Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01709/05.8BEPRT
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSSO
Descritores:NOTIFICAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DE SOCIEDADE
SUCURSAL DE SOCIEDADE ESTRANGEIRA
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
FALTA DE REQUISITOS
Sumário:I - A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.
II - No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A., então em vigor).
III - De acordo com a interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C.P.Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).
IV - A sucursal carece de autonomia face à sociedade sede (casa-mãe) porquanto, enquanto tal, não suporta qualquer risco sobre a actividade desenvolvida (o qual corre por conta da sede) e não dispõe de capital próprio, asserções que decorrem da própria natureza jurídica das sucursais, tudo no âmbito do direito tributário.
V - A presunção de notificação prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.Tributário, funciona em duas situações, a saber:
A-recusa do destinatário a receber a notificação;
B-não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se provar que, entretanto, o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal.
VI - Verificados estes requisitos formais, mesmo que esta segunda carta não seja recebida ou levantada, presume-se efectuada a notificação, apenas podendo ser ilidida a presunção se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de domicílio no prazo legal. Não tendo sido feita esta prova por parte do destinatário, verifica-se a presunção da sua notificação no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte (presunção esta reportada ao envio da segunda carta), quando esse terceiro dia não seja útil, conforme se retira do citado artº.39, nº.6, do C. P. P. Tributário.
VII - No caso dos autos é forçoso concluir que os actos de notificação em nenhum momento chegaram à esfera do conhecimento do sujeito passivo. Como tal, face a este contexto factual, não estão reunidas as condições para que funcione a presunção prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.T.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27118
Nº do Documento:SA22021020301709/05
Data de Entrada:06/25/2019
Recorrente:SOCIEDAD A........................., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"SOCIEDAD A…………………….., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto que julgou totalmente improcedente a presente oposição, intentada pela ora recorrente e visando a execução fiscal nº.3182-2003/100286.4, a qual corre seus termos no 6º. Serviço de Finanças do Porto, sendo instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A. e juros compensatórios relativas ao ano de 1998, no montante total de € 737.415,28.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.451 a 483-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Conforme o princípio conhecido como iura novit curia ou da mihi factum dabo tibi ius, com assento legal no artigo 5.º, n.º 3 (anterior 664.º), do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, os Tribunais gozam de “liberdade nas qualificações de direito” e “mesmo a própria arguição de um vício concreto não implica que o juiz não possa qualificar diversamente os factos” (cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 5914/01 e do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0631/11);
2-Portanto, mal andou o Tribunal a quo ao recusar conhecer da violação do direito europeu com o fundamento de que tal representaria uma ampliação da causa de pedir, porque, em primeiro lugar, não se trata de modificar o quadro factual relevante mas sim de apresentar argumento jurídico de suporte ao fundamento legal invocado para deduzir a oposição e, em segundo lugar, porque o Tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos e na determinação do direito aplicável;
3-Quando se analisa a presunção de notificação das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda à Recorrente sob a égide do direito da União Europeia (i.e. o argumento jurídico) não se está, de forma alguma, a pretender alterar o quadro factual alegado pela executada e delimitado pelo Tribunal na sentença (i.e. a causa de pedir);
4-Ou seja, a apreciação do argumento de direito não interfere com a causa de pedir, pelo que não há qualquer efeito de ampliação da causa de pedir nos autos em virtude de tal argumento jurídico ter sido suscitado pela Recorrente;
