Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01914/13
Data do Acordão:04/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I – Conforme decidido no acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 23/1/2013, em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148º do CPTA, no processo nº 968/12 (que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/2013), a aquisição de unidades de alojamento num empreendimento turístico, ainda que integradas no empreendimento em causa e, por isso, afectas à exploração turística, não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do DL nº 423/83, de 5/12.
II – A referida interpretação não viola alegados princípios constitucionais da certeza e da confiança dos cidadãos na lei, da igualdade relativa à tributação do património, da justiça social, da igualdade de oportunidades e da legalidade.
Nº Convencional:JSTA000P17314
Nº do Documento:SA22014040201914
Data de Entrada:12/16/2013
Recorrente:A... E B...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………… e B……………., ambos com os demais sinais dos autos, recorrem da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IMT e de Imposto de Selo, no seguimento de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas no Serviço de Finanças de Loulé 1, pela aquisição de imóvel que integra o empreendimento "C……………. ".

1.2. Terminam as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª - A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos, concluindo, por adesão aos fundamentos constantes do Acórdão 3/2013 do STA, que para efeitos do beneficio fiscal previsto ao n° 1 do artigo 20° do Decreto-lei n° 423/83 de 5 de Dezembro, a primeira aquisição de fracção destinada à exploração turística não integra já a fase de instalação do empreendimento.
2ª - Segundo o douto Acórdão 3/2013, proferido pelo STA, a decisão da questão de mérito passa pela determinação do sentido e alcance do disposto no n° 1 do artigo 20° do Decreto-Lei n° 423/83 de 5 de dezembro.
3ª - O Tribunal recorrido, por adesão aos fundamentos do Acórdão 3/2013 do STA conclui que;
- A isenção é objectiva
- o conceito de instalação compreende os atos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias a construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística"
- e pretende-se beneficiar o investimento turístico em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística.
4ª - Apesar destas conclusões, o Acórdão 3/2013 do STA adota a seguinte INTERPRETAÇÃO NORMATIVA do preceito (que é adotada pelo tribunal recorrido):
"como a aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos." (fls. 28 do Acórdão 3/2013 do STA)
5ª - Interpretação adotada pelo Tribunal recorrido que toma a seguinte decisão (Fls. 8 da sentença recorrida):
"Ora, de acordo com o entendimento jurisprudencial referido e ao qual se adere na íntegra, tal aquisição não pode beneficiar da isenção de IMT nem da redução do imposto de selo previstas no artigo 20° nº 1, do Decreto-lei n° 423/83, de 5 de Dezembro, por faltar o primeiro requisito cumulativo aí previsto, ou seja, a aquisição de fracção autónoma de destinar à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, já que, o empreendimento já se encontrava licenciado e apto a funcionar."
6ª - Esta conclusão que plasma o sentido da decisão é contrária ao sentido técnico jurídico de "instalação" considerado pelo Acórdão 3/2013 do STA aqui adotada.
7ª - O conceito técnico jurídico de instalação a que o Tribunal que proferiu o Acórdão chegou abrange a obtenção de títulos que o tornem "apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística".
8ª - Nos termos do artigo 2°, nº 1 do Decreto-lei nº 39/2008, de 7 de Março, se a edificação não puder prestar serviços de alojamento não se pode falar de um empreendimento turístico.
9ª - Ao contrário do que se diz no Acórdão 3/2013 do STA o empreendimento não entra em funcionamento com a comunicação de abertura, mas apenas fica autorizado a funcionar se puder. No regime da propriedade plural antes da alienação das frações não pode o empreendimento prestar serviços de alojamento turístico, logo não estaríamos a falar de um empreendimento turístico instalado.
10ª - Porque lhe falta a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado, tal como na definição de "Instalação" dada pelo Acórdão recorrido.
