Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01329/14.6BELSB
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:PILOTO
FUNÇÃO PÚBLICA
PENSÃO DE APOSENTAÇÃO
VENCIMENTO
ACUMULAÇÃO
INCOMPATIBILIDADE
Sumário:I - O legislador do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, ao conferir uma nova redacção aos artigos. 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, visou atingir a remuneração com dinheiros públicos ou o “vencimento público”, estabelecendo que este deixava de poder ser auferido em cumulação com as pensões do sistema público de aposentação.
II - Sendo as empresas do grupo SATA empresas de capitais regionais, as remunerações pagas por elas devem qualificar-se como “remunerações públicas” para efeitos da aplicação do regime do n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação.
Nº Convencional:JSTA00071325
Nº do Documento:SA12021111801329/14
Data de Entrada:04/28/2021
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:UNANIMIDADE
Objecto:AC TCA SUL
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:art. 78.º, art. 79.º do Estatuto da Aposentação
DL n.º 137/2010, de 28/12
Lei n.º 75-A/2014, de 30/09
art. 03.º do Decreto Legislativo Regional n.º 23/2005/A, de 20/10
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


I - Relatório

1. A…………, B…………, C……….., D………… e E…………, todos com os sinais dos autos, propuseram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (de ora em diante TAC de Lisboa), acção administrativa especial, contra a Caixa Geral de Aposentações, na qual pediram a anulação do acto de suspensão do pagamento da pensão e a condenação da Entidade Demandada a repor os montantes não pagos, acrescidos de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

2. Por sentença do TAC de Lisboa, de 31 de Janeiro de 2019, foi a acção julgada procedente e a Entidade Demandada condenada nos pedidos.

3. Inconformada, a Caixa Geral de Aposentações recorreu daquela decisão para o TCA Sul, que, por acórdão de 17 de Dezembro de 2020, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença e julgou improcedente a acção absolvendo a ali Recorrente do pedido.

4. No seguimento daquele acórdão, os Autores interpuseram recurso para este STA, que, por acórdão de 8 de Abril de 2021, admitiu a revista com base, essencialmente, nos seguintes fundamentos:
«[…]
12. Com efeito, se é certo que quanto à problemática da incompatibilidade da acumulação de pensão de aposentação com remuneração por parte dos pilotos aviadores da «TAP … SA» se mostra já existir jurisprudência firmada deste Supremo Tribunal [cfr. Acs. de 21.05.2020 - Proc. n.º 02111/14.6BESNT, de 02.07.2020 - Proc. n.º 0243/15.2BELSB] e que motivou já a não admissão de recurso de revista [cfr. Acs. do STA/Formação de Admissão Preliminar de 15.10.2020 - Proc. n.º 0557/15.1BESNT, e de 25.03.2021 - Proc. n.º 0179/12.9BESNT], temos, ao invés, que inexiste ainda jurisprudência quanto à questão do regime de acumulação de pensões com remunerações previsto nos arts. 78.º e 79.º do EA por parte dos pilotos aviadores da «SATA Air Açores, SA».
13. Assim, envolvendo a quaestio juris em discussão complexidade jurídica superior ao comum, cuja solução se não colhe imediatamente dos textos normativos convocados e que resulta indiciada ante os juízos diametralmente divergentes firmados pelas instâncias sobre a mesma, impõe-se ou exige-se a fixação de orientação por parte deste Supremo Tribunal quanto à mesma, como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática, de modo a avaliar e a confirmar se, em função e considerando o específico estatuto e quadro normativo invocado, é ou não transponível para a situação dos pilotos da «SATA Air Açores, SA» aquilo que constitui a jurisprudência produzida por este mesmo Supremo quanto aos pilotos aviadores da «TAP … SA».
14. Atente-se que o conceito de «funções públicas remuneradas» a que se refere o art. 78.º, n.º 1, do EA tem sido objeto de grande controvérsia, constituindo questão que, mostrando-se colocada já noutros processos e presente o específico quadro normativo invocado, ainda não foi, como referido, objeto de específica pronúncia por este Supremo pelo que também com vista a uma melhor e igualitária aplicação do Direito se justifica a intervenção deste Tribunal.
15. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista, quebrando in casu a regra da excecionalidade supra enunciada.
[…]».