5-A compreensão da diferença entre estas duas noções (i.e. causa de pedir e fundamentação jurídica) releva na medida em que o nosso sistema processual é dominado pelo princípio, “Na fundamentação da ação, é mais premente a menção das razões de facto do que das razões de direito. Enquanto, na matéria de facto, o juiz tem de cingir-se às alegações das partes (art. 664.º), na indagação, interpretação e aplicação do direito o tribunal age livremente: Da mihi factum dabo tibi ius”;
6-O Acórdão do STA n.º 0631/11, de 12 de outubro de 2011, vai mais longe ao decidir que “Não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença que no julgamento da questão suscitada pela impugnante da ilegalidade do ato de liquidação da taxa impugnada, alargou o quadro jurídico à luz do qual a questão lhe fora colocada, considerando argumentos não invocados pelas partes, pois que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664.º do CPC)”;
7-Trazer à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 00774/03, de 25 de novembro de 2003, como faz o Tribunal a quo, não infirma estas conclusões, pois;
8-Subjacente ao referido aresto estava uma situação em que, num primeiro momento, o executado deduziu oposição à execução fiscal a arguir a ilegalidade concreta da dívida exequenda – o que lhe era vedado pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT – e a prescrição – fundamento de oposição previsto no artigo 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT – e a ação foi julgada improcedente pelo Tribunal de primeira instância;
9-Não se tratou, aí, de introduzir um mero argumento de direito em suporte de um fundamento legal da oposição oportunamente suscitado (i.e. um dos fundamentos elencados no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT);
10-Tratou-se, outrossim, de alterar os próprios fundamentos legais da oposição à execução;
11-Mas, como se constata nos termos supra, não é isto que sucede nos presentes autos;
12-Acresce que o Tribunal não podia deixar de conhecer de matéria relacionada com o direito da União Europeia por ser, conforme o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, de conhecimento oficioso;
13-A presunção de notificação das liquidações de IVA e juros que consubstanciam a dívida exequenda não podia operar in casu por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais contidos no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT;
14-A Recorrente nunca se recusou expressamente a receber as notificações das liquidações de imposto e juros que representam a dívida exequenda pelo simples facto que as mesmas não chegaram à sua esfera de conhecimento, uma vez que foram devolvidas com a menção de “ausente” aposta pelos serviços postais (cf. pontos 4, 5, 8, 10 e 11 dos factos provados);
15-Ora, quem não conhece determinada notificação não a pode recusar!
16-A outra hipótese prevista no artigo 39.º, n.º 5, do CPPT em que a presunção de notificação aí consagrada pode funcionar (o não levantamento da carta pelo destinatário no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, mesmo avisado para este efeito) não tem aplicação no caso concreto, dado que as notificações em questão foram todas devolvidas (cf. pontos 4, 5, 8, 10 e 11 dos factos provados);
17-Da aposição do motivo “ausente” nas primeiras notificações não é possível retirar que tenha sido deixado aviso para levantamento das cartas, assim como a devolução das segundas notificações não atesta que o destinatário tenha sido informado para proceder ao seu levantamento, antes comprova que não teve conhecimento das mesmas (cf. pontos 5 e 8 dos factos provados e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0460/09);
18-Ademais, conforme decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n.º03874/10, “a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando”, algo que no caso sub judice não sucedeu na medida em que as notificações das liquidações não foram enviadas para a sede da Recorrente, em Espanha;
19-Não se diga que a presunção em referência deveria funcionar por a Recorrente ter alterado o seu domicílio fiscal sem a correspondente comunicação à AT e sem estar impossibilitada de efetuar esta comunicação, pois o que sucedeu foi o encerramento de um estabelecimento em Portugal e não a alteração da sede da Recorrente, que nunca deixou de estar situada em território espanhol (cf. pontos 1 e 2 dos factos provados);
20-Tal não equivale a uma alteração do domicílio fiscal para os efeitos previstos no artigo 39.º, n.º 5, do CPPT, porquanto a sede da única pessoa coletiva em causa (i.e. a ora Recorrente) sempre esteve localizada em Espanha (cf. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0270/09);
