português acompanham as nomeações publicadas em DR e o percurso dos diplomatas portugueses, existindo historicamente, por isso, alguma reserva na apreciação pública de características dos diplomatas.

II. OS ATOS DE PROMOÇÃO À CATEGORIA DE EMBAIXADOR NÃO CARECEM DE FUNDAMENTAÇÃO, SENDO POR CONSEGUINTE ATOS VÁLIDOS E EFICAZES

R. Ainda que assim não se entendesse, o que por mero benefício de raciocínio se concebe, nota-se que estes atas não carecem de fundamentação por o artigo 124º do CPA estabelecer que, para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos que:
«a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.»

S. Relativamente à interpretação da alínea a.) do artigo 124.º do CPA, única que podia, em tese, ser suscetível de aplicação no caso dos autos, diz-nos José Carlos Vieira de Andrade (cfr. obra citada, p. 96 e ss) que:
«Não significa isto, porém, que se imponha o dever de fundamentação cada vez que a Administração actue em desfavor de algum ou alguns dos administrados. Seria difícil isolar um acto administrativo que, ao menos indirectamente, não fosse contrário aos interesses de alguém. Para que se exija a fundamentação, é necessário que se esteja perante um interesse do particular que tenha uma "tutela" da ordem jurídica.»
E ainda
Se o recorrente (…) é apenas o titular de um interesse simples, admitido por ter vantagem nisso, a pedir a anulação de um acto administrativo, já não poderá pretender essa declaração, mas nem por isso se pode lamentar um défice grave na garantia da juricidade ou na protecção dos administrados, porque sempre haverá dados susceptíveis de fundar um controle mínimo por parte dos administrados e dos tribunais, e porque nessas situações estará em causa uma franja de interesses aos quais, em sistemas puramente subjectivistas, nem sequer se permite a iniciativa de um controle jurisdicional.» (cfr. "O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos", pp. 108 e 109).

T. Ora, o Recorrente, não demonstra, por não ser demonstrável, que da anulação do ato em causa resultaria a satisfação do seu interesse, sendo que aquilo que verdadeiramente caracteriza o interesse protegido é a tutela reflexa.

U. Assim como não colhem os exemplos de atos praticados por decreto e que são legalmente fundamentados, porquanto, tal dever de fundamentação resulta de imposição legal expressa (art. 28.°, n.º 4 da Lei n.º 107/2001), por um lado, e, por outro, tais atos afetam, comprimem diretamente direitos de propriedade de terceiros criando servidões legais (ou seja, não existe uma situação igual comparável com a dos presentes autos porque nem sequer estamos perante afetação de interesses legalmente protegidos porque tais decretos afetam o próprio direito de propriedade).

V. Assim sendo, para além de a lei não exigir especialmente que estes atos sejam fundamentados - como expressamente o faz em relação a outros atos de alta administração - não cabe a presente situação em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 124° do CPA já que a promoção à categoria de Embaixador não se realiza através de nenhum procedimento concursal, com ou sem a apresentação de candidaturas, não negando restringindo ou afetando, por isso, direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros.

W. Dito de outra forma: se, em tese, o Recorrente é detentor dos condicionalismos que a lei estabelece para poder ser promovido a Embaixador, tal não implica que tenha direito a ser promovido ou tenha sequer um interesse legalmente protegido, mas, apenas e eventualmente, uma mera expetativa de poder ser escolhido pelo Governo, no exercício da função política, para deter essa categoria, para poder exercer os cargos reservados a essa categoria (de Secretário-Geral, chefe de missão na REPER e na ONU).

X. E essa expectativa não é sequer demonstrada pelo Recorrente (Cfr. Alegações do Recorrente pp. 27). No caso em apreço, e conforme foi defendido, à cautela, pelo Recorrido MNE nos autos trata-se aqui de uma "mera" expectativa do Recorrente, no sentido de que se trata de uma expectativa de facto e não um a expectativa jurídica. Com efeito, nem todas as expectativas gozam de proteção jurídica. Citando o fundamento invocado no Acórdão do STJ de 29/04/2010, "Há que distinguir entre expectativas de facto e expectativas jurídicas. “A expectativa de facto traduz-se numa mera aspiração ou previsão de certo facto ou efeito jurídico. A expectativa de facto corresponde ao sentido vulgar da palavra e não beneficia de qualquer protecção jurídica." (Maria Raquel Rei, Da Expectativa Jurídica, Revista da Ordem dos Advogados, 1994, Vol. I, pág. 149 e segs). É o caso, trata-se pois de uma "mera" expectativa de facto, sem tutela jurídica reflexa.

Y. Neste caso concreto, o efeito útil da anulação dos atos de nomeação pretendido não é, reflexamente, a nomeação dos demais "promovíveis". O recorrente não é o destinatário do acto, nem mesmo de forma reflexa, não estando por isso em causa a protecção de uma verdadeira expectativa jurídica. Não existe, por conseguinte, qualquer interesse legalmente protegido que imponha o dever de fundamentação. Neste sentido, não são aplicáveis às citadas nomeações as disposições do Artigo 124.° do CPA.

Z. Em paralelismo, podemos invocar que podem ser nomeados diretores-gerais todos os que preencham os requisitos que a lei impõe mas sendo a nomeação feita por escolha do Governo (pelo Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros), não podem todos os restantes cidadãos que reúnam, em abstrato, as condições legais invocar que lhes foi negado, extinto, restringido ou afetado um direito ou interesses legalmente protegidos.