5. Os Autores e aqui Recorrentes apresentaram alegações que remataram com as seguintes conclusões:
«[…]

(i) O recurso justifica-se, quer pelo facto de a situação sub judice ter relevância social e revestir importância fundamental a sua apreciação, quer pelo facto de o tribunal a quo ter incorrido em manifesto erro aquando da aplicação do direito, tudo quanto decorre do artigo 150.º do CPTA;
(ii) Antes de mais, cumpre esclarecer, e apesar de estar devidamente evidenciado no douto acórdão recorrido, que quanto ao dissídio presente não existe jurisprudência deste digno tribunal- respeitante à aplicabilidade ou inaplicabilidade do regime de incompatibilidade decorrente dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto de Aposentação, de acordo com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, quanto aos pilotos da SATA Air Açores Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos, S.A. (SATA Air Açores, S.A.);
(iii) Pois, ainda que existam dois doutos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo sobre a aplicabilidade deste regime quanto aos pilotos de linha aérea, em boa verdade, os mesmos dizem respeito à TAP, S.A., e não à SATA Air Açores, S.A. Companhias aéreas distintas (a título de exemplo, com estrutura societária e capital social diferente) e assim regidas por diplomas distintos;
(iv) Feito este breve parêntesis, refere-se que a situação presente encerra em si uma questão suscetível de se repetir no futuro, pois versa em saber no que deve ser entendido como exercício de funções públicas remuneradas para efeitos de aplicação do disposto no 78.º e 79.º do Estatuto de Aposentação (E.A.), na redação dada pelo Decreto- Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, tendo por referência a evolução legislativa (Decreto-Lei nº 179/2005, de 2 de novembro e da Lei n.º 11/2014, de 6 de março) e por respeito no disposto no artigo 9.º do C.C.;
(v) Situação, esta, que não pode ser caracterizada como sendo singular, pelo contrário, atendendo à temática, detém uma relevância jurídica, uma vez que abrange o universo de diversos pilotos de linha Aérea aposentados, e que exorbita a do caso em concreto. Existindo atualmente processos judiciais a correr termos – cfr. a título de exemplo o processo n.º 1481/14.0BESNT, que tramita no Tribunal Central Administrativo Sul.
(vi) A isto acresce o facto de ao longo dos tempos ter vindo a existir divergência por parte dos nossos tribunais, na aferição do conceito de funções públicas remuneradas para efeitos do disposto nos artigos 78.º e 79.º do E.A., na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro. Controvérsia, esta última, que é inclusivamente patente nos presentes autos, atendendo que por douta sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa se determinou a anulação do ato de suspensão do pagamento da pensão aos Recorrentes e consequentemente reconheceu-se o direito de aqueles receberem a respetiva pensão e por douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, determinou-se a revogação da referida decisão;
(vii) O douto acórdão incorreu em erro de julgamento quanto à interpretação dos artigos 78.º e 79.º do E.A., na redação vigente à data dos factos, desconsiderando o decorrente do artigo 3.º dos Estatutos da SATA Air Açores, S.A., anexo ao Decreto-Lei n.º 276/2000 de 10 de novembro, o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 7/2008/A, de 24 de março, bem como o artigo 107.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Interpretação, essa, violadora do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, ínsito nos artigos 7.º do CPA, 18.º da CRP e 8.º do CPA, respetivamente, bem como do disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP;
(viii) Para que seja possível uma correta interpretação dos referidos preceitos, torna-se necessário efetuar um breve enquadramento quanto à sua evolução legislativa, mormente, ter-se em conta a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de novembro, Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, Lei n.º 11/2014, de 6 de março e até pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro;