21-A presunção de notificação prevista no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT só será compatível com o artigo 268.º, n.ºs 3 e 4, da CRP quando a notificação for introduzida pela AT na esfera de cognoscibilidade do destinatário mas este, por causas que apenas a si próprio podem ser imputadas, prescinde do direito de conhecer os contornos exatos do ato notificado, e.g. recusa expressa de receção da notificação ou não levantamento após comunicação deixada pelos serviços postais no domicílio (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 489/97, n.º 579/99, n.º 130/02, n.º 383/2005 e n.º 72/2009);
22-A celeridade e a eficácia processuais que presidem à presunção de notificação não são um valor absoluto e devem ser aplicadas com ponderação e em obediência à proporcionalidade para que as exigências de segurança e de certeza e a garantia do efetivo conhecimento do ato pelo seu destinatário não sejam afetadas;
23-Aceitar como válida uma presunção de notificação de um contribuinte que não recusou expressamente receber a comunicação, nem se absteve de levantar a carta apesar de avisado para tal, e cuja sede não foi alterada, ou seja, quando existe prova segura de que o ato não chegou, de todo, à sua esfera de cognoscibilidade, afronta o disposto no artigo 268.º, n.ºs 3 e 4, da Lei Fundamental;
24-As notificações das liquidações de imposto e juros compensatórios foram enviadas para a Sucursal da Recorrente, em Portugal, e não para a sua sede, em Espanha, ou para a residência ou outro local onde se encontrassem os seus gestores, como determina o n.º 1 do artigo 41.º do CPPT;
25-Inexiste exceção ao artigo 41.º do CPPT para as pessoas coletivas não residentes que tenham em Portugal uma sucursal, precisamente porque para o direito a sucursal é uma parte da própria pessoa coletiva, e não, ressalvada a ficção fiscal no que concerne à questão específica da repartição do lucro tributável da empresa, uma realidade juridicamente independente e diversa da pessoa coletiva;
26-Por conseguinte, a Recorrente, enquanto sujeito passivo, devedora originária do imposto e dos acréscimos legais e, por conseguinte, parte legítima na execução fiscal, tal como decidido em primeira instância, não foi regularmente notificada na sua sede ou domicílio dos atos de liquidações nos termos previstos no artigo 41.º do CPPT e dentro do prazo legal de caducidade do direito à liquidação;
27-O STA, no Acórdão n.º 0460/09, de 8 de julho de 2009, conclui que “a mera constatação de que os avisos de receção foram devolvidos sem assinatura do destinatário nada nos elucida a respeito do conhecimento que o mesmo possa ter tido da existência das cartas nos serviços dos CTT a fim de serem levantados”;
28-E, decidiu o TCA Sul no Acórdão n.º 03874/10, de 27 de abril de 2017, que “se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicílio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias (…) podem impedir o acesso à carta.” Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando;
29-Sobre esta dimensão garantística do direito a uma notificação legal, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0830/17, de 30 de maio de 2018, onde consta que “O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o ato praticado pela Administração Tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância”;
30-De facto, sem conhecer um ato não é possível apreender as razões de facto e de direito da sua emissão nem, por conseguinte, recorrer aos meios legais de reação;
31-Assim, impõe-se concluir que a presunção de notificação das liquidações de IVA e juros que consubstanciam a dívida exequenda não podia operar in casu por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais contidos no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT;
32- Como se observa no Acórdão do STA n.º 0270/09, de 6 de maio de 2009, “Não pode ter-se como validamente efetuada uma notificação de liquidação de IRS devolvida aos serviços da administração tributária, com o pretenso argumento de que o contribuinte não cumpriu o ónus de participação de alteração do seu domicílio, pois que a parte final do n.º 2 do artigo 43.º do CPPT ressalva o disposto quanto às citações e notificações (…) e as normas em causa têm necessariamente de ser conjugadas com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efectiva.”;