AA. Ao contrário do que procura sustentar o Recorrente, não estamos neste caso perante um caso de "pura arbitrariedade", Com efeito e como muito bem entendeu o Supremo Tribunal a quo, no Douto Acórdão recorrido, trata-se de um "acto de livre escolha", entre os ministros plenipotenciários que reúnam os requisitos para ser promovidos. Trata-se assim, de uma discricionariedade pura que, conforme refere o Douto Acórdão, tem a sua razão na específica natureza da atividade dos Embaixadores, a quem cabe executar a política externa do Estado, a defesa dos seus interesses no plano internacional e a protecção, no estrangeiro, dos direitos dos cidadãos portugueses (Artigo 4.° do ECD).

BB. Esta natureza política e de livre escolha é bem entendida pelo Tribunal Recorrido, ao referir, de forma clara, que a discricionariedade na nomeação dos Embaixadores se harmoniza com a livre escolha, fixada no artigo 40.° do ECD, que permite ao Conselho de Ministros, a título excecional confiar a chefia de uma missão diplomática a individualidades não pertencentes ao quadro diplomático.

CC. O Ministério dos Negócios Estrangeiros, ora Recorrido, tem entendido igualmente, como veremos, que a lei confere ao Governo uma discricionariedade pura ou absoluta liberdade de escolha nos atos de promoção a Embaixador e, consequentemente, não padecem do vício de falta de fundamentação que o Recorrente imputa aos mesmos atos, nem estamos em presença de direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos, pois:
i) Tal resulta dos elementos lógicos da interpretação - histórico, racional e teleológico - das normas jurídicas que o artigo 20.°, n.º 2 do ECD dispensa a fixação de critérios de avaliação a ponderar na apreciação de qualidades dos funcionários e dos serviços prestados;
ii) A forma solene que reveste o ato de promoção - Decreto - é demonstrativa dessa absoluta liberdade de escolha;
iii) A razão do estatuto vigente atribuir nas promoções a Embaixador a discricionariedade pura decorre da específica natureza da atividade dos Embaixadores;
iv) A recente lei orgânica do MNE, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 121/2011, de 29 de dezembro, ao passar a estatuir, no artigo 21.°, n.º 2, que a promoção é efetuada por Decreto do Governo, ao abrigo da função política, teve em vista apenas clarificar o regime de promoção e não a sua alteração; e
v) Sendo a escolha livre e, consequentemente, não questionável, inexistem quaisquer direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos em presença.

DOS ELEMENTOS LÓGICOS DA INTERPRETAÇÃO, HISTÓRICO, RACIONAL E TELEOLÓGICO

DD. A promoção dos diplomatas está atualmente prevista no artigo 20.° do ECD e na (então) Lei Orgânica do MNE, aprovada pelo Decreto-lei n.º 204/2006, de 27 de outubro, nos seguintes termos:
ECD
"Artigo 20. °
Acesso à categoria de embaixador

1 - O acesso à categoria de embaixador é aberto a todos os ministros plenipotenciários que tiverem cumprido quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos.
2 - As promoções são realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o secretário-geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria. "
DL 204/2006
"Artigo 24. °
Forma dos atos
1-A nomeação e a exoneração dos embaixadores, dos outros chefes de missão diplomática e dos enviados extraordinários são efectuadas por decreto do Presidente da República, nos termos da Constituição.
2-A promoção a embaixador é efectuada por decreto, nos termos da Constituição e da lei."

EE. As promoções dos Ministro Plenipotenciários à categoria de Embaixador dependem dos seguintes requisitos cumulativos: a existência de vagas na categoria, quatro os mais anos na categoria e uma estadia de, pelo menos, oito anos nos serviços externos do MNE. Reunidos os requisitos cumulativos atrás indicados, as promoções são livremente propostas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, ouvido o Secretário-geral e feitas por Decreto do Governo assinado pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de acordo com o estatuído no artigo 201.°, n.º3 da CRP e as supra citadas normas legais.

FF. E convocando os elementos de Interpretação da lei é possível chegar à mesma conclusão, como o faz o douto Acórdão: "O texto da lei não permite, só por si, resolver a questão, pelo que se impõe convocar os denominados elementos lógicos de interpretação das leis - histórico, racional e teleológico - de modo a, conjugando-os harmonicamente, alcançar o pensamento do legislador". (Cfr. Acórdão Recorrido Ponto 2.2.1)