(ix) Ou seja, com o Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de novembro pretendeu-se alargar o leque quanto aos aposentados que deveriam considerar-se como abrangidos pelo regime de incompatibilidades previstos no E.A; sendo que com o Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, eliminou-se a incompatibilidade quanto aqueles que prestem trabalho remunerado;
(x) Alteração que teve como fito, de acordo com o seu preâmbulo, eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.
(xi) Alteração que se manteve com a Lei n.º 11/2014, de 6 de março;
(xii) De uma simples análise da evolução legislativa constata-se, em suma, que o legislador teve como fito impedir a acumulação do exercício de funções públicas com o recebimento de pensão e não toda e qualquer atividade desenvolvida no seio das entidades descritas no seu nº 1, atendendo que suprimiu de forma expressa a proibição de acumulação quanto aqueles que prestassem “trabalho remunerado”;
(xiii) Interpretação, esta, consentânea com o espírito do diploma e assim com o pretendido pelo legislador (artigo 9.º do C.C.), só assim fazendo jus ao objetivo pretendido;
(xiv) Intenção que se manteve até mesmo com alteração operada pela Lei n.º 75- A/2014, de 30 de setembro, uma vez que, da análise conjugada do artigo 78.º, n.º 1, com o artigo 79.º, n.º 1, decorre que o impedimento do recebimento de vencimento e pensão apenas ocorre para quem exerça funções públicas;
(xv) Atento a isto, e não perdendo de vista a redação vigente do E.A. à data da prática do ato impugnado, não se poderá entender de outro modo que não seja, que apenas existia incompatibilidade de acumulação do exercício efetivo de funções públicas com o recebimento de pensão;
(xvi) Atento ao exposto, torna-se necessário averiguar se no caso vertente as funções levadas a cabo pelos Recorrentes são de cariz público e assim se as mesmas podem ser consideradas como se tratando do exercício de funções públicas;
(xvii) Constatando-se que o legislador no E.A. não define o que se deve entender como “funções públicas”, tratando-se o mesmo de um conceito indeterminado, urge proceder à sua definição;
(xviii) Neste decurso, ainda se refere que nos termos do artigo 3.º, n.º 5, da Lei n.º 12- A/2008, de 27 de fevereiro, e o artigo 3.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, as funções exercidas pelos Recorrentes não se enquadram no conceito de funções públicas daí decorrentes, (i) porque os mesmos são detentores de contratos de cariz privado, e (ii) os referidos diplomas não são aplicáveis às entidades públicas empresariais;
(xix) Para uma melhor qualificação das funções desempenhadas pelos Recorrentes, e assim densificação do conceito de funções públicas, a título exemplificativo, veja-se, a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida no âmbito do processo n.º 1481/14.0BESNT;
(xx) No caso vertente, resulta que, e tendo subjacente o conceito de funções públicas, os Recorrentes no exercício de funções ao serviço da SATA Air Açores, S.A., enquanto Pilotos não prosseguiam o interesse público. Porquanto se tratava de funções de natureza iminentemente privada/comercial, idêntica a de qualquer empresa privada de aviação;
(xxi) Não se podendo descurar o vertido no artigo 3º dos Estatutos da SATA Air Açores, S.A., anexo ao Decreto-Lei n.º 276/2000, de 10 de novembro, e artigo 9.º, n.º 1, do Decreto Legislativo n.º 7/2008/A, de 24 de março;
(xxii) Porquanto, outra conclusão não se poderá chegar que não seja que a SATA Air Açores, S.A., visa o lucro e não a satisfação dos interesses da colectividade veja-se neste sentido a douta sentença proferida nos presentes autos, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa;
(xxiii) E mais se refere, que não se poderá entender que o simples facto de os Recorrentes exercerem funções numa empresa pública regional (cfr. Decreto-Lei n.º 276/2000, de 10 de novembro e Decreto Legislativo Regional n.º 7/2008/A, de 24 de março), mediante a celebração de contrato individual de trabalho, é suficiente para caracterizar as mesmas como sendo de cariz público e assim que auferem vencimento público;