33-No Acórdão n.º 130/02 (processo n.º 607/01), de 14 de março de 2002, afirma-se que “é ao legislador ordinário que se deixa o encargo de determinar concretamente o modo de proceder a essa notificação e que, naturalmente, deverá ser constitucionalmente adequado, observado que seja (…) o princípio constitucional da proibição da indefesa (…) não poderá o legislador privilegiar o interesse na celeridade e eficácia processuais em termos excessivos e desproporcionados, mas sim ter em consideração a conjugação desses propósitos com as exigências de segurança e de certeza compatíveis com a garantia do efetivo conhecimento do ato, transmitido ao seu destinatário em condições seguras e idóneas para o exercício oportuno dos meios de reação previstos”;
34-A presunção de notificação prevista no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT só será compatível com o artigo 268.º, n.ºs 3 e 4, da CRP quando a notificação é introduzida pela AT na esfera de cognoscibilidade do destinatário mas este, por causas que apenas a si próprio podem ser imputadas, prescinde do direito de conhecer os contornos exatos do ato notificado;
35-Deve concluir-se que o entendimento do Tribunal recorrido, no sentido de que a Recorrente, que não adotou qualquer uma das duas condutas (ativa e omissiva) descritas no artigo 39.º, n.º 5, do CPPT, e, ainda assim, deve presumir-se notificada das liquidações que representam a dívida exequenda, afronta o disposto no artigo 268.º, n.ºs 3 e 4, da Lei Fundamental;
36-A Recorrente, enquanto sociedade comercial domiciliada num Estado-Membro da União Europeia (Espanha), não tinha a obrigação de designar representante em Portugal, conforme decidiu o TJUE no Acórdão C-267/09 no caso Comissão Europeia vs. República Portuguesa, por se tratar de uma obrigação desconforme com a liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada pelo direito da União Europeia;
37-Por conseguinte, em caso algum a não nomeação de representante fiscal em Portugal por parte da Recorrente, residente em Espanha, lhe poderia provocar consequências desfavoráveis em matéria procedimental e processual tributária, tais como servir de base à imputação da falta de notificação das liquidações no prazo de caducidade (cf. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01502/12);
38-Igualmente inadmissível à luz do direito europeu, bem como da CRP, é restringir garantias de um não residente domiciliado num Estado-Membro da União Europeia com uma sucursal em território português em virtude da não comunicação à AT, no prazo então previsto de vinte dias, de qualquer alteração do seu domicílio ou sede (cf. artigo 43.º, n.º 1, do CPPT);
39-A própria aplicabilidade desta disposição é questionável, já que a sede e o domicílio fiscal de uma sociedade espanhola que tenha um estabelecimento estável em Portugal, independentemente das vicissitudes que o afectem, não deixam de estar situada em Espanha;
40-A dificuldade ou impossibilidade de exercer os controlos fiscais e cobrar o imposto que podem decorrer da mobilidade do contribuinte e que justificam a imposição do artigo 43.º, n.º 1, do CPPT não se verificam no caso de um contribuinte que mantém a sua sede num Estado-Membro e apenas encerra um estabelecimento noutro;
41-Uma exigência desta ordem é suscetível de restringir o exercício da liberdade fundamental de estabelecimento, na medida em que sobre uma sociedade residente em Portugal que tenha sucursais em território nacional não impende esta obrigação de comunicação, ao passo que uma sociedade domiciliada noutro Estado-Membro com uma sucursal em território nacional fica sujeita à obrigação acessória sob pena de sofrer consequências fiscais desfavoráveis;
42-A liberdade de estabelecimento visa, antes de mais, assegurar o direito do não residente a um tratamento idêntico ao que é conferido aos nacionais pelo Estado-Membro de acolhimento, pelo que “Admitir que o Estado-Membro de estabelecimento possa conceder livremente um tratamento diferente, unicamente pelo facto de a sede de uma sociedade estar situada noutro Estado-Membro significaria, portanto, esvaziar o artigo 52.º do Tratado do seu conteúdo” (cf. Acórdãos do TJUE C-397/98 no caso Metallgesellschaft e C-270/83 no caso Comissão/França);
43-É o que acontece quando se faz impender uma obrigação acessória sobre a sucursal de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro e se dispensa a sucursal de uma empresa residente desta mesma obrigação, não sendo possível descortinar qualquer diferença objetiva entre aquelas duas realidades que possa fundamentar este tratamento jurídico-fiscal divergente;
44-E não se diga que, num caso destes, a restrição pode ser justificada pela necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, desde logo por ser “desproporcionada relativamente aos objetivos prosseguidos, dado que os mecanismos oferecidos pela Diretiva 2008/55 e pela Diretiva 77/799 são suficientes para atingir esse objetivo” (cf. supra citado Acórdão do TJUE C-267/09);