GG. Fazendo um percurso sobre os regimes jurídicos de promoção à categoria de Embaixador e as alterações que os mesmos foram sofrendo, verifica-se que:
i) O Decreto n.º 474 78 de 31 de Dezembro de 1966, supra invocado, que consagrava o regime de livre escolha dos embaixadores, foi substituído em 1989, pela entrada em vigor do Decreto n.º 34-A/89, de 31 de janeiro;
ii) O artigo 3.°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de dezembro, na sequência do processo normal de recrutamento e seleção de pessoal na Administração Pública, veio consagrar que os processos de recrutamento do pessoal para a carreira diplomática obedeciam a um processo de concurso próprio, o qual foi fixado pelo artigo 1.°, n.º1 do Decreto-Lei n.º 146/90, de 8 de maio, que previu (inovadora e temporariamente) um regime de concurso para as promoções para a categoria de embaixador, a realizar pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base em listas elaboradas mediante avaliação curricular dos funcionários;
iii) O Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio, que aprovou o (primeiro) Estatuto da Carreira Diplomática, instituiu as seguintes categorias (artigo 3.°): a) Embaixador; b) Ministro plenipotenciário; c) Conselheiro de embaixada; d) Secretário de embaixada; e) Adido de embaixada» e consagrou o concurso como meio de ingresso, através da categoria de adido de embaixada, e de acesso à categoria de conselheiro de embaixada (arts. 9. ° e 16.°). No que se refere ao acesso às categorias de ministro plenipotenciário e de embaixador não se previa a existência de um concurso mas estabeleciam-se procedimentos administrativos com regras especiais (artigos 17.º e 18.°);
iv) O atual ECD, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de fevereiro, mantém as mesmas categorias e o mesmo critério de promoção (o mérito - artigo 17.°) existente no anterior regime jurídico e mantém também o concurso de ingresso na categoria de adido de embaixada (artigo 10.°) e de acesso à categoria de conselheiro de embaixada (artigo 18.º). Para as promoções à categoria de ministro plenipotenciário o artigo 19.° manteve um processo, distinto dos anteriores, com regras próprias, que incluem a aprovação de uma grelha de avaliação, e relativamente às promoções à categoria de embaixador, refere apenas o artigo 20.° que "o acesso à categoria de embaixador é aberto a todos os ministros plenipotenciários que tiverem cumprido quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos" e que «as promoções são realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o secretário-geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria».

HH. Em face do que antecede, verifica-se que de acordo com a evolução do regime jurídico de acesso à categoria de embaixador é manifesto que, no atual Estatuto da Carreira Diplomática, o legislador dispensou intencionalmente a fixação prévia dos critérios de avaliação a ponderar na apreciação das qualidades dos funcionários e dos serviços prestados, o que demonstra que o Ministro dos Negócios Estrangeiros dispõe de total liberdade de escolha para promover de entre os Ministros Plenipotenciários com o tempo de serviço previsto na lei, pois a lei não fixa quaisquer critérios de avaliação para a promoção. Se a lei não fixa quaisquer critérios, então, necessário é concluir que a liberdade de escolha é total desde que cumpridos, como foram, os aspetos vinculados da norma.

II. Aliás, a outra conclusão não se chegaria através do elemento sistemático de interpretação do ECD vigente. Comparando todas as disposições sobre a promoção à categoria seguinte, percebe-se de imediato que os requisitos procedimentais, no caso da promoção a Embaixador são nulos, existindo, nesta promoção somente requisitos materiais e inerentes ao exercício das competências para serem respeitados na prática destes atos.

JJ. Considera-se, então, que o Acórdão recorrido interpretou corretamente a norma prevista no artigo 20.°, n.º 2 do ECD, porquanto ponderou devidamente todos elementos de interpretação na interpretação do preceito em causa pois a promoção a embaixador obedece à verificação dos requisitos vinculativamente estabelecidos na lei e, numa segunda fase, ª livre escolha do Governo, com base no mérito das qualidades dos Ministros Plenipotenciários em condições de serem promovidos e dos serviços por eles prestados.

A FORMA SOLENE QUE REVESTE O ATO DE PROMOÇÃO - DECRETO - É DEMONSTRATIVA DESSA ABSOLUTA LIBERDADE DE ESCOLHA

KK. O Recorrente opõe-se ao entendimento manifestado pelo Douto Tribunal a quo (pp.15-17), defendendo que a forma solene legalmente prevista de decreto não interfere na natureza dos atos de nomeação impugnados. Mas não lhe assiste qualquer razão.

LL. Com efeito, e como considerou, bem, o Douto Acórdão recorrido, "para além da fixação prévia dos critérios de avaliação, a promoção é efetuada através de decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos atos políticos ou atos administrativos de Governo associada a atos de poder, a atos de autoridade, que não é objeto de qualquer procedimento administrativo, designadamente de audiência prévia dos interessados nem carece de fundamentação. O que contrasta nitidamente com a promoção a ministro plenipotenciário, categoria imediatamente inferior, que é efetuada por despacho que culmina um procedimento administrativo de avaliação no qual há uma grelha de avaliação que tem de ser previamente definida com base nos critérios legalmente especificados e no qual há uma proposta de classificação que tem de ser objeto de fundamentação, conforme estabelece expressamente o n.º 5 do artigo 19.º"

MM. Quer a Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48/94, de 24 de fevereiro, quer a aprovada pelo Decreto-Lei n.º 204/2006, de 27 de outubro, estabeleciam que a promoção à categoria de Embaixador era efetuada pela forma solene de Decreto, nos termos da Constituição e da lei (cfr. artigos 19. ° e 24.°, respetivamente).