11ª - O que habilita a funcionar um empreendimento em propriedade plural é o Título Constitutivo (artigo 54° Decreto-lei 39/2008) aprovado pelo Turismo de Portugal e, como consta dos autos, o Título Constitutivo deste empreendimento só e aprovado pelo Turismo de Portugal em Março de 2009, pelo que não se pode considerar como faz o Acórdão do STA supra citado que o empreendimento estava em funcionamento em Setembro de 2008 POIS NESSA DATA O PRÉDIO NEM ESTAVA REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO COMERCIAL COMO EMPREENDIMENTO TURÍSTICO.
12ª – Ora, nos empreendimentos turísticos em propriedade plural só na posse do Título Constitutivo aprovado pelo Turismo de Portugal o prédio pode ser inscrito como empreendimento turístico na Conservatória do Registo Predial, o que ocorreu com apresentação 5212 de 16 de março de 2009 tal como consta nos autos.
13ª - Ainda assim, para que se torne apto "a ser explorado para finalidade turística" como refere o douto acórdão, tem de poder prestar os serviços de alojamento que são a sua finalidade o que só é possível quando tiver o título que habilite as unidades de alojamento a serem exploradas nos termos do disposto no artigo 45° n° 3 do mesmo diploma e este título só existe a partir da compra da fracção.
14ª - Donde, face à definição técnico jurídica de instalação plasmada no Acórdão proferido aos autos a aquisição em causa nos autos tem de se encontrar abrangida no conceito de instalação.
15ª - Os documentos constantes dos autos eram idóneos a permitir ao Tribunal chegar a esta conclusão, nomeadamente CONSTANDO EM TAIS DOCUMENTOS A DATA DE OBTENÇÃO DO TÍTULO CONSTITUTIVO e A DATA DE INSCRIÇÃO NO REGISTO PREDIAL COMO EMPREENDIMENTO TURÍSTICO CONDIÇÃO SINE QUA NON DE FUNCIONAMENTO E A DATA DO CONTRATO DE EXPLORAÇÃO CONDIÇÃO SINE QUA NON PARA PRESTAR SERVIÇOS DE ALOJAMENTO QUE CONSTITUI A FINALIDADE DO EMPREENDIMENTO E SEM OS QUAIS ESTE NÃO EXISTE.
16ª - A propósito da razão de ser e finalidades das isenções o Acórdão 3/2013 do STA, conclui que o Decreto-Lei 423/83 "pretende beneficiar é o investimento em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística..." (fls. 30) o que impunha também diferente decisão,
17ª - Investimento imobiliário será construir imóveis para venda, enquanto investimento em empreendimentos turísticos constitui investimento no setor do turismo NOMEADAMENTE EM OFERTA TURÍSTICA DE QUALIDADE que constitui o "interesse público extrafiscal relevante" que justifica a isenção.
18ª - Ora, este esforço é sempre obrigatoriamente do proprietário pois a classificação do empreendimento é revista de 4 em 4 anos nos termos da lei e como tal a GRANDE DIFERENÇA INTRODUZIDA PELO REGIME DA PROPRIEDADE PLURAL É A DE QUE QUEM COMPRA UMA FRACÇÃO É TAMBÉM DONO E CONTITULAR DO EMPREENDIMENTO E TEM DE DESPENDER ESTE ESFORÇO FINANCEIRO de financiar o funcionamento do empreendimento tal como consta no artigo 8° do título Constitutivo.
19ª - Daí que a isenção seja objectiva. O legislador não sabe se é o promotor ou os proprietários ou a entidade exploradora a despender esse esforço, na medida em que o promotor pode ficar com o empreendimento e vender apenas unidades aí integradas, pode vender a exploração a entidade exploradora, ou pode vender todo o empreendimento como nos presentes autos.
20ª - Se no regime de propriedade plural o promotor "pretende desde logo, alienar ou vir a alienar as fracções autónomas ou lotes destinadas a unidades de alojamento" (fls. 27 Acórdão 3/2013 do STA) o investimento dele é apenas imobiliário como no caso dos autos.
21ª - O empreendimento é declarado de utilidade turística devido aos seus elevados padrões de qualidade. São os PROPRIETÁRIOS DO ALDEAMENTO que têm de fazer o investimento na atividade para manter a utilidade turística pois esta foi conferida sob condição de justificarem com a realização de auditorias a manutenção da qualidade.