45-Estes mecanismos de direito europeu não só estavam em vigor como foram utilizados pela AT para comunicar com a Recorrente, embora apenas volvidos sete anos (2005) do ano a que a dívida exequenda dizia respeito (1998) e em fase de cobrança coerciva, não para notificá-la das liquidações de imposto e juros (cf. ponto 18 dos factos provados);
46-Para atingir um objetivo que é em si mesmo legítimo, que é o de tributar, a AT lesou interesses e direitos legítimos quando tinha ao seu dispor meios adequados para exigir o cumprimento da prestação, em particular, os de cooperação administrativa no contexto da União Europeia elencados pelo TJUE no Acórdão Comissão vs. República Portuguesa, o que ofende o princípio da proporcionalidade;
47-Acresce que a jurisprudência do TJUE é uniforme no sentido de que o estabelecimento de uma sociedade fora de um Estado-Membro “não implica, em si, a evasão fiscal, pois a sociedade em questão fica de qualquer forma sujeita à legislação fiscal do Estado de estabelecimento” (cf. Acórdão do TJUE C-264/96 no caso Imperial Chemical Industries vs. Colmer);
48-Em qualquer caso, a restrição de uma liberdade fundamental com base na prevenção de abuso estaria vedada por não se estar (i) diante de uma estrutura da qual a Recorrente não beneficiaria se estivesse num contexto puramente nacional, (ii) o objetivo da disposição nacional não é contrariar condutas fraudulentas e (iii) a disposição interna não está desenhada para discriminar somente condutas abusivas (cf. Acórdão do TJUE C-464/14 no caso SECIL);
49-O Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 01502/12, de 29 de outubro de 2014, decidiu que “Ainda que a impugnante, residente no Reino Unido, não tivesse designado representante em Portugal para efeitos tributários, tal nunca poderia implicar uma restrição ao seu direito de ação em juízo, sob pena de inconstitucionalidade por compressão ilegítima do princípio da tutela jurisdicional efetiva e violação do disposto no art. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. Aliás, mesmo para efeitos fiscais, a exigência de nomeação de representante com residência em território nacional viola o direito comunitário, como foi reconhecido pelo TJUE no acórdão proferido no Proc. n.º C-267/09, de 5 de Maio de 2011”;
50-No caso Comissão vs. França (Acórdão C-270/83, de 28 de janeiro de 1986), o TJUE assinala que “a ausência de uma harmonização das disposições legislativas dos Estados-membros (…) não pode justificar a desigualdade de tratamento em questão. Se é certo que, na falta dessa harmonização, a situação fiscal de uma sociedade depende do direito nacional que lhe é aplicado, o artigo 52.º do Tratado CEE proíbe aos Estados-membros prever na sua legislação, para as pessoas que usam da liberdade de nele se estabelecerem, condições de exercício das suas atividades que sejam diferentes das que são definidas para os seus próprios nacionais.”;
51-E, “No que diz respeito à Diretiva 77/799, importa recordar que, ao abrigo das disposições combinadas dos n.ºs 1, 3 e 4 do seu artigo 1.º, as autoridades competentes dos Estados-Membros trocam todas as informações que lhes permitam o estabelecimento correto, nomeadamente, dos impostos sobre o rendimento. Nos termos do artigo 2.º desta diretiva, essa troca de informações é feita mediante pedido da autoridade competente do Estado-Membro em causa. Como resulta do artigo 3.º da referida diretiva, as autoridades competentes dos Estados-Membros trocam também informações, sem necessidade de pedido prévio, de forma automática, para determinadas categorias de situações visadas na diretiva, ou ainda, segundo o artigo 4.º da mesma, de forma espontânea;
52-Tudo ponderado, uma interpretação do disposto nos artigos 39.º, n.ºs 5 e 6, e 43.º, n.º 1, do CPPT que consista na imposição a uma sociedade residente noutro Estado-Membro de um dever não exigível às sociedades residentes em Portugal e faça com que do incumprimento desta obrigação resulte a impossibilidade de impugnar graciosa ou contenciosamente os atos tributários (e.g. de liquidação) representa (i) um tratamento discriminatório, (ii) uma restrição proibida e injustificada à liberdade de estabelecimento, (iii) a violação da exigência constitucional de notificação pessoal e efetiva aos administrados de todos os atos administrativos (e.g. tributários) e (iv) a violação do direito à tutela judicial efetiva;
53-Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, mais se devendo dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.493 e 494 do processo físico), no qual termina pugnando pelo provimento do recurso.