NN. Na verdade, nos termos da Constituição, os decretos (de promoção a Embaixador) são emanados pelo Governo e assinados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro competente em razão da matéria (artigo 201.°, n.º3 da CRP) e os decretos, após assinados pelo Governo, são assinados pelo Presidente da República (artigo 134.°, alínea b) da CRP). Esta forma solene demonstra, desde logo, a sua associação a atos de poder e a atas de autoridade, de cariz político, os quais não são sujeitos a um procedimento administrativo, não carecendo de audiência prévia nem de fundamentação. Cariz político esse que, existindo, e para não existir qualquer margem para dúvida, foi referido expressamente na recente Lei Orgânica do MNE- Lei 121/2011, de 29 de dezembro. Ora, quer o procedimento constitucional, quer esta forma solene que o ato de aprovação reveste demonstram, desde logo, a sua inegável e indiscutível associação a atos de poder político, atos de natureza constitucional e a atos de autoridade, os quais, porque submetidos a um processo constitucional previsto na Constituição e na lei, não são sujeitos a um procedimento administrativo, logo, porque não prevista nas normas constitucionais e legais que estabelecem os requisitos para a prática deste ato, não carecem de audiência prévia, nem de fundamentação, na medida em que são, por natureza, atos políticos, logo, também, livres.

OO. Como se salientou a propósito do elemento sistemático, é claro o contraste normativo existente entre o regime de promoção a ministro-plenipotenciário, que é consumado mediante despacho e com base num processo em que existe obrigatoriamente uma grelha de avaliação e cujas promoções são, nos termos legalmente previstos no ECD, objeto de fundamentação. O mesmo é dizer que, no seguimento do entendimento expendido no Douto Acórdão, a forma solene e constitucionalmente disciplinada de promoção a Embaixador é relevante para determinar a natureza jurídica do poder conferido ao Governo, através do Ministro dos Negócios Estrangeiros e ao Primeiro-ministro, bem como ao Presidente da República, ie, uma discricionariedade livre e não meramente técnica.

PP. Consequentemente, conclui-se, outra vez, que o Douto Acórdão recorrido interpretou corretamente a norma prevista no artigo 20.°, n.º 2 do ECD, porquanto qualificou devidamente a natureza política, isto é: livre, da discricionariedade política conferida pelo processo constitucionalmente previsto para a promoção. De facto, ao estabelecer que a promoção ocorre por Decreto do Governo, assinado pelo Presidente da República, estão a Constituição e a lei a assumir, expressamente, que existem apenas requisitos materiais e de competência e simultaneamente a reconhecer que não existe nem procedimento administrativo, nem requisitos formais de fundamentação administrativa, porque se trata da prática de um ato político, portanto, livre.

QQ. Aliás, é claro o contraste existente com o regime de promoção a ministro-plenipotenciário, que é feito mediante despacho e com base num processo em que existe obrigatoriamente uma grelha de avaliação e cujas promoções são, nos termos legais, objeto de fundamentação. Pelo contrário, as promoções a Embaixador, atendo à evolução histórica já referida, temporariamente (por breves anos) sujeitas a concurso, e agora novamente por decreto, com base na apreciação das suas qualidades sem qualquer fixação prévia dos critérios de avaliação, conjugada com a promoção à categoria imediatamente anterior, permite concluir, sem margem para dúvidas, que a CRP e o ECD atribuíram ao Governo e ao Presidente uma discricionariedade pura, no momento da apreciação do mérito, permitindo-lhe uma livre escolha, de entre os ministros plenipotenciários com os requisitos para serem promovidos, sem necessidade, consequentemente de fundamentar a escolha. O mesmo é dizer que, a forma solene de promoção a Embaixador é relevante para determinar a natureza jurídica do poder conferido ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, ie, uma discricionariedade livre e não meramente técnica ao contrário do que defende o Recorrente.

A RAZÃO DO ESTATUTO VIGENTE ATRIBUIR NAS PROMOÇÕES A EMBAIXADOR A DISCRICIONARIEDADE PURA DECORRE DA ESPECÍFICA NATUREZA DA ATIVIDADE DOS EMBAIXADORES

RR. Recordamos aqui novamente o que foi referido inicialmente supra: nos termos legais, cabe ao Ministro dos Negócios Estrangeiros preparar, coordenar e executar a política externa de Portugal (artigo 201.°, n.º 2, alínea a.) da CRP, conjugado com o artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 204/2006, de 27 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do MNE) e que um dos aspectos em que se consubstancia a execução de política externa de Portugal é, precisamente, o que decorre das relações diplomáticas entre Estados soberanos (relações oficiais ou relações de Estado para Estado, in Calvet de Magalhães, Manual Diplomático, Bizâncio, p. 21). Assim, como foi dito, as funções diplomáticas cometidas ao cargo de Embaixador implicam o exercício de funções de soberania no estrangeiro, já que o Embaixador de Portugal representa a República Portuguesa (e não apenas o Ministério dos Negócios Estrangeiros) no Estado onde se encontrar localmente acreditado pelas autoridades locais.

SS. Mais se refere que, de acordo com o artigo 4.°, n.º 1 do Estatuto da Carreira Diplomática, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40-A/1998, de 27 de Fevereiro, compete aos funcionários diplomáticos a execução da política externa do Estado, a defesa dos seus interesses no plano internacional e a proteção, no estrangeiro, dos direitos dos cidadãos portugueses. Em especial, o exercício das funções de Embaixador fundamenta-se na Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas (a que Portugal aderiu através do DL n.º 48 295, de 27 de Março de 1968), a qual determina que cabe ao Embaixador exercer um conjunto de funções políticas.

