Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01956/18.2BEBRG |
Data do Acordão: | 04/24/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL ANULAÇÃO LIQUIDAÇÃO RECLAMAÇÃO JUDICIAL |
Sumário: | I - A anulação total da liquidação que esteve na origem da dívida exequenda tem como consequência inelutável a extinção da execução fiscal onde estava a ser cobrada tal dívida [cfr. arts. 176.º, n.º 1, alínea b), e 270.º, n.º 1, do CPPT]. II - Eventual novo acto a que a AT proceda em execução da decisão anulatória não permite a prossecução daquela execução fiscal, em qualquer medida, e nunca poderá ser cobrado o respectivo montante coercivamente (em nova execução fiscal instaurada com base em novo título) sem que se mostre esgotado o prazo para o pagamento voluntário. III - Caso a execução prossiga ao arrepio do que deixámos dito em I e II, porque estamos perante um comportamento imediatamente lesivo dos direitos do executado, este pode arguir essa ilegalidade directamente perante o juiz e através do meio processual previsto no art. 276.º e segs. do CPPT, não tendo previamente que suscitar a questão perante o órgão da execução fiscal. |
Nº Convencional: | JSTA000P24477 |
Nº do Documento: | SA22019042401956/18 |
Data de Entrada: | 03/26/2019 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A......., S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele tribunal, julgando procedente a reclamação deduzida pela sociedade acima identificada (adiante Recorrida) ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), determinou a extinção do processo de execução fiscal em que aquela era executada e o levantamento da garantia que prestou, no entendimento de que é judicialmente sindicável, por via da reclamação, o prosseguimento da execução fiscal depois de o tribunal arbitral ter anulado totalmente a liquidação que deu origem à dívida exequenda, prosseguimento esse que teve por ilegal. 1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A. A ora reclamante vem pelo presente incidente solicitar a extinção do processo executivo n.º 3590201601111248, bem como o levantamento da suspensão do mesmo, por força da garantia prestada, fundamentando a Reclamação na razão do órgão da execução fiscal (Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-2) não ter procedido à extinção do processo executivo supra referido, pelo facto da liquidação de IRC n.º 2016 8310033636, do ano de 2012, no montante a pagar de € 465.436,53, subjacente ao identificado PEF, ter sido integralmente anulada, em resultado da decisão colectiva arbitral, proferida no processo n.º 362/2017, transitada em julgado (negrito nosso). B. Em consonância com o acima invocado, pronunciou-se o douto Tribunal a quo, com o seguinte segmento decisório: “O Reclamante requereu pronúncia arbitral, junto do CAAD, contra a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2012, identificada com o n.º 2016 8310033636 e os juros compensatórios n.ºs 2016 0000551877 e 2016 0000551878, onde se evidencia um montante de imposto a pagar de € 465.436,53, dos quais € 225.746,33 correspondem a tributação autónoma (TA) e € 48.465,46 a juros compensatórios. […] Nessa conformidade, e considerando que a decisão arbitral proferida no processo n.º 362/2017-T procedeu à anulação total, e não apenas parcial do acto de liquidação subjacente ao processo de execução fiscal n.º 3590201601111248, a Administração Fiscal estava obrigada a cumprir o que aí se determinou (conforme artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/2011, de 20/01) e a retirar da anulação da liquidação as devidas consequências, quais sejam, atento o disposto nos artigos 176.º, n.º 1, alínea b) e 270.º, n.º 1, ambos do CPPT, a de extinguir o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida titulada por aquela liquidação com o consequente levantamento da garantia prestada para efeitos da suspensão do processo de execução fiscal. Não o tendo feito espontaneamente, […] importa determinar a extinção do processo de execução fiscal n.º 3590201601111248, nos termos do artigos 176.º, n.º 1, alínea b) e 270.º, n.º 1, ambos do CPPT, e o levantamento da garantia prestada, nos termos do artigo 271.º do CPPT”. C. O Mm.º Juiz [do Tribunal] a quo proferiu a seguinte DECISÃO: “Julgar procedente a presente Reclamação procedente e, em consequência, determinou a extinção do processo de execução fiscal n.º 3590201601111248, com o consequente levantamento da garantia prestada para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal”. D. É da referida decisão do Tribunal a quo que a Fazenda Publica discorda, por entender, salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, que o M.