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.496 e 499 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.443 a 444-verso do processo físico):
1-A Sociedade A…………………., S.A., é uma sociedade comercial sem sede nem direcção efectiva em território português que desenvolveu em Portugal a sua actividade através de uma sucursal – cfr. artigos 1 a 3 da petição inicial;
2-Por motivos de estratégia comercial, a Sociedade A……………......, S.A encerrou a sucursal a que se alude em 1. em Março de 2000, sem ter cumprido com as suas obrigações declarativas em IRC e IVA, nem tendo comunicado à Administração Tributária a cessação – cfr. artigos 4 a 6 da petição inicial;
3-Foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 02230691 no montante de € 597.302,78 relativa ao período de 1998 – cfr. fls. 177 dos autos;
4-A Direcção Geral dos Impostos remeteu à Sucursal em Portugal da Sociedade B…………. SA, por carta registada com aviso de recepção, a liquidação descrita em 3 – cfr. fls. 177 dos autos;
5-A notificação a que se alude em 4. foi devolvida em 8.08.2002 com a menção de “ausente” – cfr. verso de fls. 177 e fls. 178 dos autos;
6-Foi emitida a liquidação adicional de juros compensatórios n.º 02230690 no montante de € 140.112,50 relativa ao período de 9812 – cfr. fls. 181 dos autos;
7-A Direcção Geral dos Impostos remeteu à Sucursal em Portugal da Sociedade B…………….. SA, por carta registada com aviso de recepção, a liquidação descrita em 6 – cfr. verso de fls. 181 e fls. 182 dos autos;
8-A notificação a que se alude em 7. foi devolvida em 8.08.2002 com a menção de “ausente” – cfr. verso de fls. 181 e fls. 182 dos autos;
9-Em 14.10.2002 o Serviço de Finanças do Porto 6º remeteu à Sucursal em Portugal da Sociedade B……………. SA o ofício n.º 9820 com o seguinte teor: “(…) IVA – NOTIFICAÇÃO ANO DE 1998 Fica desta forma V. Exª notificado para no prazo de trinta dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção desta carta pagar as quantias de: LIQUIDAÇÃO ADICIONAL 1998-Nº02230691-597.302,78€. Juros compensatórios: 9812-02230690-140.112,50€. FUNDAMENTAÇÃO: liquidação ADICIONAL EFECTUADA NOS TERMOS DO ARTº 82º DO civa COM BASE EM APURAMENTO CORRECTIVO CONDUZIDO PELOS SIT (…)” – cfr. fls. 183 dos autos;
10-O ofício descrito em 9. foi devolvido em 18.10.2002 – cfr. fls. 184 dos autos;
11-Em 21.10.2002 o Serviço de Finanças do Porto 6º remeteu a Sucursal em Portugal da Sociedade B…………… SA o ofício n.º 10147 com o seguinte teor: “(…) IVA – NOTIFICAÇÃO ANOS DE 1998 Fica desta forma V. Exª notificado para no prazo de trinta dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção desta carta pagar as quantias de: LIQUIDAÇÃO ADICIONAL 1998-Nº02230691-597.302,78€. Juros compensatórios: 9812-02230690-140.112,50€. FUNDAMENTAÇÃO: liquidação ADICIONAL EFECTUADA NOS TERMOS DO ARTº 82º DO civa COM BASE EM APURAMENTO CORRECTIVO CONDUZIDO PELOS SIT (…) Esta é a 2ª carta registada com aviso de recepção, (…)” – cfr. fls. 179 dos autos;
12-O ofício descrito em 11. foi devolvido – cfr. fls. 180 e 181 dos autos;
13-Em 29.03.2003 foi instaurado pelo Serviço de Finanças do Porto 6º, o processo de execução fiscal nº.3182-2003/100286.4, respeitante a dívidas de IVA do período de 9812, em nome de Sucursal em Portugal da Sociedade B………….., SA, NIPC …………… no montante de € 737.415,28 – cfr. fls. 66 e 67 do processo de execução fiscal (PEF) junto aos autos;
14-Das certidões de dívida respeitantes à quantia exequenda a que se alude em 13. consta como executada “Sucursal Em Portugal da Sociedade B……………… SA” – cfr. fls. 2 e 3 do PEF junto aos autos;
15-No âmbito do processo de execução fiscal a que se alude em 13. o Serviço de Finanças do Porto 6º emitiu em 18.04.2004 mandado de citação em nome de Sucursal em Portugal da Sociedade B…………. SA – cfr. fls. 41 do PEF junto aos autos;
16-Em 18.11.2004 foi exarada certidão de diligências nos seguintes termos: “Cumpre-me informar de que me tendo deslocado pelas 15,30 à Rua ………… …. Ap. …. para citar a Sucursal em Portugal da Soc. B…………… SA, não o pude efectuar, uma vez que já não exerce a sua actividade no local indicado (…)” – cfr. verso de fls. 173 do PEF junto aos autos;