TT. Acresce que esta solução é a única compatível com o previsto no artigo 40. º do Estatuto, que permite ao Conselho de Ministros, a título excecional, confiar a chefia de uma missão diplomática a individualidades não pertencentes ao quadro diplomático cujas qualificações as recomendem de forma especial para o exercício de funções em determinado posto. Ora, se essa discricionariedade pura ou livre escolha é possível ser feita em relação a pessoas que não integram a carreira diplomática, então forçoso é reconhecer que também o será para apreciar livremente as especiais qualificações para o exercício das funções e já não pudesse apreciar, com a mesma liberdade a as qualidades e serviços prestados por quem normalmente exerce essas funções. Em suma, também neste ponto, é possível concluir pela desnecessidade de fundamentação dada a liberdade de escolha política concedida pela Constituição e pela lei aos órgãos de soberania que intervêm na promoção. Considera-se, assim, que o Acórdão recorrido interpretou corretamente a norma prevista no artigo 20.°, n.º 2 do ECD, porquanto considerou a finalidade da nomeação em causa, designadamente, a circunstância de habilitar ao exercício das funções de representação externa do Estado Português, atos de natureza político-diplomática.

A RECENTE LEI ORGÂNICA DO MNE, APROVADA PELO DECRETO-LEI N.º 121/2011, DE 29 DE DEZEMBRO, AO PASSAR A ESTATUIR, NO ARTIGO 21.°, N.º 2, QUE A PROMOÇÃO É EFETUADA POR DECRETO DO GOVERNO, AO ABRIGO DA FUNÇÃO POLÍTICA, TEVE EM VISTA APENAS CLARIFICAR O REGIME DE PROMOÇÃO E NÃO A SUA ALTERAÇÃO

UU. Em relação a este ponto refere o Doutro Tribunal, que "Neste sentido aponta ainda a recente Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovada pelo DL n.º 121/2011, de 29 de Dezembro, cujo artigo 21. ° estatui, no seu n. °2, que "A promoção à categoria de embaixador é efetuada, por decreto do governo, no exercício da função política nos termos da Constituição e da lei." Esta lei acrescentou relativamente à anterior, que a promoção à categoria de embaixador era feita no exercício da função política, o que não pode deixar de ser entendido como tendo sido intenção do legislador deixar claro que, nesta matéria, existe uma total liberdade de decisão do MNE relativamente ao mérito das qualidades dos ministros plenipotenciários e dos serviços por eles prestados, liberdade essa que, conforme expendemos, já era de considerar anteriormente." Assim, e no mesmo sentido do Douto Acórdão citado supra, o ora Recorrido considera que não se verificou qualquer alteração no regime jurídico dos atos de promoção, mas apenas e tão só uma clarificação interpretativa do legislador concordando que, neste ponto, existe uma total liberdade de decisão do MNE relativamente ao mérito das qualidades dos ministros plenipotenciários, liberdade que já existia anteriormente.

SENDO A ESCOLHA LIVRE E, CONSEQUENTEMENTE, NÃO QUESTIONÁVEL, INEXISTEM QUAISQUER DIREITOS SUBJETIVOS OU INTERESSES LEGALMENTE PROTEGIDOS EM PRESENÇA.

VV. Do que antecede constata-se que a promoção a Embaixador obedece a requisitos vinculados e, numa segunda fase, à livre escolha do Governo, com base no mérito das qualidades dos ministros plenipotenciários em condições de serem promovidos e dos serviços por eles prestados. Cumprindo os diplomatas que foram promovidos os requisitos vinculativamente previstos na lei, competia ao Governo escolher, sem dever de fundamentar, os diplomatas a promover, pois inexiste qualquer direito à promoção a embaixador ou mesmo de qualquer interesse legalmente protegido, mas apenas a mera expectativa de facto (não de direito) de o serem (cfr. artigo 268.°, n.º 3, da CRP e artigo 124.°, n.º 1, alínea a) do CPA).

WW. Analisados os conceitos de direito subjetivo e de interesse legalmente protegido, é evidente que, no caso em apreço, a promoção a Embaixador depende da apreciação do mérito dos ministros plenipotenciários apreciado pelos órgãos de soberania que intervêm constitucionalmente na nomeação dos mesmos - sendo que aqui o interesse legal é o do desempenho dos cargos políticos pelas pessoas mais adequadas para representar o interesse da política externa do Estado que está no âmbito da proteção da norma. E, sendo essa apreciação livre, não pode ser questionada a escolha feita, pelo que inexistem quaisquer direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos potenciais Embaixadores.

XX.O Recorrente, não tendo sido lesado num direito subjetivo, apenas poderia pôr em causa a legalidade da atividade da Administração se demonstrasse a titularidade de um interesse reflexamente protegido com a anulação dessa atividade. No caso em apreço, como se disse antes à cautela, trata-se aqui de uma "mera" expectativa do Recorrente, no sentido de que se trata de uma expectativa de facto e não um a expectativa jurídica, ou como designado por Esteves de Oliveira, um mero interesse simples ou de facto que não beneficia de qualquer protecção jurídica. Ora, o Recorrente não é o destinatário do ato, nem mesmo de forma reflexa, não estando por isso em causa a proteção de uma expectativa jurídica. Neste caso concreto, o efeito útil da anulação dos atos de nomeação pretendido não é, reflexamente, a nomeação dos demais "promovíveis", por conseguinte, não existe, qualquer interesse legalmente protegido que imponha o dever de fundamentação, logo, não são aplicáveis as disposições do Artigo 124.° do CPA.