22ª - Assim, a interpretação que o tribunal recorrido faz do disposto no art. 20°, do Decreto-lei n° 423/83, de 5 de Dezembro, é ilegal porquanto violadora da ratio da lei e do próprio conceito de instalação acolhido bem como contrária aos documentos constantes dos autos.
23ª - Donde se conclui que o sentido da decisão é contrário ao sentido técnico jurídico de "instalação" considerado pelo plasmado no Acórdão proferido nos autos 968/12 e adotada na sentença recorrida, bem como à conclusão plasmada no Acórdão do STA e ao acórdão recorrido de que se pretende beneficiar o investimento turístico, o que constitui uma nulidade na medida em que os fundamentos estão em oposição com a decisão (artigo 668º n° 1 alínea c) do Código de Processo Civil aplicável ex vi art. 1° CPTA).
24ª - Por outro lado, O entendimento acolhido a fls. 151 da sentença recorrida:
"III - Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do beneficio a que se reporta o nº 1 do art. 20°, do Decreto-lei n° 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos."
é inconstitucional por violação do disposto no artigo 2º, 20° n° 4, 81°, al. b), 103° n° 2, 165°, nº 1, al. i), 104° n° 2, todos da Constituição da República Portuguesa, este último conjugado com o artigo 13° também da Lei Fundamental, enquanto Princípio Geral de Igualdade, inconstitucionalidade que ora se argui para todos os efeitos legais.
25ª - Tal interpretação viola, por isso, o artigo 2° da Lei Fundamental, porque abala a certeza e a confiança dos cidadãos na Lei e no Estado de Direito, confiança essa que decorre da existência de uma lei que não distingue, não diz expressamente, nem pretende, atenta a ratio da sua criação, que a isenção só se destine a aquisições para construção, quando o próprio acórdão recorrido concebe a noção de instalação compreendendo "a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística".
26ª - A interpretação normativa acolhida viola o princípio da igualdade vertido enquanto princípio fundamental no artigo 13° da CRP e, em particular, da igualdade relativa à tributação do património, ínsita no artigo 104°/2 da CRP, no sentido de discriminação positiva que a norma de isenção fiscal interpretada concede e que, por via da interpretação adotada, acaba por ser negada, colocando os potenciais beneficiários em situação de desigualdade em relação a outros adquirentes de imóveis. A interpretação adotada elimina, assim, o efeito de discriminação positiva associada à concessão do benefício fiscal.
27ª - Acresce que a interpretação em causa viola também o disposto no artigo 81°, al. b) da CRP, pois compete ao Estado-legislador, através da política fiscal, assegurar a justiça social, a igualdade de oportunidade e operar as necessárias correções de desigualdades na distribuição da riqueza (Art. 81° b) da CRP). No caso através do Instituto da utilidade turística o Estado pretendeu beneficiar quem faz investimento turístico numa OFERTA TURÍSTICA DE QUALIDADE uma vez que o turismo tem vindo a ser considerado como setor de intervenção prioritária face aos benefícios económico que produz e num caso como o vertente em que o construtor do empreendimento aliena todas as frações, e logo o seu investimento é apenas imobiliário, é este que beneficia da isenção, ao invés do adquirente da fracção que será o proprietário do empreendimento qualificado e responsável pelos seus custos, fazendo investimento turístico. Esta interpretação beneficiaria o investimento imobiliário e deixaria de fora do âmbito da isenção o investimento turístico.
28ª - Conexa com a questão anterior, verifica-se que o entendimento da norma ínsita no artigo 20° perfilhado pelo Tribunal a quo viola também o principio da legalidade, ínsito no artigo 103°, n° 2 da CRP, o qual dispõe que "os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes". Ao adotar a interpretação supra mencionada, a qual restringe o âmbito de aplicação do benefício fiscal em causa, extravasando o que diz a letra da lei.
Terminam pedindo o provimento do recurso e que se revogue a sentença recorrida.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações

1.4. Apondo Visto, o MP não emitiu, contudo, Parecer.

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.


FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Em 27/08/2009, por escritura de compra e venda, os Impugnantes adquiriram a fracção autónoma designada pelas letras "BG" que corresponde o BLOCO ……….. - ………….. - fracção ……… - primeiro andar, destinada a habitação, serviços de exploração turística, tipo T-Dois, inscrita na matriz sob o artigo urbano 12988 (cfr. fls. 41 a 46 dos autos);
B) Os Impugnantes celebraram, na mesma data da escritura de compra e venda referida, com "C…………… - Aldeamento Turístico, S.A.", na qualidade de entidade exploradora do aldeamento turístico, um acordo designado por "Contrato de Exploração Turística" (cfr. fls. 47 a 57 dos autos);
C) Em 26/08/2009 o Impugnante pagou o IMT e o Imposto de selo no valor de €26.325,00 (cfr. fls. 63 e 64 dos autos) e €3.240 (cfr. fls. 38 dos autos apensados);
D) Em 26/08/2009 a Impugnante pagou o IMT e o Imposto de selo no valor de €26.325,00 (cfr. fls. 65 e 66 dos autos) e €3.240 (cfr. fls. 39 dos autos apensados);
E) As fracções referidas integram o empreendimento turístico denominado "C……………", promovido pela sociedade "D………….. — Aldeamento Turístico Lda." (cfr. fls. 41 dos autos);
F) Por despacho do Secretário de Estado do Turismo, com o n° 3716/2011, publicado no Diário da República, 2ª série, N° 40, de 25 de Fevereiro de 2011, foi atribuído o estatuto de Utilidade Turística a título definitivo ao referido aldeamento turístico, de 5 estrelas (cfr. fls. 75 do p.a.);
G) No referido despacho fixa-se a "validade da utilidade turística em 7 anos contados da data do título (comunicação da abertura) ao abrigo do qual o empreendimento iniciou o seu funcionamento (4 de Setembro de 2008), ou seja, até 4 de Setembro de 2015 " (cfr. fls. 75 do p.a.);
H) O empreendimento "C………………" obteve o seu título constitutivo de empreendimento turístico com propriedade horizontal aprovado pelo Instituto do Turismo, IP em 05/03/2009 (cfr. fls. 67 a 74 do p.a.);
I) O Impugnante apresentou reclamação graciosa a que foi atribuído o n° 1082201104002725 (cfr. fls. 1 do processo de reclamação graciosa);
J) Tal reclamação mereceu despacho de indeferimento em 22/08/2011 (cfr. fls. 57 do processo de reclamação graciosa);
K) A Impugnante apresentou reclamação graciosa a que foi atribuído o n° 1082201104002733 (cfr. fls. 1 do processo de reclamação graciosa);
L) Tal reclamação mereceu despacho de indeferimento em 12/09/2011 (cfr. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa);

3. Como flui das Conclusões do recurso, a questão aqui a apreciar é a de saber se a fracção adquirida pelos recorrentes se encontra isenta do pagamento do IMT e goza da redução do Imposto de Selo, nos termos do nº 1 do art. 20º do DL nº 423/83 de 5/12, tendo em conta que essa fracção está integrada num empreendimento de utilidade turística que se encontra construído e instalado pela outorgante vendedora, proprietária/exploradora do empreendimento.

3.1. A sentença, ponderando (i) que não se verifica «o primeiro requisito cumulativo» previsto naquele normativo – aquisição de fracção autónoma com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística «já que o empreendimento já se encontrava licenciado e apto a funcionar» e (ii) que os impugnantes «actuaram como consumidores finais de um produto turístico posto no mercado pelo promotor e não como co-financiadores na construção do empreendimento, pelo que, a aquisição da fracção já não integrou a fase de instalação do empreendimento, mas a da sua exploração», concluiu que a aquisição da fracção não pode beneficiar da isenção de IMT nem da redução do imposto de selo previstas no art. 20°, n° 1, do Decreto-Lei n° 423/83.