17-Em 9.03.2005 a Comissão Interministerial para Assistência Mútua em Matéria de Cobrança da Direcção-Geral dos Impostos remeteu ao Subdirector Geral de Procedimentos Especiais o ofício n.º 143 com o seguinte teor: “(…) Para os devidos efeitos, junto tenho a honra de remeter a V. Ex.ª um pedido de cobrança relativo a SOCIEDADE A………………… SA , (…) acompanhado das respectivas certidões de dívida e mapas resumo efectuadas pelo Serviço local de Finanças de Porto -6. O devedor principal (Sucursal em Portugal da Sociedade B…………. SA) não possui bens penhoráveis para pagamento da dívida, pelo que a mesma deverá ser cobrada à sociedade dominante (…)” – cfr. fls. 20 a 66 dos autos;
18-No âmbito de assistência mútua em matéria de cobrança entre países, a dependência Regional de Cobrança da Agência Tributária Espanhola remeteu em 16.05.2005 à Sociedade A……………. documento com o seguinte teor: “(…) NOTIFICAÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL (…) 2005 DÍVIDA DE IVA (…) DECISÃO No dia 29-03-2015 terminou o prazo de pagamento voluntário sem que tenha sido satisfeita a dívida em referência. Por conseguinte, O ÓRGÃO COMPETENTE DA ENTIDADE PÚBLICA proferiu a seguinte decisão: - Pronunciar a execução fiscal exigindo-lhe o pagamento do valor a pagar que figura no parágrafo seguinte nos seguintes prazos (…)” – cfr. tradução do documento n.º 1 a fls. 321 a 326 dos autos.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não se mostram provados quaisquer outros factos invocados relevantes para a decisão dos presentes autos…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil (CC)…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu julgar a presente oposição improcedente, devido ao decaimento de todos os seus fundamentos, mais mantendo a execução fiscal identificada no nº.13 do probatório a tramitar seus termos.
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Em sede de enquadramento jurídico se dirá, antes de mais, que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em sinopse, que a presunção de notificação das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios que consubstanciam a dívida exequenda não podia operar, "in casu", por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais consagrados no artº.39, nº.5, do C.P.P.T., para o efeito (cfr.conclusões 13 a 31 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.; Jorge Miranda, Rui Medeiros e Outros, Constituição Portuguesa Anotada, 2ª. edição, Universidade Católica Editora, 2020, vol.III, pág.543 e seg.).
Também a lei ordinária estatui que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.45, nº.1, da L.G.T.; artº.36, nº.1, do C.P.P.T.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A., então em vigor; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.340 e seg.).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/07/2009, rec.460/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/09/2011, rec.473/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.32/18; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/03/2019, proc.259/06.0BELRS).
No caso "sub iudice", do exame da factualidade provada retira-se que a sociedade recorrente é uma entidade não residente que desenvolvia a sua actividade empresarial em Portugal mediante uma sucursal, tal facto dando origem à existência de um estabelecimento estável, para efeitos de I.R.C., devido à presença de uma instalação fixa visando o desenvolvimento de uma actividade relevante (cfr.nºs.1 e 2 do probatório; artº.5, nºs.1 e 2, al.b), do C.I.R.C., na redacção em vigor à data dos factos; Manuela Duro Teixeira, A Determinação do Lucro Tributável dos Estabelecimentos Estáveis de Não Residentes, Almedina, 2007, pág.21 e seg.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.306 e seg.).
Ora, assim sendo, é indisputável, face ao respectivo regime legal, a ausência de autonomia da sucursal porquanto, enquanto tal, não suporta qualquer risco sobre a actividade desenvolvida (o qual corre por conta da sede) e não dispõe de capital próprio, face à sociedade constituinte/sede estrangeira, tudo no âmbito do direito tributário (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/10/2016, proc.9658/16; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.323 e seg.).