EM SUMA, NÃO HOUVE ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO

YY. Como ficou demonstrado supra, não houve qualquer erro na aplicação do direito sendo a interpretação do Tribunal a quo, expressa no Douto Acórdão recorrido, uma interpretação correta e cuidadosa do Direito aplicável, com recurso aos elementos lógicos de interpretação legislativa - histórico, racional e teleológico - de forma a alcançar o pensamento do legislador e determinar que:
i) Os atos de promoção de ministros plenipotenciários à categoria de Embaixador são atos políticos ou, no mínimo, equiparados a atos políticos;
ii) A forma de decreto revela a função política de que se revestem estes atos de nomeação de Embaixadores;
iii) Os ministros plenipotenciários não têm um interesse legítimo na fundamentação dos atos de nomeação visto não terem uma expectativa jurídica mas uma mera expectativa de facto em serem promovidos;
iv) Os atos de nomeação em causa são atos de livre escolha da administração não estando em causa a violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade.
v) Os atos em causa não são arbitrários nem violam o princípio da legalidade sendo, antes, praticados, em estrita conformidade com a letra e o espírito da lei aplicável.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM DOUTO SUPRIMENTO DE Vs. EXAS. VENERANDOS CONSELHEIROS, REQUER-SE A MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO E O INDEFERIMENTO DA PRETENSÃO DO ORA RECORRENTE DE IMPUGNAÇÃO DOS QUATRO ATOS DE PROMOÇÃO A EMBAIXADOR POIS SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


O processo teve vista nos termos do art. 92º do CPTA.


2. Fundamentação
2.1 Matéria de Facto

A matéria de facto fixada no acórdão recorrido é a seguinte:

1. O Autor era, em 30/12/2009, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tendo, nessa data, 16 anos, 8 meses e 16 dias na categoria, e 28 anos, 4 meses e 27 dias de tempo de serviço nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;

2. O contra-interessado B…… era, na mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 13 anos, 8 meses e 13 dias na categoria e 24 anos, 8 meses e 13 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;

3. O contra-interessado C…… era também, nessa mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 12 anos, 10 meses e 12 dias na categoria e 26 anos, 10 meses e 5 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;

4. O contra-interessado D…… era também, nessa mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 7 anos, 9 meses e 13 dias na categoria e 16 anos, 8 meses e 12 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;

5. O contra-interessado E…… era também, nessa mesma data, ministro plenipotenciário de 1.ª classe, tinha 7 anos, 9 meses e 13 dias na categoria e 12 anos, 11 meses e 17 dias nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;

6. Autor e contra-interessados tinham o tempo de serviço na função pública e nos serviços internos do Ministério dos Negócios Estrangeiros constantes da lista de antiguidade do pessoal diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros de fls 50 a 69 dos autos, que se dá por reproduzida, figurando, na lista de antiguidade dos ministros plenipotenciários referente a 31/12/2009, nas seguintes posições: (i) autor – posição 2; (ii) contra-interessado B…… – posição 14; (iii) contra-interessado C……. – posição 17; (iv) contra-interessado D……. – posição 44; (v) contra-interessado E……. – posição 47.

7. Pelo Decreto do Governo n.º 3/2011, de 27 de Janeiro, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 19, de 27 de Janeiro de 2011, que se dá por reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe B…… foi promovido a embaixador;

8. Pelo Decreto do Governo n.º 1/2011, de 27 de Janeiro, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 19, de 27 de Janeiro de 2011, igualmente dado por reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe C…… foi promovido a embaixador;

9. Pelo Decreto n.º 11/2010, da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 31/5/2010, publicado no DR, 1.ª série, n.º 121, de 24/6/2010, também dado como reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe D…… foi promovido a embaixador;

10. Pelo Decreto n.º 12/2010, da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 31/5/2010, publicado no DR, 2.ª série, n.º 121, de 24/6/2010, também dado como reproduzido, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe E…… foi promovido a embaixador.

11. Os decretos de promoção em causa, referenciados nos antecedentes n.ºs 7, 8, 9 e 10, não foram objecto de qualquer procedimento administrativo.


2.2. Matéria de Direito

2.2.1. Objecto do recurso
É objecto deste recurso o acórdão da 2ª Subsecção deste Supremo Tribunal Administrativo que julgou a acção administrativa especial totalmente improcedente. Aos actos impugnados (que promoveram os contra-interessados) foram imputados três vícios: (i) vício de forma por falta de fundamentação; (ii) vício de desvio do poder; (iii) violação de lei (errada aplicação da disciplina dos artigos 20º, n.º 2 do Dec. Lei 40/A/98, de 27/2; 24º, n.º 2 do Dec. Lei 204/06, de 27/11; 201º, n.º 3, 266º, 2 e 268º, n.º 4 da CRP e 5º e 6º do CPA.

O recorrente insurge-se no essencial contra o acórdão que julgou a acção improcedente na parte em que considerou que os actos em causa não tinham que ser fundamentados, ou seja, quando concluiu que “… a promoção dos contra-interessados, feita pelos decretos impugnados, não integra o universo dos actos administrativos sujeitos a fundamentação” (fls. 6222).

Desta feita apenas está em apreço a questão de saber se os actos em causa deveriam, ou não, ser fundamentados.

2.2.2. Dever de fundamentação.

A questão em apreço foi apreciada no recente acórdão deste Tribunal Pleno (proc. 12/11/20), estando em causa o mesmo autor.