Para tanto, e em sede de fundamentação de direito, a sentença louva-se na jurisprudência constante do acórdão proferido em 23/1/2013, no processo nº 968/12, em julgamento ampliado, ao abrigo do artº 148º do CPTA e em que intervieram todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário [e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/2013, da mesma data (23/1/2013), publicado na 1ª Série do Diário da República, de 4/3/2013].

3.2. Ora, no caso, resulta do Probatório que os impugnantes/recorrentes adquiriram, em 27/8/2009, por escritura de compra e venda, a fracção autónoma designada pelas letras "BG" que corresponde o BLOCO …….. - ………… - fracção ……. - primeiro andar, destinada a habitação, serviços de exploração turística, tipo T-Dois, inscrita na matriz sob o artigo urbano 12988, bem como, celebraram, também na mesma data, com "C……………… - Aldeamento Turístico, S.A.", na qualidade de entidade exploradora do aldeamento turístico, um acordo designado por "Contrato de Exploração Turística".
E provado está, igualmente, que a fracção referida integra o empreendimento turístico denominado "C…………….", promovido pela sociedade "D…………….. — Aldeamento Turístico Lda." e que, por despacho do Secretário de Estado do Turismo, com o n° 3716/2011, de 25/2/2011, foi atribuído o estatuto de Utilidade Turística a título definitivo ao referido aldeamento turístico, e que o empreendimento "C………………." obteve o seu título constitutivo de empreendimento turístico com propriedade horizontal aprovado pelo Instituto do Turismo, IP em 5/3/2009.
E, atenta esta factualidade, verifica-se que a questão suscitada é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão que foi apreciada e decidida no supra citado acórdão de 23/1/2013, no processo nº 968/12, em julgamento ampliado ao abrigo do artº 148º do CPTA e em que intervieram todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, publicado, como se disse, na 1ª Série do Diário da República, de 4/3/2013 e em www.dgsi.pt.
Na verdade, no presente recurso, os recorrentes continuam a sustentar que, tratando-se da primeira aquisição de uma fracção integrante de um empreendimento turístico, feita com a opção deliberada de afectar o bem à exploração turística e mantendo-se a unidade afecta a esta actividade, devem ser aplicáveis a essa aquisição os benefícios fiscais previstos no citado art. 20º do DL nº 423/83 (isenção de IMT e redução de 4/5 de Imposto do Selo).
Ou seja, o que importa determinar é, como se disse, se a primeira aquisição de imóvel integrado em empreendimento a que foi atribuída utilidade turística se destinou ainda à instalação desse empreendimento ou se integra, pelo menos, no processo de concretização dessa instalação, ou se, pelo contrário, o empreendimento já se encontrava instalado à data dessas aquisições.

3.3. Mas, além disso, os recorrentes invocam também:
─ quer a nulidade da sentença (cfr. a Conclusão 23ª), por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 668º n° 1 al. c) do CPC – a que corresponde o actual art. 615º do novo CPC) por o sentido dessa mesma decisão ser contrário ao sentido técnico jurídico de "instalação" considerado no acórdão proferido nos autos 968/12 e adoptada na sentença recorrida, bem como à conclusão plasmada no mesmo acórdão de que se pretende beneficiar o investimento turístico.
─ quer a violação do disposto nos arts. 2º, 20º, nº 4, 81º, alínea b), 103º, nº 2, 165º, nº 1, alínea i), 104º, nº 3, este último conjugado com o art. 13º, enquanto princípio geral de igualdade, todos da CRP.
Cumpre, assim, apreciar estas questões.
Vejamos, pois.

4.1. Quanto à nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, adianta-se desde já que não se vê que tal nulidade se verifique.
Sabido que esta causa de nulidade da sentença/acórdão (al. c) do n° 1 do art. 615° do novo CPC) se verifica quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto, trata-se, portanto, de vício (vício real no raciocínio do julgador) que afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas de facto e de direito e a respectiva conclusão (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 141 e Antunes Varela et al., Manual de Processo Civil, pp. 689/690).