º Juiz [do Tribunal] a quo fez errada interpretação e aplicação das disposições legais ao caso concreto, ao ter considerado, como considerou, que a questão que contende com a execução espontânea de decisão judicial, podia ser apreciado na forma de processo que o Reclamante lançou mão, muito embora, na douta sentença, admitisse o que aqui se passa a transcrever: “O enfoque referido pela Reclamante assenta nos efeitos, em sede de processo de execução fiscal, da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 362/2017-T, designadamente atinentes à possibilidade de prosseguimento do processo de execução fiscal para cobrança de valores divergentes daqueles inicialmente instaurados, e seus efeitos na garantia apresentada com vista à suspensão da execução fiscal. Com efeito, o facto de inexistir, no caso concreto, qualquer “despacho reclamado”, na medida em que a extinção da execução e/ou o levantamento da garantia prestada para efeitos de suspensão da execução fiscal não foi directamente peticionada, nem directamente objecto de despacho expresso de indeferimento, não é de molde a obviar à sindicância judicial de actuação implícita de prosseguimento de execução fiscal (a AT prosseguiu com a execução fiscal para cobrança dos valores considerados fora da alçada da decisão arbitral, o que se retira, desde logo, da emissão de “liquidação correctiva””. (sublinhados nossos). E. Conforme acima se transcreveu na parte da fundamentação extraída da douta sentença, o M.º Juiz [do Tribunal] a quo deixou exarado que o órgão da execução fiscal não havia praticado nenhum acto no seio do processo executivo. Ora, F. constituindo a reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução e por finalidade a apreciação da validade desse acto; e, G. estabelecendo o n.º 1 do art. 277.º do CPPT o prazo de 10 dias para deduzir reclamação judicial dos actos materialmente administrativos em matéria tributária praticados no âmbito do processo de execução fiscal, contados desde a sua notificação; H. da factualidade dada como provada na douta sentença a quo ficou assente que, face à inexistência da prática de qualquer acto e/ou despacho proferidos na execução fiscal, consequentemente, inexistiu a notificação referida no predito artigo 277.º, n.º 1, que permitisse ao Reclamante apresentar a Reclamação do art. 276.º do CPPT. I. Donde, considera a Fazenda Pública, salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, que esta Reclamação da decisão do artigo 276.º do CPPT, deveria ter sido rejeitada, porque, dada a estrutural dependência desta em relação à execução fiscal na qual é praticado o acto potencialmente lesivo “reclamável”, e, inexistindo, in casu, a prática de qualquer acto lesivo, inexistia fundamento para deduzir a Reclamação do artigo 276.º do CPPT. J. Apesar disso e não obstante o M.º Juiz [do Tribunal] a quo expressamente referir na fundamentação expressa na douta sentença recorrida (acima transcrita - pontos D e E), certo é que deu por assente que a causa de pedir e o pedido se adequavam à forma de processo utilizada pelo ora Reclamante. K. Na presente Reclamante a Reclamante deduz como pretensão a imediata extinção do processo executivo, com todas as consequências legais. L. Porém, não podemos perder de vista que, no caso dos autos, está em causa o cumprimento da execução espontânea da decisão arbitral por banda da AT, tendo esta interpretado a acção como sendo parcialmente procedente e, em consequência, procedeu à correspondente anulação “parcial” da liquidação de IRC, no valor de 410.645,67 €, prosseguindo o processo executivo pelo remanescente – € 47.007,87, cujo procedimento é o que subsume à “questão a dirimir” e que é o ponto de discordância do Reclamante e da AT. M. Nessa medida, parece-nos, sempre com o devido respeito e melhor opinião, que, tendo o Reclamante em vista o de colocar em crise a “incorrecção” da execução espontânea da decisão arbitral – proferida no âmbito do processo “CAAD” n.º 362/2017-T, levada a cabo pelo OEF, teria que ser discutida, não em sede de Reclamação da decisão do órgão da execução fiscal, admitida e decidida pelo douto Tribunal a quo, mas, antes, em sede de execução de julgado, previsto nos artigos 158.º e 176.º e ss. do CPTA. N. Nesta sequência, e quando se analisa o exposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), temos que nos termos do artigo 158.º, n.º 1, daquele diploma “as decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas”. O. De acordo com o regime vertido no n.º 1, do artigo 160.º do CPTA: “os prazos dentro dos quais se impõe à Administração a execução das sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos correm a partir do respectivo trânsito em julgado”. P. E no n.º 1 do artigo 175.º, do CPTA, que, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar deve ser integralmente cumprido, no máximo de 90 dias. Q. Se tal não se verificar, determina o n.º 2 do artigo 176.