(xxiv) Se assim fosse, não teria o legislador empregue de forma intencional a expressão funções públicas;
(xxv) Não podendo entender-se como o pretendido pelo Tribunal a quo, e se bem se percebeu, que o artigo 78.º tem uma abrangência maior e que nele se inclui todos os tipos de atividade e de serviços;
(xxvi) Pois, o n.º 3 do referido preceito apenas tem como intuito abarcar vínculos que não estejam sujeitos os regimes públicos quando as funções em apreço possam ser consideradas funções públicas. Ou melhor é um artigo que se alheia ao regime contratual adotado, mas do qual não decorre uma indiferença à natureza das funções desempenhadas;
(xxvii) Com efeito, o tribunal a quo não procedeu à correta interpretação dos artigos 78.º e 79.º do E.A., atendendo que não procedeu a uma análise quanto ao tipo de funções desempenhadas pelos Recorrentes, ao contrário, considerou que as mesmas seriam alegadamente públicas e assim enquadradas no conceito amplo de funções públicas, pelo simples facto de as mesmas serem prestadas a uma empresa pública – isto é, em função da natureza jurídica da SATA SGPS, S.A.;
(xxviii) Chama-se a especial atenção para o disposto no artigo 9.º do Decreto Legislativo Regional n.º 7/2008/A, de 24 de março, uma vez que do mesmo decorre, que as empresas públicas podem estar submetidas ao regime do direito privado ou ao regime do direito público. Ou seja, as empresas públicas poderão ser constituídas ao abrigo da lei comercial, como o caso da SATA Air Açores, S.A, ou ao abrigo do direito público, como o caso das empresas públicas empresariais, a título de exemplo os hospitais E.P.E., (cfr. artigo 32.º e seguintes);
(xxix) Sendo ainda de mencionar, que às empresas públicas constituídas sob a forma de sociedade comercial, é aplicável aos seus trabalhadores o regime do contrato individual de trabalho, com exceção dos membros de gestão e administração (cfr. artigos 19.º e 20.º);
(xxx) Deverá, por outro lado, esclarecer-se que, em 2005, se procedeu à cisão da SATA Air Açores S.A. em sete empresas (cfr. artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Legislativo Regional nº 23/2005/A, de 20 de outubro) que teve na sua génese a constituição da SATA SGPS, que tem por objeto social a gestão integrada, sob forma empresarial, da carteira de participações da Região Autónoma dos Açores no sector do transporte aéreo e, através das empresas participadas (cfr. artigo 1.º, n.º 2), nomeadamente, e para o caso, a SATA Air Açores, S.A. para quem os Recorrentes prestam as suas funções na qualidade de pilotos;
(xxxi) De tal modo, que não se pode dizer que o capital social seja detido pelo Governo Regional dos Açores, pois, atualmente, é detido pela SATA SGPS, S.A. Não podendo, deste modo, fazer-se a correlação imediata que [a] SATA, S.A., embora com personalidade jurídica privada, é uma pessoa coletiva cujo capital social é detido, exclusivamente, pela Região Autónoma dos Açores (cfr. fls. 26 do douto acórdão recorrido) uma vez que o mesmo parte de premissas erradas;
(xxxii) Assim, é errado, a nosso ver, e com o devido respeito pelo entendimento sufragado no douto acórdão recorrido, concluir que os vencimentos auferidos pelos Recorrentes são públicos;
(xxxiii) Não se podendo ainda desconsiderar o objeto social da SATA Air Açores, S.A., nos termos do disposto no artigo 3º dos seus Estatutos, anexo ao Decreto-Lei n.º 276/2000, de 10 de novembro;
(xxxiv) Esclareça-se que, a SATA Air Açores, S.A opera num mercado concorrencial, prestando, além das rotas regulares, serviços de “charters” e “acmi”, que é prestado a um qualquer operador. Sendo pago por horas de voo, por que quem contrata recebe o serviço por inteiro, avião, tripulação, manutenção e seguros;
(xxxv) Porquanto, o que urge aqui referir é que quanto às empresas públicas constituídas sob a forma de sociedade comercial, estas têm como fim principal (primário) a prossecução do lucro, distintamente do que ocorre com as empresas públicas sujeitas ao regime do direito público, cujo fim consiste na prossecução do interesse público. Pelo que, forçados somos a entender que apenas quanto às segundas (empresa pública sujeita ao direito público) estaremos na presença do exercício de funções públicas – cfr. douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.02.2010, proferido no âmbito do processo nº 3857/07.0TVPRT-A.P1.S1;