Segundo os recorrentes, a alegada contradição verifica-se:
- quer porque face à definição técnico jurídica de instalação plasmada no próprio acórdão, a aquisição deveria ter-se como abrangida no conceito de instalação, dado que sem os pertinentes títulos, o empreendimento não pode considerar-se apto a funcionar e a ser explorado para actividade turística porque sem os mesmos não podem alienar-se as fracções para prestar os serviços de alojamento que é a finalidade turística do mesmo, conforme sua definição.
- quer porque se o acórdão conclui que a razão de ser da isenção é beneficiar o investimento em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística, então esta conclusão impunha também diferente decisão pois se no regime de propriedade plural o promotor "pretende desde logo, alienar ou vir a alienar as fracções autónomas ou lotes destinadas a unidades de alojamento" o investimento dele é apenas imobiliário, como no caso dos autos, sendo que se o empreendimento é declarado de utilidade turística devido aos seus elevados padrões de qualidade, são os proprietários do empreendimento que têm de fazer o investimento na actividade para manter a utilidade turística, pois esta foi conferida sob condição de justificarem com a realização de auditorias a manutenção da qualidade; daqui decorrendo que a interpretação que o tribunal recorrido faz do disposto no art. 20°, do DL n° 423/83, de 5/12, é ilegal porquanto violadora da ratio da lei e do próprio conceito de instalação acolhido bem como contrária aos documentos constantes dos autos.
Não se nos afigura, porém, que ocorra a invocada contradição e, portanto, a alegada nulidade da sentença pelo facto de a sentença acolher a fundamentação constante do dito acórdão do STA e ter decidido pela improcedência da impugnação.
Com efeito, a fundamentação do acórdão (e, consequentemente também a da sentença) incorpora, em termos lógicos, a conclusão (e portanto também o sentido da decisão) dele constante, considerando-se que “… a «instalação» emerge como um procedimento que compreende os actos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística”, ou seja, explicitando-se que a entidade responsável pela construção / instalação é também responsável pela obtenção daqueles títulos e explicitando-se e justificando-se, igualmente, o entendimento de que a aquisição da fracção não pode beneficiar da isenção.
Por outro lado, também não se vê que ocorra tal contradição (entre fundamentos e decisão), no que respeita à “ratio” da isenção como beneficiadora do investimento turístico.
Na verdade, a argumentação dos recorrentes reconduz-se à própria discordância da interpretação jurídica sufragada na sentença recorrida no que se reporta ao normativo em questão (art. 20º do DL nº 423/83, de 5/12), fundamentando a alegada nulidade num conceito de «instalação» que não corresponde ao conceito acolhido no acórdão e extraindo ilações que neste não têm apoio. Aliás, aquele acórdão (para cuja fundamentação a sentença recorrida remete) ao concluir no sentido de no conceito de instalação não poder estar incluída «a aquisição de unidades de alojamento que fazem parte do empreendimento, porque essa aquisição é feita tendo em vista a sua exploração a qual só pode ocorrer após o acto final do procedimento de instalação, que coincide normalmente com a abertura ao público», sendo «a venda das unidades de alojamento ainda que adquiridas durante a construção/instalação consubstanciam já o interesse da exploração do empreendimento turístico», acaba por estar a retirar uma conclusão que, numa perspectiva lógica, se enquadra nas premissas consideradas nesse mesmo acórdão (não cabendo aqui apreciar a bondade do mérito do decidido).
Em suma, não se verifica, improcedendo, portanto, a alegada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos pretendidos pelos recorrentes.

4.2.1. Quanto à questão do conceito de instalação para efeitos dos benefícios a que se refere o art. 20º do DL nº 423/83, de 5/12:
Como se disse, a questão foi apreciada e decidida no referido acórdão de 23/1/2013, proferido em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, ao abrigo do disposto no art. 148º do CPTA, o qual, por decisão tomada pela maioria dos Juízes Conselheiros em exercício na Secção, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
«O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação»».
Tendo o presente relator subscrito tal jurisprudência, cumpre agora reiterá-la, considerando que, como tem vindo a ser afirmado por este STA em ulteriores acórdãos em que a mesma questão se colocou, «tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art. 8.º, n.º 3 do Código Civil ─ ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito ─ cumpre aderir a essa orientação jurisprudencial e aos fundamentos em que se estriba o referido acórdão, vertidos, de forma abreviada mas elucidativa, no respectivo «sumário» cujo teor é o seguinte:
«I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).