º do CPTA, que o interessado dispõe do prazo de um ano para pedir a respectiva execução ao Tribunal competente (negrito nosso). R. Do antedito, se, in casu, a AT, não tivesse executado espontaneamente a decisão arbitral, no prazo legalmente previsto, o Reclamante teria que se socorrer da execução de Julgado, de harmonia com o disposto nos artigos 151.º, 158.º, 175.º e 176.º do CPTA. S. A exemplo do que acima ficou dito, interpretando as referidas normas e aplicando-as ao caso concreto, somos de opinião, salvo sempre o devido respeito, que o que está em causa nos presentes autos é sempre a decisão arbitral – a execução espontânea da decisão arbitral que a AT executou espontaneamente (sublinhado nosso). T. O processo de execução de julgado está sujeito ao princípio da plenitude da execução, no sentido que é nele que se há-de apurar da legalidade de todos os actos de execução do julgado anulatório. U. Tal significa que a obrigação de respeito pelo caso julgado formal sobre a decisão judicial impede a Administração Tributária de actuar de forma que com ela seja incompaginável. V. Quanto ao conteúdo do dever de executar, impõe-se ter presente o disposto no art. 100.º da LGT, o qual aponta no que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade (…)”. W. Nessa sequência, crê-se, que se impunha ao douto Tribunal a quo uma leitura mais incisiva da matéria em apreciação, até porque o que está em causa nos autos é, sem sombra de dúvida, a execução do julgado que se impôs à Administração Tributária, em resultado de decisão arbitral, e não qualquer acto ou despacho proferido no âmbito do processo executivo que fundamente a apresentação de Reclamação da decisão do órgão, conforme atrás ficou expresso. X. Destarte, salvo o devido respeito, somos da opinião que a douta sentença, procedeu a errónea interpretação do artigo 276.º, do CPPT, e a sua aplicação ao caso concreto, por falta de preenchimento dos pressupostos previstos no citado dispositivo legal. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Exas., deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre, a costumada JUSTIÇA». 1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo. 1.4 A Executada apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor: «A. O recurso em apreço incide sobre uma sentença na qual o Tribunal determina a anulação total de uma liquidação que deu origem a uma execução fiscal de € 465.436,53, que não decorria de uma qualquer soma de valores de correcções e que, portanto, não podia ser dividida para ser anulada parcialmente – a decisão diz, preto no branco, que ordena uma “anulação total” – um acto de execução consequente de uma “nova” liquidação de um valor cujo processo de quantificação e fundamento se desconhece vai para além da mera execução espontânea de sentença e é em si, um “novo” acto, independentemente de ostentar o mesmo número de processo da execução fiscal precedente. B. Relativamente ao teor desta sentença, a Recorrida adere, na íntegra, à posição perfilhada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, e às conclusões extraída em matéria de prova produzida, bem como ao raciocínio jurídico o qual está em linha com a jurisprudência dos Tribunais Superiores. C. É a própria AT que reconhece expressamente ter praticado um acto positivo no sentido do prosseguimento do processo executivo relativamente ao remanescente da dívida exequenda que no seu (erróneo) juízo o Tribunal Arbitral consentiu (vide artigo 14.º das alegações da Recorrente). D. Não pode, por conseguinte, vir a RFP arguir, nas suas alegações de recurso, que inexiste, “no caso, a prática de qualquer acto lesivo” (artigo 10.º das alegações da AT) na tentativa de justificar um erro na forma do processo, para acabar por ela própria afirmar a existência desse acto lesivo: o prosseguimento do processo de execução fiscal após ter “entendido” que a liquidação que servia de título executivo àquele processo foi apenas anulada parcialmente (cfr. artigo 14.º das alegações da AT). E. A argumentação esgrimida nas alegações de recurso coloca o acento tónico na execução espontânea da decisão arbitral por parte da AT, uma vez que aquela entidade interpretou o pedido como sendo parcialmente procedente, com base nessa interpretação, alegadamente respeitou o caso julgado formal. Nesse sentido, alega a AT “se, in casu, a AT não tivesse executado espontaneamente a decisão arbitral, no prazo legalmente previsto, o Reclamante teria que se socorrer da execução de julgado” (cfr. artigo 20.º das alegações). F. Ora, a verdade é que a Recorrida viu a sua pretensão de anulação da liquidação adicional de IRC (subjacente ao processo de execução fiscal) ser julgada totalmente procedente. G. Tendo sido totalmente anulada a liquidação de IRC em execução, o que iria a Recorrida peticionar numa “execução de julgados” quando o acto lesivo estava precisamente a ser praticado no âmbito do processo de execução fiscal instaurado por referência à liquidação de IRC totalmente anulada e nada havia a pagar, pois a recorrente tinha apresentado garantia para suspender a execução? H. Quanto ao alegado erro na forma do processo, e ciente de que a presente reclamação se debruçava sobre os efeitos da decisão arbitral proferida no processo n.