(xxxvi) Ora, de uma relação do acabado de referir com o supra mencionado – a SATA Air Açores, S.A prossegue fins privados “o lucro” – resulta de forma evidente que os vencimentos dos Recorrentes não eram suportados pelo erário público, nem direta nem indiretamente;
(xxxvii) Ademais, se assim não fosse, impunha-se então que o próprio Orçamento de Estado/Orçamento da Região Autónoma dos Açores contemplasse uma rúbrica para os vencimentos de todos os trabalhadores da SATA Air Açores, S.A, o que não acontece, por legalmente não ser permitido, nomeadamente à luz do Direito Comunitário (cfr. artigo 107.º, n.º 1, do TFUE);
(xxxviii) Esclareça-se que a SATA Air Açores, S.A., tem um orçamento próprio, decorrente da atividade comercial que desempenha e de acordo com o seu objeto comercial. Pela inexistência de uma rúbrica no Orçamento da Região Autónoma dos Açores destinada ao pagamento dos vencimentos dos pilotos de linha aérea, resulta que os mesmos são suportados e pagos pelo orçamento próprio da SATA Air Açores, S.A.
(xxxix) Logo, o pagamento dos vencimentos aos pilotos trata-se de uma despesa da SATA Air Açores, S.A., e não de uma despesa pública;
(xl) Tanto assim é, que perante dificuldades económicas a SATA Air Açores, S.A., não pagou os vencimentos, por inteiro, aos seus pilotos, vendo-se obrigada a recorrer a empréstimos bancários e outras formas de financiamento, que não o recurso a dinheiros públicos, o que prova que não se trata vencimentos com cobertura e garantia estatal/regional. Realidade, esta, que não se verificaria, caso estivéssemos na presença de pagamento de vencimentos públicos;
(xli) Ideia que sai reforçada, isto é, de que os vencimentos dos Recorrentes não eram suportados pelo erário público, uma vez que no contexto da atual pandemia foi possível à SATA Air Açores, S.A., o recurso ao layoff simplificado;
(xlii) Por fim, não se poderá deixar de evidenciar que a interpretação levada a cabo pelo digno tribunal a quo em qualificar as funções desempenhadas pelo Recorrentes como sendo funções públicas de acordo com um conceito amplo e sem qualquer arrimo com o conceito de funções públicas – por in casu não se prosseguir o interesse público/coletividade – ditado, apenas, pela natureza jurídica da SATA SGPS, S.A (empresa pública) é manifestamente desproporcional e irrazoável, violador dos artigos 7.º e 8.º do CPA, e artigo 18.º, 47.º, n.º 1, 58.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP;
(xliii) Ora os artigos 78.º e 79.º do E.A. tem como alcance a restrição de um direito fundamental, aqui o do direito à liberdade de escolha e exercício de profissão e do à retribuição do trabalho prestado;
(xliv) Todavia essa restrição deverá limitar-se ao essencial, não podendo, dessa forma ser excessiva, sob pena de se revelar inconstitucional;
(xlv) No caso, ressalta, desde logo, que a interpretação levada a cabo pelo tribunal a quo é desproporcional, por não se revelar adequado nem necessário restringir o direito ao exercício da profissão e à retribuição pelo trabalho prestado aos Recorrentes, pelo simples facto de as suas funções de Piloto terem sido desempenhadas perante uma empresa integrada no setor empresarial do Estado (empresa pública);
(xlvi) Pelo que as restrições decorrentes dos artigos 78.º e 79.º do E.A. devem limitar- se ao essencial, e assim ao fim pretendido – impedir a cumulação de vencimentos públicos com pensões, o que apenas se verificará quanto aqueles que exerçam funções públicas – devendo abster-se a que essa restrição tenha um alcance maior, ao pretendido pelo legislador, sob pena da violação do conteúdo essencial dos direitos decorrentes dos artigos 47.º, n.º 1, 58.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP;
Termos em que, admitido nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 150.º do CPTA, ao recurso deve ser dado provimento, com todas as legais consequências, com o que Vª Exª, Venerandos Conselheiros, farão JUSTIÇA.
[…]»