Nesse acórdão foi referido o acórdão recorrido e refutada a sua argumentação nos seguintes termos:

“(…)
É certo que anteriormente foi proferido um acórdão neste tribunal em sentido contrário na mesma Subsecção (de 23.2.12 proferido no recurso 621/10). Todavia, a posição aí adoptada corresponde a uma interpretação dos pertinentes preceitos legais, designadamente do n.º 2 do art. 20º do Estatuto, que se não aceita pelas razões que se deixaram enunciadas. Por diversos motivos. Em primeiro lugar, a dicotomia concurso/escolha é irrelevante. O que interessa é saber se, adoptado o processo de escolha, a Administração não está obrigada a respeitar balizas definidas anteriormente ou se é uma escolha completamente livre. Depois, excepcionadas as situações de promoção automática (em que existe um direito), todos os trabalhadores incluídos numa carreira têm expectativas legítimas de acederem à categoria seguinte. Essas expectativas colhem tanta protecção na lei (assumindo-se como interesses legalmente protegidos) quanto maior for a panóplia de passos, de condições, de parâmetros que a Administração esteja obrigada a observar. Funcionando todos eles como garantias dos interessados. E só podem funcionar como garantias se os interessados os puderem conhecer. Portanto, a possibilidade contemplada na lei de nomeação de embaixadores “políticos”, por estarem fora da carreira, é irrelevante para a discussão que nos ocupa. Finalmente, a natureza das funções a desempenhar por um embaixador pode ser importante para nomear A e não B para o lugar X (e não é isso, ainda, de que se trata aqui) mas é absolutamente irrelevante para promover à categoria de embaixador o Ministro Plenipotenciário que, não obstante não dever ser nomeado para o lugar X, possuía as melhores qualidades e prestara os melhores serviços que o podem tornar apto para poder vir a ser nomeado para o lugar Y (as nomeações inserem-se habitualmente em movimentos que abrangem um conjunto alargado de diplomatas). A generalidade da jurisprudência citada no parecer do MP no seu parecer (acórdãos STA de 28.9.10, no recurso 478/10, de 29.9.05 no recurso 1208 e de 14.1.03 no recurso 47665) reporta-se a promoções de conselheiros de embaixada a ministro plenipotenciário com base em concurso e critérios fixados em Portaria sendo inaplicável ao caso em apreço. O acórdão de 9.2.99 proferido no recurso 28626, tratando embora da promoção de ministro plenipotenciário a embaixador, insere-se no quadro legislativo anterior a 1992, muito diferente dos subsequentes, quando a forma de promoção era a do concurso e não a da escolha.
(…)”

E foi ainda justificada a necessidade de fundamentação, nos termos seguintes:

“(…)

3. Está em causa nos autos, simplesmente, a promoção (não a nomeação) à categoria de embaixador dos dois ministros plenipotenciários indicados como contra-interessados, sem que o autor, ainda que mais antigo na carreira do que eles (cumprindo, para além disso, todos os requisitos exigíveis), o tenha sido. E sem que tenha sido apresentada qualquer motivação para a sua exclusão. Os referidos actos foram praticados a coberto da alínea e) do art. 199º da CRP, cuja epígrafe é justamente a de “Competência Administrativa” do Governo. São, portanto, os próprios recorrentes quem faz suportar os referidos actos no desenvolvimento da sua competência administrativa, entendendo-se que eles próprios os qualificam como actos administrativos. Como ali se vê, com base naquela alínea, o Governo pratica “todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas”. Portanto, como assinala o acórdão recorrido, “do que tratam os actos é da promoção, de entre profissionais da carreira diplomática, de uma categoria a outra, actos, assim, de natureza administrativa, pois é dessa natureza o que releva das carreiras dos funcionários do Estado, incluindo os do corpo especial dos funcionários diplomáticos. O acto de promoção a embaixador assume a forma de decreto, por assim estar previsto no artigo 24.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 204/2006, de 27 de Outubro, que aprova a Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas essa forma não tem qualquer relevo sobre a natureza daquele acto” (a natureza do acto não está dependente da forma sendo conhecidas, na doutrina e na jurisprudência, situações de actos administrativos contidos em diplomas provenientes do poder legislativo). São, pois, típicos actos administrativos (art. 120º do CPA).

Irreleva o que diz a nova Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovada pelo DL 121/2011, de 29.12, cujo artigo 21.º estatui, no seu n.º 2, que “A promoção à categoria de embaixador é efectuada, por decreto do Governo, no exercício da função política nos termos da Constituição e da lei”. Por duas razões essenciais. Em primeiro lugar, aquela lei é inaplicável ao caso presente. Depois, o que releva para qualificar um acto praticado pela Administração (como, de resto, qualquer acto ou mesmo instituto jurídico) não é o nome que se lhe atribui, mas antes, a sua natureza, as suas características e a função que desempenha no mundo jurídico. Se assim não fosse estava descoberta a forma de subtrair ao controlo dos tribunais matérias que as sociedades modernas querem ver escrutinadas, por lhes estarem subjacentes direitos e interesses colectivos ou individuais com protecção legal, chamando-se-lhes o que não são. Trata-se, como se viu, de actos de promoção de uma categoria a outra no âmbito da carreira diplomática (art. 20º do respectivo Estatuto, aprovado pelo DL 40-A/98, de 27.2).

Vejamos os seus preceitos mais relevantes para este efeito.