º 362/2017-T no processo de execução fiscal n.º 3590201601111248, ao ter determinado a anulação integral da liquidação de IRC de 2012 (o título executivo, portanto), o Tribunal a quo fixou, e bem, o seguinte entendimento: “Com efeito, o facto de inexistir, no caso em concreto, qualquer «despacho reclamado», na medida em que a extinção da execução e/ou levantamento da garantia prestada para efeitos de suspensão da execução fiscal não foi directamente peticionada, nem directamente objecto de despacho expresso de indeferimento, não é de molde a obviar à sindicância judicial de actuação implícita (ou não tão implícita assim) de prosseguimento de execução fiscal” (pág. 8 da sentença). I. Atenta a natureza judicial da execução fiscal – expressamente contemplada na LGT e a possibilidade de pedir a sindicância judicial de todos os actos praticados pela AT que sejam lesivas – possibilidade constitucionalmente garantida – é reconhecido, por um lado, o controlo jurisdicional da legalidade de todo o processo executivo e, por outro, o direito de os interessados reagirem por via judicial contra todos os actos e omissões praticados pelo órgão da execução fiscal ou por outras autoridades administrativas e que lesem os seus direitos ou interesses legítimos (independentemente da sua natureza administrativa ou processual). J. É neste contexto que o prosseguimento (que a própria AT afirma ter existido), ou a não extinção, do processo de execução fiscal n.º 3590201601111248, e o levantamento da suspensão, sem a restituição da garantia prestada – por chocar frontalmente com o caso julgado da decisão arbitral proferida no processo n.º 362/2017-T – consubstancia um acto praticado em sede de execução fiscal pelo órgão competente com imediata lesividade para os direitos e interesses legítimos da Recorrida (i.e., com repercussão negativa imediata na esfera jurídica da sua destinatária quando a sua lesividade não puder ser diferida por meios administrativos de impugnação), K. Quanto aos efeitos da decisão arbitral proferida no processo n.º 362/2017-T no processo de execução fiscal n.º 3590201601111248, e intrinsecamente ligados à adequação do meio processual mobilizado, estes são unívocos: assim que se verifica, no contencioso arbitral de mera anulação, a anulação total, e não parcial, da dívida subjacente à execução fiscal, acham-se reunidas as condições legais para a extinção desse processo executivo cujo título executivo (a liquidação adicional de IRC) foi totalmente anulado. L. A este propósito, o Tribunal a quo socorreu-se do (recente) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.04.2018, proferido no processo n.º 410/17.4BELLE (disponível em www.dgsi.pt) – o qual assentava sobre uma situação fáctica em tudo idêntica à presente –, e segundo o qual: “Efectivamente, tendo a sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 812/13.5BELLE procedido à anulação total do acto de liquidação adicional de IRS n.º 2012.5005002638, tal anulação tem como efeito a eliminação do mesmo acto tributário da ordem jurídica, pelo que, estando na origem do processo de execução fiscal uma liquidação que foi anulada, o processo executivo terá de ser declarado extinto, oficiosamente, por força do disposto nos arts. 176.º, n.º 1, al. b) e 270.º, n.º 1, do C.P.P.T., uma vez que tal anulação tem como consequência a anulação da própria divida exequenda, constituindo o prosseguimento do processo executivo a violação de uma situação de caso julgado”. M. Em suma, considerando que a decisão arbitral proferida no processo n.º 362/2017-T procedeu à anulação total, e não apenas parcial do acto de liquidação contestado, a AT estava obrigada a cumprir o que aí se determinou – a coberto do artigo 24.º do RJAT, com amparo constitucional no artigo 205.º da CRP – e a retirar da anulação da liquidação as devidas consequências, quais sejam, atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 176.º, no n.º 1 do artigo 270.º e no artigo 271.º do CPPT, a de extinguir o processo de execução fiscal n.º 3590201601111248 instaurado para cobrança coerciva da dívida titulada por aquele acto de liquidação anulado, e de levantar a garantia prestada para efeitos de suspensão desse processo executivo. Nestes termos e nos mais de Direito, deve o recurso interposto pelo RFP ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida». 1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] Resulta do estatuído no artigo 276.