6 – A Entidade Demandada e aqui Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
«[…]

(…)

5º Decorre do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, na redacção aplicável ao caso dos recorrentes, que os aposentados, reformados, reservistas fora de efetividade e equiparados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.

6º Os recorrentes, antigos oficiais da Força Aérea, encontram-se reformados. Exercem funções públicas remuneradas na SATA Air Açores, que integra o sector empresarial regional. Logo, encontram-se abrangidos pelo regime de incompatibilidades previsto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação.

7º Independentemente da natureza privada dos contratos celebrados pelos recorridos com a SATA Air Açores, SA, ou da “natureza tipicamente privada” das funções exercidas, deve considerar-se que, para efeitos de aplicação do regime de incompatibilidades previsto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, o exercício de funções na SATA se reconduz ao exercício de funções públicas.

8º Resulta do n.º 3 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação que deverão ser consideradas abrangidas pelo conceito de exercício de funções públicas todos os tipos de actividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração. Atenta a amplitude do exercício de funções públicas estabelecida pelo legislador, a delimitação normativa deverá ser norteada pela entidade no seio da qual serão exercidas tais funções. Esta entidade deverá estar abrangida pelo n.º 1 do citado artigo 78º do Estatuto da Aposentação. É precisamente o caso da TAP, SA.

9º Em segundo lugar, o próprio diploma em apreço prevê situações diversas e alude de forma expressa, no artigo 78.º, n.º 3, alínea b) ao exercício de funções públicas em “Todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços”.

10º Por último, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, refere que a finalidade destas alterações é a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação. A expressão “vencimentos públicos” abrange todas as situações contempladas no n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, percepcionando-se, portanto, a intenção legislativa de abarcar todas as situações de cumulação de pensão de aposentação e recebimento de um vencimento suportado igualmente por dinheiros públicos.

11º A interpretação defendida pelos recorrentes não é legalmente admissível. Primeiro, porque, tendo em conta a redacção do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, que prevê expressamente que se consideram abrangidos pelo conceito de exercício de funções públicas remuneradas “todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços”, consubstancia uma decisão contra legem. Em segundo lugar, é uma interpretação esvazia de qualquer sentido útil aquela norma, uma vez que, ao contrário da vontade do legislador, perpetua a utilização dos recursos do Estado e demais pessoas colectivas públicas de forma pouco clara e pouco transparente.

12º O legislador, através da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março e da Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, como o assumido objectivo de evitar interpretações como aquela que é feita pelos recorrentes, interpretações que defraudam o sentido da lei, clarificou a redacção do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação. Em vez de “funções públicas remuneradas”, o artigo 78.º passou a falar de “actividade profissional remuneradas”.
13º A redacção introduzida pela Lei n.º 11/2014, de 6 de Março e pela Lei n.º 75-A72014, de 30 de Setembro, não é aplicável aos recorrentes, mas revela de forma transparente qual o pensamento legislativo subjacente ao regime de incompatibilidades previsto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da aposentação
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
[…]»


7 – O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Cumpre apreciar e decidir


II – Fundamentação

II. 1. De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

II.2.
2.1. Enquadramento e enunciado das questões a decidir

De acordo com a matéria de facto apurada nos autos, os Autores são todos aposentados e antigos oficiais da Força Aérea aos quais foi atribuída uma pensão pela Caixa Geral de Aposentações.

Já depois de aposentados, celebraram, uns com a SATA Internacional, Serviço de Transportes Aéreos, S.A., e outro com a SATA Air Açores, contratos individuais de trabalho, para a actividade de piloto de linha aérea, com a função de comandante.

Nessa sequência, a Caixa Geral de Aposentações notificou os Autores de que se encontravam abrangidos pelo regime jurídico instituído pela nova redacção dada aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto de Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, que proibia a acumulação, total ou parcial, da pensão com remunerações. Nesse seguimento, a Caixa Geral de Aposentações viria a suspender o pagamento das pensões aos Autores a partir de Maio de 2014.

O TAC de Lisboa considerou que a actividade profissional remunerada exercidas pelos Autores não se enquadrava no leque de incompatibilidades referido no n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação e com esse fundamento julgou procedente a acção.

Já o TCA Sul, remetendo para a jurisprudência firmada nos arestos de 21 de Maio de 2020 (processo n.º 2111/14.6BESNT) e de 2 de Julho de 2020 (processo n.º 243/15.2BELSB), deste Supremo Tribunal, concluiu que a actividade desenvolvida pelos Autores era, para este efeito, juridicamente equiparável à dos pilotos da TAP, que fora analisada na jurisprudência do STA antes mencionada, revogando assim a sentença do TAC de Lisboa e julgando improcedente a acção.

Nestes termos, a única questão que vem suscitada no âmbito da presente revista é a de saber se existe erro de julgamento do acórdão recorrido ao subsumir a relação jurídica laboral que os Autores mantêm com as empresas do grupo SATA ao regime de incompatibilidades do n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação.