II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º ss).
III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.
IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».
V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.
VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.
VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).
VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.
IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.
X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante».

4.2.2. Nesta vertente, os recorrentes não trazem ao processo novas razões, alegando, em síntese, por um lado, que o julgador devia ter seguido os objectivos constantes da introdução do Decreto-Lei n.º 423/83 e fazer uma interpretação mais actualizada dos princípios dele constantes, o que conduziria a uma decisão de sentido oposto àquela a que chegou e, por outro lado, alegam que a sentença recorrida e o acórdão em que a mesma se baseia enfermam de confusão conceptual entre os conceitos de exploração e instalação, por falta de percepção da realidade económica subjacente à instalação de um empreendimento turístico. O essencial da tese que defendem coincide com a tese que consta dos votos de vencido lavrados no referido acórdão.
Assim, em face do art. 8º, nº 3, do Código Civil, e tendo em conta que, desde a prolação daquele acórdão, a questão tem vindo a ser apreciada e decidida uniformemente e com o mesmo sentido decisório em vários outros acórdãos desta mesma Secção, impõe-se, em respeito pela citada orientação jurisprudencial, julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

4.3. Quanto à questão relativa às invocadas inconstitucionalidades:
Os Recorrentes invocam que a interpretação adoptada no referido acórdão e na sentença recorrida viola o disposto nos arts. 2º, 20º, nº 4, 81º, alínea b), 103º, nº 2, 165º, nº 1, alínea i), 104º, nº 3, este último conjugado com o art. 13º, todos da CRP.
Este Supremo Tribunal Administrativo também já deu resposta a esta questão, suscitada noutros recursos, sendo disso exemplo os acórdãos de 4/12/2013, proferido no processo nº 824/13, de 5/2/2014, proferido no processo nº 1917/13, de 12/2/2014, proferido no processo nº 0972/13 e de 26/2/2014, no processo nº 0860/13 (cujo texto temos, aliás, seguido), nos quais ficou dito o seguinte:
«Os recorrentes invocam, todavia, que o entendimento – interpretação do art. 20º, nº 1 do DL nº 423/83, de 5 de Dezembro – expresso no transcrito acórdão viola os seguintes preceitos constitucionais: artigos 2º, 20º, nº 4, 81º, alínea b), 103º, nº 2, 165º, nº 1, alínea i) e 104º, nº 2 da CRP;
Em resumo, aquelas inconstitucionalidades resultam da violação da certeza e da confiança dos cidadãos na lei, da violação da igualdade relativa à tributação do património, violação do princípio da justiça social e da igualdade de oportunidades e ainda do princípio da legalidade ínsito no art. 103º citado.
Ora, com o devido respeito, estamos perante interpretação da lei feita por um Supremo Tribunal.
Tal interpretação em nada interfere com os princípios afirmadamente violados.
Assim, não sai violado o princípio da igualdade, já que só pode beneficiar da isenção quem preencher os respectivos requisitos. Não sendo os mesmos preenchidos a isenção tem de ser afastada, como foi.
O mesmo se dirá quanto à protecção da certeza e confiança. Só haveria violação se, por hipótese, tivessem sido criadas expectativas posteriormente retiradas, o que também não é o caso. A interpretação deste STA é no sentido claro de que só nos casos referidos existe isenção, pelo que, situações alheias não cabem na mesma isenção.
Também não se compreende muito bem a invocação do princípio da justiça social e da igualdade de oportunidades, nem o da violação do princípio da legalidade, os quais se podem aceitar no âmbito das leis e menos no da sua interpretação.
Na verdade, o facto de uma interpretação poder estar errada não acarreta necessariamente a sua inconstitucionalidade».
O recurso também não pode, pois, ser provido com fundamento nas invocadas inconstitucionalidades.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 2 de Abril de 2014. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco RothesIsabel Marques da Silva.