Artigo 2º
Unidade e especificidade da carreira diplomática
Os funcionários diplomáticos constituem um corpo único e especial de funcionários do Estado, sujeito a regras específicas de ingresso, progressão e promoção na respectiva carreira, independentemente das funções que sejam chamados a desempenhar.

Artigo 3.º
Categorias da carreira diplomática
1 - A carreira diplomática integra as seguintes categorias:
a) Embaixador;
b) Ministro plenipotenciário;
c) Conselheiro de embaixada;
d) Secretário de embaixada;
e) Adido de embaixada».

Artigo 17.º
Regra geral de promoção
1- Os lugares das várias categorias da carreira diplomática são providos mediante promoção por mérito dos funcionários diplomáticos da categoria anterior.
(…).


Artigo 18.º
Acesso à categoria de conselheiro de embaixada
1- O acesso à categoria de conselheiro de embaixada é facultado aos secretários de embaixada que tiverem sido aprovados em concurso aberto para o efeito.
(…).

Artigo 19.º
Acesso à categoria de ministro plenipotenciário
1- O acesso à categoria de ministro plenipotenciário é aberto a todos os conselheiros de embaixada que tiverem cumprido três anos de serviço efectivo naquela categoria e exercido funções nos serviços externos por período não inferior a seis anos.
(…)

Artigo 20.º
Acesso à categoria de embaixador
1- O acesso à categoria de embaixador é aberto a todos os ministros plenipotenciários que tiverem cumprido quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos.
2- As promoções são realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o secretário-geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria.


4. No quadro jurídico-constitucional português a exigência de fundamentação dos actos administrativos decorre da própria CRP (art. 268º, n.º 3) “quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos” e vê-se consagrada no art. 124º CPA, como princípio geral, na situação que ora importa considerar, quando “Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos”. Isto sem prejuízo daquelas outras situações em que “a lei especialmente o exija” (corpo do preceito) independentemente da natureza dos efeitos dos actos. A regra geral é, assim, a da fundamentação dos actos administrativos.
No quadro exposto colhe-se que existe uma carreira hierarquizada no corpo diplomático e que estão previstas regras para aceder a cada uma das categorias identificadas. É uma das áreas típicas, exemplares, da existência de uma obrigação de fundamentar, de facto e de direito, os actos administrativos praticados. É que todos os funcionários têm a legítima expectativa de correr as diversas categorias da carreira e de aceder ao topo, bem sabendo que muitos irão ficar pelo caminho, face à largura da base e à estreiteza do cimo, mas, isso é seguro e próprio de um Estado de Direito, existindo a obrigação de os informarem e o direito de conhecerem as razões por que uns sobem e outros não.
No que respeita ao acesso à categoria de Embaixador, é a epígrafe do preceito, rege o art. 20º em cujo n.º 2 se afirma que “As promoções são realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base na apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, ouvido o secretário-geral, e só podem ter lugar quando se verifique a existência de vagas na categoria”. A própria lei exige que, assentes determinados requisitos objectivos, se ponderem as qualidades do funcionário e os serviços prestados. Portanto, em bom rigor, é o próprio preceito, ainda que não o diga expressamente, que impõe de modo implícito a necessidade de fundamentar ao definir os parâmetros que não podem deixar de ser considerados. Ora, como assinala o acórdão recorrido, “essa expressão literal da lei não deverá ser senão interpretada como constituindo a baliza de fundamentação a que o Ministro dos Negócios Estrangeiros tem de obedecer”, acrescentando que não faria qualquer sentido “impor-se-lhe baliza de fundamentação, de sustentação da sua escolha, se a não tiver que expressar. Não há-de ser, com certeza, para ficar no interior do seu pensamento”. É um caso típico dos assinalados por Esteves de Oliveira e outro, no seu CPA anotado, na anotação ao art. 3º, a propósito da sindicabilidade dos actos administrativos, total ou parcialmente discricionários, quando, referindo-se aos momentos discricionários, refere “ou há (ou invoca-se que há) vínculos jurídicos a condicionar, de qualquer modo, a actuação da Administração no caso em apreço, e pede-se ao tribunal que averigúe da sua existência e (em caso afirmativo) que os torne efectivos, ou não há vínculos desses e o Tribunal só pode abster-se de julgar a conduta administrativa”. Nada, mas mesmo nada, na lei anterior (DL n.º 79/92, de 6.5) evidencia que antes fosse e agora deixasse de ser necessária a fundamentação. Tem, assim, de concluir-se que o texto legal é ele próprio impositivo da obrigação de fundamentar, ao definir com clareza os respectivos parâmetros – qualidades do funcionário e serviços prestados. Os actos impugnados padecem, assim, do vício de forma por falta de fundamentação que lhes vinha imputado.

(…)”.

Concorda-se inteiramente com o entendimento do acórdão transcrito e portanto que os actos em causa devem ser fundamentados pois são actos lesivos de um interesse legalmente protegido do autor.


Consequentemente, os autos impugnados padecem do vício de forma por falta de fundamentação que lhe vinha imputado.


3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e anular os actos impugnados.

Custas pelos recorridos.

Lisboa, 15 de Novembro de 2012. – António Bento São Pedro (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Américo Joaquim Pires Esteves – Rosendo Dias José – Luís Pais Borges – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Adérito da Conceição Salvador dos Santos – António Bernardino Peixoto Madureira – Jorge Artur Madeira dos Santos – Fernanda Martins Xavier e Nunes – António Políbio Ferreira Henriques.