2.2. Do alegado erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto no artigo 78.º do Estatuto da Aposentação

2.2.1. Como já se referiu, a questão da subsunção de contratos de trabalho de pilotos de linha aérea, celebrados por pensionistas da Caixa Geral de Aposentações com empresas de capitais públicos, ao disposto no n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, não é nova para este Supremo Tribunal Administrativo.

Nos já referidos acórdãos de 21 de Maio de 2020 (processo n.º 2111/14.6BESNT) e de 2 de Julho de 2020 (processo n.º 243/15.2BELSB) concluiu-se e sumariou-se o seguinte:

“I - O legislador do DL n.º 137/2010, de 28/12, ao conferir uma nova redacção aos artºs. 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, visou atingir a remuneração com dinheiros públicos ou o “vencimento público”, estabelecendo que este deixava de poder ser auferido em cumulação com as pensões do sistema público de aposentação.

II - Sendo a TAP, ainda que pessoa colectiva privada, uma empresa pública sob a forma de sociedade anónima à data do acto impugnado, são públicos os vencimentos auferidos pelos AA. enquanto pilotos dessa empresa, os quais estavam, por isso, abrangidos pela aludida incompatibilidade”.

No essencial, esta jurisprudência, aderiu à tese expendida no acórdão de 13 de Dezembro de 2017 (processo n.º 01456/16) a respeito do conceito de “vencimentos públicos” e da respectiva proibição de acumulação com pensões do sistema público de aposentação. Proibição que foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, com o objectivo de “reduzir a despesa pública”.

Concluiu-se naqueles acórdãos que a incompatibilidade abrangia todos os “vencimentos públicos”, no sentido de “remunerações pagas com dinheiros públicos”, ou seja, remunerações suportadas pelo erário público.

2.2.2. Os casos dos pilotos da TAP, decididos nos já referidos acórdãos de 21 de Maio e 2 de Julho de 2020, analisaram o problema à luz da interpretação do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação na redacção dada pelo mencionado Decreto-Lei n.º 137/2010, que dispunha, com interesse para a questão, o seguinte:

“1 - Os aposentados, reformados, reservistas fora de efectividade e equiparados não podem exercer funções públicas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas colectivas públicas, excepto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excepcional, sejam autorizados pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública”
(…)
3 - Consideram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:
a) Todos os tipos de actividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e, quando onerosos, forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços (…)”.

E concluíram que aqueles pilotos auferiam da TAP — “empresa pública que fazia parte da Administração estadual privada” —, no âmbito do contrato de trabalho regulado pelo direito privado celebrado com aquela empresa, “vencimentos públicos”, que o legislador intencionalmente tinha querido abranger no âmbito das incompatibilidade consagradas na nova redacção do n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, como resultava claro da sua conjugação com o disposto no n.º 3 do mesmo artigo. Com estes fundamentos, concluiu-se naqueles arestos que os contratos de trabalho antes mencionados integravam o conceito amplo de “exercício de funções públicas”, previsto no n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação.

2.2.3. E não podemos deixar de acompanhar e reiterar aquele entendimento. Aliás, a redacção do referido n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação foi novamente alterada pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, passando a norma agora a dispor o seguinte:

“1 - Os aposentados, reformados, reservistas fora de efetividade e equiparados não podem exercer atividade profissional remunerada para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública”.

Esta modificação da redacção teve um intuito clarificador da norma e não modificador da mesma, limitando-se o seu objectivo a externalizar de forma mais clara o que era já o conteúdo da norma, em linha, de resto, com o decidido na jurisprudência anterior que temos vindo a mencionar.

Aliás, esta é também a interpretação que podemos extrair do cotejo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional a respeito do conceito de “vencimentos públicos”, que foi vertida na jurisprudência durante os anos de crise financeira. Período em que foram também aprovadas as alterações legislativas do Estatuto de Aposentação aqui em análise.

Com efeito, a interpretação alargada de “vencimento público”, correspondente a toda a percepção de remunerações decorrentes do Orçamento do Estado, independentemente da forma pública ou privada em que assentasse o seu pagamento, foi sufragada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 396/2011, quando, a propósito dos cortes salariais impostos pelos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, afirmou que aquela medida abarcava “(…) todo o perímetro da Administração Pública (entendida no seu conceito mais lato), incluindo nomeadamente, nos termos das alíneas p), s), t) e u) do n.º 9 do artigo 19.º, da lei do Orçamento do Estado, os gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários dos institutos públicos de regime geral e especial, de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas; os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo; os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, com as adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial; e, ainda, os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores”.