Com estes pressupostos, conforme decidiu o Tribunal "a quo", é a sociedade recorrente que é o sujeito passivo das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução nº.3182-2003/100286.4, apesar do facto tributário respectivo ter por base a actividade da sua sucursal em Portugal, sendo que o domicílio/sede da sociedade recorrente não é, em qualquer caso, confundível com o domicílio da sucursal em Portugal.
Avançando.
Haverá, agora, que examinar se a presunção de notificação das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios que consubstanciam a dívida exequenda não podia operar, no caso concreto, por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais consagrados no artº.39, nº.5, do C.P.P.T., para o efeito, contrariamente ao decidido pelo Tribunal "a quo".
A presunção de notificação prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.Tributário, funciona em duas situações, a saber:
1-Recusa do destinatário a receber a notificação;
2-Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se provar que, entretanto, o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal.
A presunção de notificação sob exame, fundamenta-se no envio de segunda carta registada com a.r. para o domicílio fiscal do sujeito passivo nos quinze dias posteriores à devolução da primeira, tudo pressupondo a devolução do a.r. da primeira carta remetida. Ora, verificados estes requisitos formais, mesmo que esta segunda carta não seja recebida ou levantada, presume-se efectuada a notificação, apenas podendo ser ilidida a presunção se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de domicílio no prazo legal. Não tendo sido feita esta prova por parte do destinatário, verifica-se a presunção da sua notificação no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte (presunção esta reportada ao envio da segunda carta), quando esse terceiro dia não seja útil, conforme se retira do citado artº.39, nº.6, do C.P.P.Tributário (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 5/07/2017, rec.1275/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/05/2008, rec.1031/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/07/2009, rec.460/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.32/18; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.384 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, as cartas/ofícios de notificação (com a.r.) dos actos tributários que constituem a dívida exequenda foram devolvidos ao remetente com a indicação "ausente" ou sem qualquer indicação, embora sem informação quanto à existência de aviso deixado para levantamento da carta no domicílio do notificando (cfr.nºs.3 a 12 do probatório). Tal ausência da sociedade notificanda do domicílio para onde é remetida a correspondência é confirmada pela A. Fiscal já no âmbito do processo de execução (cfr.nºs.15 e 16 do probatório). Com estes pressupostos (as notificações não só não chegaram ao seu destino como vieram devolvidas sem qualquer indicação de ter sido, de alguma forma, avisado o seu destinatário do envio), é forçoso concluir que tais actos de notificação em nenhum momento chegaram à esfera do conhecimento do sujeito passivo. Como tal, face a este contexto factual, não estão reunidas as condições para que funcione a presunção prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.T.
Logo, forçoso é concluir que a sociedade opoente e ora recorrente, enquanto sujeito passivo de imposto, não foi legalmente notificada, dentro do prazo de caducidade de quatro anos (cfr.artº.5, nº.5, do dec.lei 398/98, de 17/12; artº.45, nº.1, da L.G.T.), das liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.3182-2003/100286.4.
Com estes pressupostos, concede-se provimento ao presente recurso e revoga-se a sentença recorrida, prejudicado ficando o exame dos restantes esteios da apelação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
Resta apreciar o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).

O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:
Artigo 6.º
Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.
4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.
5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.
6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).
O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial. Concretizando, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se o concreto montante da mesma se afigurar desproporcionado em face do serviço de justiça prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe (cfr.ac.S.T.A.-1ª.Secção, 23/05/2019, rec. 1224/16.4BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.249/14.9BESNT).
Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:
Artigo 530º.
Taxa de justiça
(…)
7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).
No que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/05/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e da pouca complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, assim devendo dar-se provimento a este pedido do recorrente.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A SENTENÇA RECORRIDA E JULGAR PROCEDENTE A PRESENTE OPOSIÇÃO, em consequência do que se declara a extinção da execução fiscal nº.3182-2003/100286.4 contra a sociedade opoente e ora recorrente.
X
Condena-se a entidade recorrida em custas, dispensando-se do pagamento da taxa de justiça nesta instância de recurso, visto não ter produzido contra-alegações. Mais se ordena que se proceda à estruturação da conta de custas do presente processo tendo em conta o máximo de € 275.000,00 fixado na Tabela I, anexa ao R.C.P., e desconsiderando-se o remanescente.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.