º do CPPT que podem ser objecto de reclamação judicial quaisquer decisões ou actos que tenham potencialidade lesiva praticados no processo de execução fiscal, incluindo actos e operações materiais de execução. 1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo [cfr. art. 36.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi dos arts. 2.º, alínea c) e 278.º, n.º 6, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença deu como provados os seguintes factos: «1. A Reclamante foi, em 2015, alvo de uma inspecção tributária, ao exercício de 2012, em sede de IRC e de IVA, a qual culminou com a emissão da liquidação de IRC n.º 2016 8310033636, consubstanciada na demonstração de liquidação de IRC n.º 2016 00006175945, demonstração de acerto de contas n.º 2016 00002576069 e demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao exercício de 2012, no montante de imposto a pagar de € 465.436,53 – facto não controvertido e conforme aos docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido; 2. Em 03-08-2016, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-2, contra a executada A………….., S.A., NIPC ………….., o processo de execução fiscal n.º 3590201601111248, para cobrança coerciva da liquidação de IRC e Juros Compensatórios identificada no ponto anterior – cfr. fls. 1 a 3 do processo de execução fiscal apenso; 3. Tendo em vista a suspensão da execução fiscal identificada em 2), a Reclamante apresentou, em 08-08-2016, penhor sobre os inventários, o qual foi aceite como garantia pela Administração Fiscal – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial e fls. 4 a 42 do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido; 4. A Reclamante apresentou junto do CAAD: Arbitragem Tributária, pedido de pronúncia arbitral contra a liquidação identificada em 1), o qual correu seus termos sob o processo n.º 362/2017.T – facto não controvertido e conforme ao doc. n.º 2 junto com a petição inicial; 5. Em 23-01-2018 o tribunal arbitral proferiu decisão, cujo segmento decisório é do seguinte teor: 6. Na fundamentação da decisão arbitral identificada no ponto anterior, sobre o ponto “3.3. Conclusão sobre as liquidações de IRC e tributação autónoma” consignou-se o seguinte: 7. As partes não interpuseram recurso da decisão arbitral identificada em 5) – facto não controvertido e conforme ao doc. n.º 4 junto com a petição inicial; 8. Na sequência da decisão arbitral identificada em 5), a Administração Fiscal emitiu a “Demonstração de liquidação de IRC” n.º 2018 8310001854, consubstanciada na compensação n.º 2018 00005370205, no montante a pagar de € 47.007,87 – cfr. doc.s n.ºs 4 e 5 juntos com a petição inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido; 9. A Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de imposto identificada no ponto anterior – cfr. doc. n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido; 10. O processo executivo aludido em 2) prossegue seus termos para cobrança dos valores identificados em 8) – facto não controvertido e conforme aos docs. 4 e 5 juntos com a petição inicial e fls. 110 do processo de execução fiscal apenso; 11. A presente acção foi apresentada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-2, por carta registada, em 31-08-2018 – cfr. fls. 93 do suporte electrónico dos autos». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR A liquidação de IRC que deu origem à dívida exequenda foi anulada por acórdão do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD (Acórdão proferido em 23 de Janeiro de 2018, no processo n.º 362/2017-T, disponível em * 2.2.2 DA DECISÃO QUE ANULOU A LIQUIDAÇÃO QUE ESTÁ NA ORIGEM DA DÍVIDA EXEQUENDA: SUA INTERPRETAÇÃO (ANULAÇÃO TOTAL OU PARCIAL?) E EFEITOS SOBRE A EXECUÇÃO FISCAL A Recorrente sustenta que a decisão arbitral que apreciou a legalidade da liquidação que esteve na origem da dívida exequenda não anulou a liquidação totalmente, mas apenas parcialmente. * 2.2.3 DO USO DA RECLAMAÇÃO JUDICIAL 2.2.3.1 PODIA A EXECUTADA RECLAMAR JUDICIALMENTE SEM ANTES ARGUIR A NULIDADE PERANTE O ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL? A Recorrente sustenta que não podia a Executada ter lançado mão da reclamação judicial uma vez que inexiste qualquer decisão ou acto do órgão da execução fiscal que possa constituir o seu objecto. 2.2.3.2 A EXECUTADA DEVERIA TER RECORRIDO AO INCIDENTE DE EXECUÇÃO DO JULGADO? A Recorrente sustenta ainda que a questão suscitada pela Executada em sede de reclamação não podia ser suscitada senão em incidente de execução do julgado, na medida em que traduz uma divergência relativamente ao alcance do caso julgado. * 2.2.4 CONCLUSÕES De acordo com o que deixámos dito, a bem fundamentada sentença não é merecedora de censura alguma, motivo por que o recurso não merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. * Lisboa, 24 de Abril de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo. |