E reiterou depois esta ideia alargada de “vencimento público” no acórdão n.º 353/2012, ao concluir que, em matéria de consolidação orçamental, “é certamente admissível alguma diferenciação entre quem recebe por verbas públicas e quem actua no sector privado da economia”.

2.2.4. Definido o sentido interpretativo a dar ao n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, cumpre agora verificar se as remunerações pagas pelas empresas do grupo SATA aos Autores se devem ou não subsumir àquele conceito de “vencimentos públicos”, que corresponde ao conceito de “exercício de funções públicas” referido no n.º 1 do artigo 78.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010.

Ora, como bem se explica no preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 23/2005/A, de 20 de Outubro, que constituiu a SATA - Sociedade de Transportes Aéreos, SGPS, S.A.: “o Decreto-Lei n.º 490/80, de 17 de Outubro, extinguiu a SATA - Sociedade Açoreana de Transportes Aéreos, S. A. R. L., e constituiu ex novo a empresa pública Serviço Açoriano de Transportes Aéreos, designada por SATA, E. P., e posteriormente denominada SATA Air Açores Serviço Açoreano de Transportes Aéreos, E.P. (artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/88/A, de 5 de Fevereiro), integrando-a no património da Região e sujeitando-a à tutela do Governo Regional. Tendo em vista a modernização e expansão da empresa, a sua adaptação às novas condições de liberalização do mercado de transporte aéreo e a flexibilização do seu estatuto, a SATA Air Açores foi transformada em sociedade anónima pelo Decreto-Lei n.º 276/2000, de 10 de Novembro, passando a ter a denominação de SATA Air Açores - Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos, S. A.”.

Aí se acrescenta ainda, com interesse para a solução do presente caso, o seguinte:

“[…] Sob a designação SATA existe hoje um conjunto bastante diversificado de actividades desenvolvidas por diferentes entidades jurídicas:

A SATA Air Açores - Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos, S. A., que desenvolve a actividade de transporte aéreo de passageiros, carga e correio inter-ilhas, presta serviço de manutenção e engenharia e exerce a actividade de assistência em escala (handling);

(…)

A SATA Internacional - Serviços e Transportes Aéreos, S.A., que, operando uma frota de jactos, desenvolve a actividade de transporte aéreo regular e não regular doméstico e internacional;

[…]”.

Quer isto dizer que as empresas com quem os Autores, e aqui Recorrentes, celebraram os contratos de trabalho que lhe proporcionavam as remunerações agora em apreço eram empresas de um grupo cujo capital social, à data a que respeita o litígio, era integralmente subscrito pela Região Autónoma dos Açores – artigo 3.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional n.º 23/2005/A, de 20 de Outubro.

Situação que se mantém, mesmo após o anúncio de diversas intenções de privatização de parte do capital social - v. Resolução do Conselho do Governo n.º 20/2018 de 28 de Fevereiro; Resolução do Conselho do Governo n.º 74/2018, de 20 de Junho, Resolução do Conselho do Governo n.º 66/2020, de 23 de Março.

Não seriam, por isso, sequer replicáveis neste caso as dúvidas que foram suscitadas no recente recurso de revisão – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Outubro de 2021 (proc. 02111/14.6BESNT) – a propósito da reprivatização da TAP.

E a circunstância de a SATA ser uma empresa de capitais regionais e não estaduais em nada contende com o facto de as remunerações pagas pelas empresas do grupo deverem igualmente qualificar-se como “remunerações públicas” para efeitos da aplicação do regime do n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, como bem concluiu o aresto recorrido.

Até porque, as razões que estão na origem desta interpretação, reconduzem-se à preocupação com a garantia da sustentabilidade financeira dos orçamentos públicos (estaduais e regionais, que, de resto, estão interligados por efeito das transferências orçamentais para as Regiões Autónomas – artigo 48.º da Lei orgânica, n.º 2/2013, lei das finanças regionais).

Assim, pelas razões antes invocadas, deve manter-se o decidido pelo acórdão do TCA Sul.

IV. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.